DIFICULDADES OPERACIONAIS EM PROCEDIMENTOS DE DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO

MANUELA LOURENÇO PIRES TORQUATO

Professora e Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Público - Universidade de Fortaleza. | Procuradora do Município de Fortaleza | Mestre em Direito - UFC - título reconhecido pela Universidade de Lisboa

Àqueles alunos que engrandecem nossa atividade docente.

Entre as dificuldades na aplicação da Lei 8666/93 e suas atualizações, destaca-se na prática administrativa a que temos acesso, a das dispensas de licitações. Começa pela diferença dos conceitos entre a dispensa e a inexigibilidade.

Um breve relance na doutrina prática já nos leva à consideração do que a Lei 8666/93 teve uma intenção moralizadora. Simplesmente aqui também parece configurar-se a máxima de que o inferno para o consultor jurídico já é algo bem presente e infelizmente comum quando tenta explicar aos executores da Administração Pública que tanto a dispensa como a declaração de inexigibilidade são exceções à regra da Licitação.

Esta, como a do concurso público para investidura em cargo (público, claro) são versões da mesma aplicação dos princípios da isonomia, como o da impessoalidade.

Tratando-se a dispensa de um procedimento excepcional, obviamente ele será prévio à realização que se pretende obter e que depende do pedido. Tal procedimento atingirá seu término quando o pedido e o parecer forem homologados pela pessoa com competência política nesse campo (perdoem-me o eco, por favor!). Como requisito de validade estabelece ainda a Lei das Licitações que deve ser publicada a lista das compras, por exemplo, mensalmente, a que deve ser dada publicidade mais larga ao procedimento, ao parecer, aos despachos, às homologações (utilização analógica deste vocábulo) e ao contrato respectivo. Tudo em extrato, mas publicado no órgão oficial de divulgação, onde existir. E estamos escrevendo divulgação para que mais uma vez não seja confundida publicidade -desejável - com propaganda, constitucionalmente vedada.

Tanto é assim, que inclusivamente, os contratos de publicidade ou divulgação nem serão objeto da exceção do inciso II do artigo 25 -inexigibilidade de licitação, por mais especializados que sejam os contratandos! E, repare-se, são quaisquer serviços dessas naturezas.

Não cremos que esteja sendo eficazmente aplicada esta vedação. Reagir contra este tipo de abuso do poder cabe aos cidadãos, e algumas vezes o têm feito e ao judiciário. Incluímos neste âmbito os DECONS, PROCONS etc, se bem que não sejam inseridos neste país no âmbito do "Poder Judiciário". Como se vê, há dupla má utilização do termo poder, pois é óbvio que o Ministério Público, seja qual for seu âmbito e especialização é indispensável à realização da justiça. E tanto mais o será quanto mais altaneira for sua representatividade social!

Um dos problemas que esta divulgação comporta é que ainda não está consagrado em nosso meio jurídico um aprimoramento metodológico.Tanto quanto se vêm sentenças não identificando o caso ou pior ainda, ostentando em seu cabeçalho a pavorosa exibição de pouca diligência mental – v. etc- (que deveria significar o Relatório do processo e deste jeito nada identifica, coisa nenhuma relata e certamente não demonstra orgulho do exercício da função, nem interesse legítimo pela vida das partes nos autos), também se observam pareceres administrativos que destacados dos autos nada identificam, muito menos demonstram qualquer razão ou embasam decisão, de tão rotineira e pouco cientificamente elaborados. Desta pecha nos vimos livrando ao longo de nossa vida pública no Brasil pois temos procurado sempre o aperfeiçoamento e a eficiência, que são dever constitucional de todos os servidores desde a Emenda Constitucional N° 19 à Constituição Federal de 1988. É devida esta lembrança. Constitui-se dever que exige dedicação de todos nós, ao menos na qualidade sofredora de contribuintes.

O descaso pelo que é público afigura-se-nos característica proporcional à burocratização e talvez seja decorrente de uma má compreensão do que é democracia. Só que isso pode e deve, ser punido quando vem de um cidadão, imagine-se se taI cidadão é ainda por cima exercente de um cargo público resultante de concurso. Pior, diríamos se o cargo apenas comissionado. Por que então, deve o ocupante necessariamente temporário, ser uma mulher de Cesar. Além de honesta deve portar-se de modo a ser vista, pelos que a podem ver, como honesta, para que possa ser admirada respeitosamente.

Nesta linha de raciocínio cabe referir que o ponto central destas considerações é exatamente o fato de que a Lei exige e bem, a justificativa do preço. Que terá de ser, ao menos compatível com o do mercado. Entendemos que deve ficar ainda mais claro: perante qualquer gasto financeiro há que verificar o custo benefício da necessidade dos serviços/ compra e alienações, publicidade, locações, obras e agir como um bom pai de família - não pagar caro pelo que é supérfluo ou pouco necessário. Há portanto que documentar a justificação do preço.

E obviamente o preço, atendendo ao espírito da Lei, não poderá escamotear despesas. E comum (e deplorável) que em treinamentos, consultorias, atendimentos especializados ou únicos, se verifique que ficaram por fora as despesas com passagens, estadas, deslocamentos, material de consumo, alimentação (que muitas vezes nem caberia!) etc.

Quando não estão inseridos no preço, se não houver vedação legal, devem ser objeto de outro procedimento não desobedecendo à regra do não parcelamento exarada em espírito no artigo 5° da Lei a expressamente, no § 4° do artigo 7°. Recorde-se que o artigo 7°, é por força de seu § 9°, aplicável, no que couber, aos casos de dispensa ou inexigibilidade de licitação.

Esse no que couber evidentemente não deve ser interpretado como NÃO CABENDO NUNCA.

Como se fará a justificativa do preço?

Na falta de disposição legal expressa e já que a doutrina entende que o interessante é a compatibilidade com os padrões do mercado, entendemos que documentos originais ou autenticados, de entidades que usaram serviços semelhantes, certidões de pessoas jurídicas, recibos de pagamentos serão demonstrativos. Obviamente não pode ser o contratado ou o (a) contratante a declará-lo ou certificá-lo ou demonstrá-lo. Onde ficaria a impessoalidade, então?

É evidente que podem surgir dificuldades em se tratando de entidades de recente constituição, que se pretende contratar por notória especialização ou pessoas físicas de consagrado saber. Propositalmente não usamos o vocábulo notório saber por que, sejamos sinceros, no jurídico o notório saber, às vezes, é pouco saber e de notoriedade suspeita. Registre?se que não o estamos dizendo por que nos respalda uma experiência de duas décadas de serviço público. Até porque, em concursos públicos em que ficamos entre os primeiros colocados ou nem fomos aprovados, verificamos que alguns jovens, pouco experientes revelaram mesmo que detêm mais competência (que a nossa). De modo algum isso é desonra, especialmente quando o mais jovem é alguém que nos superou acadêmica ou profissionalmente e nos ouviu, tentou entender e conosco aprendeu (e nós com ele) nos bancos das universidades.

Outubro de 1999.

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

Consulta em destaque - Constatação - Justificativa de Preço, Informativo L.C., Ano VI, N° 63, maio 1999, pág 375/6.

FERRAZ, Sérgio: FIGUEIREDO, Lucia Valle. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação. 3á edição, São Paulo: Malheiros,1994.

FERREIRA, Wolgran Junqueira. Licitações e Contratos na Administração Pública. Bauru: Edipro,1994.

GASPARINI, Diógenes. Cautelas e Formalidades Necessárias no Processo de Contratação por Dispensa - Inexigibilidade por Notoria Especialização: Contratação de Advogados e demais Serviços Técnicos - Preços super faturados ou inexequíveis e a responsabilidade da autoridade competente. Boletim de Licitações e Contratos, Ano X, n° 11, São Paulo: Editora NDJ, Ltda,1997, pág. 531 à 536.