FEDERALISMO BRASILEIRO E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

MÁRCIO AUGUSTO DE VASCONCELOS DINIZ

Professor da Universidade de Fortaleza - UNIFOR | Procurador do Município de Fortaleza.

MARTONIO MONT'ALVERNE BARRETO LIMA

Coordenador do Curso de Mestrado em Direito Constitucional da UNIFOR | Procurador do Município de Fortaleza.

ÍNDICE

I - Princípio Federativo a Estado Federal na História Política Brasileira
II - A Constituição Federal de 1988: O Novo Federalismo Brasileiro
III - O Federalismo na Jurisprudência do STF
IV - Conclusões
V – Bibliografia

I - PRINCÍPIO FEDERATIVO E ESTADO FEDERAL NA HISTÓRIA POLÍTICA BRASILEIRA

1.

O exercício do poder, no âmbito de um Estado, é um dos problemas mais importantes da teoria política moderna e pode se manifestar de forma centralizada ou descentralizada, segundo existam, respectivamente, apenas um ou vários centros de irradiação. 1

A centralização envolve a instituição, no âmbito do Estado, de um só centro de tomada de decisões, no que se refere à totalidade dos assuntos políticos e administrativos; em suma: o poder permanece unificado em torno de um só centro. De acordo com Jose Horácio Meirelles Teixeira 2, o poder político, num Estado centralizado: „não se divide, não se reparte com nenhuma outra ordem, por nenhuma outra autoridade. Todo o território estatal e todos os cidadãos, que aí se encontram, acham-se submetidos a um só governo, a uma só legislação, a uma só justiça".

Já na hipótese de um Estado descentralizado, em virtude da pluralidade de centros decisórios, existem vários ordenamentos jurídicos, muito embora coordenados em torno de uma ordem jurídica central. Ainda. segundo Meirelles Teixeira, trata-se de um Estado em que „... haverá, portanto, de um lado, assuntos, matérias, problemas de competência do governo central; e, de outro, assuntos, matérias, problemas deixados à competência de governos locais, isto é, dos governos provinciais ". 3

Nesse particular, é de especial relevância destacar a advertência de Georg Jellinek 4 : o Estado centralizado, em toda a sua pureza, „só pode ser considerado como um tipo teórico, mas não como um tipo real" (daí a relatividade dos conceitos de centralização e descentralização) - até mesmo porque „toda divisão de um Estado em círculos territoriais para fins de gestão administrativa e jurídica, implica necessariamente efeitos descentralizadores".

As questões que envolvem centralização e descentralização política são, na atualidade, muito delicadas. Com efeito, mesmo num Estado que se proclame democraticamente descentralizado, as atribuições exercidas pelo poder central, podem, na realidade, caracterizá-lo como um Estado fortemente centralizado (ou com tendências fortemente centralizadoras). 5

Tudo vai depender do contexto em que, na realidade, se desenvolvem as relações entre o poder central e os poderes locais, especialmente entre o executivo e o legislativo. No case brasileiro, per exemplo, o executivo tem assumido posturas francamente centralizadoras, prática esta que tem se revelado constante em muitos períodos da História constitucional brasileira: logo após a proclamação da República, no período getulista, na época da ditadura militar e, inclusive, no atual governo brasileiro - onde essa tendência centralizadora se mostra em toda a sua amplitude, em nome de uma fictícia estabilidade política e social. Desse modo, com base na distinção entre centralização e descentralização políticas no território de uma organização estatal, foi possível elaborar uma distinção, já sedimentada na teoria política, entre Estado unitário e Estado federal.

O princípio federativo concretiza a idéia de uma forma de descentralização do poder estatal no âmbito de seu território, buscando uma harmonia na coexistência de diversas ordens jurídicas parciais com uma ordem jurídica central. Pablo Lucas Verdú afirma que federar significa tornar Independentes determinadas unidades políticas que, até então, careciam de autonomia dentro de um mesma organização estatal 6

Num Estado federal, as respectivas esferas de competência regionais e central devem, o tanto quanto possível, ser harmoniosamente conciliadas. Juan Ferrando Badia, salienta que „o federalismo, como processo, e em sua cristalização jurídica sob a forma de Estado federal, encontra apoio, ineludivelmente, num tipo de estrutura social, numa qualidade específica de relações de convivência".7

Estas relações de convivência demonstram que o federalismo, em suas origens, foi ditado por razões eminentemente práticas, relacionadas com a convivência pacífica de aglomerações sócio-políticas diversas num mesmo território, mas todas elas com uma finalidade comum: participação de todas elas, na qualidade de Estados membros, na formação de uma
Vontade nacional soberana unificadora. 8

Para Ferrando Badia, a aspiração básica do federalismo radica na formação de unidades amplas cuja própria existência postula a existência de unidades menores, a manutenção do seu caráter originário e de sua liberdade de ação coordenada. Esta mescla de pretensões dá origem a dois princípios básicos do federalismo, quais sejam, autonomia a participação 9

Diante das considerações precedentes, já se pode destacar a definição de Estado federal, proposta por Pinto Ferreira: „O Estado Federal é uma organização, formada sobre a base de uma repartição de competências entre o governo nacional e os governos estaduais, de sorte que a União tenha a supremacia sobre os Estados-Membros a estes sejam entidades dotadas de autonomia constitucional perante a mesma União'. 10

É possível, igualmente, destacar alguns traços característicos do Estado Federal:

a) tendo em vista que se trata de um pacto entre diversos Estados para formarem uma Federação, os Estado-Membros conservam a sua autonomia, permanecendo a soberania, como atributo político inafastável, à União Federal;

b) o pacto entre estes Estado, antes soberanos, deve estar selado através de uma Constituição escrita e rígida, na qual estejam repartidas, de forma bastante clara, as competências que, aos Estados-Membros, em virtude de sua autonomia, devem ser asseguradas e onde estejam expressamente previstas as sanções a quaisquer tentativas de violação ou rompimento do pacto - o que possibilita a intervenção federal. 11 ;

c) em face da coexistência de dois tipos de ordens jurídicas - a central e as locais - os Estados-Membros, através de órgãos representativos, devem ter assento e tomar parte no processo legislativo nacional, isto é, devem obrigatoriamente participar da formação da vontade nacional.

A estrutura federal de Estado surgiu, na história constitucional brasileira, através do Decreto provisório n° 1, de 15 de novembro de 1889, paralelamente à proclamação da República. Entende Pontes de Miranda 12, porém, que o Brasil não se constituiu num verdadeiro Estado federal; ao contrário, a organização federativa foi imposta às várias e antigas províncias do período imperial, as quais foram declaradas como „Estados" 13

A importância do município para a formação do Estado moderno foi decisiva, de uma maneira tal que vários tratadistas se dedicaram a este tema 14.

São inúmeras as definições propostas para caracterizar o Município. Pinto Ferreira 15, por exemplo, conceitua-o como „... uma corporação territorial de Direito público, servindo como unidade geográfica e divisionária do Estado, dotada de governo próprio para a administração descentralizada de serviços estaduais ou provinciais e regulação de interesses locais, governo próprio que se realiza mediante a eletividade dos seus órgãos Executivo e Legislativo, aos quais geralmente se atribui a competência para a arrecadação e aplicação de suas rendas ".

A íntima relação da história constitucional brasileira com o municipalismo, desde a colônia e, especialmente, a partir da implantação do regime federalista, demonstra a grande participação dos Municípios na formação política brasileira. Hoje em dia, inclusive, o seu caráter de instância política autônoma é um fato indiscutível -muito embora, diante do caráter centralizador da política brasileira, muito tempo tenha decorrido até que se lhe outorgasse definitiva e constitucionalmente o caráter de entidade federada dotada de autonomia político-administrativa (CF/88, arts.1° e 18 ), cessando, de uma vez por todas, o debate que se formou em torno de sua natureza jurídica.

O Decreto n° 510, de 22.07.1890, prescrevia, em seu artigo 67, que: „Os Estados organizar-se-ão por leis suas, sob o regímen municipal, com estas bases: 1°) Autonomia do Município em tudo o que respeite ao seu peculiar interesse; 2°) eletividade da administração local".

O artigo 68, da Constituição de 1891, a seu turno, assim prescrevia: „Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos Municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse".

Embora o respeito à autonomia municipal estivesse formalmente consagrado na primeira Constituição republicana brasileira, a realidade política e social da época demonstrou um quadro político diverso. 16

Os primeiros anos da experiência republicana brasileira foram extremamente conturbados. Inexistia qualquer equilíbrio nas relações entre a União e os Estados-Membros, o que gerou várias reflexões acerca da extensão' da autonomia destes últimos e da possibilidade de intervenção federal. 17

A reforma constitucional de 1926, mesmo assim, manteve expressamente o mandamento constitucional de respeito à autonomia dos Municípios. No entanto, após o movimento revolucionário de '30 todo o sistema constitucional então vigente foi dissolvido, situação essa que permaneceu ate o ano de 1934, quando a autonomia municipal foi novamente assegurada (art. 7°, inc.I, letra „d"), com significativos reforços no tocante à posição ocupada pelos Municípios na federação brasileira.

A Constituição de 1937 inaugurou um período ditatorial, com uma centralização política significante nas mãos do Executivo - o que implicou inúmeras restrições e alterações no relacionamentos entre Municípios, Estados e União.

Apenas com a Constituição de 1946 foram restabelecidas as conquistas anteriores, reassegurando-se a autonomia municipal, a eletividade de prefeitos e vereadores, a fixação de tributos privativos dos Municípios e a prerrogativa de receberem receitas tributárias oriundas de repasse da União e dos Estados-Membros.

A volta aos tempos de ditadura, após 1964, trouxe sensíveis golpes para a conformação constitucional dos Municípios. A fictícia „autonomia municipal" prevista no art. 15 da emenda constitucional n° 1(1969), à Constituição 1967, excetuava da regra da eletividade dos Chefes dos Executivos municipais os Municípios considerados, por lei estadual, estâncias hidrominerais (nomeação do Prefeito por ato do Governador do Estado) e os Municípios declarados, por lei de iniciativa do Executivo federal, de interesse da segurança nacional (nomeação do Prefeito por ato do Presidente da República).

Finalmente, o advento da Constituição de 1988 fortaleceu a posição dos Municípios na organização político-administrativa brasileira: o art.1° se refere à sua qualidade de entidade integrante da República Federativa do Brasil; o art. 18 os eleva ao patamar de pessoa jurídica de Direito público interno dotada de autonomia - isto é, capacidade de legislar acerca de assuntos que lhe são próprios e através de instâncias legislativas próprias; o art. 29 prevê a possibilidade de os Municípios elaborarem suas próprias Leis Orgânicas, bem como a eletividade dos Prefeitos e Vereadores; e o art. 30 define a sua competência legislativa em função dos „assuntos de interesse local", vale dizer, pela predominância local dos interesses que, para o Município, se revestem de fundamental importância e que atendem às suas necessidades mais diretas e imediatas - excluindo, dessa forma, qualquer ingerência da União ou dos Estados nestas matérias.

A autonomia e as atribuições políticas dos Municípios foram fortalecidas no sistema político-constitucional brasileiro conformado pela Constituição de 1988 18. No entanto, a peculiar estrutura da federação brasileira, aliada, talvez, à permanência de algumas posturas contrárias a posição que os Municípios ocupam ou devam ocupar, leva à construção de algumas idéias incompatíveis com uma análise teorética e científica das normas constitucionais que tratam da matéria.

Exemplo disso é a constante negativa, doutrinária e jurisprudencial, da possibilidade de ação direta de inconstitucionalidade de leis e atos normativos municipais frente às regras e princípios plasmados na Constituição Federal. Não há, realmente, na Constituição Federal Brasileira (art.102, inc. I, letra „a"), previsão expressa neste sentido, ficando o problema reduzido ao nível dos Tribunais de Justiça estaduais. Este é o argumento „normativo” e literal ao qual comumente se recorre para negar qualquer possibilidade de tal procedimento de controle concentrado das leis e atos normativos municipais - se o constituinte desejasse tal forma de controle da constitucionalidade, o teria expressamente previsto.

Outro argumento diz respeito à possibilidade de que, se assim ocorresse, o Supremo Tribunal Federal ficaria „abarrotado" com ações diretas de inconstitucionalidade relativas a normas municipais. Este, um argumento que poder-se-ia qualificar de „prático”.

Nem um, nem outro, argumentos, porém, são plausíveis. A conformação constitucional da posição dos Municípios no sistema constitucional vigente não autoriza tais conclusões. Se os Municípios são entidades políticas integrantes da federação brasileira, o mesmo tratamento dado à União a aos Estados, no tocante à sistemática de controle concentrado da constitucionalidade, deve ser-lhes dispensado - inclusive sob pena de, em assim não ocorrendo, haver uma violação do princípio federativo.

Além disso, é necessária a incerta via do recurso extraordinário para que um pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo municipal.A segurança jurídica ficaria melhor resguardada se houvesse a possibilidade de um pronunciamento mais rápido, que solucionasse - bem ou mal - de uma vez o problema. Como se pode constatar, a questão se encontra mais a nível de política jurídica do que no âmbito da ciência jurídica.

O Supremo Tribunal Federal brasileiro foi chamado, por diversas vezes, a solucionar conflitos entre as entidades integrantes da Federação brasileira. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 926/5?DF (LEX?JSTF, vol. 189, pp. 60?98), por exemplo, os Ministros integrantes desta Corte decidiram, à unanimidade de votos, concretizando a regra contida no art. 150, VI, „a", da Constituição Federal brasileira, que é vedado à União Federal violar, por emenda constitucional, o princípio da imunidade recíproca entre os membros da Federação, pois tal procedimento, se configurado, até mesmo porque oriundo de poder reformador, colocaria em risco a sua própria estabilidade e violaria o pacto federativo, plasmado no Texto Constitucional Federal.

Como bem assinalou o Min. Carlos Mário Velloso, „a imunidade recíproca, segundo o ministério de Geraldo Ataliba, é ontológica, porque diz respeito ao cerne do pacto federativo, ou porque decorre da própria natureza do federalismo (...), dado que, se inexistente, pode fazer ruir o Estado Federal". No mesmo sentido, manifestou-se o Min. Celso de Mello, para quem „a imunidade tributária recíproca - consagrada pelas sucessivas Constituições republicanas brasileiras - representa um fator indispensável à preservação institucional das próprias unidades integrantes da Federação; a concepção de Estado Federal que prevalece em nosso ordenamento positivo impede especialmente em função do papel que a cada unidade federada incumbe desempenhar no seio da Federação - que qualquer delas institua impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços das demais".

II- A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: O NOVO FEDERALISMO BRASILEIRO

1.

Nesta parte do trabalho, proceder-se-á a uma tentativa de compreender a função do Supremo Tribunal Federal -doravante STF - no trato com a questão do federalismo por meio de sua jurisprudência sobre o assunto. Assim, alguns esclarecimentos preliminares se fazem necessários.

Num primeiro instante, o trabalho de se investigar toda a produção jurisprudencial do STF sobre federalismo ultrapassa a possibilidade deste paper. A questão do federalismo no Brasil não se esgota somente nos tópicos constitucionais, tampouco nas manifestações do STF que se relacionam com o tema. Apenas a título de informação, sabe-se que o federalismo no Brasil engloba até os dias de hoje, por exemplo, o desafio da integração entre as distintas regiões do Brasil. 19.

Obstáculos a essa integração real, o que implica na eliminação das desigualdades regionais, - econômicas, mas igualmente culturais e ideológicas - se localizam muito mais na capacidade de organização da sociedade civil sinceramente comprometida com a superação desse status quo, a fim de que seja possível o exercício de pressão política nesse sentido contra o estado brasileiro, do que propriamente em qualquer tipo de ação que venha a ser desencadeada pela mais alta instância do Poder Judiciário do Brasil.Essas variações, embora tentadoras à investigação científica, não se constituirão no objeto a ser aqui tratado.

Exigir da instância máxima do Poder Judiciário de um país formalmente organizado sob uma constituição democrática a principal tarefa da realização institucional de sua democracia, não parece se configurar como a melhor das opções, até mesmo porque numa perspectiva verdadeiramente democrática este Poder Judiciário deverá desempenhar muito mais a função de ser controlador de poder do que propriamente produtor de poder.

O que se tentará ver será, pois, a movimentação dessa mais alta instância sobre federalismo face ao que se dispõe institucionalmente, ou seja, na conformidade do que lhe é imposto pela Constituição Federal.Por meio de suas decisões, como concebe o STF o federalismo no Brasil? Essa concepção colabora em que medida para a consolidação , primeiro, da democracia no Brasil, e , segundo, para uma versão democrática específica de federalismo? Estas serão as perguntas a que a busca de resposta se efetivará neste paper.

Por fim, cumpre lembrar que não serão todas as decisões que se relacionam com federalismo que serão observadas. De modo específico, serão consideradas aquelas que envolvam matéria tributária de sede constitucional e aquelas que versem sobre intervenção. As primeiras, porque a autonomia das unidades federadas depende necessariamente de sua independência financeira e orçamentária. As segundas, porque é por meio da intervenção que se garante a autonomia política dessas mesmas unidades, e com isso se consolida o que se denomina de conflito interno de poder domesticado, típico de um estado federal.


2.

Pouca dúvida resta atualmente que a forma de organização estatal federalista possui maior potencialidade democrática do que aquela unitária.

Não se afirma aqui que a solidificação de uma sociedade democraticamente estável é impossível sob a forma unitária de estado. O que se ressalta no federalismo é que a existência de diferentes centros de decisão dotados com capacidade de poder transfere para o ambiente local a mediação da política, conduzindo os envolvidos a uma participação mais efetiva nessa mediação. Aqui, a política não é concebida como uma atividade distante, a ser decidida e praticada somente por aqueles que estão fisicamente no centro do poder, tampouco passa a ser monopolizada pela versão representativa da democracia 20 . A política num estado federal pode potencialmente vir a ser encarada como o mecanismo que integra o cotidiano dos cidadãos, uma vez que existirá sempre um centro de poder relativamente próximo de sua vida institucional.

O federalismo brasileiro, ao lado do suíço, do americano e do argentino, é um dos mais antigos do mundo 21.

Em 1889 com a proclamação da República se deu a implantação de uma república federalista no Brasil. A referência tradicional ao caráter golpista do movimento que trouxe a república a optou pelo sistema federativo no Brasil é comum entre a maioria do intelectuais brasileiros. Daí a necessidade de alguma ressalva sobre o assunto.

Em primeiro lugar deve ser esclarecido que o movimento republicano tinha um forte componente positivista, por influência da presença militar em seu meio. A corrente positivista era aquela, dentre as republicanas, a mais bem definida ideologicamente 22 . Essa constatação empresta ao movimento, mesmo que timidamente, um aspecto diferenciador de uma simples quartelada. Observa-se, assim, que a discussão em torno de idéias era presente.

Um segundo tópico diz respeito ao deslocamento de forças políticas, econômicas e sociais que a república significou. Para Nelson Werneck Sodré a monarquia caiu exatamente porque se mostrava incapaz de formular uma política que levasse à acumulação de capital, o que introduziria o Brasil na etapa do desenvolvimento industrial. Nesse sentido, as classes econômicas comprometidas com esta fase de superação do capitalismo viram na república a possibilidade de ter essa política implantada 23 . Esse ponto, se não propõe em si um pensamento contrário à tese de que a república fora um movimento eminentemente golpista, pelo menos provoca reflexão sob o tema, o qual tem sido tratado muito mais na forma de lugar?comum do que mesmo submetido a rigores científicos.

A visão extremamente pessimista sobre o Brasil como um todo atinge também o federalismo. A maior parte da literatura de Direito Constitucional insiste até na versão de que nunca tivemos a discussão sobre federalismo. Inclusive o próprio STE No acórdão proveniente da Ação Direita de Inconstitucionalidade n°.216, de 23 de maio de 1990, entendeu o STF que „ (...) Esse tema [do federalismo] essencial à organização político-administrativa do Estado brasileiro, ainda não foi decidido pelo STE Da resolução dessa questão central, emergirá a definição do modelo de Federação a ser efetivamente observado nas práticas institucionais" 24 .

Sobre as conseqüências teóricas de o STF se julgar capaz de definir os contornos do federalismo para o Brasil se constitui em objeto de discussão acerca de seu papel enquanto controlador de poder, e não como produtor de poder, segundo um prisma de teoria da democracia. Daí a razão de não nos ocuparmos dessa indagação aqui.

Na verdade, o STF não deve ser concebido com um definidor de política no estado brasileiro, mas sim como um controlador do estado em favor da sociedade. Não lhe compete, então, a definição de um conceito de federalismo, mas sim a implementação do que a Constituição Federal impõe ao estado brasileiro em termos de limites para o estado federal. A contextualização destes limites os quais informarão as decisões do STF sobre o tema, esta sim, deverão ser extraídas, sobretudo, da advertência histórica que já se tem no Brasil e, após, no estrangeiro.

Importante ressaltar aqui que o STF ignora toda a discussão existente sobre federalismo que existia, por exemplo, durante o período imperial. Sobre este ponto, a obra de Tavares Bastos a seu constante duelo com o visconde de Uruguai, Paulino Jose Soares de Sousa entre centralização e descentralização constitui apenas um dos indicadores de que pelo menos o debate sobre federalismo não é novidade no Brasil 25.

Um dos principais temas da assembléia constituinte que elaborou a primeira constituição republicana foi exatamente a definição institucional do Supremo Tribunal Federal. O que igualmente torna o assunto mais interessante é que dos 222 deputados constituintes dez haviam sido juízes e destes, seis se tornaram mais tarde ministros do STF 26.

A discussão sobre o papel do STF englobava a sua competência para exercer o controle da constitucionalidade, tarefa entregue ao Poder Moderador, o qual era exercido diretamente pelo Imperador 27. Um outro ponto, embora envolvesse indiretamente o STF, se reduzia mais ao problema da organização judiciária no Brasil, qual seja, o da existência de um Poder Judiciário único, mantido pela Federação, ou da capacidade de os estados terem também sua própria organização judiciária, como forma de manifestação de sua autonomia.

Ao final dos trabalhos restou vencedora a opção de uma organização judiciária dualista, onde os estados pudessem ter sua organização judiciária própria, a uma justiça federal, competente para o conhecimento e julgamento de questões em que a União Federal figurasse como parte ou interessada - estas competências se encontravam discriminadas no art. 60 da Constituição de 1891.

Igualmente vencedora foi a posição em favor de o STF poder controlar a constitucionalidade de leis. Aqui se observa o início de uma nova fase na formação do Poder Judiciário e de seu papel na formação do estado brasileiro. E, nesse contexto, é que se consolida a tradição do STF de atuar nas questões tributárias e intervenções políticas, denunciando assim sua visão a respeito do sistema federalista.

Porém, como é disciplinado constitucionalmente o federalismo no Brasil? Quais suas mais determinantes linhas? Sem dúvida que o fato de os Municípios integrarem a atual federação brasileira no mesmo grau que União Federal, Estados-Membros e Distrito Federal é a grande novidade, não somente para o federalismo brasileiro, como também para o federalismo num plano internacional.

A autonomia federal, do ponto de vista constitucional, se acha razoavelmente bem distribuída e acompanhada de garantias que, pelo menos formalmente, possuem a característica de viabilizar o pacto federativo no Brasil. Aos Estados-Membros e Distrito Federal foi assegurada a competência concorrente com a União Federal, além de suas competências específicas; os Municípios dividem com União Federal, Estados-Membros e Distrito Federal a competência comum. Registre-se, ainda, que até mesmo a competência legislativa privativa da União pode ser exercida pelos Estados-Membros, mediante autorização de lei complementar específica.

Do ponto de vista tributário-financeiro, União Federal, Estado-Membros, Distrito Federal e Municípios exercem sua competência plena, sem interferências de outras pessoas da federação. Parece evidente que é neste ponto que reside a garantia da autonomia política, a qual se realiza, como se disse, por meio da independência de arrecadar recursos próprios.

Não bastasse estes aspectos, o sistema federativo é elevado ao grau de garantia eterna (Ewigkeitsgarantie), o que implica na decisão firme de manutenção de todos os princípios constitucionais relativos ao federalismo.

É claro que os resultados desta articulação forma e de ordem constitucional têm se mostrado diferentes do que provavelmente esperavam os constituintes. A recente obra de Fernando Abrucio e Valeriano F. Costa bem demostram os vícios ainda e serem eliminados para que se estabeleça uma relação federativa de cooperação e não de desagregação; esta última ainda determinante pelo menos entre os Estados-Membros 28 .

Ocorre que, ante um outro olhar, a prática de uma descentralização efetiva do poder político tem se revelado importante para a solidificação da democracia no Brasil pelo motivo de que a discussão sobre política local em alguns Estados-Membros tem credenciado a política como instrumento da mediação entre poder e sociedade, obrigando governos estaduais a realizarem permanentes diálogos com sua própria população, representada pelos deputados estaduais. Eis aqui um boa novidade, embora não seja precisamente a mesma em todos Estados da federação.

Neste sentido, o caso do Rio Grande do Sul tem sido um exemplo a ser observado, onde um legislativo estadual que recorre a mecanismos institucionalmente postos à sua disposição para enfrentar o executivo, pode ser um ator importante da prática política local. Este cenário seria impensável sob a Constituição de 1967/69 29 .

III - O FEDERALISMO NA JURISPRUDÊNCIA DO STF

1.

Em 15. de setembro de 1993 o STF declarou inconstitucional a Emenda Constitucional n°. 03/93, a qual determinava no par. 2° de seu art. 2° que o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira não se subordinava nem ao princípio da anterioridade, previsto pelo art.150, III, b e IV da Constituição Federal, tampouco àquele da reciprocidade de imunidade tributária entre os entes da federação brasileira, estabelecido pelo art. 150, VI da Constituição. Para a análise aqui proposta interessa a argumentação em torno da compreensão do STF sobre a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n°.03/93 no que diz respeito ao art.150, VI, uma vez que envolve a questão federativa.

De acordo com o art. 150, VI é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre renda e patrimônio uns dos outros. Para o STF a violação a este princípio é atentatória ao pacto federativo brasileiro, exatamente pelo motivo de que qualquer emenda constitucional tendente a abolir a forma federativa de Estado não será admitida, em função do art. 60, par. 4°., I da Constituição Federal. Para o STF esse era o caso que se tinha quando da apreciação da constitucionalidade da Emenda Constitucional n°. 03/93 30.

Se por um lado esta decisão poder ser lida como uma manifestação de proteção ao princípio do federalismo determinado pela Constituição federal, por outro lado ela não deixa de ser menos polêmica. E que se tem aqui o STF elevado a uma condição de ator político fundamental para a decisão dos processos na vida institucional brasileira. Lembre-se, ainda, que esta condição foi conferida ao STF pelo próprio STF, o que, no mínimo, enseja indagações de outra ordem, mais precisamente, na compatibilização deste entendimento do STF com a teoria democrática.

O atual estado brasileiro é definido constitucionalmente como um Estado Democrático de Direito. Num estado assim constituído, a separação de poderes responde por uma das bases fundamentais da democracia, qual seja, aquela determinada pelo princípio de que ninguém pode ser seu próprio juiz. Não se pode ter como compatível com pressupostos de conformação estatal autenticamente democrática uma interpretação constitucional que resulte na superposição de um órgão estatal sobre outros, ainda mais quando esta superposição é produto de um processo decisório que se encontra inteiramente nas mãos do eventual beneficiário.

O STF ao pretender resolver um problema criou, na verdade, um segundo de potencialidade igualmente ameaçadora quanto à observação do princípio federativo. É que como resultado da decisão acima trazida se tem a definição institucional de pressupostos democráticos não pelo Poder Legislativo - a quem compete, num estado democrático de direito, a direção dos rumos do estado, pelo fato de ser este Poder o que elabora as leis para os outros - porém pelo Poder Judiciário.

A repercussão deste resultado não deixa de incluir o federalismo. Define-se o próprio Poder judiciário como o autêntico policy making de um estado, tem-se então que também o federalismo definido constitucionalmente passará a ter a feição que este Poder determinar. Neste caso, não gozarão as disposições constitucionais sobre federalismo da autonomia inerente àquela de um sistema constitucional. Terão estas que aguardar o pronunciamento, no caso do STF, para atingirem a eficácia que a assembléia constituinte efetivamente pensou ter-lhe conferido. Este, alias, foi o entendimento do STF citado anteriormente sobre o caso da decisão da ADIn n°. 216.

Sem dúvida a motivação do STF possui ainda uma base determinante de reflexão sobre a autonomia dos Estados-Membros da federação brasileira. A repartição das competências dos entes federativos aqui não somente dos Estados-Membros, mas também aquelas dos Municípios brasileiros - impôs um sistema inédito de autonomia, o qual, como se disse, garantido pela capacidade de arrecadação própria destas entidades. Sem a autonomia de captação de recursos próprios, permanece a autonomia inviabilizada. Ainda, com a preponderância de um ente da federação sobre outros, o comprometimento da federação é igualmente ameaçador.

Percebe-se, então que na escolha entre uma opção, cujo resultado atinja a estrutura teórica do sistema federativo brasileiro (o STF como policy making também dos contornos da federação no Brasil); a um outra cujo resultado garanta, num registro pragmático o pacto federativo, o STF ficou com a segunda alternativa. Aqui, recorrendo à ausência de contornos institucionais mais elaborados sobre o federalismo no Brasil, o STF ocupa um vazio que, pelo menos a priori, não seria propriamente seu.

2.

Passe-se agora à análise do STF sobre as decisões envolvendo a intervenção da União Federal nos Estados-Membros e destes nos Municípios.

De acordo com os dispositivos constitucionais - arts. 34 a 36, a intervenção da União Federal nos Estados-Membros somente será possível (art. 34): a) para manter a integridade territorial; b) repelir invasão estrangeira; c) pôr termo a comprometimento da ordem pública; d) garantir o livre funcionamentos dos Poderes nos Estados; e) reorganizar finanças; f) prover a execução de lei federal e assegurar a observância dos preceitos constitucionais da forma republica, sistema representativo e regime democrático; dos direitos da pessoa humana, da autonomia municipal, da prestação de contas da administração pública e da aplicação das verbas para o desenvolvimento do ensino.

Os Estados-Membros somente intervirão nos Municípios e a União Federal nos Municípios dos Territórios somente nos casos de (art. 35): a) não pagamento da dívida fundada; b) não forem prestadas contas, c) não aplicação de receitas no desenvolvimento do ensino; d) garantir o cumprimento de lei federal, da ordem e de decisão judicial.

O STF possui uma atribuição institucional determinante em casos de intervenção federal, já que segundo o art. 36 da Constituição é este Tribunal quem decidirá pelo pedido de intervenção, podendo mesmo, em alguns casos, requerê-la.

Constata-se logo de início que o texto constitucional brasileiro tem sido extremamente cuidadoso ao tratar das possibilidades de intervenção. Na verdade, esta cautela deve ser entendida como reflexo da atmosfera democrática em que a Constituição foi elaborada e de sua decisão de introduzir no Brasil um sistema federativo efetivamente baseado na autonomia e respeito a centros locais de poder. Tanto o é que quando do art. 34, VII, a, a ameaça a regime democrático autoriza a intervenção.

A intervenção é medida de caráter excepcional. Ela se constitui mesmo na ruptura da ordem básica do federalismo, daí o motivo da cautela do STF em relação à decisão que eventualmente autorize intervenção federal em algum Estado-Membro. Um fato que bem traduz este cuidado é a constatação de que, durante a vigência da Constituição Federal de 1988 inexistiu até o momento intervenção da União Federal em Estado-Membro 31.

a) Ponto pacífico na jurisprudência do STF sobre intervenção é aquele da impossibilidade de a União Federal intervir em Municípios. Neste sentido, a decisão do STF é clara: „Impossibilidade de decretação de intervenção federal em Município localizado em Estado-Membro. Os Municípios situados no âmbito dos Estados-Membros não se expõem à possibilidade constitucional de sofrerem intervenção decretada pela União Federal, eis que, relativamente a esses entes municipais, a única pessoa política ativamente legitimada a neles intervir é o Estado-Membro' 32.

Esta decisão garante a autonomia política do Estado-Membro e demonstra que a decisão política de intervenção nos Municípios se constituirá em tarefa do poder político local. Tem-se, então, a observação de que o federalismo constitucional brasileiro também desconcentra suas atribuições de intervenção, autorizando a conclusão de que esta concepção de federalismo enxergou no poder político local não somente a legitimidade para avaliar a necessidade de intervenção, como também estendeu a este poder local a responsabilidade pela manutenção do pacto federativo.

b) Fortalecendo sua jurisprudência sobre a autonomia dos poderes estaduais em matéria de intervenção, decidiu o STF que não cabe recurso para o próprio STF de decisão de Tribunal de Justiça estadual que indeferiu pedido de intervenção. É este o resultado do RE n°.149986/SP e RCL n°.464/ Ce 33 .

Ao decidir que a justiça estadual possui competência última para decisão sobre intervenção - nos casos aqui trazidos, mesmo a intervenção federal - se constata novamente a direção adotada pelo STF de também dividir com o poder local a faculdade de autorizar intervenção.

c) Se por um lado o cuidado do STF com a intervenção tem servido ao equilíbrio e à segurança do federalismo, tem esta cautela também gerado jurisprudência sobre a qual repousaria a dúvida de que a intervenção não significaria mesmo a manutenção do federalismo nos seus termos institucionais, já que esta manutenção também o objetivo da intervenção.

Aqui se busca a referência ao caso registrado no Estado do Mato Grosso, registrado no IF n°. 114/MT A existência de fato criminoso e cruel ocorrido em cidade localizada a 700 quilômetros da Capital do Estado moveu o Procurador-Geral da República a requerer intervenção no Estado que se achava „sem condição mínima para assegurar o respeito ao primordial direito da pessoa humana, que é o direito à vida" 34 .

O STF decidiu que, tendo em vista as informações das autoridades locais de que o inquérito policial havia sido instaurado, a todas as medidas para apurar o esclarecimento do fato estavam sendo tomadas, não se configurou o caso de intervenção, de acordo com a previsão constitucional do art. 34, VII, b. O que é de concluir é que mesmo sabedor da dificuldade tradicional que possuem os Estados-Membros de maior dimensão territorial para alcançarem todos os cantos de seu território e, eventualmente, da real necessidade de envio de reforço para se garantir a autoridade, o STF não cedeu em sua compreensão de que os motivos que possam conduzir a uma intervenção devem explicita e inquestionavelmente estarem postos. O desrespeito a direitos da pessoa humana no Brasil, e em especial nos seus mais ermos locais, não é novidade. Esta ponderação não foi realizada pelo STE.

No mesmo sentido, mas anteriormente ao caso acima descrito, o STF já havia decidido de maneira a solidificar seu entendimento. Em 1992 o STF negou pedido de intervenção federal no Estado do Pará baseado no fato de o governo estadual não intervir em Município para garantir os direitos da pessoa humana. Neste caso o pedido havia sido requerido por partido político e deputado federal, tendo sido negado pelo Tribunal de justiça do Estado. O STF indeferiu o pedido por ter o entendimento de que somente o Procurador-Geral da República dispõe da legitimidade para requerer intervenção e que não cabe recurso da decisão da justiça local que igualmente indefere pedido de intervenção 35.



IV – CONCLUSÒES

No que pese a trajetória histórica de o STF possuir uma proximidade com o Poder Executivo no Brasil, há de se reconhecer de que este desenvolvimento histórico não é linear, porém conflitivo.

Tanto o desenvolvimento desta posição histórica como sua conflituosidade, se deixam demonstrar no aspecto do federalismo, desde os primeiros tempos do STF. De início, é de se ressaltar que o STF não pode ser responsabilizado isoladamente pelas eventuais distorções que a experiência federalista vem tendo no Brasil. Como se discutiu, estas distorções do mundo real se vinculam muito mais à ausência de cultura democrática das elites políticas brasileiras - o que vem sendo alterado pelo menos nos últimos dez anos - do que à falta de discussão teórica existente no País sobre o assunto ou de sua conformação constitucional.

Por meio de inúmeros pontos de seus diferentes julgados se pode ver a compreensão de federalismo que o STF possui. Porém, as questões tributárias envolvendo principalmente Estados-Membros e aquelas de intervenção merecem especial atenção, exatamente porque envolvem a credibilidade que o poder central - no Brasil, tradicionalmente concentrador - tem no poder local como credenciado a resolver seus próprios problemas, tanto financeiro como políticos, ainda que estes problemas se relacionem com questões tão decisivas como a integridade territorial e manutenção do poder da autoridade instituída.

Do ponto vista das questões tributárias a tendência do STF tem se mostrado favorável à União Federal. Não é novidade esta tendência. Ressalte-se, por exemplo, as idéias de Alberto Torres (ex-ministro do STF no começo do século), e, nos dias de hoje, o diagnóstico de F.Abrucio e V. Costa, ambos a sugerir uma certa incapacidade dos Estados-Membros brasileiros de se credenciarem como atores autônomos e integradores da federação, pelo menos no plano de disputas econômicas.

Embora com naturais ressalvas, não tem sido este o quadro no que diz respeito à jurisprudência do STF em intervenções. Aqui, se observa que o STF possui claramente a compreensão da gravidade de uma intervenção federal e de suas conseqüências políticas.

Mais que isso: o STF, em última análise também um representante do poder central tradicionalmente concentrador na história brasileira, passa a vislumbrar maturidade política no poder local, colaborando dessa maneira com uma descentralização do centro de decisões políticas de grande monta. Esta reflexão seria pouco provável há vinte anos atrás.

O que revela desafiador é uma análise mais precisa desta duplicidade de entendimentos no interior do próprio STE Se por um lado se constata o crédito na maturidade dos poderes políticos locais indica o reconhecimento da implantação efetiva do federalismo; por outro a perspectiva centralizadora em questões que envolvam aspectos determinantes para a garantia de uma real autonomia federativa, como é o caso das questões tributárias, revela o longo caminho a percorrer.

A análise que se propõe requer o aprofundamento das questões aqui levantadas, mas com certeza transitaria necessariamente pela observação dos votos dos ministros, pelo estudo detalhado dos casos e de suas circunstâncias, permitindo com isso um mapeamento menos impreciso do problemas cotidianos que o federalismo ainda enfrenta no Brasil.

V – BIBLIOGRAFIA

BRUCIO, Fernando Luiz e Valeriano Mendes Ferreira da Costa(1998): Reforma do Estado e o Contexto Federativo, São Paulo: Coleção Pesquisas, n°.12, Konrad-Adenauer-Stiftung.

AGESTA, Luis Sanchez (1980). Curso de Derecho Constitucional Comparado, 7a. edição, Madrid: Universidade de Madrid/Sección de Publicaciones.
BADIA, Juan Ferrando (1978).El Estado Unitário, el Federal y el Estado Regional, Madrid: Editorial Tecnos S.A.

BARACHO, Jose Alfredo de Oliveira (1977). Regimes Políticos, São Paulo: Ed. Resenha Universitária.

BARACHO, Jose Alfredo de Oliveira (1986). Teoria Geral do Federalismo, Rio de Janeiro: Editora Forense.

BASTOS, Celso Ribeiro (1992).O Município: sua evolução história e suas atuais competências, in Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, ano 1, Vol. 1, outubro-dezembro, pp. 54-76, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

BISCARETTI DE RUFFÌA, Paolo (1988). Introduzione al Diritto Costituzionale Comparato - Le Forme di Stato a Le Forme di Governo. Le Costituzione Moderne, sexta edição, totalmente revista, Milano: Giuffrè.

BISCARETTI DE RUFFIA, Paolo (1988). Costituzione Straniere Conteporanee, Vol. 2, „Le Costituzioni di Sette Stati di Recente Ristruturazione", sexta edição, inteiramente refeita, textos escolhidos, comentados e organizados pelo autor com a colaboração de Mario Canino, Milano: Giuffrè.

BONAVIDES, Paulo (1993). A Constituição Aberta, Belo Horizonte: Del Rey.Ciência Política,10a. edição, São Paulo: Malheiros Editores Ltda.

CARRÉ DE MALBERG, Raymond (1948). Teoria General del Estado, tradução de José Lión Deperre, México, D.F. : Fondo de Cultura Económica.

DAVID, René (1993). Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo, 2a. edição brasileira, tradução de Hermínio A. Carvalho, São Paulo: Martins Fontes.

FERREIRA, Pinto (1983). Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno, Vol. 2, 6a. edição, ampliada e atualizada, São Paulo: Saraiva.

GARCÍA-PELAYO, Manuel (1991). Las Transformaciones del Estado Contemporáneo, in Obras Completas, Tomo II, Madrid: Centro de Estudios Constitucionales.

GARCÍA-PELAYO, Manuel (1993). Derecho Constitucional Comparado, Madrid: Alianza Editorial S.A.

GROHMANN, L. Gustavo M (1998): O Processo Legislativo no Rio Grande do Sul: 1995 a 1998: comunicação apresentada ao Primeiro Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, 17 a 20 de dezembro, Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro.

HORTA, Raul Machado (1964). A Autonomia do Estado-Membro no Direito Constitucional Brasileiro, tese de concurso para a Cátedra de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

HORTA, Raul Machado (1995). Estado Federal e Tendências do Federalismo Contemporâneo, in Estudos de Direito Constitucional, pp. 345?522, Belo Horizonte: Livraria Del Rey Editora.

HORTA, Raul Machado (1995).Tendências Atuais da Federação Brasileira, in Revista Brasileira de Estudos Políticos, n° 83, julho, pp. 7-27, Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais.

HUF, Peter Michael (1991). Die Entwicklung des bundesstaatlichen Systems in Brasilien, Schriften der Deutsche-Brasilianischen Juristenvereinigung, Band 11, Franlcfurt/M: PeterLang Verlag.

JANOTTI: Maria de Lourdes Monaco (1990). A República - Oposição e Consolidação, in: História Política da República, pp. 51-68, org. por José Roberto do Amaral Lapa, Papirus Editora: Campinas.

JELLINEK, Georg (1954). Teoria General del Estado, traducción y prólogo por Fernando de Los Rios, Buenós Aires: Editorial Albatros.

KELSEN, Hans (1990). Teoria Geral do Direito e do Estado, tradução de Luís Carlos Borges, São Paulo: Martins Fontes, Brasília: Editora Universidade de Brasília.

LOSANO, Mario G. (1993). Los Grandes Sistemas Jurídicos. Introducción al Derecho Euro ego y Extranjero, 2a. reimpressão, tradução de Alfonso Ruiz Miguel, Madrid: Editorial Debate, S.A.

MIRANDA, Jorge (1988). Manual de Direito Constitucional, Tomo III, 2a. edição, Coimbra: Coimbra Editora Ltda.

MEIRELLES TEIXEIRA, José Horácio (1991). Curso de Direito Constitucional, organizado e atualizado por Maria Garcia, Rio de Janeiro: Forense Universitária.

PONTES DE MIRANDA (1970).Comentários à Constituição de 1967 - Com a Emenda n. 1, de 1969,, Tomo II, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

SALDANHA, Nelson (1983). Formação da Teoria Constitucional, Rio de Janeiro: Forense.

SALDANHA, Nelson (1987). O Estado Moderno e a Separação de Poderes, São Paulo: Saraiva.

SCHMITT, Carl (1931). Der Hüter der Verfassung, 3. Auflage, Berlin: Duncker & Humblot.

SODRÉ, Nelson Werneck (1961).A Ideologia do Colonialismo - Seus Reflexos no Pensamento Brasileiro, Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura/Instituto de Superior de Estudos Brasileiros.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IF n°?.102/Pa. (1992). http://www.stf.gov.br. Publicação no Diário da Justiça de 13.03.1992, p. 2921, Ementário vol.165301, p. 0001, Brasília.

----------. (abril/junho 1993). ADIn n°. 216, in: Revista de Direito Administrativo, (Repositório autorizado da jurisprudência do STF) vol. 192, , Rio de Janeiro, pp. 200?210.

----------. ADIn n°.926?5?DE in: LEX - Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, n°?.189, Lex Editora, pp. 61-98.

----------. RE n°.149986/SP (1993). http://www.stf.gov.br. Publicação no Diário da Justiça de 07.05.1993, p. 8336, Ementário vol 01701-05, pp. 00888, Brasília.

----------. RCL n°. 464/Ce. (1995). http://www.stf.gov.br. Publicação no Diário da Justiça de 24.02.1995, p. 3675, Ementário vol. 01776-01, p. 0001, Brasília.

----------. IF n°. 114/MT (1996). http://www.stf.gov.br. Publicação no Diário da Justiça de 27.09.1996, p. 36154, Ementário voç 1843-01, p. 0001, Brasília.

----------. IFQO n°. 590/Ce. (1998). http://www.stf.gov.br. Publicação no Diário da justiça de 09.10.1998, p. 0005, Ementário vol. 01926-01 pp. 0001, Brasilia.

VERDÚ, Pablo Lucas (1986).Curso de Derecho Político, Vol. I1, 3a. Edição, Madrid: Editorial Tecnos S.A.

VERGOTTINI, Giuseppe de (1983). Derecho Constitucional Comparado, tradução e introdução de Pablo Lucas Verdú, Madrid: Espasa-Calpe, S.A.

VIANNA, Francisco José de Oliveira (1959). Ocaso do Império, 3á edição, Rio de Janeiro: Livraria Jose Olympio Editora.

1. Cf. Badia,1978:42. 2.

2 Cf. Meirelles Teixeira,1991:611.

3. Cf. Meirelles Teixeira,1991:612-613.

4 . Cf. Jellinek,1954:479.

5, Ver Baracho, 1986:48-49; 62.

6,Cf. Verdú, 1986: 277.

7,Cf. Badia, 1978: 69.

8 ,Cf. García-Pelayo, 1993: 215.

9. Cf. Badia,1978:78. Ver: Miranda,1988:235-236. Comparar com
Horta,1964:49.

10. Cf. Ferreira, 1983:909. Da mesma maneira que se distingue do Estado unitário, o Estado federal também se distingue da Confederação, porque nesta última a soberania continua a pertencer aos Estados-Membros, enquanto que numa Federação ela pertence apenas à União Federal, resguardadas as autonomias das entidades que a compõem. Ademais, enquanto a Federação constitui um fenômeno essencialmente de natureza interna, a Confederação se dá no âmbito do Direito internacional, em virtude de um tratado firmado entre Estados soberanos. Segundo Juan Ferrando Badia (1978:85), o Estado federal ocupa um lugar intermediário entre a Confederação e o Estado unitário descentralizado. Comparar com Pontes de Miranda,1970:67-69.

11. A possibilidade de intervenção federal mais confirma do que enfraquece o princípio federativo, em virtude da excepcionalidade das hipóteses e do difícil procedimento em que pode ser deflagrada - nota do autor. Cf., numa visão geral acerca da intervenção federal: Ferreira,1983:931-940.

12. Cf. Pontes de Miranda,1970:317?318.

13. Decreto n°l, de 15.11.1889, art. 2Q: „As Províncias do Brasil, reunidas pelo laço da Federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brasil". Comparar com o art. 1°, da Constituição da República, de 1891.

14. Cf. Pinto Ferreira,1983:953-962 (Ver pp. 953-954).

15. Cf. Pinto Ferreira,1983:953-954. Comparar com: Baracho,1986:93

16. Cf. Horta,1964:112.

17. Cf. Horta,1964:121;122;130.

18. Cf. Horta,1995:522-526.

19.0 desafio da integridade territorial foi o problema central em cuja órbita gravitou boa parte da política do Brasil monárquico. A solução desse problema se deu ralativamente rápida: em 1845 o governo central era vitorioso sobre a Guerra dos Farrapos ocorrida no Rio Grande do Sul. Até o final do Império, nenhum movimento de intenções separatistas ameaçou a estabilidade política do país.

20 Bonavides, Paulo: A Constituição Aberta, p.17.

21 Sobre esta comparação a mais alguns dados a respeito da origem do fedarabsmo no Brasileiro, uma consulta ao trabalho de Peter Michael Huf é oportuno: Die Erltwicklutig des bundesstaatlicheii Systems iri Brasilien.

22 Vianna, Oliveira, O Ocaso do Império, p. 114. Ainda sobre o papel dos militares nessa fase histórica do Brasil: Carone, Edgard: A Primeira República (1889-1939). Texto a Contexo, 4á. edição, Betrand, Rio de Janeiro,1988; Castro, Celso: Os Militares e a República, Jorge Zahar Editor, Rio de janeiro,1995.

23 Sodré, N. Werneck, A Ideologia dó Colonialismo, p.125. A respeito dessa posição, ressalte?se. ainda, o posicionamento de Ma. de Lourdes Monaco Janotti, que ressalta a alteração da hegemonia política das classes econômicas, bem como as „inovações na esfera político-administrativa e nas relações sociais" onde „Desarticulara-se o o antigo sistema parlamentar do Império, introduzindo-se novas relações entre os poderes' (Janotti, Ma. de Lourdes, M., A República - Oposição a Consolidação, p. 54).

24 ADIn n°.216, p. 200.

25 Cf A Província,de Aureliano Cândido de Tavares Bastos: Senado Federal, Brasília,1997 (edição fac-similar da L. Garnier, RJ,1870). Recentemente: Gabriela Nunes Ferreira: Centralização e Descentralização - O debate entre Tavares Bastos e visconde de Uruguai, Depto de Ciência Política da USP/editora 34, São Paulo,1999.

26 Foram eles: Américo Lobo Leite Pereira, André Cavalcanti de Albuquerque, Anfilófio Botelho Freire de Carvalho, João Pedro Belfort Vieira, Joaquim Xavier Guimarães Natal, José Higino Duarte Pereria.

27 De acordo com o art. 98 da Constituição de 1824 „O Poder Moderador era a chave de toda a organização Política e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e seu Primeiro Representante (...)". O exemplo brasileiro adotado durante o período imperial foi lembrado por Carl Schmitt, quando este defende que o guardião da constituição há de ser o Reichsprásident e não um tribunal constitucional. Cf. Schmitt, Carl: Der Hüter der Verfassung, p.133, nota de rodapé n°.1.

28 Refirimo-nos ao livro Reforma do Estado e o Contexto Federativo Brasileiro, de Fernando Luiz Abrucio e Valeriano Mendes Ferreira da Costa (Konrad-Adenauer-Stiftung, Coleção Pesquisas, n°.12, São Paulo,1998,187pp.

29 A respeito do exemplo gaúcho, cf. L. Gustavo M. Grohmann: O Processo Legislativo no Rio Grande do Sul: 1995 a 1998, comunicação apresentada ao Primeiro Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política - ABCP -, 17 a 20/12 de 1998, Rio de Janeiro, 40pp.

30 ADIn n°. 926-5-DF, p. 61.

31 esmo no caso do Estado de Alagoas, a União Federal não decretou oficialmente a intervenção. O Estado nordestino de Alagoas é um dos mais pobres da Federação brasileira, ostentando os indicadores sociais mais baixos em comparação com outras unidades da Federação. Extrema desorganização de finanças, irregularidades da administração pública e a ausência de governabilidade foram causas principais do descalabro institucional que assolou este Estado durante o período em que se efetivou a conhecida „ intervenção branca".

32 IFQO nº. 590/Ce, p. 01.

33 P 1 e p.1, respectivamente.

34 IFO nQ.114/MT, p. 0l.

35 IF nº.102/Pa.