A
TEOLOGIA DE PLATÃO
MARCIO
AUGUSTO DE VASCONCELOS DINIZ
Procurador
do Município de Fortaleza | Mestre em Direito Constitucional - UFMG |
Doutorando em Filosofia do Direito – UFMG | Professor do Curso de Direito da
Universidade de Fortaleza
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Platão. Nomon, D, 716c.
Die ganze Philosophie ist nichts Anderes als das Studium der Bestimmungen der Einheit; ebenso ist die Religionsphilosophie eine Reihenfolge von Einheiten, immer die Einheit, aber so, dab
these immer weiter bestimmt ist.
G.W.E Hegel. Vorlesungen über die Philosophie der
Religion. Sämtliche Werke. Jubildumsausgabe
in zwanzig Bänden. Hermann Glockner (hrsg.). Band XV 3. Aufl. Stuttgart:
Fr. Frommans Verlag - Günther Holzboog, p. 113.
Ao Prof. Dr. Henrique Cláudio de Lima Vaz, S.j.,
dedico esta monografia, com uma especial gratidão pelo estimulo e pelas lições
que me foram concedidas.
1. TEOLOGIA FILOSÓFICA GREGA
O termo teologia (qeologia),
originariamente utilizado por Platão (República, Il, 379a), surgiu, no contexto
da filosofia grega, para significar um discurso sobre a existência e a natureza
do divino 1 . A idéia veiculada por este conceito, que
começou a se formar no século VI a.C., e foi aperfeiçoada no século seguinte,
surgiu intimamente relacionada, de um lado, com a religião grega e, de outro,
com o aparecimento da filosofia. Trata-se, desse modo, de um estágio mais
avançado do conhecimento e da explicação das coisas divinas, até então
reservados aos sábios e advinhos, aos sacerdotes e
anciãos das tribos e limitados aos ritos e cultos religiosos. 2
Na época de Homero e Hesíodo, a teologia, ainda em estágio
rudimentar, se confundiu com a mitologia, que foi um modo de expressão
essencial da religiosidade grega 3. Estes poetas, fabricantes de mitos, revelavam aos gregos, a
origem do universo e dos deuses 4 . Criavam, também, modelos éticos a partir dos paradigmas que
tomavam de empréstimo dos heróis humanos e das entidades divinas que eles
retratavam. Arautos da vontade dos deuses, intermediários privilegiados entre
os deuses e os homens, os poetas foram, ao mesmo tempo, explicadores do mundo e
educadores da sociedade:
"De um modo muito geral, e ultrapassando a análise
platônica, poder-se-ia, retomando as coisas por um outro lado, dizer que o
poeta é o intermediário privilegiado entre uma comunidade e os sistemas de
explicações e valores aos quais esta comunidade adere. Numa palavra, através
do mito, é toda uma comunidade que se dá em modelo a ela mesma. É necessário,
portanto, absolutamente, evitar considerar a atividade poética de um ponto de
vista exclusivamente estético. Pois nos mitos fabricados pelos poetas se
misturam , de maneira inextricável, valores éticos, saberes de toda espécie e
dimensão religiosa. |
[...]
Enquanto educador, o poeta dá forma a transmite aquilo que faz a identidade de
uma comunidade; vale dizer, a sua consciência" 5.
A partir do surgimento do modo de pensar filosófico e da emergente
tentativa de compatibilizar mythos e logos na
significação do Universo, a civilização grega presenciou um imenso esforço, por
parte dos filósofos, a partir da Escola Jônica, para submeter o discurso mítico
ao tribunal da razão 6 , para justificar racionalmente a origem do Universo e os diversos
problemas que envolvem o Ser, tanto ao nível da natureza, como no âmbito da
convivência humana e, especialmente, as várias questões que suscita a
explicação da Causa primeira de todas as coisas:
"Inicialmente convém lembrar que entre as causas que
explicam historicamente o aparecimento da filosofia - pelo menos na tradição
ocidental - está justamente o problema da transposição da visão religiosa do
mundo num sistema de explicação racional. A filosofia surgiu justamente no
terreno da tentativa levada a cabo pelos primeiros pensadores gregos e
continuada por Platão e Aristóteles, para buscar demonstrar a existência de
uma relação de homologia, relação de semelhança que fosse a mais complexa
possível, entre a visão religiosa do mundo e a visão racional que surgia na
Grécia, acompanhando os primeiros passos da ciência. Sendo a visão religiosa
do mundo uma visão totalizante que procurava englobar todos os aspectos da
experiência humana: o Universo e o homem, a origem, o destino e o fim, a
filosofia se viu face-a-face com o desafio de construir, com procedimentos da
razão, com conceitos e métodos do logos demonstrativo, uma visão do mundo que
apresentasse uma estrutura homóloga à visão religiosa, ou seja, que respondesse
à pretensão de explicação total que a visão religiosa reivindicava e que
encontrara sua tradução no logos mítico” 7. |
A teologia filosófica, ou teologia natural, enquanto dirigida ao
conhecimento racional do Deus da tradição filosófica ocidental - do Divino que
se manifesta no mundo físico - e da explicação racional do Ser Absoluto, é,
pois, contemporânea da crítica à teologia mítica dos poetas, da tentativa de
crítica e de explicação racional do mythos pelo
logos. O problema teológico no alvorecer da filosofia ocidental, significa, em
sua origem, "dar razão de Deus" (H.C. Lima Vaz). Ele postula uma
"exigência de fundamentação racional do mundo num Principio Absoluto"
e tem como ponto-de-partida "a correspondência postulada entre a Razão
humana e o mundo que se oferecia na experiência natural. A ordem do mundo
permitia à Razão elevarse ao Primeiro Principio". 8 Nesse sentido, Werner Jaeger:
"A teologia natural era o domínio dos filósofos: era a
teoria da natureza do divino na medida em que ele se revela na natureza das
coisas. (...) A filosofia grega é uma autêntica teologia natural, porque
fundada sobre um conhecimento racional que penetra na natureza mesma das
coisas (...) A teologia supõe uma atitude de espírito que é característica
dos Gregos a que só poderia ser explicada pela grande importância que o
pensamento grego atribuia ao logos, pois a palavra theologia significa investigação acerca de Deus ou dos
deuses (théoi) pela via do logos". 9 |
A partir de então, vários filósofos passaram a criticar o modo por
meio do qual os poetas representaram os deuses. Dentre eles, destacou-se Xenófanes, cujo pensamento influenciou a maioria dos
pensadores que o sucedeu, especialmente Heráclito e Empédocles. Xenófanes criticou profundamente o politeísmo e o
antropomorfismo dos poetas. Afirmou que Homero e Hesíodo atribuíram aos deuses
tudo aquilo que, nos mortais, deve ser reprovado: o roubo, o adultério e a
traição mútua; ao mesmo tempo, tal como fizeram os etíopes e os trácios,
fabricaram as divindades à sua própria semelhança. Além disso, estava
profundamente convencido de que aos fenômenos da natureza
poderiam ser fornecidas explicações racionais, sem recorrer às anteriores
explicações mitológicas, muito menos à intervenção dos advinhos.
Ora, Deus não pode ser, de modo algum, semelhante aos homens, nem corporal, nem
espiritualmente; ele não precisa de membros ou de órgãos sensoriais, porque ele
provoca tais fenômenos por seu próprio pensamento, sem mover um só músculo.
Deus, que tudo pensa, tudo entende e tudo vê, é o maior dentre os deuses e os
homens. Imóvel e imutável, Ele não nasce, nem morre. Ele existe.
Xenófanes foi, também,
o autor de novas concepções éticas, quando, discorrendo sobre a piedade, tratou
da boa conduta numa assembléia (frag.
1). A propriedade, a pureza e a simplicidade em todos os momentos e aspectos da
cerimônia, aliadas a palavras reverentes e um discurso puro, sob a forma de
hinos à divindade, precederão aos sermões em torno da nobreza, da justiça e da
virtude, excluindo-se todas as histórias de gigantes, titãs ou centauros e os
poemas sobre conflitos humanos dos quais nenhum proveito se pode tirar. 10
De acordo com A.J. Festugière, o fato de
que a divindade fosse concebida como unidade ou pluralidade era, para os
gregos, algo sem importância, em comparação com o problema de saber como era
necessário compreender a sua natureza e as suas relações com o mundo. Segundo o
autor, foi um sentimento sempre vivo da perfeição divina, um melhor
entendimento do que a divindade não deve ser e do que convém que ela seja, o
sentido dos diversos problemas que resultam desta perfeição nas relações entre
Deus e os homens, entre a Providência e o mal; uma tendência, enfim, para um
panteísmo religioso um pouco vago, foi a forma mais comum que persistiu na
teologia grega tradicional, que antecedeu a Platão. 11
Ainda segundo Festugière, a preocupação
maior dos pré-socráticos foi a contemplação do mundo, no qual dois fenômenos,
sobretudo, os surpreenderam. Em primeiro lugar, a unidade, ordem e conservação
do mundo a partir do equilíbrio dos contrários no curso regular da natureza Em
segundo lugar, a Causa Primeira das coisas e do seu movimento no mundo. Os
físicos, a partir de suas considerações destes dois fenômenos, e,
principalmente, do movimento regular dos astros celestes, não possuíam uma fé
nos deuses mitológicos, mas, ao contrário, nos deuses-astros, cujo movimento
eterno necessariamente supõe um princípio motor, uma alma, da qual promana sua
divindade: "A divindade cantada pelos poetas era, em suma, um produto
purificado do velho animismo primitivo; o deus dos cosmologistas,
uma maneira simbólica para exprimir a vida e a ordem universais". 12
2. A TEOLOGIA DE PLATÃO
2.1. A CRÍTICA FILOSÓFICA DO MITO
Luc Brisson mostra que o mito, na Grécia
antiga, era um discurso por meio do qual se comunicava toda e qualquer
informação sobre um passado longínquo, conservado na memória de uma dada
coletividade, que a transmitia oralmente de uma geração a outra, tenha sido tal
discurso elaborado pelos poetas - técnicos, transmissores profissionais , pelos
sábios da tribo ou ainda pelas mulheres - transmissores não profissionais. 13 Ao longo de todo este processo de comunicação, intervém uma
relação de imitação (mímesis) entre o mito e a
realidade à qual ele faz referência' 14 seja ao nível do discurso (lógos), seja
ao nível do modo de expressar este discurso (léxis). Tal processo de imitação
ocorre de uma maneira ambígua, pois torna presente uma realidade ausente e,
além disso, só atinge sua finalidade se o mito é efetivamente transmitido aos
interlocutores aos quais se dirigem os poetas. A imitação realizada coloca,
neste particular, um problema de ordem ética, vez que seu emissor afeta
diretamente o público que o ouve, o qual procura assimilar-se às entidades e
aos heróis retratados nos recitos e nos poemas:
"Através do processo de comunicação do mito, a realidade
que faz objeto da mensagem comunicada se torna presente ao receptor de uma
maneira tão intensa que a sua ausência efetiva é esquecida e que, conseqüentemente, ela deflagra um processo de
identificação que modifica o comportamento físico e, sobretudo, moral do
receptor em questão". 15 |
Platão, no entanto, viveu num período em que a postura da nascente
filosofia era de crítica racional do discurso mítico, pois, como destaca Geneviève Droz, "buscar o
fundamento ou a razão de ser daquilo que é exclui a narrativa ou a
ficção". Desse modo, em sendo a sua preocupação primordial dar ao conhecimento,
pretendido verdadeiro, um rigor demonstrativo completamente desconhecido
daqueles filósofos que o antecederam, não podia deixar excluir a sua
desconfiança perante os poetas, fabricantes de mitos, e colocar o discurso
mítico no âmbito do conhecimento não-verificável, incerto e, além disso,
não-argumentativo. 16
Entre mythos e lógos
há uma oposição epistemológica categórica. Daí o caráter de não-verificabilidade do primeiro. O logos que se manifesta no
discurso filosófico atribui-lhe o caráter de discurso verdadeiro na medida em
que o conhecimento filosófico (filosofia), enquanto conhecimento verdadeiro (episteme) se dirige, preliminarmente, em direção às formas
inteligíveis - em contraposição àquele conhecimento que versa somente sobre as
coisas sensíveis percebidas pelo corpo (doxa) - e, em
última instância, à recuperação, pela anamnese, da fruição inata do Ser
Absoluto, da Idéia do Bem e do Belo. 17
As noções de tempo e de experiência sensível, por outro lado, são
de especial relevância para compreender a oposição entre mythos
e logos. Em primeiro lugar, porque o surgimento da filosofia implicou, nas
palavras de Henrique Cláudio de Lima Vaz, uma leitura do tempo histórico por
meio das categorias do modo de pensar filosófico. O conhecimento do mito, que
se dá somente por meio da tradição ou pelos relatos dos poetas, é um discurso
atemporal, pois o passado longínquo e o futuro incerto não constituem
referenciais epistemológicos válidos ou confiáveis para determinar o seu grau
de certeza e verificabilidade.
Por outro lado, a idéia de experiência
que informa o discurso sobre as coisas sensíveis não é indiferente ao tempo, já
que elas se situam num mundo sujeito ao devir, num mundo mutável e instável; a verificabilidade da opinião, ao contrário do mito, pode ser
aferida em função da relação de analogia ou participação, entre o mundo
sensível e o mundo supra-sensível, e requer somente
tenha o indivíduo experimentado a realidade ou dela sabido por quem com ela
teve contato. Desse modo, pode-se concluir que
"É necessário, pois, que a representação do tempo tenha
perdido a estrutura repetitiva própria da simbólica do mito, ou tenha sido
transposta da lógica do idêntico para a dialética do idêntico e do diferente,
para que o agora ou o atual do tempo possa revestir?se
de uma novidade qualitativa e o tempo presente assuma uma dignidade, vem a
ser, uma estrutura axiológica capaz de desqualificar a primazia do antigo e
pôr em questão a instância normativa de um passado fixado na identidade de
uma origem, diante da qual o presente deva abdicar da sua novidade. Ora,
somente quando, com o nascimento da filosofia nas ilhas da Jônia no século VI
a.C., a razão demonstrativa ou o logos como epistème
ou como ciência passa a ocupar o centro simbólico da civilização grega, uma
tal revolução na representação do tempo terá lugar. Com ela, o conceito de
modernidade (se não o termo) pode igualmente surgir, ou seja, a filosofia
situada no presente da reflexão pode conferir ao mesmo presente a dignidade
de instância de compreensão e julgamento do passado, ou a dignidade do novo
que advém ao tempo como diferenciação qualitativa na identidade do seu
monótono fluir". 18 |
Toda a obra de Platão, porém, apesar do rigor dialético e
argumentativo até então nunca visto, foi informada pelo propósito educador,
pelo espírito grego da paidéia. Assim, não parece
estranho tenha ele recorrido, muitas vezes, com intuito pedagógico, à
elaboração de narrativas, para se fazer compreender, para demonstrar algo que,
ao nível do conhecimento meramente sensível, não poderia ser percebido, mas
apenas pelo "olho da alma"(República, VI, 508d; VII, 519b; Banquete,
219a). 19
Como bem salienta Geneviève Droz, "o mito, intervindo lá, onde a dialética se mostra
inoperante, não pode pretender à verdade; propõe, como bem mostrou Victor
Brochard, uma hipótese plausível, ainda que não verificável, sugere o
provável". O discurso mítico que é muitas vezes utilizado por Platão,
geralmente na forma de uma narrativa fictícia, apela mais à imaginação, ao
sentimento estético ou ao sentimento religioso do que à razão discursiva; ele
atua nos âmbitos religioso, ético e político como um estimulante moral e
espiritual, sempre tendo como paradigma o mundo das idéias.
Precisamente aqui, reside a sua superioridade diante das fábulas de Homero e
Hesíodo, a sua maior utilidade frente ao discurso sofístico e a sua eficácia
pedagógica 20 : "E foi assim, Glauco, que o mito foi salvo do esquecimento
e não se perdeu. Ele pode, se lhe dermos crédito, salvar-nos a nós mesmos"
(República, X, 621d) 21 . No mesmo sentido, Giovanni Reale:
"Em suma, o mito em Platão renasce não apenas como
expressão de fantasia, mas, antes, como expressão daquela que poderemos
denominar fé (Platão usa no Fédon o termo esperança, elpis).
Com efeito, o discurso filosófico platônico sobre alguns temas escatológicos
na maior parte dos diálogos, do Górgias em diante, torna-se uma espécie de fé
acompanhada de razões: o mito procura um esclarecimento no logos e o logos um
complemento no mito. A força da fé que se explicita no mito, Platão confia
ora a tarefa de transportar e elevar o espírito humano a âmbitos e esferas de
visões superiores que a razão dialética, sozinha, tem dificuldades em
alcançar, mas que pode conquistar mediatamente; ora, ao invés, Platão confia
à força do mito a tarefa, no momento em que a razão alcançou seus limites
extremos, de superar intuitivamente esses limites e de coroar e completar
esse esforço da razão, elevando o espírito a uma visão ou, ao menos, a uma
tensão transcendente. |
Esse encontro, de extrema importância, entre a razão filosófica e
a antiga religião mitológica, implicou uma profunda alteração no sistema das
representações simbólicas do Universo a do Divino. Nas palavras de Henrique
Cláudio de Lima Vaz:
"Como se situará a religião em face dos saberes '
modernos', ou seja, daqueles que se organizam em torno da filosofia como novo
centro simbólico do sistema das representações? Eis aí uma questão
extremamente complexa, que seria temerário querer expor em poucas linhas.
Podemos dizer, no entanto, que sera no terreno da
filosofia, ocupando o centro do sistema simbólico da modernidade, que se
estabelecerá o confronto decisivo com a religião, centro incontestável do
sistema simbólico tradicional. |
Nas relações entre mito e filosofia e entre a antiga religião e a teologia
racional ocorreram fenômenos semelhantes, vez que tanto a filosofia como a
teologia racional buscaram transpor para o domínio da razão demonstrativa,
tanto a mundividência do homem como o seu sentimento
religioso anteriores ao surgimento do saber filosófico' 24: “Á filosofia na tradição ocidental foi, na verdade, até Kant,
uma teologia. Uma teologia racional, tentativa de explicação do mundo pela
articulação sistemática dos sentidos múltiplos que se descobrem na experiência
e que terminava na afirmação de um Absoluto".
2.2. A CRÍTICA À MITOLOGIA DOS
POETAS
A filosofia platônica é permeada por um profundo nexo com a
teologia, entendida esta como o conhecimento da divindade ou, como o próprio
Platão afirma, uma assimilação da natureza divina o tanto quanto seja possível
ao homem (Teeteto,176b). Conhecimento de Deus, no sistema das idéias platônicas, significa conhecimento do Ser Absoluto,
conhecimento da Idéia do Bem, do Bom e do Belo. Como
afirma Karl Albert, a filosofia platônica compreende um momento teológico cuja
evidência aparece tão mais clara quanto se atenta para o fato de sua grande
influência sobre a teologia das épocas posteriores. 25
Do mesmo modo que no âmbito da crítica epistemológica aos mitos,
Platão, agora no domínio da teologia, não os descarta totalmente, mas o coloca
de um modo que encontrem fundamento no conhecimento discursivo verdadeiro.
Nesse ponto, o sistema platônico representa o ápice das idéias
iniciadas com Xenófanes, Anaxágoras e Diógenes de
Apolônia, e perfeccionadas por Sócrates. Tanto o
Sócrates da República (364a a ss.), como o velho ateniense das Leis (X, 885b),
reputam essencial a crença nos deuses como a melhor salvaguarda da pólis.
Platão reputa que Homero e Hesíodo, verdadeiros fabricantes de mitos, sabem
apenas tornar mais sonoro e persuasivo o eco de nossos costumes, desejos a
crenças, mas não são absolutamente capazes de os julgar (República, 508d-607a).
A sua teologia, levando em conta a finalidade de educar o povo, não somente é
destituída de fundamento racional, como também é má, pois a idéia
de divindade que ela veicula tanto é imoral, como corrompe os bons costumes.
Platão, nesse particular, se preocupa em contrapor a estas más
teologias uma teologia sã, pois as autoridades da pólis não deverão aceitar que
se fale de Deus aos jovens sem representá-lo como se deve, vale dizer, sem que
se proclame que Ele é essencialmente bom a verdadeiro. É na República (376a -
380c) em que ele expõe as "linhas fundamentais da teologia" (tupoi peri qeologias
- 397a):
"- Adimanto, nem tu nem eu somos
poetas neste momento, mas apenas fundadores de uma cidade. E aos fundadores
de uma cidade compete somente conhecer os modelos com base nos quais os
poetas devem compor os seus mitos e impedir que eles os transgridam, mas não
devem inventar estes mesmos mitos. |
Platão considerou os poetas como teólogos porque o discurso mítico
era, também, uma forma, embora não verificável e não demonstrativa, sobre os
deuses. A teologia de Platão foi uma proposta de discurso racional e
demonstrativo sobre Deus; ela constituiu uma conseqüência
inexorável da análise do sentimento e da idéia do
Divino. Foi, também, uma conseqüência logicamente
necessária de suas reflexões de ordem metafísica sobre o Ser. Representar o
Divino como se deve, tal como ele verdadeiramente o é, significa que o discurso
sobre Deus (qeologia) deve seguir exatamente as
mesmas regras, o mesmo procedimento do discurso filosófico (filosofia): ser
demonstrável, verdadeiro e argumentativo. Em suma: discorrer sobre os
verdadeiros atributos de Deus é discorrer sobre os verdadeiros atributos do Ser
Absoluto: Deus, em suma, é, essencialmente, Bom em si mesmo, Belo em si mesmo,
Verdadeiro por si mesmo, Imóvel e Imutável.
2.3. A CRÍTICA AOS FÍSICOS. A
SEGUNDA, NAVEGAÇÃO
Segundo A. Diès, os filósofos que
antecederam a Platão qualificaram como divinas as várias entidades que, segundo
eles, constituíam o suporte imperecível de toda a realidade, o pensamento mais
ou menos consciente que governa as metamorfoses ou saboreia a felicidade
imóvel: o fogo de Heráclito, o infinito de Anaximandro, p.ex. O mundo vivo e
divino sempre foi, para o pensamento grego, ao mesmo tempo, objeto de uma
contemplação maravilhada (tauma) e o sujeito, por
excelência, dessa contemplação, a alma cósmica que reflete e saboreia a sua
própria beatitude. Alias, mostra Festugière,
quanto ao tema, que foi precisamente a observação do movimento dos astros que
levou aos físicos a divinizá-los. Tal movimento, regular e eterno, supõe
necessariamente um princípio motor, uma alma. Ora, estar em movimento sempre e
sem quaisquer interrupções é o que caracteriza todos os seres divinos, o sol, a
lua, os astros, todo o universo. 27
A partir de Anaxágoras - continua Diès
-, pelo menos, essa admiração diante da ordem cósmica e esta crença na vida
consciente que a governa, passou a ser objeto de reflexões e análises. A ordem
do mundo, que se concebia como prova da existência da divindade, nunca foi
possível sem uma inteligência suprema, que distribui e organiza as medidas de
todas as coisas, do inverno, do verão, do dia, da noite, da chuva, dos ventos e
dos dias ensolarados. Em seguida, indaga o autor: é o mundo divino em Platão? O
Universo visível é uma divindade? A resposta é afirmativa - assevera - desde
que se parta do princípio que esta divindade perceptível é uma imagem, uma
cópia do modelo que é o Deus inteligível. 28
A justificação de tais afirmativas se torna possível a partir da idéia platônica da "segunda navegação"(deuteros plous). Desde os
diálogos da juventude, com ênfase no Crátilo e no Ménon, Platão questionou as opiniões dos físicos em torno
da Causa Primeira da realidade, a partir de várias interrogações em torno da
estrutura e da inteligibilidade do real e sobre os possíveis meios a partir dos
quais seria possível apreender o inteligível. Eis aqui o ponto-de-partida da
elaboração, principalmente Parmênides, no Fedro e no
Fédon, da teoria das Formas, realidades transcendentes e inteligíveis,
alcançáveis apenas por meio do saber noético e
separadas do mundo sensível no qual é possível apenas reconhecer uma cópia do
modelo (paradeigma, eidos) fornecido pela realidade
não empírica:
|
Platão, seguindo uma das diretrizes comuns a todo o pensamento
filosófico grego, buscava encontrar um fundamento comum para a multiplicidade
das várias realidades empíricas que compartilhavam de um mesmo gênero (a
justiça em-si, para todas as ações justas, a bondade em-si para todas as ações boas, a beleza em-si para todas as coisas bela, etc.) e, ao mesmo tempo,
uma realidade não submetida às metamorfoses próprias do mundo sensível, algo
que fosse por si próprio, que existisse por si próprio, o "absolutamente
conhecível" de que fala a República (V, 477a). Desse modo, as Formas
platônicas ou, o que é o mesmo, o mundo das Idéias,
somente alcançáveis pela noésis, são realidades
absolutamente estáveis e permanentes, isentas da diversidade e da contradição
inerentes ao mundo empírico e, portanto, dele separadas (khôris).
Distintas de suas realizações concretas, não se pode vê-las ou tocá-las, mas
apenas contemplá-las por meio do intelecto. 30
A Forma, ou Idéia, não é acessível desde
logo àquele que busca o conhecimento. Realidade inteligível que é, situada no
além do mundo sensível, ela exige esforço e paciência, uma espécie de
comportamento ascético para que se possa atingir essa realidade que existe
independentemente do mundo sensível para que o espírito pode alcançar mediante
a anamnese, a reminiscência, a recuperação de um conhecimento inato a perdido
no momento em que a alma caiu num corpo mortal. Entre as formas e as coisas
sensível existe uma relação analógica, de participação; uma relação entre o
modelo ou paradigma e a cópia imperfeita, na qual o mundo sensível - omoiwmata - só existe porque participa do mundo
inteligível, o Ser universal - pantelws on, o único que pode ser objeto do conhecimento verdadeiro
- paradeigma, eidos -, o único Ser que é, ao mesmo
tempo, Intelecto e Inteligente. 31
Ora, Platão mostra que poetas e físicos, na explicação do mundo,
ignoraram tanto a verdadeira physis, que é a alma,
como a causa primeira e verdadeira de todas as coisas, que é o domínio do
inteligível e do divino (A. Diès). A só contemplação
da natureza, dos astros e do seu movimento ordenado se reconduz, naturalmente,
a Deus. No Fédon (97e, 98a -98b), Sócrates esperou ter encontrado em Anaxágoras
uma explicação do universo pela idéia do melhor, pois
cada coisa sensível tem o seu lugar onde deveria ser melhor que ela estivesse;
o Todo deve ser explicado pela excelência de suas partes que, naturalmente,
implica o bem comum de todas elas. Também nas Leis (903c), Platão ensina que a
inteligência organizadora do universo tem sempre em vista a excelência e a
conservação do Todo; isso não significa que ela negligencie as partes, mas sim
que ela delas não se ocupa jamais sem as orientar para o bem do conjunto; como
um bom médico ou como todo bom artesão, ela faz a parte pelo Todo e não o
contrário.
Todo o problema das teorias dos físicos foi, desse modo, pretender ver no mundo
sensível, onde reina a diversidade e a mutabilidade, a característica da
divindade quando, ao contrário do que eles pensavam, ela reside única a
exclusivamente no mundo inteligível, onde reinam as formas eternas e imutáveis.
É somente no mundo inteligível onde se pode vislumbrar o divino que os físicos
pretenderam ver no fogo ou no ar. Verdadeiras e divinas, somente podem ser as
Formas inteligíveis, nunca as coisas sensíveis. É justamente no mundo supra-sensível (Timeu, 30c-d)
onde se encontra a existência realmente existente, incolor e impalpável de que
fala o Fedro (247c), o lugar invisível e inteligível,
oposto ao lugar visível e corporal de que fala a República (508c, 509d, 516b,
532d) 32:
"Alguém afirmou que Platão é o fundador da teologia
ocidental. A afirmação, no seu sentido justo, é exata. A 'segunda navegação',
isto é, a descoberta do supra sensível, deveria dar a Platão, pela primeira
vez, a possibilidade de ver o divino justamente na perspectiva do supra-
sensível, como fará depois toda sucessiva concepção evoluída do divino
". 33. |
2.4. A DIVINDADE E A IDÉIA DO BEM
A teologia platônica recolocou, sob um ponto-de-partida
transcendente, as questões em torno da Divindade. Não seria mais das antigas
narrativas míticas ou dos elementos básicos da Natureza que se podia atingir o
Divino, mas a partir do mundo inteligível e do intelecto que o contempla. Só
assim se pode fazer uma boa e sã teologia e buscar a Causa Primeira da existência
e do curso harmonioso e regular da Natureza a do Universo: a Idéia do Bem:
"Este é o meu parecer: a idéia do
Bem é o limite extremo do mundo inteligível, ainda que se a perceba
dificilmente, idéia que, uma vez percebida, dá
margem para afirmar que é a causa de tudo o que existe de justo e belo em
todas as coisas. No mundo visível, ela produziu a luz e o astro que é o seu
senhor e no inteligível a verdade e o intelecto e quem pretenda ter uma
conduta sábia, tanto em sua vida privada, como em sua vida pública, deve
contemplar esta idéia"(República, 5176-c). 34 |
Para Auguste Diès, tal raciocínio
demonstra uma lógica perfeita: se a divindade reside primariamente na realidade
inteligível, sede e fonte do intelecto, como não poderia ela culminar nesta
Forma suprema do Bem que, Sol do Universo invisível, cria ao mesmo tempo, a
inteligibilidade ontológica das outras formas, e, no domínio do intelecto, o
pensamento por meio do qual ele atua- Se a Idéia do
Bem, por sua inteligibilidade suprema, se situa para além da existência
sensível, é porque a sua potência mesma e sua dignidade transcendem todos os
outros seres. Se a idéia do Bem não é, expressamente,
denominada divina, pelo menos é compreendida como tudo aquilo que existe de
melhor, de mais feliz e de mais excelente no Ser 35 .Nas palavras de Giovanni Reale:
"Afirmar que a Inteligência é causa e ordenadora de todas
as coisas significa afirmar que ela dispõe todas as coisas da melhor maneira
possível. Isto implica que a 'Inteligência' e o 'Bem' sejam articulados
estruturalmente e que não se possa falar da primeira sem falar do segundo.
Afirmar a Inteligência como causa implica eo ipso
afirmar o melhor (o Bem) como condição do nascer, do perecer e do ser das
coisas". 36 |
No mesmo sentido, Festugière: a teologia
platônica se inspira e se guia por uma aspiração a uma realidade, ao mesmo
tempo que mais humana, mais real, menos fluente e menos imperfeita que todas as
coisas perecíveis; ela manifesta uma tendência para uma plenitude ontológica
que, desde o início, sobretudo a partir do Banquete, ate
às Leis e ao Timeu, é o pano-defundo
permanente dos Diálogos. A Forma suprema, a Idéia do
Bem, é uma necessidade lógica para a análise racional do Ser; a teoria das
Formas, desde o início, se viu confrontada com a necessidade de atingir uma
realidade transcendente, de tal forma que todos os atributos que a enriquecem
são os atributos próprios da Divindade Bondade, Beleza, Veracidade, Imobilidade
e Imutabilidade. Estes atributos, por sinal, são obtidos pela análise da Idéia do Divino, do mesmo modo que as propriedades do homem
o são pela análise da Idéia de homem. 37
Lembra, ainda, Diès, que existe uma
analogia entre o movimento ascendente em direção ao Bem em-si,
descrita na República (505a) e a ascensão para o Belo em-si,
de que fala o Banquete (210a, 210e, 211 b-c). Ambos visam alcançar,
respectivamente, o limite do plano do Inteligível e o limite do reino do Amor.
Conhecer estes domínios constitui o saber mais alto e mais digno. Se o primeiro
é considerado como aquilo que existe de mais excelente e mais feliz, o segundo,
por sua vez, é expressamente concebido como divino (Banquete, 211e-212a) 38 . Tal paralelismo não é, de maneira alguma, fora de propósito: o
Bem em-si e o Belo em-si
são entidades associadas ao justo em-si, ao Santo em-si; a tudo o que é realidade ou Forma inteligível. Um qeon, no pensamento platônico, é tão mais qeios quanto mais ele se aproxima das realidades
transcendentes, pois a Divinidade reside nas Formas,
nas Idéias e, sobretudo, no Bem em-si
(Fedro, 248b, 249c). 39
2.5. O DEMIURGO
Na ordem das razões platônicas, Bondade e Beleza são aspectos
privilegiados das múltiplas dimensões do Ser. Sinônimos de utilidade, de ordem
e harmonia e, igualmente, da melhor adaptação a um fim, retratam a tendência ao
perfeito acordo na realização e no acabamento do Todo, causa primeira a
princípio originário da existência e da disposição das partes. 40 Deus, na organização do mundo, quis que o Bem ultrapassasse, o
tanto quanto mais possível, o mal, colocando, tal qual um artesão, cada coisa
no seu lugar, onde ela pudesse melhor servir à sua finalidade. 41
Da mesma maneira que Xenofonte - e, de certo modo, influenciado
por ele -, Platão tinha consciência de que uma das grandes causas da desordem,
na cidade e nos indivíduos, era proveniente da falsa idéia
da Divindade que os antigos educadores haviam transmitido aos gregos. Os deuses
de Platão, por isso mesmo, não são os mesmos deuses dos fabricantes de mitos,
mas deuses cuja conduta moral é irreprochável, possuem em sua totalidade o
conhecimento verdadeiro, não são sujeitos às mudanças do mundo físico e tendem,
sempre, à verdade 42.
No entanto, como lembra Diès, não era
suficiente colocar o psíquico e o inteligível no lugar das entidades irracionais
cantadas pelos antigos mitos. Era necessário, para que se preservasse tais
crenças, tornar o tanto quanto fosse possível, mais inteligente e racional a
mitologia, pois ela era a única a poder representar na criança que reside em
todos, por meio da imaginação, a verdade abstrata e supra-sensível.
O Timeu representa, nesse particular, o esforço de
Platão para, por meio de um mito que se esforça para ser, ao máximo, verossímil
(eikos muqos), contar a
criação do mundo e de seus elementos, a formação dos homens e das leis que os
governam. Ele é, desse modo, numa expressão que Diès
tornou clássica, é a "transposição platônica" das antigas
cosmogonias. 43
Tudo o que existe tem, necessariamente, um autor, uma causa do seu
existir: "a relação entre as coisas e as Idéias
não pode ser pensada como imediata; é necessário um mediador, ou seja, um
princípio que realize a imitação, assegure a participação, atualize a presença
e seja fundamento da comunhão. É este o grande problema da Inteligência
ordenadora e da sua função" 44. Se este autor, esta Inteligência, trabalha a partir de um modelo
imutável - o mundo inteligível -, a sua obra será inevitavelmente bela e o seu
artesão o mais excelente dos artesãos. A alma e o corpo do mundo são fabricadas
pelo Demiurgo (dhmiourgos), cujo trabalho tem como
paradigma as Formas, material pré-existente sobre o qual ele trabalha. Para
construir a Alma e o Corpo do mundo, o Demiurgo tem como modelo o Ser Vivo Inteligível, o qual contém todos os seres vivos
inteligíveis. Sempre guiado pelo intelecto e procurando realizar e concretizar
racionalmente o Bem em -si da melhor forma possível.
O Demiurgo, no entanto, se confronta, em seu trabalho, com a
Necessidade, a existência da ordem e da desordem que caracterizam a matéria,
levando em conta a sua resistência às ações orientadas para um determinado fim.
Com efeito, se as Formas são modelos eternos, distintos de sua realização
concreta, o Devir pode colocar um conflito entre o modelo e a cópia. Daí a exigência
do equilíbrio e da ordem, principalmente levando em conta que a Necessidade
coloca limites à ação teleológica do Intelecto Supremo.
Como o mundo sensível é permanentemente mutável, porque sujeito ao
Devir, os seus elementos devem ser produzidos no interior de um espaço, do
mesmo modo que o reflexo se produz num espelho ou numa superfície de água.
Platão introduz, neste passo, conceito de cora (espaço), uma realidade que não
possui nenhuma característica própria e que, precisamente por essa razão, se
torna capaz de receber todas as características possíveis; ele compara este
espaço criacional como uma massa de modelar que pode
tomar quaisquer características, já que não possui nenhuma aprioristicamente.
Deus, como se viu, é essencialmente Bom e quer imprimir à sua obra
a maior perfeição possível. Ele agiu sobre a khôra
sujeita à Necessidade e nela introduziu um movimento ordenado e harmônico, já
que a ordem e harmonia espelham a excelência. Ele fez com que se representasse,
no devir do espaço e do tempo, a diversidade do mundo inteligível, de tal
maneira que, a exemplo de um espelho, as imagens deste mundo possam sempre
estar presentes no mundo sensível, possam mostrar a relação de analogia que
existe entre ambos e tornem mais clara a primazia da alma sobre o corpo. Por
meio de uma tal representação, Ele permite aos mortais que reencontrem o
conhecimento que lhes é inato, vale dizer, por meio da experimentação do
sensível alcancem o conhecimento verdadeiro, no plano das Idéias.
Ele mostra, por outro lado, especialmente pela revolução dos astros celestes, o
seu desejo de ordem e harmonia, tanto na natureza como na cidade. 45
O Demiurgo, para Platão, é o Deus, por excelência; o Deus que
existe sempre (Timeu, 34a), o Autor e o Pai de todos
os outros deuses (Timeu, 41a). Ele é Bom por si
mesmo, e esta peculiaridade, que o faz trabalhar como um artesão ou um bom pai,
é uma qualidade do seu querer: a sua bondade é um exemplo a ser seguido e é
justamente por isso que a sua vontade é criadora. Ele é, portanto, o melhor dos
autores ou a melhor das causas (Timeu, 29a), porque
atua sempre tendo por medida a Idéia do Bem, divina em-si mesma. 46
Ele é o mais excelente dos Seres Inteligíveis e Eternos (Timeu, 37a) e age por pensamento, por cálculo (Timeu, 30c, 37a), trabalhando sobre o modelo eterno, cuja
perfeição busca reproduzir da melhor maneira possível, transmitindo, ao mesmo
tempo, nesse processo, à sua obra, a sua própria perfeição, porque quis que
todas as coisas se tornassem o mais possível a Ele semelhantes: boas, ordenadas
e mensuradas (Timeu, 29e, 39e, 41b, 68d) 47
O dhmiourgos e o modelo - o Ser Vivo
Inteligível - simbolizam, em Platão, a Divindade. O Demiurgo representa o
sujeito criador, por excelência, o modelo, o objeto de criação, por excelência.
O mundo inteligível contém em si as Essências, as Idéias
eternas e imutáveis, estes deuses não-criados, dos quais o mundo visível é uma
cópia, um simulacro; este mundo inteligível é um exemplo, um paradigma para o
intelecto que o transpõe para o mundo sensível. O Demiurgo, por sua vez é a
inteligência suprema que contempla a que cria: "O Demiurgo do Timeu é a inteligência organizadora que Platão herdou de
Anaxágoras e que ele aperfeiçoa, espiritualizando-a e divinizando-a". 48
Nota, ainda, Diès que, nas passagens
propriamente didáticas ou pedagógicas dos Diálogos, Platão o Demiurgo é
expressamente identificado com o Intelecto Organizador. Já nas passagens em que
Platão recorre às narrativas em forma de mitos o Demiurgo é expressamente
entendido como um Deus pessoal. No entanto, independentemente da época em que
foram elaborados os seguintes diálogos, o papel do Intelecto nunca muda 49
a) Crátilo, 400a: Platão, citando
Anaxágoras, fala sobre o Intelecto e a Alma que ordenam e mantém todo o resto;
b) Fédon, 97c: Platão, igualmente se referindo a Anaxágoras,
afirma que o Intelecto é o ordenador e a causa universal de todas as coisas;
c) Fedro, 247c: Platão se refere, aqui,
ao Intelecto que ordena e supervisiona todas as coisas;
d) Sofista, 265e-266b: O Intelecto ou Divindade intervém na
organização e na vida do mundo sensível; o Demiurgo, fonte da razão e da
ciência imanentes ao mundo, não é senão o Intelecto; O Demirugo
criou a natureza e os seres vivos, transformando o não-ser em Ser;
e) Filebo, 28d-30 a : O Universo é
ordenado a governado por um Intelecto a por uma Razão admirável; o Intelecto
comanda eternamente no Todo;
f) Leis, Livros X e XII Tudo o que o Céu contém é obra do
Intelecto Organizador
Conclui, por fim, que, no Timeu, deixando de lado o
mundo sensível, o qual somente possui a Divindade a título de imagem e de
simulacro, a idéia do Divino aparece sob duas formas:
a) Enquanto objeto do intelecto humano ou do Intelecto Supremo,
quando Platão designa o mundo inteligível, a unidade que engloba a sintetiza
todas as espécies ideais de seres vivos, a que se chama o Deus Inteligível;
b) Enquanto sujeito que contempla e reproduz o modelo divino, o
qual se chama, então, Demiurgo.
O Demiurgo é a mais excelente das causas (aspecto subjetivo da Divindade)
e o mais excelente dos Inteligíveis (aspecto objetivo da Divindade). Em Platão,
invisível, Inteligível e Divino são qualidades inseparáveis (Fédon, 80b). No
pensamento do narrador do Timeu, o Todo Inteligível,
do qual o Intelecto faz, ele mesmo, parte enquanto objeto, e o Intelecto, que
contempla este Todo Inteligível, tomam, de tempos em tempos, o lugar, um do
outro. O Divino é sempre representado, ao mesmo tempo, pelo Inteligível e pelo
Intelecto Supremo, pelo Ser Absoluto e pelo pensamento supremo; aquele
primeiro, um Deus imaterial e o segundo, um Deus pessoal. 50
3. A RELIGIÃO DE TENDÊNCIA ASTRAL
(O LIVRO X, DAS LEIS).
Na teologia platônica, a exemplo de epistemologia, percebe-se uma
hierarquia ontológica, no sentido de que o grau de divindade corresponde aos
diversos graus do Ser que, principiando nas imagens do mundo sensível, alcançam
o grau último no mundo inteligível: nas Idéias e,
dentre estas, na Idéia do Bem. O Ser mais Divino,
portanto, é o Ser universal, po pantelws
on, o Ser que reúne em si a plenitude e a totalidade,
sem qualquer restrição ou limitação; o Ser que é causa de si próprio. Este Ser
Universal, o "Ser totalmente Ser", é o Todo, onde coincidem suma do
Ser e suma da Divindade: Ele possui, em termos absolutos, a Vida, a Alma e o
Pensamento 51 .
Festugière mostra que,
nos Diálogos platônicos, a idéia de qeologia é intimamente relacionada com a idéia de metewrologia; a
primeira, significando o discurso por meio do qual se trata dos deuses e a
segunda, o discurso por meio do qual se trata dos météora,
das coisas celestes, os astros do céu; enquanto a primeira é o objeto da
atividade dos poetas, à segunda se dedicam os sábios.
Antigamente, os poetas, os fabricantes de mitos, cantaram e
retrataram os deuses antropomórficos; os físicos, por sua vez, analisaram, cada
um ao seu modo, as entidades celestes. Com Platão, o discurso sobre os astros,
a meteorologia, assumiu uma dignidade teológica suprema, pois o Kósmos e os météora são, por sua
própria essência, divinos 52:
"CLINIAS: Não te parece, pois, fácil, estrangeiro, afirmar
a verdade sustentando que os deuses existem? |
No Livro X das Leis, a discussão de que se ocupa Platão gira em
torno de refutar o materialismo como princípio que se encontra na origem da
Natureza. Ao contrário dos que afirmam que o acaso e o movimento desordenado
constituem a Causa Primeira do Ser, Platão mostra que nada existe sem que
tenha, por princípio; uma causa inteligente e imaterial. A presença de Deus (parousia) em todas as coisas torna-as belas, ordenadas e mensuradas
e, portanto, tudo que existe participa da Divindade (Leis, 899b). Além disso,
mostra que a alma é anterior ao corpo e, portanto, é o espiritual e não o
físico que comanda a origem e a evolução da Natureza.
Prioridade da alma significa o mesma que divindade da alma, pois é a partir
dela que o lógos ordenador determina, na desordem do
Devir temporal, o melhor lugar de cada coisa. 53
Victor Goldschmidt mostra que às divindades astrais,
na Leis, é confiada a administração do Universo e que o estudo das coisas
celestes é concebido como o fundamento mais sólido da piedade. Qual a razão?
"Por este único fato de que as almas astrais imprimem, a
seus corpos brilhantes, movimentos exatamente conformes às realidades divinas
que elas contemplam. |
O movimento circular axial dos corpos celestes é similar ao
movimento da inteligência (Leis, 897e); o primeiro, visível, o segundo,
invisível. Estes astros são, do mesmo modo que o homem, dotados de corpo e
alma. No entanto, estes dois elementos estão de tal modo harmonicamente ligados
nos astros que nenhum deles padece de paixões, nenhum deles tende para a
discórdia ou mesmo para sua dissolução. Daí porque são mais fiéis aos
paradigmas que habitam o mundo inteligível. 55
O homem é um intermediário entre os astros e os animais. Tudo o que nele é
mortal foi criado pelas divindades astrais para que recebesse a alma imortal
que, por sua vez, foi criada pelo Demiurgo. Cada alma, portanto, é
originariamente ligada a um determinado astro e, por meio do movimento do
intelecto em direção às Formas, deverá recuperar, em sua condição terrestre, o
seu estado primitivo, a fruição total do Uno perdida com a sua queda no corpo
mortal. Imitando as revoluções dos corpos celestes, regulando o seu
comportamento pelo comportamento dos astros, o homem imitará o Ser puro e
divino: tornar-se-á, o tanto quanto possível, semelhante a Deus (omoiwsis) 56
As Leis representam um verdadeiro tratado acerca da legislação da
pólis e confiam aos filósofos a tarefa de exortar, instruir e persuadir os polites sobre a necessidade de um comportamento justo e
virtuoso, e, em especial, a obediência às prescrições legais. Nenhum
legislador, segundo Platão, pode desonrar-se ao não tutelar o culto aos deuses
da cidade, mas deve "gritar com toda a sua voz para defender as antigas
leis que afirmam a existência dos deuses" e, também, assegurar que nem as
leis nem as artes não existem em virtude de causas físicas, mas sim que foram
criados pela Inteligência de acordo com a reta razão - kata
logon orqon (Leis, 890d). Alias, esse é um dos princípios pedagógicos enunciados logo
no início do Livro X (888b): a mais relevante de todas as questões a serem
discutidas com os jovens diz respeito aos deuses, a viver uma vida excelente,
possuindo uma idéia correta sobre os deuses a àquele
que estabelece em favor deles uma legislação é precisamente a quem corresponde
ensiná-los, agora e sempre, a verdade sobre esta questão. 57
4. CONCLUSÃO
A teologia de Platão induz, segundo Auguste Diès,
à conclusão de que a verdadeira realidade, causa e fim de todo o resto, é a
realidade espiritual. O Ser Universal é, pois, a plenitude perfeita. A
Divindade a ele pertence primariamente, pois ele é plenitude e perfeição
ontológicas, objeto universal, Causa exemplar e final. Ela lhe pertence,
também, inseparavelmente, mesmo que de forma secundária, enquanto ele é Espírito
Supremo, sujeito onde se reflete o objeto, pensamento criador, causa eficiente
universal. O mundo sensível, e tudo o que ele contém, só podem ser considerados
verdadeiros se habitados pela Divindade, isto é, na medida em que, dócil à ação
do Espírito, ele se deixa penetrar, ordenar e espiritualizar pela presença do
Inteligível e do Divino. A Platão coube o mérito de substituir a divinização,
tão banal no paganismo, pelo esforço ativo de uma analogia moral com a
Divindade e, ao mesmo tempo, a deificação, pela contemplação da Realidade
Inteligível. Enfim: às vagas lendas de imortalidade, Platão forneceu o valor da
razão filosófica. 58
Na análise de Giovanni Reale, Platão é,
sem dúvida, o criador da teologia ocidental, na medida em que, ao alcançar o
plano do supra-sensível e nele ter situado a
problemática teológica, descobriu a categoria segundo a qual é possível e necessário
pensar o divino: a categoria do imaterial. A dialética platônica, enquanto
capacidade de discernir e ordenar a multiplicidade na unidade, expressão
suprema do pensamento do ser humano e o fundamento de toda a sua capacidade de
agir e de operar no mundo torna-se, também, a característica essencial do
Intelecto Divino e do seu modo de trabalhar 59. E &beacute; justamente nesse
sentido que Platão se refere à necessidade de assimilação a Deus, o tanto
quanto seja possível ao homem:
"Para Platão, imitar a Deus significa alcançar o
conhecimento e a capacidade de realizar a unidade-namultiplicidade,
que Deus possui de modo paradigmático. |
Estudar a teologia platônica, enfim, significa, inevitavelmente,
estudar também a filosofia e a ética platônicas, todas voltadas para um
objetivo comum: a excelência do ser humano pela contemplação da Idéia do Bem, no plano noético, e
pela imitação da Divindade (suggeneia), pela conduta
livre, racional e habitual que tem como normas os seus atributos ontológicos,
no plano ético.
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_________História da Filosofia Antiga. Vol. V Tradução de Henrique
Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo:
Loyola,1995, 594p.
_________Para uma Nova Interpretação de Platão. Releitura da
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Tradução de Marcelo Perine. São Paulo: Loyola,1997,
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Editions Peeters,1978, 244p.
VERNANT, Jean
Pierre. Entre Mythe é Politique. Paris: Les Editions du Seuil, 1996, 636p.
APÊNDICE
PASSAGENS ACERCA DA qeologia NOS
DIALOGOS PLATÔNICOS, EXTRAÍDAS DE ALGUMAS OBRAS SOBRE O TEMA
1. FRIEDRICH AST Lexicon Platonicum.
Band 2/3. Bonn: Rudolf Habelt Verlag,1956,
592p.
THEÓS, THETA, THEIÓN
Eutífron: 5a
Apologia de Sócrates, 31c, 33c
Fédon: 81a, 85d,
Sofista: 216b, 232b, 254b
Político: 269d, 310a,
Filebo,18b, 33b, 51e
Fedro: 230 a, 234d, 238c, 242c, 244a, 246d, 256b,
2,R~kI, 279a
Protágoras, 315e
Ménon: 81b, 99c, 99d
Ion: 530b, 533b,
534c
República: I, 331e; II, 366c, 368a, 382e, 383c; V, 469a; VI, 486a,
499b, 500c, 500d; VII, 517d, 518e, 532c, 540c; VIII, 546b;IX 589e, 590d, 592a,
611e,
Timeu: 24c, 44d,
69c, 72d, 73a, 80b, 90c
Crítias,107d,121 a
Leis: I, 629c, 629b; II, 664d, 666d, 671d; III, 682a, 691e, 696a;
IV, 711d, 713d; V, 726, 728b, 732e; VI, 759c, 766a, 798a, 809c; VII, 817a, IX,
818b, 824, 854b, 871c, 875c; X, 904b; XII, 945c, 950b, 951b, 957c.
Epínomis: 981b
Carta VII, 340c
MYTHOS
Fédon: 60c, 61b,
Crátilo: 408c,
Teeteto:156c,164d,164e,
Sofista: 242c,
Politico: 268e, 272d,
Filebo:14a,
Fedro: 237a,
Alcibíades I: 122e,
Protágoras: 320c, 324d,
Górgias: 523a, 527a
República: I, 330d, 350e; II, 377a; III, 398b, 415a; X, 621b,
Timeu: 22c, 23b, 26c, 26e, 29d, 59c, 68d, 69b,
Crítias:
Leis: I, 636c, 645b; II, 664b; III, 683d, IV, 712a, 719b; VI,
752a, 771c, 773b; VII, 790c, 804e; VIII, 841c; IX, 865d, 872d; X, 887d; XI,
927d; XII, 944a;
Epínomis: 975a, 980a,
Carta XII: 359d
MYTHOLOGIA
Politico: 304c,
Fedro: 243 a,
Hípias maior: 298 a,
República: II, 382d; III, 394b,
Crítias: 110a,
Leis: III, 680d; VI, 752 a,
MYTHOLOGIKOS
Fedro: 61b
Mythologos
República: III, 398b, 392d
Leis: II, 664d; XII, 941b.
THEOS, THEIR, THEION
Eutífron: 5a
Apologia de Sócrates, 31c, 33c
Fédon: 81a, 85d,
Sofista: 216b, 232b,254b
Político: 269d, 310a,
Filebo,18b, 33b, 51e
Fedro: 230 a, 234d, 238c, 242c, 244a, 246d, 256b,
259d, 279a
Protágoras, 315e
Ménon: 81b, 99c, 99d
Ion: 530b, 533b,
534c
República: I, 331e; II, 366c, 368a, 382e, 383c; V, 469a; VI, 486a,
499b, 500c, 500d; VII, 517d, 518e, 532c, 540c; VIII, 546b; IX, 589e, 590d,
592a, 611e,
Timeu: 24c, 44d, 69c, 72d, 73a, 80b, 90c
Crítias,107d,121a
Leis: I, 626c, 629b; II, 664d, 666d, 671d; III, 682a, 691e, 696a;
IV, 711d, 713d; V, 726, 728b, 732e; VI, 759c, 766a, 798a, 809c; VII, 817a ; IX,
818b, 824, 854b, 871c, 875c; X, 904b; XII, 945c, 950b, 951b, 957c.
Epínomis: 981b
Carta VII, 340c
MYTHOS
Fédon: 60c, 61b,
Crátilo: 408c,
Teeteto: 156c,164d,164e,
Sofista: 242c,
Politico: 268e, 272d,
Filebo: 14a,
Fedro: 237a,
Alcibíades E122e,
Protágoras: 320c, 324d,
Górgias: 523a, 527a
República: I, 330d, 350e; II, 377a; III, 398b, 415a; X, 621b,
Timeu: 22c, 23b, 26c, 26e, 29d, 59c, 68d, 69b,
Critias:
Leis: I, 636c, 645b; II, 664b; III, 683d, IV, 712a, 719b; VI,
752a, 771c, 773b; VII, 790c, 804e; VIII, 841c; IX, 865d, 872d; X, 887d; XI,
927d; XII, 944a;
Epínomis: 975a, 980a,
Carta XII: 359d
MYTHOLOGIA
Politico: 304c,
Fedro: 243 a, Hípias maior: 298 a,
2. LUC
BRISSON. Mûthos e philosophia.
In: Introduction à la Philosophie du Mythe. Vol.1- Sauver
les mythes. Paris:
Vrin,1996, 244p.
1. O poeta como verdadeiro educador:
República: II, 376e - 379e X, 598b-601b
2. Definição de Filósofo: Fédon, 80ss.
3. Mito e Transmissão do Memorável/O Mito como Fato de
Comunicação:
a) Fédon: 60b1- 61b; b) Górgias:527a5-6; c) República: II, 373b 6-8, 377a6-7, 377c 2-4, 377d 4-6, 381e
1-6; d) Timeu: 21b 1-7, 21c4 - d3, 21e-23d,
22b 3-4, 23d 4-5; e) Crítias:108b 3-7,108d 3-6; f) Leis: X, 887d 2-3. |
4. Mito e Imitação:
a) República: III: 392c6-393c7; 395b-397e; 398c11-d10; 399a5-c4. b) Crítias: 107a4 - e3; c) Leis: VII, 814d7-815b3 |
5. Mito e Persuasão:
a) Fédon: 77d5-78a2;114d 1-7; b) Político: 268e 4-5; c) Fedro: 265b8, 276e 1-3; d) Cármides:156d3-157c6; e) Eutidemo:289e1-290a4; f) República: II, 377b 6-7, III, 415e7; X, 621c1; g) Timeu: 43a6 - 44d2, 70d7-e5; h) Leis: VII, 804e5, VIII, 808c7 - 809a6; XI, 913c 1-2, 927e
7-8. |
6. A Inferioridade do Mito:
6.1- Mito - Discurso não verificável
a) Crátilo:408b6-d4 |
6.2 - A Verdade do Mito:
a) Político:269b-c; |
6.3 - O Mito como discurso não argumentativo:
a) Político: 262a - 264b; 274e, 277 a-c; |
6.3.1. - Estrutura Trialógica do
Discurso: Fedro, 264e 2-6.
7. Outros Tipos de Discurso que Platão qualifica de Mythos:
7.1. Mito como discurso retórico: Fedro,
237a, 241e; |
8. O Mito utilizado para dualificar a
descrição da orieem, da constituição e da organização
do mundo sensível:
8.1. Timeu: 29d (eikos
múthos), 59c (eikos múthos), 68d (eikos múthos), 69b |
3.
JEAN-FRANÇOIS MATTÉI. Platon et le Miroir du Mythe. Paris: 1996,
330p.
1. Mito e Busca do Ser: Filebo, 26d
2. Mito e recitos tradicionais da Antiga Grécia:
a) Górgias, 527a, b) Lísis, 205d, c) República, I,
350e, II, 377c, 381e, d) Leis, X, 887d.;
3. O Mito de Prometeu: Protágoras, 320c-322d;
4. O Mito como discurso duvidoso, mentiroso: República: II, 377d
5. Mito e Tradições Religiosas: Filebo,16c
6. Mito e Logos:
6.1. Proximidade, reconciliação: Timeu,
29d, 68d, 69b |
7. A Cosmologia de Platão como Mythos: Timeu: 29d, 59c, 68d, 69b
8. As espécies e a hierarquia do Ser: Fédon, 79 a, 80d; Ménon,
81d; República, III, 392 a;
9. As teses dos outros pensadores qualificadas de Mythos
por Platão: Teeteto,156d,164d.
10. O "olho da alma" - República, VI, 508d.
4. PROCLO (PROCLUS)
THÉOLOGIE PLATONICIENNE (PLATWNA qEOLOGIAS). LIVRE I.
Texte établi e traduit par H.D. Saffrey e L.G. Westerink. Paris: Société d'Édition "Les Belles
Lettres",1968,172p.
1. OS DEUSES TRANSCENDENTES.
1.1. Os Deuses Inteligíveis: o plano do Ser (ousia). a) Filebo, 23c-d; a) Fedro, 246e-248c b) Parmênides,143a-145b a) Crátilo, 395e-396b, 402b; Timeu, 28a (o Demiurgo do Timeu
é o Zeus do Filebo, 30d, Protágoras, 321d-322d,
Político, 269e-270e, 272b). |
2. OS DEUSES DO MUNDO.
2.1. Os Deuses Hipercósmicos a) Górgias, 523a; a) Fedro, 246e-247a; a) Parmênides,149d-151e |
1. A TEOLOGIA FILOSÓFICA GREGA
2. A TEOLOGIA DE PLATÃO
2.1. A Crítica Filosófica do Mito |
3. A Religião de Tendência Astral (O Livro X, das Leis).
4. Conclusão
BIBLIOGRAFIA
APÊNDICE
PASSAGENS ACERCA DA 9£olo~Aa NOS DIÁLOGOS
PLATÔNICOS, EXTRAIDAS DE ALGUMAS
OBRAS SOBRE O TEMA
1 Cf. REALE, G. História da Filosofia Antiga. Vol. 5. Tradução de
Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola,1995, p. 252.
2. Cf. Enciclopedia Italiana di Scienze, Lettere
ed Arti. Vol. 30. Roma: Instituto della Enciclopedia Italiana,1937,
pp. 526-527.
3. Cf. VERNANT, J.P Entre Mythe et Politique. Paris: Les Éditions du
Seuil,1996, p. 277. Ver, também: CASSIRER, E. El Mito
del Estado. Trad. de
Eduardo Nicol. México: Fondo
de Cultura Económica, 2a. Edição. 7a. Reimpressão,1992, pp7-23, 48-73.
4. Para Vernant (op.cit., p. 281), o
âmbito da mitologia é o lugar onde se explicitam as crenças religiosas, o lugar
onde elas se perpetuam, em se exprimindo sobre o modo e na forma de narrações
elaboradas. Ver, também, a análise de: JAEGER, W Paidéia. A Formação do Homem
Grego. Tradução de Artur M. Parreira. 3a. Edição. São Paulo: Martins Fonttes, 1995, Livro Primeiro; NESTLE, W Storia della Religiosità
Greca. Trad. de A. B. Firenze: La Nuova Italia, Editrice,1973, pp.13-260.
5. Cf. BRISSON, L. Muthos e Philosophia.
In: hitroduction à la Philosophie du Mythe. Vol. 1. Paris:
Vrin,1996, pp.14-15.
6. Atente-se, aqui, para as palavras de Tucídides (c. 465-c.395 a
.C.): "Pode acontecer que a ausência do fabuloso em minha narrativa pareça
menos agradável ao ouvido, mas quem quer que deseje ter uma idéia
clara tanto dos eventos ocorridos quanto daqueles que algum dia voltarão a
ocorrer em circunstâncias idênticas ou semelhantes em conseqüência
de seu conteúdo humano, julgará a minha história útil e isto me bastará. Na
verdade, ela foi feita para ser um patrimônio sempre útil, e não uma composição
a ser ouvida apenas no momento da competição por algum prêmio" – In:
História da Guerra do Peloponeso. Tradução de Mário da Gama Kury.
Brasília: Editora Universidade de Brasília,1982, p. 28.
7. Cf. VAZ, H.C.L. O Problema de Deus no Pensamento Contemporâneo.
In: Síntese (Nova Fase). N. 23. Volume VIII. Set./dez.,1981, p.18; Enciclopédia
Italiana, pp. 526-527.
8. Cf. VAZ, H.C.L. O Problema de Deus no Pensamento Contemporâneo,
pp. 22-23; 27. Ver, também:
GEFFRÈ, C. Théologie Naturelle. In: Dictionnaire Critique de Théologie.
LACOSTE, J. Y (dir.). Paris: PUF,1998, pp. 787-788.
9. Cf. JAEGER, W À la Naissance de la Théologie. Essai sur les Pré-socratiques. [S.n.t.]. Paris: Les Editions du
Cerf,1966, pp. 9-10. Comparar com, do mesmo autor, Paidéia, cit., p. 892.
10. Cf. Xenófanes, frgs.1-2;11-16; 23-26.
In: DIELS, H. Die Fragmente der Vorsokratiker. Vol.1.
4a. Edição. Berlin: Weidmannsche Buchhandlung,
1922, pp. 129-135. Ver, também:
SCHOFIELD, M. Théologie et Divination. In: Le Savoir Grec. Dictionnaire
Critique. Paris: Flammarion,1996, pp. 527-540. Comparar
com: PATOCKA, J. Platon et I'Europe.
Tradução de Erika Abrams.
Paris: Verdier,1983, Cap. III; JAEGER, W. À Ia
Naissance de la Théologie, cit., Capítulo
III.
11 FESTUGIÈRE, A. J. Les Origines de I'Idée de Dieu
chez Platon. In: L'Ideal Religieux des Crecs et I'Évangile. 2a. edição. Paris: Libraire Lecofrre,1932, pp.179-180.
12. Cf. FESTUGIÈRE, A.J., op.cit.,
pp.177-181 (p.181).
13 Ver: Platão. Crítias,107a4-e3,108b3-7,108d3-6; Górgias, 527a5-6;
República, I, 350e2-4, II, 373b68, 377c2-4, 377d4-6, 381e1-6; Timeu, 21b1-7; Leis, X, 887d2-3.
14 Ver: Platão. Crítias,107a4-e3.
15. Cf. BRISSON, L., op.cit., pp.
29-33(32); CASSIRER, E., op.cit., pp. 73-93. Ver:
Platão. República, III, 395b8-d3.
16. Cf. DROZ, G. Os Mitos Platônicos. Tradução de Maria Auxiliadora
Ribeiro Kneipp. Brasília: Ed. Universidade de
Brasília,1997, p. 9. Comparar com MATTÉI, J.E Platon et le Miroír
du Mythe: de l`Âge d 'Or à I’Atlantide. Paris: Presses Universitaires
de France,1996, Introdução; RISSO, A. II mito, Segno
della Misura Formativa. In: I modi di Amare Sophia:
La Paideia Strutturale del Dialogo Platonico. Forenze: La Nuova Italia, 1996, Cap. 1; BRISSON, L.,
op.cit., pp. 33-41.
Ver:
Platão. Sofista, 263e3-5, 268c-d, 269c9-d7; Timeu,
26c7-e5, 37c-38c, 51d3-e6; República, II,
376e-III, 403c; Político, 271 a5-b3; Crátilo,
408b6-d4; Górgias, 523a1-3, 527a5-8.
17 Comparar com: BRISSON, L., op.cit., pp.
33-41. Ver, de Platão: Mênon, 8180d-86b; Fédon, 73c e
seguintes.
18. Cf. LIMA VAZ, H. C. de. Religião e Modernidade Filosófica. In:
Síntese. Nova Fase. Vol.18. N. 53. Abril/junho,1991, p.149. Comparar com
FRIEDLANDER, P Platon: Verdad
del Ser y Realidad de Vida.
Tradução de
S. González Escudero. Madrid: Tecnos,1989, Capítulo
IX; BRISSON, L., op.cit., pp. 36?38.
19. Ver: REALE, G., op.cit. (Vol. II), p.
63.
20. Cf. DROZ, G., op.cit., p.10-12.
Comparar com BRISSON, L., op.cit., p. 39-42.
21. Comparar com: República, II, 378e7-379a4; Político,
269b5-c3; Timeu,
c3-d3. Ver, também: GOLDSCHMIDT, V A Religião de Platão. Tradução de Ieda e
Oswaldo Porchat Pereira. São Paulo: Difusão Européia
do Livro,1970, p. 39-40.
22. Cf. REALE, G. História da Filosofia Antiga. Vol. II. Tradução de
Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine. São
Paulo: Loyola,1994, pp. 41-42.
23. Cf. LIMA VAZ, H. C. de. Religião e Modernidade Filosófica,
pp.151-152.
24. Cf. VAZ, H.C.L. O Problema de Deus no Pensamento Contemporâneo,
pp. 18-19, 22; Religião e Modernidade Filosófica, pp.152-153.
25. Cf. ALBERT, K. Sul Concetto di Filosofia in
Platone. Tradução de Paola Traverso. Milão: Vita e
Pensiero,1991, p. 75.
26. Cf. Platão. República, 379a-379c. Comparar com: República, 505a,
508a-509c, 517b-c, 518b, 526c, 530c, 532b-c; Fedro,
245b-e, 247c; Sofista, 249d; Filebo,15a; Timeu,
29a-35a, 37a, 38a, 92c; Leis, 896d-899a , 903b-904b; Fédon, 80a-81a; Banquete,
210a, 210e, 211b-c. Ver, sobre o assunto:
DIÈS, A. Autour de Platon. Essais de Critique et d'Histoire. Tomo II. Paris: Gabriel Beauchesne, Éditeur, 1927, pp.
523-525; 530-533, 536; JAEGER, W Paidéia, cit., pp. 875-876; FRIEDLÃNDER, P, op.cit. e Reale, G., op.cit. (Vol. II), pp. 78-79 (o mito como
"um falar por imagens"). A respeito da posição que Plotino toma
diante da interpretação platônica dos mitos teogônicos:
BEIERWALTES, W. Pensare l 'Uno. Tradução de Maria Luisa Gatti. Milão: Vita e Pensiero,1991, pp.108-115.
27. FESTUGIÈRE, A.J., op.M., pp.180-181.
28. DIÉS, A., op.cit., pp. 531-533,
538-540.
29. Cf. REALE, G., op.cit. (Vol. II), p. 81.
30. Ver: REALE, G., op.cit. (Vol. II), pp. 49-60. Ver, também, do mesmo autor: Para uma Nova
Interpretação de Platão. Trad. de Marcelo Perine. São
Paulo: Loyola,1997, Segunda Parte, Capítulos 5 a 10.
31 Ver: CANTO-SPERBER, M. Platon. In: Philosophie Grecque. Monique Canto-Sperber (dir). Paris: Presses
Universitaires de France,1997, pp. 219-236. Comparar com FESTUGIERE, A.J., op.cit., pp.181-186; GOLDSCHMIDT, V ,
op.cit., pp. pp. 48-49.
Ver
ainda: Platão. Fédon, 74a,100b-d; República, V, 475e; Timeu,
27d, 28a-c.
32. Cf DIES, A., op.cit.,
pp. 528-531, 538-540. Comparar com FESTUGIÈRE, AJ, op.cit.,
pp. 177-181. Ver ainda: Platão. Leis, 886c, 891c, 891e, 892c, 966e-967d.
33. Cf. REALE, G., op.cit. (Vol. II), p.
302.
34. Ver, também: República, 5096, 508a-509c, 518c, 532c.
35. Cf. DIÈS, A., op.cit., pp. 543 (pp.
541-544).
36. Cf REALE, G., op.cit.
(Vol. 1I), p. 51. Ver, também: JAEGER, W., Paidéia, cit., pp. 875-879;
GOLDSCHMIDT, V , op.cit., pp.19-31.
37. Cf. FESTUGIÉRE, A.J., op.cit.,
p.189,195.
38 . Ver, ainda: Fedro, 250c;
Teeteto,176e.
39. Cf. DIÉS, A., op.cit., p. 544;
40. Ver: Parmênides,130b; Filebo,15a; Fédoti,
75d-e; Repúbtica, 507b; Leis, 903b-c, 904a-b.
41. Cf. DIÉS, A., op.cit., pp. 544-545.
42. Ver, também: ALBERT, K., op.cit., pp.
53-87. Ver, em Platão: Banquete, 204a-b; Fedro, 278d.
43 . Cf. DIES, A., op.cit., p. 545. Ver,
também, do mesmo autor, sobre o tema: La Transposition
Platonicienne. In: Autour de
Platon. Essais de Critique et d'Histoire. Tomo II. Paris:
Gabriel Beauchesne, Éditeur,1927, pp. 400-449.
44. Cf. REALE, G., História da Filosofia Antiga, cit., p. 81; Para
uma Nova Interpretação de Platão, (Quarta Parte, Capítulos 16 a 21.
45. Cf. DIES, A., op.cit., pp. 545-547. Ver, também:
De STRYCKER, É. Précis d'Histoire de la Philosophie Ancienne. Tradução de J.M. Delanghe. Paris:
Vrin,1978, pp. 98-112.
46. Ver: GOLDSCHMIDT, V , op.cit., pp. 61-67.
47. Cf. DIÈS, A., op.cit., p. 547. Ver,
para uma análise global: Timeu, 29a-b, 29e, 30a, 30d,
31a, 34a, 37a, 38a, 39e, 41a, 92c.
48. Cf. DIÈS, A., op.cit., pp. 550-551.
Ver, também: GOLDSCHMIDT, V , op.cit., pp. 57?61.
"O Demiurgo é poihths do mundo (...). trata-se
de uma fabricação, a obra de um artesão que é, também, um artista (...); em
todo caso, o produto de uma inteligência (...): tudo isso parece indicar uma
certa transcendência " - Cf. FESTUGÉRE, A .J., op.cit.,
p.191(nota 3).
49. Cf. DIES, A., op.cit., pp. 552-553.
Ver, ainda: Fedro, 246e; Timeu,
28a, 28c, 29d, 30a, 37c, 41a; Político, 269a, 270a, 272e, 273b, 273d.
50. Cf DIÈS, A., op.cit.,
pp. 554-555. Comparar com: REALE, G., op.cit. (Vol.
II), pp. 81-82;150-152;
DROZ, G., op.cit., pp.123-129; De STRYCKER, E., op.cit., pp.110-112. Ver, ainda, de Platão: Timeu, 41a-d; Górgias, 507e-508b.
51. Cf. DIÈS, A., op.cit., p. 556-559.
Ver, de Platão: Sofista, 248e-249d; República, 529b-530c, 611d-e; Fedro, 246d; Timeu, 30c; Leis,
820e-821d, 898e, 899a; pârmenides,157e; Tecteto,
203e.
52. FESTUGIÈRE, A.J. Pour I'Histoire du Mot qeologia. In: La Révélation d'Hermes
Trismegiste. Tomo II.
Paris: Libraire Lecoffre,1949, pp. 508-509.
53. Cf. DIÉS, A., op.cit., pp. 568-569.
54. Cf. GOLDSCHMIDT, V, op.cit., p. 61.
55. Cf. GOLDSCHMIDT, V, op.cit., p. 68.
Ver: Platão, Tinrers, 4b, 41a-b; Fedro,
245c-d.
56 Cf. GOLDSCHMIDT, V, op.cit., p. 70.
Comparar com NESTLE, W, op.cit., pp. 271-278. Ver:
Teeteto,176b; República, II, 383c, VI, 500c, X, 613a; Tirrreu,
90d; Leis, IV, 716cd.
57. Ver: GOLDSCHMIDT, V , op.cit.,
pp.112-131; JAEGER, W, Paidéia, cit, pp. 890-894..
58. Cf. DIÈS, A., op.cit., pp. 449, 574.
Comparar com JAEGER, W., Paidéia, cit, p. 892;
ALBERT, K.,
op.cit., Capítulos III e V.
59 ´É porque procura conciliar e unificar todas as coisas em Deus
que a religião, para Platão, não pode disjungir-se da filosofia “ – Cf.
GOLDSCHMIDT, V., op.cit., p.135.
60. Cf. REALE, G., op.cit., pp. 302-307.
61. Cf. LIMA VAZ, H.C. Platão Revisitado. Ética e Metafísica nas
Origens Platônicas. In: Síntese (Nova Fase). Vol. 20. N. 61, 1996, p.191. Ver,
também: "O conhecimento de Deus, que não se pode separar da imitação de
Deus, dá à conduta humana sua significação e seu termo" - Cf. GOLDSCHMIDT,
V. , op.cit., p.132.