FEDERALISMO
BRASILEIRO E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
MÁRCIO
AUGUSTO DE VASCONCELOS DINIZ
Professor
da Universidade de Fortaleza - UNIFOR | Procurador do Município de Fortaleza.
MARTONIO
MONT'ALVERNE BARRETO LIMA
Coordenador
do Curso de Mestrado em Direito Constitucional da UNIFOR | Procurador do
Município de Fortaleza.
ÍNDICE
I - Princípio Federativo a Estado Federal na História Política
Brasileira
II - A Constituição Federal de 1988: O Novo Federalismo Brasileiro
III - O Federalismo na Jurisprudência do STF
IV - Conclusões
V – Bibliografia
I - PRINCÍPIO FEDERATIVO E ESTADO
FEDERAL NA HISTÓRIA POLÍTICA BRASILEIRA
1.
O exercício do poder, no âmbito de um Estado, é um dos problemas mais
importantes da teoria política moderna e pode se manifestar de forma
centralizada ou descentralizada, segundo existam, respectivamente, apenas um ou
vários centros de irradiação. 1
A centralização envolve a instituição, no âmbito do Estado, de um só centro de
tomada de decisões, no que se refere à totalidade dos assuntos políticos e
administrativos; em suma: o poder permanece unificado em torno de um só centro.
De acordo com Jose Horácio Meirelles Teixeira 2, o poder político, num Estado centralizado: „não se divide, não se
reparte com nenhuma outra ordem, por nenhuma outra autoridade. Todo o
território estatal e todos os cidadãos, que aí se encontram, acham-se
submetidos a um só governo, a uma só legislação, a uma só justiça".
Já na hipótese de um Estado descentralizado, em virtude da pluralidade de
centros decisórios, existem vários ordenamentos jurídicos, muito embora
coordenados em torno de uma ordem jurídica central. Ainda. segundo Meirelles
Teixeira, trata-se de um Estado em que „... haverá, portanto, de um lado, assuntos,
matérias, problemas de competência do governo central; e, de outro, assuntos,
matérias, problemas deixados à competência de governos locais, isto é, dos
governos provinciais ". 3
Nesse particular, é de especial relevância destacar a advertência de Georg
Jellinek 4 : o Estado centralizado, em toda a sua pureza, „só pode ser
considerado como um tipo teórico, mas não como um tipo real" (daí a
relatividade dos conceitos de centralização e descentralização) - até mesmo porque
„toda divisão de um Estado em círculos territoriais para fins de gestão
administrativa e jurídica, implica necessariamente efeitos
descentralizadores".
As questões que envolvem centralização e descentralização política
são, na atualidade, muito delicadas. Com efeito, mesmo num Estado que se
proclame democraticamente descentralizado, as atribuições exercidas pelo poder
central, podem, na realidade, caracterizá-lo como um Estado fortemente
centralizado (ou com tendências fortemente centralizadoras). 5
Tudo vai depender do contexto em que, na realidade, se desenvolvem as relações
entre o poder central e os poderes locais, especialmente entre o executivo e o
legislativo. No case brasileiro, per exemplo, o executivo tem assumido posturas
francamente centralizadoras, prática esta que tem se revelado constante em
muitos períodos da História constitucional brasileira: logo após a proclamação
da República, no período getulista, na época da ditadura militar e, inclusive,
no atual governo brasileiro - onde essa tendência centralizadora se mostra em
toda a sua amplitude, em nome de uma fictícia estabilidade política e social.
Desse modo, com base na distinção entre centralização e descentralização
políticas no território de uma organização estatal, foi possível elaborar uma
distinção, já sedimentada na teoria política, entre Estado unitário e Estado
federal.
O princípio federativo concretiza a idéia de uma forma de descentralização do
poder estatal no âmbito de seu território, buscando uma harmonia na
coexistência de diversas ordens jurídicas parciais com uma ordem jurídica
central. Pablo Lucas Verdú afirma que federar significa tornar Independentes
determinadas unidades políticas que, até então, careciam de autonomia dentro de
um mesma organização estatal 6
Num Estado federal, as respectivas esferas de competência regionais e central
devem, o tanto quanto possível, ser harmoniosamente conciliadas. Juan Ferrando
Badia, salienta que „o federalismo, como processo, e em sua cristalização
jurídica sob a forma de Estado federal, encontra apoio, ineludivelmente, num
tipo de estrutura social, numa qualidade específica de relações de
convivência".7
Estas relações de convivência demonstram que o federalismo, em suas origens,
foi ditado por razões eminentemente práticas, relacionadas com a convivência
pacífica de aglomerações sócio-políticas diversas num mesmo território, mas
todas elas com uma finalidade comum: participação de todas elas, na qualidade
de Estados membros, na formação de uma
Vontade nacional soberana unificadora. 8
Para Ferrando Badia, a aspiração básica do federalismo radica na formação de
unidades amplas cuja própria existência postula a existência de unidades
menores, a manutenção do seu caráter originário e de sua liberdade de ação
coordenada. Esta mescla de pretensões dá origem a dois princípios básicos do
federalismo, quais sejam, autonomia a participação 9
Diante das considerações precedentes, já se pode destacar a definição de Estado
federal, proposta por Pinto Ferreira: „O Estado Federal é uma organização,
formada sobre a base de uma repartição de competências entre o governo nacional
e os governos estaduais, de sorte que a União tenha a supremacia sobre os
Estados-Membros a estes sejam entidades dotadas de autonomia constitucional
perante a mesma União'. 10
É possível, igualmente, destacar alguns traços característicos do Estado
Federal:
a) tendo em vista que se trata de um pacto entre diversos Estados para formarem
uma Federação, os Estado-Membros conservam a sua autonomia, permanecendo a
soberania, como atributo político inafastável, à União Federal;
b) o pacto entre estes Estado, antes soberanos, deve estar selado através de
uma Constituição escrita e rígida, na qual estejam repartidas, de forma
bastante clara, as competências que, aos Estados-Membros, em virtude de sua
autonomia, devem ser asseguradas e onde estejam expressamente previstas as
sanções a quaisquer tentativas de violação ou rompimento do pacto - o que
possibilita a intervenção federal. 11 ;
c) em face da coexistência de dois tipos de ordens jurídicas - a central e as
locais - os Estados-Membros, através de órgãos representativos, devem ter
assento e tomar parte no processo legislativo nacional, isto é, devem
obrigatoriamente participar da formação da vontade nacional.
A estrutura federal de Estado surgiu, na história constitucional brasileira,
através do Decreto provisório n° 1, de 15 de novembro de 1889, paralelamente à
proclamação da República. Entende Pontes de Miranda 12, porém, que o Brasil não se constituiu num verdadeiro Estado
federal; ao contrário, a organização federativa foi imposta às várias e antigas
províncias do período imperial, as quais foram declaradas como „Estados" 13
A importância do município para a formação do Estado moderno foi decisiva, de
uma maneira tal que vários tratadistas se dedicaram a este tema 14.
São inúmeras as definições propostas para caracterizar o Município. Pinto
Ferreira 15, por exemplo, conceitua-o como „... uma corporação territorial de
Direito público, servindo como unidade geográfica e divisionária do Estado,
dotada de governo próprio para a administração descentralizada de serviços
estaduais ou provinciais e regulação de interesses locais, governo próprio que
se realiza mediante a eletividade dos seus órgãos Executivo e Legislativo, aos
quais geralmente se atribui a competência para a arrecadação e aplicação de
suas rendas ".
A íntima relação da história constitucional brasileira com o
municipalismo, desde a colônia e, especialmente, a partir da implantação do
regime federalista, demonstra a grande participação dos Municípios na formação
política brasileira. Hoje em dia, inclusive, o seu caráter de instância
política autônoma é um fato indiscutível -muito embora, diante do caráter
centralizador da política brasileira, muito tempo tenha decorrido até que se
lhe outorgasse definitiva e constitucionalmente o caráter de entidade federada
dotada de autonomia político-administrativa (CF/88, arts.1° e 18 ), cessando,
de uma vez por todas, o debate que se formou em torno de sua natureza jurídica.
O Decreto n° 510, de 22.07.1890, prescrevia, em seu artigo 67,
que: „Os Estados organizar-se-ão por leis suas, sob o regímen municipal, com
estas bases: 1°) Autonomia do Município em tudo o que respeite ao seu peculiar
interesse; 2°) eletividade da administração local".
O artigo 68, da Constituição de 1891, a seu turno, assim
prescrevia: „Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a
autonomia dos Municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar
interesse".
Embora o respeito à autonomia municipal estivesse formalmente
consagrado na primeira Constituição republicana brasileira, a realidade
política e social da época demonstrou um quadro político diverso. 16
Os primeiros anos da experiência republicana brasileira foram extremamente
conturbados. Inexistia qualquer equilíbrio nas relações entre a União e os
Estados-Membros, o que gerou várias reflexões acerca da extensão' da autonomia
destes últimos e da possibilidade de intervenção federal. 17
A reforma constitucional de 1926, mesmo assim, manteve expressamente o
mandamento constitucional de respeito à autonomia dos Municípios. No entanto,
após o movimento revolucionário de '30 todo o sistema constitucional então
vigente foi dissolvido, situação essa que permaneceu ate o ano de 1934, quando
a autonomia municipal foi novamente assegurada (art. 7°, inc.I, letra
„d"), com significativos reforços no tocante à posição ocupada pelos Municípios
na federação brasileira.
A Constituição de 1937 inaugurou um período ditatorial, com uma centralização
política significante nas mãos do Executivo - o que implicou inúmeras
restrições e alterações no relacionamentos entre Municípios, Estados e União.
Apenas com a Constituição de 1946 foram restabelecidas as
conquistas anteriores, reassegurando-se a autonomia municipal, a eletividade de
prefeitos e vereadores, a fixação de tributos privativos dos Municípios e a
prerrogativa de receberem receitas tributárias oriundas de repasse da União e
dos Estados-Membros.
A volta aos tempos de ditadura, após 1964, trouxe sensíveis golpes para a
conformação constitucional dos Municípios. A fictícia „autonomia
municipal" prevista no art. 15 da emenda constitucional n° 1(1969), à
Constituição 1967, excetuava da regra da eletividade dos Chefes dos Executivos
municipais os Municípios considerados, por lei estadual, estâncias
hidrominerais (nomeação do Prefeito por ato do Governador do Estado) e os
Municípios declarados, por lei de iniciativa do Executivo federal, de interesse
da segurança nacional (nomeação do Prefeito por ato do Presidente da
República).
Finalmente, o advento da Constituição de 1988 fortaleceu a posição
dos Municípios na organização político-administrativa brasileira: o art.1° se
refere à sua qualidade de entidade integrante da República Federativa do
Brasil; o art. 18 os eleva ao patamar de pessoa jurídica de Direito público
interno dotada de autonomia - isto é, capacidade de legislar acerca de assuntos
que lhe são próprios e através de instâncias legislativas próprias; o art. 29
prevê a possibilidade de os Municípios elaborarem suas próprias Leis Orgânicas,
bem como a eletividade dos Prefeitos e Vereadores; e o art. 30 define a sua
competência legislativa em função dos „assuntos de interesse local", vale
dizer, pela predominância local dos interesses que, para o Município, se
revestem de fundamental importância e que atendem às suas necessidades mais
diretas e imediatas - excluindo, dessa forma, qualquer ingerência da União ou
dos Estados nestas matérias.
A autonomia e as atribuições políticas dos Municípios foram
fortalecidas no sistema político-constitucional brasileiro conformado pela
Constituição de 1988 18. No entanto, a peculiar estrutura da federação brasileira,
aliada, talvez, à permanência de algumas posturas contrárias a posição que os
Municípios ocupam ou devam ocupar, leva à construção de algumas idéias
incompatíveis com uma análise teorética e científica das normas constitucionais
que tratam da matéria.
Exemplo disso é a constante negativa, doutrinária e jurisprudencial, da
possibilidade de ação direta de inconstitucionalidade de leis e atos normativos
municipais frente às regras e princípios plasmados na Constituição Federal. Não
há, realmente, na Constituição Federal Brasileira (art.102, inc. I, letra
„a"), previsão expressa neste sentido, ficando o problema reduzido ao
nível dos Tribunais de Justiça estaduais. Este é o argumento „normativo” e
literal ao qual comumente se recorre para negar qualquer possibilidade de tal
procedimento de controle concentrado das leis e atos normativos municipais - se
o constituinte desejasse tal forma de controle da constitucionalidade, o teria
expressamente previsto.
Outro argumento diz respeito à possibilidade de que, se assim ocorresse, o
Supremo Tribunal Federal ficaria „abarrotado" com ações diretas de inconstitucionalidade
relativas a normas municipais. Este, um argumento que poder-se-ia qualificar de
„prático”.
Nem um, nem outro, argumentos, porém, são plausíveis. A
conformação constitucional da posição dos Municípios no sistema constitucional
vigente não autoriza tais conclusões. Se os Municípios são entidades políticas
integrantes da federação brasileira, o mesmo tratamento dado à União a aos
Estados, no tocante à sistemática de controle concentrado da
constitucionalidade, deve ser-lhes dispensado - inclusive sob pena de, em assim
não ocorrendo, haver uma violação do princípio federativo.
Além disso, é necessária a incerta via do recurso extraordinário
para que um pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal sobre a
constitucionalidade de uma lei ou ato normativo municipal.A segurança jurídica
ficaria melhor resguardada se houvesse a possibilidade de um pronunciamento
mais rápido, que solucionasse - bem ou mal - de uma vez o problema. Como se
pode constatar, a questão se encontra mais a nível de política jurídica do que
no âmbito da ciência jurídica.
O Supremo Tribunal Federal brasileiro foi chamado, por diversas
vezes, a solucionar conflitos entre as entidades integrantes da Federação
brasileira. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 926/5?DF (LEX?JSTF, vol.
189, pp. 60?98), por exemplo, os Ministros integrantes desta Corte decidiram, à
unanimidade de votos, concretizando a regra contida no art. 150, VI, „a",
da Constituição Federal brasileira, que é vedado à União Federal violar, por
emenda constitucional, o princípio da imunidade recíproca entre os membros da
Federação, pois tal procedimento, se configurado, até mesmo porque oriundo de
poder reformador, colocaria em risco a sua própria estabilidade e violaria o
pacto federativo, plasmado no Texto Constitucional Federal.
Como bem assinalou o Min. Carlos Mário Velloso, „a imunidade
recíproca, segundo o ministério de Geraldo Ataliba, é ontológica, porque diz
respeito ao cerne do pacto federativo, ou porque decorre da própria natureza do
federalismo (...), dado que, se inexistente, pode fazer ruir o Estado
Federal". No mesmo sentido, manifestou-se o Min. Celso de Mello, para quem
„a imunidade tributária recíproca - consagrada pelas sucessivas Constituições republicanas
brasileiras - representa um fator indispensável à preservação institucional das
próprias unidades integrantes da Federação; a concepção de Estado Federal que
prevalece em nosso ordenamento positivo impede especialmente em função do papel
que a cada unidade federada incumbe desempenhar no seio da Federação - que
qualquer delas institua impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços das
demais".
II- A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988: O NOVO FEDERALISMO BRASILEIRO
1.
Nesta
parte do trabalho, proceder-se-á a uma tentativa de compreender a função do
Supremo Tribunal Federal -doravante STF - no trato com a questão do federalismo
por meio de sua jurisprudência sobre o assunto. Assim, alguns esclarecimentos
preliminares se fazem necessários.
Num primeiro instante, o trabalho de se investigar toda a produção
jurisprudencial do STF sobre federalismo ultrapassa a possibilidade deste
paper. A questão do federalismo no Brasil não se esgota somente nos tópicos
constitucionais, tampouco nas manifestações do STF que se relacionam com o
tema. Apenas a título de informação, sabe-se que o federalismo no Brasil
engloba até os dias de hoje, por exemplo, o desafio da integração entre as
distintas regiões do Brasil. 19.
Obstáculos a essa integração real, o que implica na eliminação das
desigualdades regionais, - econômicas, mas igualmente culturais e ideológicas -
se localizam muito mais na capacidade de organização da sociedade civil
sinceramente comprometida com a superação desse status quo, a fim de que seja
possível o exercício de pressão política nesse sentido contra o estado
brasileiro, do que propriamente em qualquer tipo de ação que venha a ser
desencadeada pela mais alta instância do Poder Judiciário do Brasil.Essas
variações, embora tentadoras à investigação científica, não se constituirão no
objeto a ser aqui tratado.
Exigir da instância máxima do Poder Judiciário de um país formalmente
organizado sob uma constituição democrática a principal tarefa da realização
institucional de sua democracia, não parece se configurar como a melhor das
opções, até mesmo porque numa perspectiva verdadeiramente democrática este
Poder Judiciário deverá desempenhar muito mais a função de ser controlador de
poder do que propriamente produtor de poder.
O que se tentará ver será, pois, a movimentação dessa mais alta instância sobre
federalismo face ao que se dispõe institucionalmente, ou seja, na conformidade
do que lhe é imposto pela Constituição Federal.Por meio de suas decisões, como
concebe o STF o federalismo no Brasil? Essa concepção colabora em que medida
para a consolidação , primeiro, da democracia no Brasil, e , segundo, para uma versão
democrática específica de federalismo? Estas serão as perguntas a que a busca
de resposta se efetivará neste paper.
Por fim, cumpre lembrar que não serão todas as decisões que se relacionam com
federalismo que serão observadas. De modo específico, serão consideradas
aquelas que envolvam matéria tributária de sede constitucional e aquelas que
versem sobre intervenção. As primeiras, porque a autonomia das unidades
federadas depende necessariamente de sua independência financeira e
orçamentária. As segundas, porque é por meio da intervenção que se garante a
autonomia política dessas mesmas unidades, e com isso se consolida o que se
denomina de conflito interno de poder domesticado, típico de um estado federal.
2.
Pouca dúvida resta atualmente que a forma de organização estatal
federalista possui maior potencialidade democrática do que aquela unitária.
Não se afirma aqui que a solidificação de uma sociedade democraticamente
estável é impossível sob a forma unitária de estado. O que se ressalta no federalismo
é que a existência de diferentes centros de decisão dotados com capacidade de
poder transfere para o ambiente local a mediação da política, conduzindo os
envolvidos a uma participação mais efetiva nessa mediação. Aqui, a política não
é concebida como uma atividade distante, a ser decidida e praticada somente por
aqueles que estão fisicamente no centro do poder, tampouco passa a ser
monopolizada pela versão representativa da democracia 20 . A política num estado federal pode potencialmente vir a ser
encarada como o mecanismo que integra o cotidiano dos cidadãos, uma vez que
existirá sempre um centro de poder relativamente próximo de sua vida
institucional.
O federalismo brasileiro, ao lado do suíço, do americano e do
argentino, é um dos mais antigos do mundo 21.
Em 1889 com a proclamação da República se deu a implantação de uma república
federalista no Brasil. A referência tradicional ao caráter golpista do
movimento que trouxe a república a optou pelo sistema federativo no Brasil é
comum entre a maioria do intelectuais brasileiros. Daí a necessidade de alguma
ressalva sobre o assunto.
Em primeiro lugar deve ser esclarecido que o movimento republicano tinha um
forte componente positivista, por influência da presença militar em seu meio. A
corrente positivista era aquela, dentre as republicanas, a mais bem definida
ideologicamente 22 . Essa constatação empresta ao movimento, mesmo que timidamente,
um aspecto diferenciador de uma simples quartelada. Observa-se, assim, que a
discussão em torno de idéias era presente.
Um segundo tópico diz respeito ao deslocamento de forças políticas, econômicas
e sociais que a república significou. Para Nelson Werneck Sodré a monarquia
caiu exatamente porque se mostrava incapaz de formular uma política que levasse
à acumulação de capital, o que introduziria o Brasil na etapa do desenvolvimento
industrial. Nesse sentido, as classes econômicas comprometidas com esta fase de
superação do capitalismo viram na república a possibilidade de ter essa
política implantada 23 . Esse ponto, se não propõe em si um pensamento contrário à tese
de que a república fora um movimento eminentemente golpista, pelo menos provoca
reflexão sob o tema, o qual tem sido tratado muito mais na forma de lugar?comum
do que mesmo submetido a rigores científicos.
A visão extremamente pessimista sobre o Brasil como um todo atinge também o
federalismo. A maior parte da literatura de Direito Constitucional insiste até
na versão de que nunca tivemos a discussão sobre federalismo. Inclusive o
próprio STE No acórdão proveniente da Ação Direita de Inconstitucionalidade
n°.216, de 23 de maio de 1990, entendeu o STF que „ (...) Esse tema [do
federalismo] essencial à organização político-administrativa do Estado
brasileiro, ainda não foi decidido pelo STE Da resolução dessa questão central,
emergirá a definição do modelo de Federação a ser efetivamente observado nas
práticas institucionais" 24 .
Sobre as conseqüências teóricas de o STF se julgar capaz de definir os
contornos do federalismo para o Brasil se constitui em objeto de discussão
acerca de seu papel enquanto controlador de poder, e não como produtor de
poder, segundo um prisma de teoria da democracia. Daí a razão de não nos
ocuparmos dessa indagação aqui.
Na verdade, o STF não deve ser concebido com um definidor de política no estado
brasileiro, mas sim como um controlador do estado em favor da sociedade. Não
lhe compete, então, a definição de um conceito de federalismo, mas sim a
implementação do que a Constituição Federal impõe ao estado brasileiro em
termos de limites para o estado federal. A contextualização destes limites os
quais informarão as decisões do STF sobre o tema, esta sim, deverão ser
extraídas, sobretudo, da advertência histórica que já se tem no Brasil e, após,
no estrangeiro.
Importante ressaltar aqui que o STF ignora toda a discussão existente sobre
federalismo que existia, por exemplo, durante o período imperial. Sobre este
ponto, a obra de Tavares Bastos a seu constante duelo com o visconde de
Uruguai, Paulino Jose Soares de Sousa entre centralização e descentralização
constitui apenas um dos indicadores de que pelo menos o debate sobre
federalismo não é novidade no Brasil 25.
Um dos principais temas da assembléia constituinte que elaborou a primeira
constituição republicana foi exatamente a definição institucional do Supremo
Tribunal Federal. O que igualmente torna o assunto mais interessante é que dos
222 deputados constituintes dez haviam sido juízes e destes, seis se tornaram
mais tarde ministros do STF 26.
A discussão sobre o papel do STF englobava a sua competência para exercer o
controle da constitucionalidade, tarefa entregue ao Poder Moderador, o qual era
exercido diretamente pelo Imperador 27. Um outro ponto, embora envolvesse indiretamente o STF, se
reduzia mais ao problema da organização judiciária no Brasil, qual seja, o da
existência de um Poder Judiciário único, mantido pela Federação, ou da
capacidade de os estados terem também sua própria organização judiciária, como
forma de manifestação de sua autonomia.
Ao final dos trabalhos restou vencedora a opção de uma organização judiciária
dualista, onde os estados pudessem ter sua organização judiciária própria, a
uma justiça federal, competente para o conhecimento e julgamento de questões em
que a União Federal figurasse como parte ou interessada - estas competências se
encontravam discriminadas no art. 60 da Constituição de 1891.
Igualmente vencedora foi a posição em favor de o STF poder controlar a
constitucionalidade de leis. Aqui se observa o início de uma nova fase na
formação do Poder Judiciário e de seu papel na formação do estado brasileiro.
E, nesse contexto, é que se consolida a tradição do STF de atuar nas questões
tributárias e intervenções políticas, denunciando assim sua visão a respeito do
sistema federalista.
Porém, como é disciplinado constitucionalmente o federalismo no Brasil? Quais
suas mais determinantes linhas? Sem dúvida que o fato de os Municípios
integrarem a atual federação brasileira no mesmo grau que União Federal,
Estados-Membros e Distrito Federal é a grande novidade, não somente para o
federalismo brasileiro, como também para o federalismo num plano internacional.
A autonomia federal, do ponto de vista constitucional, se acha razoavelmente
bem distribuída e acompanhada de garantias que, pelo menos formalmente, possuem
a característica de viabilizar o pacto federativo no Brasil. Aos
Estados-Membros e Distrito Federal foi assegurada a competência concorrente com
a União Federal, além de suas competências específicas; os Municípios dividem
com União Federal, Estados-Membros e Distrito Federal a competência comum.
Registre-se, ainda, que até mesmo a competência legislativa privativa da União
pode ser exercida pelos Estados-Membros, mediante autorização de lei
complementar específica.
Do ponto de vista tributário-financeiro, União Federal, Estado-Membros,
Distrito Federal e Municípios exercem sua competência plena, sem interferências
de outras pessoas da federação. Parece evidente que é neste ponto que reside a
garantia da autonomia política, a qual se realiza, como se disse, por meio da
independência de arrecadar recursos próprios.
Não bastasse estes aspectos, o sistema federativo é elevado ao grau de garantia
eterna (Ewigkeitsgarantie), o que implica na decisão firme de manutenção de
todos os princípios constitucionais relativos ao federalismo.
É claro que os resultados desta articulação forma e de ordem constitucional têm
se mostrado diferentes do que provavelmente esperavam os constituintes. A
recente obra de Fernando Abrucio e Valeriano F. Costa bem demostram os vícios
ainda e serem eliminados para que se estabeleça uma relação federativa de
cooperação e não de desagregação; esta última ainda determinante pelo menos
entre os Estados-Membros 28 .
Ocorre que, ante um outro olhar, a prática de uma descentralização efetiva do
poder político tem se revelado importante para a solidificação da democracia no
Brasil pelo motivo de que a discussão sobre política local em alguns
Estados-Membros tem credenciado a política como instrumento da mediação entre
poder e sociedade, obrigando governos estaduais a realizarem permanentes
diálogos com sua própria população, representada pelos deputados estaduais. Eis
aqui um boa novidade, embora não seja precisamente a mesma em todos Estados da
federação.
Neste sentido, o caso do Rio Grande do Sul tem sido um exemplo a ser observado,
onde um legislativo estadual que recorre a mecanismos institucionalmente postos
à sua disposição para enfrentar o executivo, pode ser um ator importante da
prática política local. Este cenário seria impensável sob a Constituição de
1967/69 29 .
III - O FEDERALISMO NA
JURISPRUDÊNCIA DO STF
1.
Em 15. de setembro de 1993 o STF declarou inconstitucional a
Emenda Constitucional n°. 03/93, a qual determinava no par. 2° de seu art. 2°
que o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira não se subordinava nem
ao princípio da anterioridade, previsto pelo art.150, III, b e IV da
Constituição Federal, tampouco àquele da reciprocidade de imunidade tributária
entre os entes da federação brasileira, estabelecido pelo art. 150, VI da
Constituição. Para a análise aqui proposta interessa a argumentação em torno da
compreensão do STF sobre a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional
n°.03/93 no que diz respeito ao art.150, VI, uma vez que envolve a questão
federativa.
De acordo com o art. 150, VI é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios a instituição de impostos sobre renda e patrimônio uns dos
outros. Para o STF a violação a este princípio é atentatória ao pacto
federativo brasileiro, exatamente pelo motivo de que qualquer emenda
constitucional tendente a abolir a forma federativa de Estado não será
admitida, em função do art. 60, par. 4°., I da Constituição Federal. Para o STF
esse era o caso que se tinha quando da apreciação da constitucionalidade da
Emenda Constitucional n°. 03/93 30.
Se por um lado esta decisão poder ser lida como uma manifestação de proteção ao
princípio do federalismo determinado pela Constituição federal, por outro lado
ela não deixa de ser menos polêmica. E que se tem aqui o STF elevado a uma
condição de ator político fundamental para a decisão dos processos na vida
institucional brasileira. Lembre-se, ainda, que esta condição foi conferida ao
STF pelo próprio STF, o que, no mínimo, enseja indagações de outra ordem, mais
precisamente, na compatibilização deste entendimento do STF com a teoria
democrática.
O atual estado brasileiro é definido constitucionalmente como um Estado
Democrático de Direito. Num estado assim constituído, a separação de poderes
responde por uma das bases fundamentais da democracia, qual seja, aquela
determinada pelo princípio de que ninguém pode ser seu próprio juiz. Não se pode
ter como compatível com pressupostos de conformação estatal autenticamente
democrática uma interpretação constitucional que resulte na superposição de um
órgão estatal sobre outros, ainda mais quando esta superposição é produto de um
processo decisório que se encontra inteiramente nas mãos do eventual
beneficiário.
O STF ao pretender resolver um problema criou, na verdade, um segundo de
potencialidade igualmente ameaçadora quanto à observação do princípio
federativo. É que como resultado da decisão acima trazida se tem a definição
institucional de pressupostos democráticos não pelo Poder Legislativo - a quem
compete, num estado democrático de direito, a direção dos rumos do estado, pelo
fato de ser este Poder o que elabora as leis para os outros - porém pelo Poder
Judiciário.
A repercussão deste resultado não deixa de incluir o federalismo. Define-se o
próprio Poder judiciário como o autêntico policy making de um estado, tem-se
então que também o federalismo definido constitucionalmente passará a ter a
feição que este Poder determinar. Neste caso, não gozarão as disposições
constitucionais sobre federalismo da autonomia inerente àquela de um sistema
constitucional. Terão estas que aguardar o pronunciamento, no caso do STF, para
atingirem a eficácia que a assembléia constituinte efetivamente pensou ter-lhe
conferido. Este, alias, foi o entendimento do STF citado anteriormente sobre o
caso da decisão da ADIn n°. 216.
Sem dúvida a motivação do STF possui ainda uma base determinante de reflexão
sobre a autonomia dos Estados-Membros da federação brasileira. A repartição das
competências dos entes federativos aqui não somente dos Estados-Membros, mas
também aquelas dos Municípios brasileiros - impôs um sistema inédito de
autonomia, o qual, como se disse, garantido pela capacidade de arrecadação
própria destas entidades. Sem a autonomia de captação de recursos próprios,
permanece a autonomia inviabilizada. Ainda, com a preponderância de um ente da
federação sobre outros, o comprometimento da federação é igualmente ameaçador.
Percebe-se, então que na escolha entre uma opção, cujo resultado atinja a
estrutura teórica do sistema federativo brasileiro (o STF como policy making
também dos contornos da federação no Brasil); a um outra cujo resultado
garanta, num registro pragmático o pacto federativo, o STF ficou com a segunda
alternativa. Aqui, recorrendo à ausência de contornos institucionais mais
elaborados sobre o federalismo no Brasil, o STF ocupa um vazio que, pelo menos
a priori, não seria propriamente seu.
2.
Passe-se agora à análise do STF sobre as decisões envolvendo a
intervenção da União Federal nos Estados-Membros e destes nos Municípios.
De acordo com os dispositivos constitucionais - arts. 34 a 36, a intervenção da
União Federal nos Estados-Membros somente será possível (art. 34): a) para
manter a integridade territorial; b) repelir invasão estrangeira; c) pôr termo
a comprometimento da ordem pública; d) garantir o livre funcionamentos dos
Poderes nos Estados; e) reorganizar finanças; f) prover a execução de lei
federal e assegurar a observância dos preceitos constitucionais da forma
republica, sistema representativo e regime democrático; dos direitos da pessoa
humana, da autonomia municipal, da prestação de contas da administração pública
e da aplicação das verbas para o desenvolvimento do ensino.
Os Estados-Membros somente intervirão nos Municípios e a União Federal nos
Municípios dos Territórios somente nos casos de (art. 35): a) não pagamento da
dívida fundada; b) não forem prestadas contas, c) não aplicação de receitas no
desenvolvimento do ensino; d) garantir o cumprimento de lei federal, da ordem e
de decisão judicial.
O STF possui uma atribuição institucional determinante em casos de intervenção
federal, já que segundo o art. 36 da Constituição é este Tribunal quem decidirá
pelo pedido de intervenção, podendo mesmo, em alguns casos, requerê-la.
Constata-se logo de início que o texto constitucional brasileiro tem sido
extremamente cuidadoso ao tratar das possibilidades de intervenção. Na verdade,
esta cautela deve ser entendida como reflexo da atmosfera democrática em que a
Constituição foi elaborada e de sua decisão de introduzir no Brasil um sistema
federativo efetivamente baseado na autonomia e respeito a centros locais de
poder. Tanto o é que quando do art. 34, VII, a, a ameaça a regime democrático
autoriza a intervenção.
A intervenção é medida de caráter excepcional. Ela se constitui mesmo na
ruptura da ordem básica do federalismo, daí o motivo da cautela do STF em
relação à decisão que eventualmente autorize intervenção federal em algum
Estado-Membro. Um fato que bem traduz este cuidado é a constatação de que,
durante a vigência da Constituição Federal de 1988 inexistiu até o momento
intervenção da União Federal em Estado-Membro 31.
a) Ponto pacífico na jurisprudência do STF sobre intervenção é aquele da
impossibilidade de a União Federal intervir em Municípios. Neste sentido, a
decisão do STF é clara: „Impossibilidade de decretação de intervenção federal
em Município localizado em Estado-Membro. Os Municípios situados no âmbito dos
Estados-Membros não se expõem à possibilidade constitucional de sofrerem
intervenção decretada pela União Federal, eis que, relativamente a esses entes
municipais, a única pessoa política ativamente legitimada a neles intervir é o
Estado-Membro' 32.
Esta decisão garante a autonomia política do Estado-Membro e demonstra que a
decisão política de intervenção nos Municípios se constituirá em tarefa do
poder político local. Tem-se, então, a observação de que o federalismo
constitucional brasileiro também desconcentra suas atribuições de intervenção,
autorizando a conclusão de que esta concepção de federalismo enxergou no poder
político local não somente a legitimidade para avaliar a necessidade de
intervenção, como também estendeu a este poder local a responsabilidade pela
manutenção do pacto federativo.
b) Fortalecendo sua jurisprudência sobre a autonomia dos poderes estaduais em
matéria de intervenção, decidiu o STF que não cabe recurso para o próprio STF
de decisão de Tribunal de Justiça estadual que indeferiu pedido de intervenção.
É este o resultado do RE n°.149986/SP e RCL n°.464/ Ce 33 .
Ao decidir que a justiça estadual possui competência última para decisão sobre
intervenção - nos casos aqui trazidos, mesmo a intervenção federal - se
constata novamente a direção adotada pelo STF de também dividir com o poder
local a faculdade de autorizar intervenção.
c) Se por um lado o cuidado do STF com a intervenção tem servido ao equilíbrio
e à segurança do federalismo, tem esta cautela também gerado jurisprudência
sobre a qual repousaria a dúvida de que a intervenção não significaria mesmo a
manutenção do federalismo nos seus termos institucionais, já que esta
manutenção também o objetivo da intervenção.
Aqui se busca a referência ao caso registrado no Estado do Mato Grosso, registrado
no IF n°. 114/MT A existência de fato criminoso e cruel ocorrido em cidade
localizada a 700 quilômetros da Capital do Estado moveu o Procurador-Geral da
República a requerer intervenção no Estado que se achava „sem condição mínima
para assegurar o respeito ao primordial direito da pessoa humana, que é o
direito à vida" 34 .
O STF decidiu que, tendo em vista as informações das autoridades locais de que
o inquérito policial havia sido instaurado, a todas as medidas para apurar o
esclarecimento do fato estavam sendo tomadas, não se configurou o caso de
intervenção, de acordo com a previsão constitucional do art. 34, VII, b. O que
é de concluir é que mesmo sabedor da dificuldade tradicional que possuem os
Estados-Membros de maior dimensão territorial para alcançarem todos os cantos
de seu território e, eventualmente, da real necessidade de envio de reforço para
se garantir a autoridade, o STF não cedeu em sua compreensão de que os motivos
que possam conduzir a uma intervenção devem explicita e inquestionavelmente
estarem postos. O desrespeito a direitos da pessoa humana no Brasil, e em
especial nos seus mais ermos locais, não é novidade. Esta ponderação não foi
realizada pelo STE.
No mesmo sentido, mas anteriormente ao caso acima descrito, o STF já havia
decidido de maneira a solidificar seu entendimento. Em 1992 o STF negou pedido
de intervenção federal no Estado do Pará baseado no fato de o governo estadual
não intervir em Município para garantir os direitos da pessoa humana. Neste
caso o pedido havia sido requerido por partido político e deputado federal,
tendo sido negado pelo Tribunal de justiça do Estado. O STF indeferiu o pedido
por ter o entendimento de que somente o Procurador-Geral da República dispõe da
legitimidade para requerer intervenção e que não cabe recurso da decisão da
justiça local que igualmente indefere pedido de intervenção 35.
IV – CONCLUSÒES
No que pese a trajetória histórica de o STF possuir uma
proximidade com o Poder Executivo no Brasil, há de se reconhecer de que este
desenvolvimento histórico não é linear, porém conflitivo.
Tanto o desenvolvimento desta posição histórica como sua
conflituosidade, se deixam demonstrar no aspecto do federalismo, desde os
primeiros tempos do STF. De início, é de se ressaltar que o STF não pode ser
responsabilizado isoladamente pelas eventuais distorções que a experiência
federalista vem tendo no Brasil. Como se discutiu, estas distorções do mundo
real se vinculam muito mais à ausência de cultura democrática das elites
políticas brasileiras - o que vem sendo alterado pelo menos nos últimos dez
anos - do que à falta de discussão teórica existente no País sobre o assunto ou
de sua conformação constitucional.
Por meio de inúmeros pontos de seus diferentes julgados se pode
ver a compreensão de federalismo que o STF possui. Porém, as questões
tributárias envolvendo principalmente Estados-Membros e aquelas de intervenção
merecem especial atenção, exatamente porque envolvem a credibilidade que o
poder central - no Brasil, tradicionalmente concentrador - tem no poder local
como credenciado a resolver seus próprios problemas, tanto financeiro como
políticos, ainda que estes problemas se relacionem com questões tão decisivas
como a integridade territorial e manutenção do poder da autoridade instituída.
Do ponto vista das questões tributárias a tendência do STF tem se
mostrado favorável à União Federal. Não é novidade esta tendência. Ressalte-se,
por exemplo, as idéias de Alberto Torres (ex-ministro do STF no começo do
século), e, nos dias de hoje, o diagnóstico de F.Abrucio e V. Costa, ambos a
sugerir uma certa incapacidade dos Estados-Membros brasileiros de se
credenciarem como atores autônomos e integradores da federação, pelo menos no
plano de disputas econômicas.
Embora com naturais ressalvas, não tem sido este o quadro no que diz respeito à
jurisprudência do STF em intervenções. Aqui, se observa que o STF possui
claramente a compreensão da gravidade de uma intervenção federal e de suas
conseqüências políticas.
Mais que isso: o STF, em última análise também um representante do
poder central tradicionalmente concentrador na história brasileira, passa a
vislumbrar maturidade política no poder local, colaborando dessa maneira com
uma descentralização do centro de decisões políticas de grande monta. Esta
reflexão seria pouco provável há vinte anos atrás.
O que revela desafiador é uma análise mais precisa desta
duplicidade de entendimentos no interior do próprio STE Se por um lado se
constata o crédito na maturidade dos poderes políticos locais indica o
reconhecimento da implantação efetiva do federalismo; por outro a perspectiva
centralizadora em questões que envolvam aspectos determinantes para a garantia
de uma real autonomia federativa, como é o caso das questões tributárias,
revela o longo caminho a percorrer.
A análise que se propõe requer o aprofundamento das questões aqui
levantadas, mas com certeza transitaria necessariamente pela observação dos
votos dos ministros, pelo estudo detalhado dos casos e de suas circunstâncias,
permitindo com isso um mapeamento menos impreciso do problemas cotidianos que o
federalismo ainda enfrenta no Brasil.
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1. Cf. Badia,1978:42. 2.
2 Cf. Meirelles Teixeira,1991:611.
3. Cf. Meirelles Teixeira,1991:612-613.
4 . Cf. Jellinek,1954:479.
5, Ver Baracho, 1986:48-49; 62.
6,Cf. Verdú, 1986: 277.
7,Cf. Badia, 1978: 69.
8 ,Cf. García-Pelayo, 1993: 215.
9. Cf. Badia,1978:78. Ver: Miranda,1988:235-236. Comparar com
Horta,1964:49.
10. Cf. Ferreira, 1983:909. Da mesma maneira que se distingue do
Estado unitário, o Estado federal também se distingue da Confederação, porque
nesta última a soberania continua a pertencer aos Estados-Membros, enquanto que
numa Federação ela pertence apenas à União Federal, resguardadas as autonomias
das entidades que a compõem. Ademais, enquanto a Federação constitui um
fenômeno essencialmente de natureza interna, a Confederação se dá no âmbito do
Direito internacional, em virtude de um tratado firmado entre Estados
soberanos. Segundo Juan Ferrando Badia (1978:85), o Estado federal ocupa um
lugar intermediário entre a Confederação e o Estado unitário descentralizado.
Comparar com Pontes de Miranda,1970:67-69.
11. A possibilidade de intervenção federal mais confirma do que
enfraquece o princípio federativo, em virtude da excepcionalidade das hipóteses
e do difícil procedimento em que pode ser deflagrada - nota do autor. Cf., numa
visão geral acerca da intervenção federal: Ferreira,1983:931-940.
12. Cf. Pontes de Miranda,1970:317?318.
13. Decreto n°l, de 15.11.1889, art. 2Q: „As Províncias do Brasil,
reunidas pelo laço da Federação, ficam constituindo os Estados Unidos do
Brasil". Comparar com o art. 1°, da Constituição da República, de 1891.
14. Cf. Pinto Ferreira,1983:953-962 (Ver pp. 953-954).
15. Cf. Pinto Ferreira,1983:953-954. Comparar com: Baracho,1986:93
16. Cf. Horta,1964:112.
17. Cf. Horta,1964:121;122;130.
18. Cf. Horta,1995:522-526.
19.0 desafio da integridade territorial foi o problema central em
cuja órbita gravitou boa parte da política do Brasil monárquico. A solução
desse problema se deu ralativamente rápida: em 1845 o governo central era
vitorioso sobre a Guerra dos Farrapos ocorrida no Rio Grande do Sul. Até o
final do Império, nenhum movimento de intenções separatistas ameaçou a
estabilidade política do país.
20 Bonavides, Paulo: A Constituição Aberta, p.17.
21 Sobre esta comparação a mais alguns dados a respeito da origem do
fedarabsmo no Brasileiro, uma consulta ao trabalho de Peter Michael Huf é
oportuno: Die Erltwicklutig des bundesstaatlicheii Systems iri Brasilien.
22 Vianna, Oliveira, O Ocaso do Império, p. 114. Ainda sobre o papel
dos militares nessa fase histórica do Brasil: Carone, Edgard: A Primeira
República (1889-1939). Texto a Contexo, 4á. edição, Betrand, Rio de
Janeiro,1988; Castro, Celso: Os Militares e a República, Jorge Zahar Editor,
Rio de janeiro,1995.
23 Sodré, N. Werneck, A Ideologia dó Colonialismo, p.125. A respeito
dessa posição, ressalte?se. ainda, o posicionamento de Ma. de Lourdes Monaco
Janotti, que ressalta a alteração da hegemonia política das classes econômicas,
bem como as „inovações na esfera político-administrativa e nas relações
sociais" onde „Desarticulara-se o o antigo sistema parlamentar do Império,
introduzindo-se novas relações entre os poderes' (Janotti, Ma. de Lourdes, M.,
A República - Oposição a Consolidação, p. 54).
24 ADIn n°.216, p. 200.
25 Cf A Província,de Aureliano Cândido de Tavares Bastos: Senado
Federal, Brasília,1997 (edição fac-similar da L. Garnier, RJ,1870).
Recentemente: Gabriela Nunes Ferreira: Centralização e Descentralização - O
debate entre Tavares Bastos e visconde de Uruguai, Depto de Ciência Política da
USP/editora 34, São Paulo,1999.
26 Foram eles: Américo Lobo Leite Pereira, André Cavalcanti de Albuquerque,
Anfilófio Botelho Freire de Carvalho, João Pedro Belfort Vieira, Joaquim Xavier
Guimarães Natal, José Higino Duarte Pereria.
27 De acordo com o art. 98 da Constituição de 1824 „O Poder
Moderador era a chave de toda a organização Política e é delegado
privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e seu Primeiro
Representante (...)". O exemplo brasileiro adotado durante o período
imperial foi lembrado por Carl Schmitt, quando este defende que o guardião da
constituição há de ser o Reichsprásident e não um tribunal constitucional. Cf.
Schmitt, Carl: Der Hüter der Verfassung, p.133, nota de rodapé n°.1.
28 Refirimo-nos ao livro Reforma do Estado e o Contexto Federativo
Brasileiro, de Fernando Luiz Abrucio e Valeriano Mendes Ferreira da Costa
(Konrad-Adenauer-Stiftung, Coleção Pesquisas, n°.12, São Paulo,1998,187pp.
29 A respeito do exemplo gaúcho, cf. L. Gustavo M. Grohmann: O
Processo Legislativo no Rio Grande do Sul: 1995 a 1998, comunicação apresentada
ao Primeiro Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política - ABCP -, 17
a 20/12 de 1998, Rio de Janeiro, 40pp.
30 ADIn n°. 926-5-DF, p. 61.
31 esmo no caso do Estado de Alagoas, a União Federal não decretou
oficialmente a intervenção. O Estado nordestino de Alagoas é um dos mais pobres
da Federação brasileira, ostentando os indicadores sociais mais baixos em
comparação com outras unidades da Federação. Extrema desorganização de
finanças, irregularidades da administração pública e a ausência de
governabilidade foram causas principais do descalabro institucional que assolou
este Estado durante o período em que se efetivou a conhecida „ intervenção
branca".
32 IFQO nº. 590/Ce, p. 01.
33 P 1 e p.1, respectivamente.
34 IFO nQ.114/MT, p. 0l.
35 IF nº.102/Pa.