TUTELA
JUDICIAL CAUTELAR SUSPENSIVA DA EXIGIBILIDADE DO CREDITO TRIBUTARIO
HUGO
DE BRITO MACHADO
Professor
Titular de Direito Tributário da UFC | Presidente do Instituto Cearense de
Estudos Tributário | Juiz aposentado do Tribunal Regional Federal da 5a Região
SUMÁRIO
1. Introdução
2. A tese restritiva
2.1. Seu acolhimento em importantes julgados.
2.2. 0 fundamento da tese restritiva
2.3. Refutação da tese restritiva
3. A tutela jurisdicional cautelar no plano infra-constitucional
3.1. A norma restritiva do CTN
3.2. Natureza jurídica do CTN
3.3. A norma do art. 151, IV do CTN
3.4. 0 art. 585, § 12 do CPC e sua nova redação
4. Fundamento constitucional do direito à cautela
4.1. Direito à jurisdição
4.2. Eloqüente manifestação do STF
5.Provimentos de jurisdição cautelar
5.1. Ação cautelar e medida liminar em matéria tributária
5.2. Antecipação da tutela
5.3. Cautelar em rescisória
INTRODUÇÃO
No plano doutrinário talvez ninguém mais cometa a insensatez de
sustentar a prevalência do elemento literal, sobre os elementos sistêmico e
teleológico, na interpretação das normas jurídicas.
A rigor, aliás, não se precisa de conhecimento jurídico para
interpretar qualquer norma utilizando-se apenas o elemento literal. Basta
conhecer a linguagem. Basta saber ler. E se para bem entender o Direito fosse
suficiente saber ler, evidentemente fora de propósito seria o estudo do
Direito. Seria suficiente alfabetizar-se. A absoluta insuficiência do elemento
literal, todavia, pode ser facilmente demonstrada com um rol infinito de
exemplos, posto que muitas palavras, ou frases, têm mais de um significado
literal, como se pode ver em qualquer dicionário. Por isto é indispensável a
busca do significado das normas jurídicas em algo que estando fora das palavras
é utilizado para completá-las na tarefa de expressar as idéias.
Fala-se, é certo, de uma interpretação literal, entretanto, como nos ensinou o
saudoso Mestre Geraldo Ataliba, "a chamada interpretação literal não é
interpretação. É pressuposto da interpretação, pois é lendo que o intérprete se
aproxima do texto, para - desenvolvendo acurada atividade científica -
desvendar o conteúdo, sentido e alcance das normas contidas nos textos".18
Na doutrina jurídica de nossos dias certamente não mais se sustenta a
suficiência do elemento literal. Na prática, porém, ainda é significativa a
prevalência do literalismo, especialmente na
jurisprudência. Alguns juizes ainda não se deram
conta de que a letra é simplesmente um veículo de idéias,
e a estas é que o jurista deve estar atento.
Esse apego ao elemento literal na tarefa interpretativa, somado à falta de
consideração pelos elementos teleológico e sistêmico, responde por um sem
número de equívocos e talvez seja responsável pela persistência da tese segundo
a qual a medida liminar em mandado de segurança é a única espécie de tutela
judicial cautelar com aptidão para suspender a exigibilidade do crédito
tributário.
Na verdade, porém, qualquer das espécies de tutela judicial de natureza
cautelar, cabível em ação na qual se questione um crédito tributário, tem
aptidão para suspender a exigibilidade deste, não obstante o art. 151, inciso
IV, do Código Tributário Nacional, refira-se apenas à medida liminar em mandado
de segurança. É o que vamos a seguir demonstrar, começando com a análise da
tese restritiva, consagrada em alguns julgados.
2. A TESE RESTRITIVA
2.1. SEU ACOLHIMENTO EM
IMPORTANTES JULGADOS
A tese restritiva, segundo a qual somente a medida liminar tem
aptidão para suspender a exigibilidade do crédito tributário, tem sido acolhida
por respeitáveis magistrados, por isto mesmo merece ser analisada.
Para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, "por mais plausível que
seja o direito em discussão e por maior que se mostre a probabilidade de dano,
descabe medida cautelar para suspensão da exigibilidade de crédito tributário,
sem o respectivo depósito, ainda que o contribuinte ofereça outro tipo de
garantia idônea."1
Também o Superior Tribunal de justiça tem entendido que "a
suspensão da exigibilidade do crédito tributário só é admissível mediante o
depósito integral e em dinheiro da quantia correspondente ao débito (art. 151,
II, do CTN), insubstituível por mera concessão de liminar em ação
cautelar" Seria assim porque, segundo aquela Egrégia Corte, "o
permissivo legal inserido no art. 151, IV, do CTN, não comporta interpretação
extensiva, ainda que sob a justificativa de compensação de créditos
tributários, tendo em vista o exercício do poder cautelar geral do juiz." 2
Essa tese restritiva na qual podem ser vistos resquícios do autoritarismo que
dominou o país durante muitos anos, e que, em matéria tributária está ainda
arraigado em muitas mentes, sustenta-se especialmente na expressão literal de
dispositivos do Código Tributário Nacional, como a seguir se verá.
2.2. O FUNDAMENTO DA TESE
RESTRITIVA
O fundamento da tese restritiva está nos artigos 141 e 151, inciso
IV, do Código Tributário Nacional. O primeiro diz que "o crédito
tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua
exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos
quais não podem ser dispensadas sob pena de responsabilidade funcional na forma
da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias." E o segundo, ao
arrolar as causas de suspensão exigibilidade, refere-se à concessão de medida
liminar em mandado de segurança e não se refere a outras formas de tutela
jurisdicional cautelar.
Há quem indique, em acréscimo a esse argumento, que o CTN tem a hierarquia de
lei complementar, inderrogável, portanto, pela lei comum ordinária, no caso o
CPC.3
2.3. REFUTAÇÃO DA TESE RESTRITIVA
A tese restritiva em questão, todavia, não resiste a uma análise
jurídica, e assim deve ser rejeitada, não obstante o respeito que merecem os
seus defensores. Primeiro, porque a simples análise do sistema normativo infra
constitucional a desautoriza. Segundo, porque o direito à tutela cautelar é um
direito constitucional, que evidentemente não pode ser limitado pela lei
revelando-se, assim, desvaliosa a interpretação
restritiva da lei, que a coloca em conflito com a Constituição.
E o que vamos a seguir demonstrar
3. A TUTELA JURISDICIONAL CAUTELAR
NO PLANO INFRA CONSTITUCIONAL
3.1. A NORMA RESTRITIVA DO CTN
A norma restritiva contida no art. 141 do CNT evidentemente não
aplica ao Poder Judiciário. Ao dizer que fora dos casos nele previstos o dito
tributário não pode ter dispensadas, sob pena de responsabilidade adicional nos
termos da lei, sua efetivação e as respectivas garantias, a norma deixa
evidente os seus destinatários, que são, com certeza, as autoridades da
Administração Tributária. O Judiciário não administra o crédito tributário. Não
dispensa sua efetivação, nem suas garantias. A autoridade da Administração
Tributária, está sim poderia, na atividade de administração crédito tributário,
não fossem as limitações legais em sentido contrário, pensar o pagamento do
tributo, ou abrir mão de garantias do crédito tributário.
Não há dúvida, portanto, de que a restrição imposta pelo art. 141 CTN dirige-se
apenas às autoridades da Administração Tributária.
3.2. NATUREZA JURÍDICA DO CTN
O Código Tributário Nacional é uma lei ordinária. Como tal foi
aprovado pelo Congresso Nacional, até porque na vigência da Constituição de
1946 não existia a lei complementar como espécie legislativa formalmente
qualificada.
Freqüentes são as afirmações segundo as quais o
Código Tributário Nacional ganhou, já em face do art. 18, § 1º, da Emenda
Constitucional nº 1, de 1969, como em face da vigente Constituição Federal, a
natureza de lei complementar, e por isto somente por lei complementar poderia
ser alterado. isto merece melhor explicação, dadas as conseqüências práticas que podem decorrer da postura que se
adote, tanto a respeito da questão de saber se o Código realmente ganhou, ou
não, a natureza de lei complementar, como a respeito da posição hierárquica da
lei complementar no ordenamento jurídico brasileiro.
Na verdade o Código Tributário Nacional segue sendo uma lei ordinária. Não
ganhou a natureza de lei complementar. Ocorre que nos termos da vigente Constituição
certas matérias somente por lei complementar podem ser tratadas. Assim, cabe à
lei complementar dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária,
entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; regular as
limitações constitucionais ao poder de tributar; e estabelecer normas gerais em
matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos
e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta
Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência
tributários; c) adequado tratamento tributário do ato cooperativo praticado
pelas sociedades cooperativas.4
Como o Código Tributário Nacional cuida de matérias incluídas nessa reserva de
lei complementar, matérias que somente por lei complementar podem ser tratadas,
certamente que nesses pontos só por lei complementar pode ser alterado.
Relevante, porém, é a afirmação de que o Código Tributário Nacional é uma lei
ordinária porque, se fosse lei complementar, só por outra lei complementar
poderia ser alterado, fosse qual fosse o conteúdo do dispositivo de cuja
alteração se cogitasse. Como lei ordinária que é, independentemente da posição
que se adote em relação a questão da existência de hierarquia entre lei
complementar e lei ordinária, tem-se de admitir que qualquer dispositivo do
Código, que não verse matéria própria de lei complementar, pode ser alterado
por lei ordinária.
3.3. A NORMA DO ART 151, INC. IV
DO CTN
Coloca-se, assim, a questão de saber se a norma do art. 151,
inciso IV, do CTN, a dizer que suspende a exigibilidade do crédito tributário a
concessão de medida liminar em mandado de segurança, é uma norma geral de
Direito Tributário; e como tal está compreendida no campo reservado à lei
complementar nos termos do art. 146, inciso III, alínea "b", da vigente
Constituição Federal, ou se é uma norma de Direito Processual Civil, e como tal
está fora da referida reserva de lei complementar.
Tenho dito repetidas vezes que em Direito tudo é muito relativo e os conceitos
de que nos podemos utilizar geralmente não tem
delimitações exatas. Ou são vagos, ou são ambíguos. E no caso, a fronteira
entre o Direito Tributário e o Direito Processual Civil certamente não é
demarcada por uma linha divisória precisa. Há na verdade uma área de penumbra
na qual não se pode dizer se estamos dentro do objeto de um, ou do outro.
Seja como for, porém, muito mais razoável é admitir-se que a regulação dos
efeitos de um provimento jurisdicional é matéria de Direito Processual. E sendo
assim, resta apenas a necessidade de explicar-se a razão de estar a norma em
tela no Código Tributário Nacional, quando se poderia ter como suficiente a
norma do art. 79, inciso II, da Lei do Mandado de Segurança.5
Penso que a razão de haver sido incluída no Código Tributário Nacional a norma
que está em seu art. 151, inciso IV, é simplesmente didática. Na verdade, se
suprimida, não fará nenhuma falta. Ninguém certamente sustentará o não
cabimento do mandado de segurança em matéria tributária, nem a impossibilidade
de um provimento judicial suspender a exigibilidade do crédito tributário.
Importante e observar que a época em que foi editado o Código Tributário Nacional
não dispunha o juiz do denominado poder geral de cautela, nos termos em que a
final ficou estabelecido pelo Código de Processo Civil, de 1973. Neste sentido
doutrina Natanael Martins, invocando o magistério do Juiz Federal e Professor
de Direito Processual Civil, Paulo César Conrado: "O CTN previu como causa
de suspensão da exigibilidade a liminar concedida em mandado de segurança
apenas porque, quando editado (1966), o ordenamento jurídico vigente não previa
outros meios processuais similares."6 O Código Tributário Nacional, portanto, como norma de efeito
meramente didático, não podia explicitar o que não estava em outras normas do
ordenamento.
É razoável , assim, interpretáramos o art. 151, inciso IV, do CTN,
no contexto atual em que se aplicou consideravelmente o alcance e a utilidade
da jurisdição cautelar, dando-se um sentido mais abrangente , desprendido do
elemento literal, e assim entendê-lo como uma referência a todos os
procedimentos judiciais de natureza cautelar.
Aliás, como disciplinar os efeitos dos provimentos judiciais com certeza não é
matéria tributária, é razoável preconizar-se que o art. 151, inciso IV do CNT,
deve ser entendido nos limites em que o mesmo cuida da matéria tributária , e
assim deve ser entendido como referência aos provimentos judiciais que, nos
termos das leis do processo, tenham o efeito de suspender a eficácia dos atos
jurídicos enquanto dura a pendência sobre os mesmos instaurada.
Por todas estas razões, temos dúvidas que o Juiz, ao afirmar a impossibilidade
de provimento cautelar para suspender a exigibilidade do crédito tributário, está interpretando inadequadamente o art.151, inciso IV,do CTN, além de estar negando a supremacia
constitucional e com isto praticando verdadeira auto-castração,
em benefício do autoritarismo.
3.4. O ART. 585, § 12 DO CPC E SUA
NOVA REDAÇÃO
O § 1º, do art. 585, do Código de Processo Civil, estabelecia que
a propostitura de ação anulatória de débito fiscal
não inibe a fazenda pública de promover-lhe a cobrança. Esse dispositivo foi
alterado pela Lei nº 8.953, de 13.12.94, que lhe deu a seguinte redação: a
propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título executivo
não inibe o credor de promover-lhe a execução.
Essa mudança é bastante significativa. Primeiro porque explicitando o valor dos
títulos executivos em geral, afasta a idéia de
privilégio, aliás absolutamente injustificado, da Fazenda Pública. Segundo
porque em relação a esta reduz o alcance que à norma, em sua redação anterior,
vinha sendo atribuído.
Realmente, a referência a ação anulatória de débito fiscal, constante da
redação anterior, conduzia ao equivocado entendimento de que a norma abrangia
as ações anulatórias propostas antes da inscrição do crédito tributário na
dívida ativa, vale dizer, antes da formação do título executivo, muito mais freqüentes, aliás, do que as propostas depois daquela
inscrição.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de ser
incabível medida cautelar para inibir a execução, tendo em vista que o acesso
do devedor ao Judiciário deve ocorrer, segundo aquela jurisprudência, através
dos embargos. Daí poderia alguém pretender extrair a conclusão de que em se
tratando de débito tributário não seria possível, mediante medida cautelar,
sustar-se a própria inscrição na dívida ativa, do crédito tributário em
constituição, ou qualquer ato do procedimento administrativo de lançamento.
A propositura de ação anulatória pode ocorrer desde a lavratura do auto de
infração, ou em face do julgamento administrativo que afirma a procedência
deste. A medida cautelar, em qualquer destes casos, não poderia ser utilizada
para impedir a inscrição do crédito tributário como dívida ativa.
Com a nova redação do § 1º, do art. 585, do Código de Processo Civil , a
questão foi recolocada em seus devidos termos. O que a ação não impede é a
execução do título executivo. Assim, a jurisprudência do Superior Tribunal de
justiça, segundo a qual não se admite cautelar para impedir a execução, não
pode ser invocada nos casos em que ainda não exista o título executivo, vale
dizer, não tenha ainda sido feita a inscrição do crédito tributário como dívida
ativa.
Em outras palavras, não tendo havido ainda a inscrição do crédito tributário
como dívida ativa, e não existindo, por isto, o título executivo, nada impede
que medida cautelar suspenda a exigibilidade do crédito tributário.
4. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DO
DIREITO À CAUTELA
4.1. DIREITO À JURISDIÇÃO
Ninguém nega que o direito à jurisdição seja uma das mais
importantes garantias constitucionais. Assim, mesmo sem considerar os
argumentos até aqui expendidos, não se pode admitir a tese que exclui a
possibilidade de medida cautelar para suspender a exigibilidade do crédito
tributário porque o direito à tutela jurisdicional cautelar é direito à
jurisdição, e assim tem seu fundamento diretamente na Constituição.
Não é conforme com a Constituição a interpretação de normas inferiores que o
exclua, porque são inconstitucionais quaisquer normas que o excluam diretamente
ou que mediante limites muito estreitos tornem o provimento cautelar incapaz de
cumprir plenamente sua finalidade.
Quando a Constituição assegura que nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser
excluída da apreciação do judiciário, está implicitamente assegurando, também,
o direito ao provimento cautelar, pois não é razoável admitir que o direito à
prestação jurisdicional possa ficar reduzido a uma expressão simplesmente
formal, vale dizer, direito, a uma prestação jurisdicional desprovida de
utilidade. Se o provimento cautelar é destinado a garantir a utilidade do
provimento buscado na ação principal, é evidente que a garantia deste último
pressupõe a garantia, também, do primeiro.
4.2. ELOQÜENTE MANIFESTAÇÃO DO STF
O reconhecimento da existência do direito à tutela cautelar como
decorrência do direito constitucional à jurisdição, além de ser irrefutável,
porque uma conseqüência lógica da utilização dos
elementos sistêmico e teleológico na interpretação, conta com o apoio de nossa
Corte Maior.
Realmente, este nosso entendimento já foi adotado pelo Supremo Tribunal
Federal, ao afirmar o direito ao provimento liminar em Ação Direta de Constitucionalidade,
asseverando que "assim é, mesmo sem expressa previsão constitucional de
medida cautelar na A. D. C., pois o poder de acautelar e' imanente ao de julgar
"7
5. PROVIMENTOS DE JURISDIÇÃO
CAUTELAR
5.1. AÇÃO CAUTELAR E MEDIDA
LIMINAR EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
Dir-se-á que o mandado de segurança é bastante para a proteção dos
direitos do contribuinte, eventualmente violados por ato da autoridade da
Administração Tributária. Não é assim, porém. Em muitas situações o mandado de
segurança não é cabível, sem que isto signifique dizer que o direito naquelas
situações configurado desmereça a tutela jurisdicional cautelar.
Na verdade, em casos nos quais o mandado de segurança é incabível, pode o
contribuinte valer-se da ação de procedimento ordinário, e no âmbito desta, da
ação cautelar. Além disto, em alguns casos pode ser cabível o mandado de
segurança e mesmo assim a ação de procedimento revelar-se mais adequada, de
sorte que, por opção, o contribuinte poderá utilizá-la. De todo modo, seja
porque incabível o mandado de segurança, seja porque a ação de procedimento
ordinário se mostre mais adequada, o certo é que esta pode ser utilizada, entre
outros, nos casos em que:
a) já tenha decorrido o prazo de 120 para a impetração do writ;
b) passa haver questão de fato a ser objeto de prova;
c) exista dúvida quanto a quem seja a autoridade coatora;
d) o foro do autor seja mais conveniente do que o da possível autoridade
coatora.
Em qualquer desses casos, é cabível a ação cautelar, e no âmbito
desta o deferimento de medida liminar para suspender a exigibilidade do crédito
tributário. Na medida em que se faça necessária para assegurar a utilidade do
provimento judicial que a final poderá ser deferido, a liminar é providência
que se impõe, sob pena de se tornar letra morta, mera peça de retórica, a
garantia constitucional do acesso ao Poder judiciário.
5.2. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
Nos termos do art. 273 do CPC, com a redação que lhe deu a Lei nº
8.952, de 13.12.94, o juiz pode antecipar os efeitos da tutela pretendida pelo
contribuinte.
Os plantonistas do arbítrio apressaram-se já a dizer incabível a antecipação da
tutela jurisdicional contra a Fazenda Pública. Não seria possível em face do
duplo grau de jurisdição obrigatório. A ser assim, porém, não seria viável,
liminar em mandado de segurança, nem o próprio mandado de segurança, no qual é
obrigatório o duplo grau de jurisdição. Como se vê, a tese não resiste a
análise jurídica.
Por outro lado, é inegável que a Fazenda Pública em muitos casos adota atitude
evidentemente protelatória, questionando o quanto, possível, embora ciente da
final derrota em face da jurisprudência já assentada.
Não tem consistência o argumento de que, uma vez admitida a antecipação da
tutela jurisdicional, esta poderá ser prodigalizada. Tal argumento,se aceito, terminaria por justificar a
exclusão de todas as garantias jurídico-processuais. O que a Fazenda Pública
pode, e deve exigir dos juizes, é, a rigorosa
observância dos requisitos legais para o deferimento da cautela antecipada.
Assim, deve o juiz examinar cuidadosamente se: a) a verossimilhança na alegação
do autor e as provas por ele ofertadas é convincente;b)
é fundado o receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou c) está
caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto intuito protelatório
do réu.
A verossimilhança da alegação do autor equivale à aparência do bom direito, da
ação cautelar, enquanto o fundado receio de dano corresponde ao perigo da
demora. O abuso do direito de defesa, ou o manifesto protelatório, porém,
constituem requisitos Alternativos que podem substituir o fundado receio de
dano. Constituem requisitos específicos da tutela antecipada.
Nesta, pode não haver fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação. Tal requisito pode ser substituído pelo abuso do direito de defesa,
ou pelo manifesto intuito protelatório.
Em outras palavras, para a antecipação da tutela jurisdicional são necessários
apenas dois requisitos, a saber: primeiro, a verossimilhança e a consistência
da prova; e segundo, o fundado receio de dano, ou o abuso do direito de defesa,
ou ainda o manifesto intuito protelatório.
5.3. CAUTELAR EM RESCISÓRIA
A jurisprudência tem afirmado não ser possível dar efeito
suspensivo à propositura de ação rescisória, porque isto seria contrário a
dispositivo legal expresso que afirma não ter a rescisória esse efeito. Não
obstante, nos tribunais prevaleceu a tese do cabimento de mandado de segurança
para dar efeito suspensivo a recurso que não o tenha.
Essa postura incoerente foi recentemente superada pelo STF, que, "por
maioria de votos, referendou despacho do Min. Nelson Jobim, que concedera
medida cautelar incidental para atribuir efeito suspensivo a ação rescisória
promovida pelo Estado de São Paulo e para suspender a exigibilidade do
precatório referente à execução da ação rescindenda. "8
Espera-se que a tese não termine prevalecendo apenas para os casos em que é
interessado o Poder Público. A final, em muitas situações a execução do julgado
antes de apreciada a rescisória pode significar a inteira inutilidade desta. Em
tais situações, havendo também a aparência do bom direito, evidentemente será
cabível a cautelar,
18 Instituições de Direito Público e República, São Paulo, 1984,
p.142.
1 Apelação Cível nº 94.01.34180-0-BA - Rel. juiz Fernando Gonçalves
-j 12.06.95 - DJU 210.07.95, p 43.370, Repertório IOB de Jurisprudência, 2ª
quinzena de agosto 95, nº 16/95, p 276.
2 REsp. nº
94.513-0 - SC. Rel. Min. Demócrito Reinaldo, Primeira Turma, unânime, DJU de
11.11.96, e Ementário do STJ, nº 17 (jan/abril de
97), p.211.
3 Napoleão Nunes Maia Filho, Suspensão da Exigíbilidade
de Tributo Através de Tutela Judicial cautelar, em Temas de Direito
Administrativo e Tributário, UFC, Fortaleza - CE, 1998, p.173
4 Constituição Federal, art. 146.
5 Lei n2 1.533, de 31 de dezembro de 1951
6 Natanael Marfins, Questões de Processo Administrativo Tributário,
em Processo Administrativo Fiscal - 252 Volume, coord. De Valdir de Oliveira
Rocha, Dialética, São Paulo, 1997, p. 94.
7 STF ADC nº 4-DF Liminar, Relator Min. Sydney Sanches, Informativo
STF n9 150, Clipping do Dj de21.05.99
8 Petição nº 1.347-SP, Informativo STF nº 84, Brasília, 15 a 19 de
setembro de 1997, p. 1.