A
OUTORGA ONEROSA DO PLANO DIRETOR DE SÃO PAULO: ÔNUS E NÃO OBRIGAÇÃO
EROS
ROBERTO GRAU
01 . - O projeto de lei do Plano Diretor de São Paulo instituiu
coeficiente de aproveitamento não oneroso único para todos os terrenos contidos
na Zona Urbana do Município, igual a 1,0, excetuados os contidos nas Zonas
Especiais e ressalvados alguns casos.
Segundo o projeto, o Executivo poderá outorgar, nas Zonas
Adensáveis, de forma onerosa, autorização para construir área superior Aquela permitida pelo coeficiente de aproveitamento único,
não oneroso.
Isso significa que a, autorização de que se trata, poderá ser
obtida, dentro do limite de estoque de área edificável estabelecido
pela lei em regra contra o pagamento de valor em dinheiro ao município
02. - A instituição da outorga onerosa em questão não discrepa
daquela que equacionou, em conclusão, a Carta do Embu, de 11-12 de dezembro de
1976: "É constitucional exigir, na forma da lei municipal, como condição
de criação de solo, que o interessado entregue o Poder Público áreas
proporcionais ao solo criado; quando impossível a oferta dessas áreas, por
inexistentes ou por não atenderem às condições legais par tanto requeridas pelo
equivalente econômico" 1 :(grifei).
A mesma Carta do Embu, alias, explicitou
que "admite-se que, assim como o loteador é obrigado a entregar ao Poder
Público áreas destinadas ao sistema viário, equipamentos públicos e lazer,
igualmente, o criador de solo deverá oferecer à coletividade as compensações
necessárias ao reequilíbrio urbano reclamado pela criação do solo adicional 2.
Há, assim, paralelo evidente entre a outorga onerosa postulada no
projeto de lei do Plano Diretor de São Paulo e essas "compensações"
que nos termos da Carta do Embu, o criador de solo "devera" oferecer
à coletividade".
03. - A entrega, pelo loteador A coletividade, de, áreas
destinadas a sistema de circulação, a implantação de equipamentos urbano e
comunitário, bem como a espaços livres de uso publico,
instituída pela Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, é análoga à
onerosidade da outorga em questão.
Assim, indagar do caráter jurídico dessa entrega compulsória é
algo similar a indagar-se do caráter jurídico da onerosidade da outorga de que
cogita o projeto de lei do Plano Diretor de São Paulo.
Dúvida não resta quanto à caracterização de tal entrega como uma
condição para o exercício do direito de lotear, ou seja, um ônus desse
exercício.
04. - 0 que ora importa questionar é, precisamente. o caráter da oneração que o projeto de lei do Plano Diretor
de São Paulo visa a instituir.
Demonstrado que se trata, no caso, de um ônus, afasta-se a
argumentação, equivocada, nos termos da qual constituiria, aquela oneração, uma
forma tributaria. Estas são dotadas de caráter obrigacional. Logo, se de
obrigação, no caso, não se tratar - porém de ônus - por evidente não se poderá,
no caso, postular a existência de oneração tributária.
Dedico-me pois, nas linhas que seguem, valendo-me de exposição que
desenvolvi em outra oportunidade 3, a expor as distinções que apartam as figuras jurídicas da
obrigação, do dever e do ônus.
05. - Os vocábulos obrigação, dever e ônus são termos de
concertos, técnico-jurídicos. De concertos absolutamente determinados. Por isso
se impõe, sempre, o uso rigoroso desses vocábulos, quando expressão dos
concertos técnico- jurídicos em referência. Não obstante, porque tais vocábulos
são ambíguos, inúmeras vezes, na doutrina, são usados de modo indevido,
comprometendo-se, com isso, tanto o pensamento claro quanto a expressão lúcida.
Importa-nos, assim, a enunciação das significações que expressam
tais vocábulos na linguagem jurídica, enquanto termos de concertos
técnico-jurídicos.
06. - O termo obrigação, como adverte Manuel A. Domingues de
Andrade 4, é usado, em sentido amplo, na linguagem jurídica como sinônimo de
dever jurídico, ou como incluindo também a noção de suijeição.
Cumpre-nos, pois, inicialmente, discernir os sentidos que se designam sob tais
vocábulos.
A sujeição, na postulação de Carnelutti 5, é a expressão subjetiva do comando jurídico, considerado no seu
lado passivo isto é, da parte de quem é comandado; significa necessidade de
obedecer. Pelo lado ativo, o comando jurídico se realiza, enquanto expressão
subjetiva, em poder. Está em situação de sujeição, pois, quem quer que esteja
colocado no lado passivo, em relação àquele ao qual o comando tenha atribuído
um poder jurídico.
Nela se situa, por exemplo, o mandatário, quando decida a mandante
revogar a outorga expedida. O mandatário, em situação de sujeição, há de
obedecer, suportando os efeitos da revogação.
Distinguindo a sujeição do dever, Carnelutti
6 aponta que este é um vínculo imposto à vontade, ao passo que
aquela significa impossibilidade de querer com eficácia.
O dever jurídico consubstancia precisamente uma vinculação ou
limitação imposta à vontade de quem por ele alcançado. Definido como tal pelo
ordenamento jurídico, o dever há de ser compulsoriamente cumprido, sob pena de
sanção jurídica - o seu não atendimento configura comportamento ilícito.
Aspecto fundamental, a aproximar a sujeição do - porque comum à
essência de ambos - é o referido à circunstância de que tanto um quanto o outro
silo impostos em razão do da tutela de interesses alheios aos dois sujeitos por
eles alcançados. A consideração de tal aspecto adiante retornarei.
A obrigação - tomado o vocábulo em sentido estrito supõe uma
situação de dever, em que se coloca o devedor. Não obstante, é certo que o
conceito de dever transcende o âmbito do direito das obrigações: há deveres
jurídicos que não compreendem obrigações de nenhuma espécie. Assim, v.g., com
relação ao dever, de todos, de abstenção da prática de condutas definidas como
crimes 7.
07. - O termo obrigação, como vimos é em sentido amplo usado para
designar o elemento passivo de qualquer relação jurídica 8. Cumpre neste passo, pois, discernir o seu significado em sentido
estrito, quando a palavra obrigação passa a constituir o termo próprio de uma
classe de relações jurídicas - a obrigacional - que se coloca em paralelo à dos
direitos reais, à dos direitos de família e à dos direitos de sucessão.9
Neste sentido, estrito, a obrigação consubstancia um vínculo em
razão do qual uma pessoa (devedor) deve à outra (credor) o cumprimento de uma
certa prestação. A obrigação consubstancia um direito relativo, na medida em
que o crédito que dela decorre apenas pode ser exigido, pela pessoa ou
pluralidade de pessoas dele titular, contra a pessoa ou pluralidade de pessoas
na situação de devedor. Aí a distinção fundamental entre obrigação e direito
real: este pode ser exigido erga omnes. De outra parte, diz-se também
constituir, a obrigação, um direito pessoal, conquanto que, descumprido o dever
de prestação, a sua execução forçada ou providência que a substitua só é
exigível por iniciativa do credor; de toda sorte, é certo que o devedor tem,
perante o credor, um dever sancionado pelo Direito.
Qualquer que seja a concepção - monista ou dualista - que se adote
em relação à obrigação, há de ser ela entendida como modalidade específica de
dever jurídico. Apenas, no Segundo caso, da concepção dualista, ao lado da sub-relação de dever (Schuld),
remanesce outra sub-relação (Haftung),
de responsabilidade, que coloca o devedor em situação análoga à de sujeição.
Podemos, pois, ter que - tal como no dever - na obrigação, o
cumprimento da prestação, pelo devedor, importa atendimento de interesse
alheio, isto é, do credor. O descumprimento da prestação, por outro lado, é
juridicamente sancionado.
08. - Atribui-se a Brunetti a primeira
teorização a respeito do ônus 10. Inicialmente, em seu II delito civile
(1906), a seguir em seu Norme e regole
finali nel diritto (1913), Brunetti postula
o entendimento de que nem todas as normas jurídicas têm caráter imperativo.
Segundo ele, há uma categoria delas - a das normas finais - que discipline de
modo não imperativo a conduta humana 11. Segundo Bobbio, tais normas são precisamente os imperativos
hipotéticos ou normas técnicas de Kant 12. Ao seu descumtrimento é conseqüente não a aplicação de uma sanção jurídica ao
sujeito, mas o não alcance de um determinado fim pretendido pelo sujeito. No
caso, a norma final, segundo Brunetti, estabelece o
que ele denomina um dever livre, distinto do dever que resulta imperativos
propriamente ditos.
A teorização de Brunetti, que leva à
construção da noção ônus, foi abandonada, em parte em razão de ter sido
inadequadamente estendida a hipóteses às quais não se pode amoldar, tais como a
das relações de natureza obrigacional. É óbvio que, ai, não cabe qualquer
alusão a dever livre ou ônus, visto como o sujeito que cumpre a prestação
obrigacional não o faz para evitar as conseqüências
do inadimplemento, mas age na conformidade de uma imposição normativa. Dai por que, aliás, a expressão dever livre é
contraditória: a noção de dever supõe atuação no interesse alheio; por isso que
o sujeito passivo do dever está por ele vinculado e dele não pode dispor, como
se estivesse ele referido ao seu próprio interesse 13.
É exato, porém, que Von Tuhr 14 apontava o fato de a palavra dever ser usada sem grande precisão
técnica, nos casos em que a lei condiciona a um ato a aquisição ou perda de um
direito. E toma dos exemplos do "dever", que tem o lesionado, de
evitar ou minimizar o dano e do "dever", que tem o credor, de
denunciar seu crédito em caso de concurso de credores. A realização de tais
atos, todavia - argumentava Von Tuhr - não é
expressão do cumprimento de um dever, mas sim de incumbências (Obliegenheiten) que cabem ao sujeito. O cumprimento de tais
"deveres" consubstancia gestão de um interesse pessoal, para que se
evite, a perda de um direito.
Este, precisamente, o ponto fundamental desde cuja colocação se
torna possível a completa compreensão da noção de ônus.
09. - Foi Carnelutti, no entanto, quem
de modo mais completo colocou as linhas acabadas da noção de ônus. Segundo ele,
falamos de ônus quando o exercício de uma faculdade é definido como condição
para a obtenção de uma certa vantagem; para tanto, o ônus é uma faculdade cujo
exercício é necessário para a realização de um interesse 15. E esclarece: dever e ônus têm em comum o elemento formal,
consistente no vínculo à vontade, mas diverso o elemento substancial, porque, o
vínculo é impostor quando se trata de dever, no interesse alheio, e,
tratando-se de ônus, para a tutela de um interesse próprio 16.
O ônus, destarte, é um vínculo imposto à vontade do sujeito em
razão, do seu próprio interesse. Nisto se distingue do dever - e da obrigagação - que consubstancia vinculo imposto àquela
mesma vontade, porém no interesse de outrem. Por isso que o não-cumprimento do
ônus não acarreta, para o sujeito, sanção jurídica, mas tão-somente uma certa
desvantagem econômica: a não obtenção da vantagem, a não satisfação do
interesse ou a não realização do direito pretendido. Já o não-cumprimento do
dever - ou da obrigação - acarreta sanção jurídica para o sujeito. Neste último
caso, o interesse a cuja tutela aproveita o cumprimento do dever é alheio à
pessoa do sujeito a ele vinculado; no primeiro caso, o interesse, a que
respeita a vinculação pelo ônus é do próprio sujeito vinculado.
Define-se o ônus, assim, como o instrumento através do qual o
ordenamento jurídico impõe ao sujeito um determinado comportamento, que deverá
ser adotado se não pretender arcar com conseqüências
que lhe serão prejudiciais 17. Ou como um comportamento que o sujeito deve adotar para alcançar
uma determinada vantagem, que consiste na aquisição ou na conservação de um
direito 18.
Carnelutti retorna a
distinção entre dever e ônus ao colocar as noções de ato devido e ato
necessário 19: ato devido é aquele que o direito objetivo impõe na tutela de
interesse alheio; ato necessário, o que o direito objetivo exige de quem quer
conseguir um certo fim, correspondente ao seu próprio interesse. No primeiro
caso, o dever; no segundo, o ônus.
10. - Dos ônus - ou incumbências - trata a doutrina alemã, sob a
designação de Obliegenheiten. A exposição de Karl Larenz 20, a propósito delas - que passo a reproduzir - é extremamente
expressiva. Os Obliegenheiten, Segundo ele, devem ser
distingui-las dos deveres jurídicos, Rechtspfilchten.
Aquelas correspondem condutas cujo cumprimento se verifica
basicamente no interesse daqueles de quem foram elas exigidas. Podemos
referi-las, segundo Reimer Schmidt, como deveres de
menor intensidade ou, segundo Enneccerus-Nipperdey,
como encargos que podem ser exigidos de um sujeito jurídico também no,
interesse de outro, sem que este outro, contudo, possa impor à parte por eles
vinculada o seu cumprimento. O característico é que o ordenamento jurídico,
neste caso, deixa o sujeito livre de qualquer coação e também de qualquer dever
de indenização, na hipótese de não-cumprimento da exigência, contentando-se, em
vez disso, com sanções mais amenas. Essa sanção mais amena geralmente consiste
na perda de uma melhor posição jurídica ou em outra desvantagem jurídica
qualquer. Disso se deduz que há distinção entre o descumprimento da Obilegenheit a o descumprimento de um dever. O ordenamento
jurídico não impõe o cumprimento da Obliegenheit como
um dever, categoricamente, mas apenas hipoteticamente. Quando, a pessoa
vinculada pela Obliegenheit deseja evitar a
desvantagem, deve cumprir a prestação que àquela corresponde; se não desejar
cumpri-la, tem de se conformar com uma certa desvantagem jurídica sem que
ninguém possa porém censurá-lo por ter ele se conduzido contra a lei.
11. - Postas tais noções, poderemos distinguir de um lado o dever
- e a obrigação - como vinculo imposto à vontade do sujeito em razão da tutela
de interesse alheio e cujo descumprimento compreende um ilícito, importando a
aplicação de sanção jurídica; de outro o ônus, como vínculo imposto à vontade
do sujeito como condição para a satisfação do seu próprio interesse e cujo
descumprimento não importa a aplicação de sanção jurídica, mas tão-somente
efeitos econômicos negativos 21.
A lei que, estabelece o ônus não impõe a adoção de uma conduta
pelo sujeito a ele vinculado, isto é, não fixa dever de conduta. Por isso não é
dever; não se, confunde nem com o dever, nem com a obrigação. Ao sujeito por
ele vinculado não se impõe a adoção da conduta definida pelo ônus; resta- lhe a
opção de não cumpri-la, se para tanto desistir da obtenção ou conservação de um
direito. Pretendendo obtê-lo ou conservá-lo, todavia, há de necessariamente
adotar aquela conduta, cujo cumprimento é condição para tal obtenção ou
conservação.
Fábio Konder Comparato 22 exemplifica com a necessidade no direito francês, de, no contrato
de seguro, o segurado informar ao segurador, assim que tiver conhecimento do
evento ou o mais tardar cinco dias após esse conhecimento, a ocorrência de
qualquer sinistro objeto da garantia do seguro. E com o disposto no art. 1.134.
3, do CC Francês: "les conventions
doivent être exécutées de bonne foi".
Giuseppe Lumia 23, com as formalidades relativas ao casamento: ninguém tem a
obrigação de casar-se, mas quem desejar contrair matrimônio válido há de
suportar o ônus de cumprir as formalidades que a lei prevê para que se realize
um matrimônio valido.
Visualizando hipóteses nas quais o objeto do ônus configura
prestações de dar - a caução, para participação de licitação pública e o antigo
depósito compulsório para viagem ao exterior - teremos que ninguém esta juridicamente compelido a participar de tais
licitações ou a viajar ao exterior.
Se, porém, alguém pretender fazer uso de tais direitos, ficará
sujeito - mas tão-somente neste caso - ao pagamento da caucão
ou do depósito. Em ambas as hipóteses estamos diante de ônus que compreendem
prestação de dar. O seu cumprimento respeita a satisfação não de interesse
alheio, mas dos próprios sujeitos vinculados pelo ônus. O não-cumprimento do
ônus não consubstancia ilícito e, portanto, não importa a aplicação de sanções
jurídicas àqueles sujeitos. O único efeito decorrente daquele não-cumprimento
se expressa em termos de desvantagem decorrente da impossibilidade de
participação na licitação e da viagem ao exterior. Os sujeitos em questão
vinculados por ônus, nem por isso estão compelidos ao pagamento da prestação de
dar (a) e a participação em licitação ou a viagem ao exterior (b).
Insisto em que inteiramente diversas destas são as situações em
que se colocam sujeitos vinculados por dever (dever legal) ou por obrigação
(dever obrigacional). Toda a gente está judicialmente compelida a não turbar a
propriedade alheia - aí um dever. Quem quer que contrate com outrem, estando na
situação -de devedor, esta juridicamente compelido a cumprir o objeto da
obrigação; quem quer que desenvolva atividade econômica sujeita a tributação
está juridicamente compelido a pagar imposto, a partir da formalização do
lançamento conseqüente à verificação do fato gerador
- aqui, nestes dois últimos casos, a obrigação, contratual e tributária. O
mesmo, também, ocorre na hipótese de obrigação tributária que tenha por objeto
o pagamento de taxa. Nela, o sujeito deve usar um determinado serviço público -
mesmo porque os remunerados por taxa são serviços públicos compulsórios - ou
desenvolve atividade sujeita ao poder de polícia.
Caracterizado aquele uso ou o exercício de tal atividade, surge a
obrigação de pagamento da taxa. Os sujeitos em questão, em todas essas
hipóteses, vinculados por dever ou obrigação, estão juridicamente compelidos ao
cumprimento de seus respectivos objetos.
12. - Sopesadas as observações acima alinhadas, poderemos referir
o ônus como vínculo que a lei impõe à vontade do sujeito como condição a
obtenção ou conservação, pelo próprio sujeito, de um interesse seu; neste
sentido, na dicção de Von Tuhr 24, o ônus é expressão da gestão de interesse pessoal; o sujeito
vinculado pelo ônus não está juridicamente compelido a cumprir o seu objeto,
tal como ocorre no dever e na obrigação; o seu não-cumprimento não implica de
sanção jurídica ao sujeito vinculado pelo ônus que não, exclusivamente, a
atinente à não obtenção ou não conservação de um direito.
13. - O conjunto das considerações até este ponto desenvolvidas
permite a verificação de que a outorga onerosa instituída pelo projeto de lei
do Plano Diretor de são Paulo configura um vinculo
imposto à vontade do proprietário de imóvel, em razão do seu próprio interesse ( interesse em construir além do coeficiente único não
oneroso de aproveitamento). O não-cumprimento do ônus - obtenção, onerosa, da
outorga - não acarreta, para o proprietário do imóvel, sanção jurídica, mas
tão-somente a desvantagem de não construir além daquele coeficiente. O
interesse a que respeita a vinculação pelo ônus é do próprio sujeito vinculado,
o proprietário do imóvel. O ônus, no caso, corresponde a um comportamento -
obtenção da outorga onerosa - que o sujeito ( proprietário
de imóvel ) deve adotar para alcançar vantagem que consiste na possibilidade de
construir além do coeficiente em questão, nem por isso poderá ser censurado por
se ter conduzido contra a lei.
Trata-se indubitavelmente, no caso, de um ônus, vínculo imposto à
vontade do proprietário do imóvel como condição para a satisfação do seu
próprio interesse e cujo descumprimento não importa a aplicação de sanção
jurídica, mas tão-somente efeitos econômicos negativos. Não há, pois, como
confundir a obtenção da outorga onerosa de que se cuida com qualquer figura a
que corresponda obrigação tributária.
NOTAS:
(1)- Carta do
Embu, in O solo criado/Carta do Embu, Fundação Prefeito Faria Lima, São Paulo,
1977, pág. 170.
(2) - ob. cit., pag. 169.
(3) - Direito, conceitos e normas jurídicas, Editora Revistas dos
Tribunais, São Paulo, 1988, pags. 114 e ss.
(4) - Teoria Geral das Obrigações, 3 ed., Livraria Almedina, Coimbra,
1966, p.1.
(5) - Sistema di Diritto Processuale Civile, v.I,
Cedam, Padova, 1936, p.51.
(6) - Ob. e loc. cits.
(7) - Neste sentido
Andreas von Tuhr, Tratado
de las Obligaciones, trad. de W. Roces,
t.I, Editorial Reus S/A, Madrid. 1934, p-5. No exame do pensamento de von Tuhr,
vali-me também de seu Aligemeiner Teil
des Schweizeishen Obligation Rechts, na tradução
francesa de Maurice de Torrenté e Emile Thilo (Partie Générale
du Code Federal des Obligations, v.I, 2a ed. Imprimérie Centrale S/A, Lausanne, 1933).
(8) - Cf. Manuel A. Domingues de Andrade, ob. cit., p.5.
(9) - ldem, ibidem. Manuel A. Domingues de
Andrade refere ainda outras classes de relações jurídicas: a dos direitos de
personalidade, a dos direitos sobre bens imateriais e a dos direitos
corporativos, que se integra na teoria das pessoas coletivas ou na das sociedade (obrigações).
(10) - Cf. Oberdan Tommaso Scozzafava,
"Onere (nozione)", in Enciclopedia del Diritto, Giuffrè
Editore, v. XXX, pp. 100/10.
(11) - Vide, a propósito, Oberdan Tommaso Scozzafava, ob. cit., p. 101;
Norberto Bobbio, Teoria della Norma Giuridica, G. Giappichelli,
Torino, 1968 pp. 160/l64; Gian Antonio Micheli, L'onere della prova, Cedam,
Padova, 1966, pp. 63/65.
(12) - O b. c i t., p. 1 60.
(13) - Uma critica mais incisiva e
postulação de Brunetti, em torno do dever livre, é
desenvolvida por Bobbio, ob. cit., pp. 163/164.
(14) - Tratado de las, Obligaciones,
cit.,
pp. 4/5 e Partie Générale du Code Féderal des
Obligations, cit., pp. 9/10.
(15) - Ob. cit., p. 55.
(16) - ldem, ibidem.
(17) - Cf. Oberdan Tommaso Scozzafava,
ob. cit., p. 109.
(18) - Cf. Giuseppe de Stefano, "Onere (dir. proc.civ.)", in Enciclopedia del Diritto, Giuffrè Editore, v. XXX, p. 65. Vide também,
a propósito da noção de ônus, além da exposição
de Manuel A. Domingues de Andrade,
ob. cit., p. 35, Haluk Tandogan, Notions Prèliminaires a la Theorie Générale des Obligations,
Librairie de L'Université -
George & Cie. S/A, Genéve,
1972, pp. 28/29.
(19) - Ob. cit., v. 11, 1938, pp. 73 e 84.
(20) - Aligemeiner Teil
des Bürgerlichen Rechts, Veriag C. H. Beck,
München, 1967, pp. 223/224.
(21) - Vide Thomas-Ramon Fernandez, Curso de Derecho
Administrativo, ( c/ Eduardo Garcia de Enterria), v. II, E. Civitas
S,/A, Madrid, 1981, p. 29.
(22) - Essai d'Analyse Dualiste de I'Obligation en
Droit Privé, Librairie Dalloz, Paris, 1964, p. 36.
(23) - Princípios
de Teoría e ldeología del Derecho, trad. de Afonso Ruiz Miguel, Editorial Debate, Madrid, 1982, P. 101.
(24) - Tratado de las Obligationes,
cit., p. 5 e Partie Générale du Code
Federal des Obligations, cit. p. 9.