DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA E O DIREITO DE CONSTRUIR

MARIA LINDÁURIA DE LIMA NASCIMENTO

Procuradora do Município | Especialista em Direito Público

SUMÁRIO:

1. Desapropriação: considerações preliminares.
2. Requisitos constitucionais. Indenização Prévia.
3. Preço Justo.
4. Declaração de Utilidade Pública.
5. Declaração de Utilidade e o Direito de Construir.
6. Referencial Bibliográfico.

1. DESAPROPRIAÇÃO: Considerações Preliminares

A Constituição Federal de 1998 em seu artigo 3° determinou que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é promover o bem de todos, por conta disto o princípio que norteia o nosso sistema jurídico é o da supremacia do interesse público sobre o privado.

Assim, a propriedade na ordem jurídica atual não tem caráter absoluto. O proprietário não poderá dispor da propriedade como bem entender, tendo em vista que ela deverá atender a sua função social.

O Estado no afã de promover o bem comum muitas vezes terá que desapropriar imóveis de particulares e estes só poderão discutir o preço e o procedimento, porque a Constituição Federal em seu artigo 5°, XXIV estabelece que "a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição."

CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, define desapropriação como "o procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social , compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, adquirindo-o originariamente mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certos imóveis urbanos ou rurais, em que, por estarem em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservado seu valor real. (1) CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO, 9a EDIÇÃO, MALHEIROS,1997, pág. 523.

A desapropriação é o procedimento administrativo pelo qual o poder público ou seus delegados, mediante prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário a perda de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização. (2) MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, DIREITO ADMINISTRATIVO, 5a EDIÇÂO, ATLAS,1995 ,pág. 134).

2. REQUISITOS CONSTITUCIONAIS

Os requisitos constitucionais exigidos para a desapropriação resumem-se na ocorrência de necessidade ou utilidade pública ou de interesse social e no pagamento de justa e prévia indenização em dinheiro (CF, art. 5°, XXIV), ou em títulos especiais da dívida pública ( no caso de desapropriação para observância para o Plano Diretor do Município, art. 182, § 4°, III) ou da dívida agrária ( no caso de desapropriação para fins de reforma agrária, art.184).

No entender de Seabra Fagundes, os três fundamentos para desapropriação condensam-se no conceito unitário de utilidade pública, "que é em si tão amplo, que a menção apenas dessa causa bastaria autorizar a incorporação ao patrimônio estatal da propriedade privada, tanto quando fosse útil fazê?lo, como quando tal se afigurasse necessário ou de interesse social".


3. INDENIZAÇÃO PRÉVIA

A exigência de prévia indenização sempre existiu na legislação brasileira, constitucional e ordinária, nas desapropriações por utilidade pública ou interesse social, salvo neste último caso, na Emenda Constitucional n.1, de 1969 e no Decreto-Lei n. 554, do mesmo ano.

Clóvis Beviláqua disse que a indenização deveria ser prévia, salvo nos casos de (1) recusa do proprietário em receber (art. 591 do Código Civil), (2) o bem-estar sujeito à garantia real (art. 762, V do Código Civil), (3) estar penhorado, "porque a penhora retira o bem da posse do devedor e o destina a venda judicial para com o produto para com o produto ser pago o exeqüente", ou (4) a propriedade estar sendo disputada por ação real, e o dono não tiver título transcrito. Para o grande civilista, o registro de imóveis adquire particular relevância porque a transcrição é o modo de adquirir o domínio de imóveis (art. 530, do Código Civil). Por isso, "se no registro se acha transcrito o título pelo qual o desapropriado adquiriu o bem, é ele que, perante a lei e o direito, é o proprietário, a conseqüentemente a ele deve ser forçosamente entregue a quantia arbitrada para o pagamento da indenização", conquanto seja possível anular o registro, por ação própria. (CRUZ, J. Oliveira. Op. Cit., p.143-144).

Indenização prévia significa que o expropriante deverá pagar ou depositar o preço antes de entrar na posse do imóvel. Este mandamento constitucional vem sendo frustrado, pelo retardamento da justiça no julgamento definitivo das desapropriações, mantendo o expropriado despojado do bem e do seu valor, por anos e anos, até transitar em julgado a condenação. Os depósitos provisórios geralmente são ínfimos em relação ao preço efetivo do bem , o que atenta contra o princípio da indenização prévia. Essa burla à Constituição só poderá ser obviada pelo maior rigor dos juízes e tribunais na exigência de depósito prévio que mais se aproxime do valor do bem expropriado. (3) HELY LOPES MEIRELLES, DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO, 20a EDIÇÃO, PÁG. 526).

4. PREÇO JUSTO

A indenização justa é a que cobre não só o valor real e atual dos bens expropriados, à data do pagamento, como, também os danos emergentes e os lucros cessantes do proprietário, decorrentes do despojamento do seu patrimônio. Se o bem produzia renda , essa renda há de ser computada no preço, porque não será justa a indenização que deixe qualquer desfalque na economia do expropriado. Tudo que compunha seu patrimônio e integrava sua receita há de ser reposto em pecúnia no momento da indenização; se o não for, admite pedido posterior, por ação direta, para complementar?se a justa indenização. A justa indenização inclui, portanto, o valor do bem, suas rendas, danos emergentes, os lucros cessantes, além dos juros compensatórios e moratórios, despesas judiciais, honorários de advogado e correção monetária. (4) HELY LOPES MEIRELLES, DIREITO ADMINISTRATIVO BASILEIRO, 20a EDIÇÃO, PÁG. 525).


JUROS COMPENSATÓRIOS

A omissão da expressão juros compensatórios não haveria mesmo de conduzir à sua exclusão, em face da situação descrita pelos autores e embargados, que obviamente não iriam se contentar com o mero pagamento da indenização, sem os consectários a ela inerentes, que são os juros moratórios e os juros compensatórios. É o que proclama o Ministro Orozimbo Nonato, em precedente lembrado pelo saudoso Ministro Luis Calotti (RTJ, 54, P.353)

CORREÇÃO MONETÁRIA

O STJ vem decidindo repetidamente ser cabível o índice de preço ao consumidor (IPC) no reajustamento dos títulos da dívida agrária ( TDA), que também se destinam a indenizar expropriações , e o faz com arrimo no artigo 184 da Constituição Federal e no princípio da isonomia.

A Fazenda do Estado de São Paulo pediu extinção da execução do processo expropriatório, pelo fato de haver pago o saldo devedor dentro do prazo de 01 (um) ano do pagamento anterior, quando feita a ultima atualização.

As decisões invocadas pelo recorrente não coadunam com a realidade inflacionária que o País atravessa e colidem com a Súmula n° 561 do Pretório Excelso e a jurisprudência pacífica das Primeira a Segunda Turmas do STJ.

Os juros compensatórios são destinados ao ressarcimento pelo impedimento de usufruição dos frutos derivados do bem: vale dizer, é a compensação pelo uso do bem alheio pelo Poder Público, antes da justa indenização, motivo pelo qual, havendo demora no pagamento, os juros integram o valor indenizatório.

Por essas razões, finca-se que os juros compensatórios, integrando a indenização, na espécie, correspondem ao valor do imóvel, contemplando as perdas e danos, considerando o que o proprietário, razoavelmente deixou de lucrar. Explica-se, portanto, porque são cumuláveis os juros compensatórios e os moratórios (estes, remunerando o capital, paralisando o retardamento da obrigação de pagar, conforme a lei, contrato ou sentença), sem que a cumulatividade constitua o anatocismo (Embargos de Divergências no REsp. 24.943-5- Rel. Min. Comes de Barros - in DJU de 30.08.93-).

Assegurados os juros compensatórios, guarnecidos os lucros cessantes, descabe a pretensão de auferí-los a título próprio ou autonomamente, somados aos compensatórios, edificados na via jurisprudencial. Existe precedente:

'Administrativo. Desapropriação. Juros Compensatórios e Lucros Cessantes. Cumulatividade Descabida.

I- Impossível cumular, em ação desapropriatória, a condenação de juros compensatórios com lucros cessantes, sob pena de "bis in idem ", visto que aqueles se destinam a compor o patrimônio do desapropriado indenizando-o dos lucros que deixou de auferir em razão da expropriação. (5) RDA, RENOVAR, FGV, JULHO/SET -1994, VOL.197.

4. DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA.

Declaração de utilidade pública é o ato através do qual o Poder Público manifesta sua intenção de adquirir compulsoriamente um bem determinado e o submete ao jugo de sua força expropriatória. (6) CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO,9a EDIÇÂO, MALHEIROS,1997, pág. 857.

5. DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA E O DIREITO DE CONSTRUIR

A Constituição Federal assegura o direito de propriedade, mas determina também que a propriedade tem que atender a sua função social. Assim, o direito de propriedade não é mais absoluto, pois o interesse da coletividade deve sempre sobrepor-se ao individual.

Tendo o Estado o dever de cuidar do bem?estar da sociedade muitas vezes ele tem que desapropriar bens de particulares em benefício da coletividade. Mas, essa desapropriação tem que ser por necessidade pública ou utilidade pública ou interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro.

Mas, acontece que a simples declaração de utilidade pública, que constitui um dos requisitos constitucionais para desapropriar, já traz em si alguns gravames a pesar sobre o bem expropriando. Destes gravames um dos aspectos é dado pelo artigo 1° do Decreto-Lei n° 3.365, segundo o qual, "declarada a utilidade pública, ficam as autotidades administrativas autorizadas a penetrar nos prédios compreendidos na declaração, podendo recorrer a força policial".

Um outro aspecto do vínculo em questão é o consubstanciado no parágrafo 1° do art. 26 do citado diploma legal:

"serão atendidas as benfeitorias necessárias feitas após a desapropriação; as úteis, quando feitas com autorização do expropriante".

Voto do Ministro do STF, Evandro Lins e Silva? Salta aos olhos, desde logo, a imperfeição técnica da redação legal . "Desapropriação"é ato administrativo complexo, cujo processamento compreende três etapas fundamentais. A qual delas se refere o legislador ao falar genericamente em desapropriação? A única interpretação plausível, por ser a que possibilita aplicação ao texto legal, é a que entende por "desapropriação" o início do processo expropriatório, ou seja a declaração de utilidade pública. E isto porque efetuado o pagamento ou a consignação da indenização como dispõe o artigo 29 da mesma lei , expedir?se?á em favor do expropriante mandado de imissão de posse , não sendo mais possível ao particular efetuar benfeitorias no bem expropriando.

Por conseguinte, declarada por decreto e utilidade pública do bem expropriando, não fica o proprietário impedido de nele realizar benfeitorias, mas perde o direito de indenização das benfeitorias úteis que fizer sem o assentimento do expropriante".

Por outro lado a Constituição vigente determina que o desenvolvimento urbano no quadro do território municipal é de competência local. Reconhecendo-se a competência do Município para promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento da e ocupação do solo urbano.

Sendo o Município o responsável pelo controle do uso e ocupação do solo, é imprescindível que qualquer munícipe que pretenda erigir uma construção obtenha previamente da Edilidade licença para construir.

Licença é um ato administrativo vinculado e como tal, mister se faz que o interessado na obtenção do alvará de construção satisfaça todos os requisitos para adquirir o direito de construir.

Ato administrativo vinculado - os que a Administração pratica sem margem alguma de liberdade para decidir-se, pois a lei previamente tipificou o único possível comportamento diante de hipótese prefigurada em termos objetivos. Exemplo: licença para edificar; aposentadoria, a pedido, por completar-se o tempo de serviço do requerente. (Celso Antonio Bandeira de Melo, Curso de Direito Administrativo, pág. 262).

A licença reconhece a consubstancia um direito do requerente. Trata?se, porém, de um direito cujo exercício é condicionado ao preenchimento de determinadas exigências e de alguns requisitos impostos em lei. A outorga da licença significa o atendimento dessas exigências e requisitos, salvo se a própria licença houver sido liberada com desrespeito às normas legais, caso em que ela será inválida, não surtindo aqueles efeitos. (7) Jose Afonso da Silva, Direito Urbanístico Brasileiro, 2a edição, págs. 392/ 293.

Assim, uma vez atendidos os requisitos legais, a licença há de ser deferida, porque sendo esta um ato administrativo vinculado não poderá o Poder Público deixar de a conceder.

Hely Lopes Meirelles, com sua cultura inominável, expõe, em seu "Direito de Construir", ad verbis:

"Ilegal é a recusa de aprovação de projeto de construção ou de plano de loteamento pelo simples fato de haver decreto expropriatório do terreno, ou mero plano de obras públicas para a área, ou qualquer outra circunstância que, de futuro, possa impedir a construção particular, pois a Administração Pública não tem o poder de bloquear a propriedade privada e estancar o direito de construir, indefinidamente e sem indenização do proprietário prejudicado." (grifo nosso). (8) Hely Lopes Meirelles, Direito de Construir, 5a Edição, pág.167).

Segundo orientação de Lucia Valle Figueiredo, "impedir o proprietário de edificar em seu terreno pela mera existência quer de planos de melhoramentos públicos, quer de decreto declaratório de utilidade pública, afigura-se uma prática agressiva ao sistema jurídico" (9) Disciplina Urbanística da Propriedade , ed. RT,1980, P 36).

Na precisa definição de Celso Antonio, "a licença para construir é o ato administrativo pelo qual o Executivo, exercitando competência vinculada, libera a construção de determinada obra, por verificar e proclamar a consonância entre um projeto de construção e o direito de construir legalmente garantido ( Ato Administrativo e Direitos dos Administrados, Ed. RT,1981, p.173).

A Jurisprudência neste entendimento é clara, ao dispor, in verbis:

SUMULA 23 DO STF - "Verificados os pressupostos legais para o licenciamento da obra, não o impede a declaração de utilidade pública para desapropriação do imóvel, mas o valor da obra não se incluirá na indenização, quando a desapropriação for efetivada".

Assim, tanto a doutrina como a jurisprudência são unânimes ao dispor sobre o direito de construir do particular em área que seja totalmente atingida por obra pública, caso a Administração Pública não deseje indenizar.

A jurisprudência não discrepa da orientação doutrinária. "Declarada a utilidade pública o proprietário do terreno não fica impedido de nele construir, mas somente será indenizado da benfeitoria, se houver consentimento do poder expropriante" (RDA 98/169). Ë o que se lê de RT 200/383/114, 381/133 E 399/134. O STF já pacificou tal orientação ( RTJ 43/619 e 50/178).

"Cumpre assinalar que, consoante pronunciamentos unânimes da doutrina e da jurisprudência, essa restrição ao direito de construir, por não implicar retirada total e definitiva do uso da propriedade, não sujeita o Poder Público a qualquer tipo de indenização, ainda que acarretando desvalorização temporária da propriedade atingida. Essa restrição insere-se no campo genérico do exercício regular do poder de polícia de que dispõe a Administração, a exemplo do que ocorre quando ela implementa a legislação do uso e de ocupação do solo, onde as limitações de uso, ditadas pelo interesse público, são de todos conhecidas (recuo obrigatório, gabarito de construção etc.).

Será diferente na hipótese de o ato administrativo acarretar total prejuízo na fruição do bem atingido, como no caso do decreto Estadual de n° 10.251/77, que criou o Parque Ecológico da Serra do Mar. Nesse caso, os proprietários atingidos por esse ato, que equivale a interdição do uso da Propriedade , poderão dentro do prazo prescricional, pleitear a respectiva indenização por via da chamada desapropriação indireta, pois a situação se equipara à ocupação administrativa da propriedade". (10) Kiyoshi Harada, Desapropriação Doutrina e Prática, Atlas,1997, pág. 73

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio, Curso de Direito Administrativo, 9a edição, Malheiros,1997, pág. 523.

2. ZANELLA DI PIETRO, Maria Sylvia, Direito Administrativo, 5a edição, Atlas,1995 ,pág.134).

3. MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 20a edição, pág. 526).

4. MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 20a edição, pág. 525).

5. RDA, RENOVAR, FGV, Julho/Set -1994, Vol.197.

6. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio, Curso de Direito Administrativo, 9a edição, Malheiros,1997, pág. 857.

7. DA SILVA, Jose Afonso, Direito Urbanístico Brasileiros, 2a edição, págs. 392/293.

8. MEIRELLES, Hely Lopes, Direito de Construir, 5a edição, pág.167).

9. FIGUEIREDO, Lucia Valle, Disciplina urbanística das propriedade, ed. RT, 1980, P 36).

10. HARADA, Kiyoshi, Desapropriação Doutrina e Prática, Atlas,1997, pág. 73.