BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DECRETO MUNICIPAL Nº 9321, DE 08 DE FEVEREIRO DE 1994, DISCIPLINADOR DOS TRÂMITES DOS PEDIDOS DE DISPENSA E INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO.

MARIA CARNEIRO SANFORD

Procuradora do Município de Fortaleza

O Estado Democrático de Direito tem sua essência nos valores de igualdade, liberdade e dignidade da pessoa.

A Lei no Estado Democrático de Direito, continua sendo a fundamentação maior de seus atos, mas,aqui ela existe para regulamentar a busca da igualdade, mesmo entre os socialmente desiguais e, garantir o exercício e gozo dos direitos fundamentais.

São princípios do Estado Democrático de Direito:

a) Princípio da Constitucionalidade;

b) Princípio Democrático;

c) Princípio dos Direitos Fundamentais (Individuais, Coletivos, Sociais e Culturais);

d) Princípio da Justiça Social;

e) Princípio da Igualdade;

f) Princípio da Divisão de Poderes;

g) Princípio da Legalidade;

h) Princípio da Segurança Jurídica.

A Administração Pública representa dentro do Estado Democrático de Direito o meio material, financeiro e humano de executar decisões políticas baseadas em seus fundamentos.

Não seria de estranhar que a Administração Pública se baseasse em princípios iguais ou derivados dos princípios que consubstanciam o Estado
Democrático de Direito.

São princípios da Administração Pública:

=> Legalidade
=> Finalidade
=> Impessoalidade
=> Moralidade
=> Eficiência
=> Probidade administrativa
=> Publicidade
=> Licitação Pública
=> Prescritibilidade dos ilícitos administrativos
=> Responsabilidade

Não podemos analisar o princípio da Licitação Pública isoladamente, uma vez que os princípios são como uma corrente, em que um único elo não pode faltar, por prejudicar a compreensão do todo.

O Princípio da Licitação encontra amparo constitucional no art. 37, XXI, da CF:

"Art. 24 - Omissis

X.XI - Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação publica que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações" (grifos nossos)

Por este dispositivo legal, de natureza principiológica , pode-se verificar que a licitação pública e prévia é a regra para as contratações administrativas e se aplica indistintamente à Administração Direta e Indireta.

Nesta única norma coexistem princípios elencados como do Estado Democrático de Direito, como da Administração Pública.

Licitar, portanto, significa que a Administração Pública deve selecionar com quem contratar, definir as condições de direito e de fato no intuito de obter sempre a proposta mais vantajosa, subordinando- se aos princípios gerais,além dos específicos, definidos no art. 3º da Lei nº 8.666/93 e suas alterações posteriores.

Proposta mais vantajosa é aquela em que a prestação do serviço pelo particular se adequa e satisfaz ao interesse público, além da Administração assumir prestação menos onerosa com a melhor qualidade do serviço.

A ausência de licitação somente se admite por exceção e, tão somente, nos casos indicados em lei. As exceções encontram respaldo constitucional e nas definições legais da Lei de Licitação e Contratos Administrativos.

Em que pese ser competência privativa da União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, não suprime o poder de cada ente federativo autônomo de dispor sobre determinados ângulos da matéria, tais como normas especificas.

Iniciando o tema, sobre o qual nos propomos a escrever, começaremos afirmando que o Decreto nº 9.321, de 08 de fevereiro de 1994 é constitucional. Como ato geral, normativo e jurídico perfeito, o Decreto nº 9321/94 pode ter seu cumprimento exigido no âmbito municipal.

O artigo 19 dispõe que os pedidos de dispensa ou reconhecimento de inexigibilidade de licitação seguirão os seguintes trâmites:

" I- A SOLICITAÇÃO, DEVIDAMENTE PROCESSADA E PROTOCOLIZADA, SERÁ FORMULADA PELO SETOR COMPETENTE DE CADA ÓRGÃO OU ENTIDADE DA ADMINISTRAÇÃO AO RESPECTIVO SECRETÁRIO OU DIRIGENTE MÁXIMO, INSTRUÍDA COM OS SEGUINTES ELEMENTOS".

Pelo caput do inciso supra, o setor que necessita dos serviços, das obras e das compras, em requerimento, devidamente motivado e instruído solicita aos Secretários, Presidentes ou Superintendentes o pedido de dispensa ou inexigibilidade de licitação. E necessário que a documentação instrutória e o requerimento sejam materializados em forma de processo, constando nos protocolos do órgão/entidade respectiva.

A instrução do processo se verifica através de elementos determinados, especificados nas alíneas do inciso I do art. 1º:

a) Caracterização da situação de fato - inclusive a emergencial ou calamitosa, quando for o caso - que dispensa ou reconhecimento da inexigibilidade;

A contratação direta não consiste em oportunidade para que o agente público pactue contratos inadequados, prejudiciais ou sem obedecer os trâmites legais exigidos pela Lei.

A norma da alínea "a" deflui do art. 26 da Lei 8.666/93 e suas alterações.

As dispensas ou inexigibilidades devem ser necessariamente justificadas. No entanto, aqui chamamos atenção: o requerimento do setor competente solicitando a dispensa ou inexigibilidade vai servir apenas de fundamento para a justificativa. No caso, a justificativa é da autoridade competente tanto para a ordenação da despesa, como para a homologação da dispensa ou inexigibilidade e nunca do chefe do setor requisitante.

Quem responde pelo órgão ou entidade são os Secretários, Presidentes ou Superintendentes, e, portanto., somente a eles cabe a Justificativa dos pedidos de quaisquer das modalidades de dispensa ou inexigibilidade, os quais serão enviados à PGM para análise legal do processo.

Até nos casos de inviabilidade de competição ou fornecedor exclusivo, ex-ví das normas do caput do art. 25 e inciso I, ambos da Lei 8.666/ 93, tem de haver justificativa, objetivamente evidenciada e comprovada de forma inquestionável.

A caracterização da emergência ou da situação calamitosa se faz necessária nos pedidos de dispensa do art. 24, IV da Lei 8.666/93 e suas alterações.

Como dissemos anteriormente, a dispensa e a inexigibilidade de licitação não constituem a regra, mas sim exceção.

A emergência, como a calamidade pública é uma situação fática onde há potencial de dano ou comprometimento à segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares. A emergência só pode ser alegada para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial atípica e, para parcelas a serem concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, enquanto na calamidade pública, uma vez que o risco é generalizado, pode ser dispensada licitação para toda área do evento.

Considerando os limites impostos pela Leia emergência não pode ser fabricada.

A urgência referida na Lei (art. 24 IV) tem que ser interpretada de forma cautelosa. O dispositivo enfocado refere-se somente aos casos em que um procedimento licitatórios normal, pela demanda de tempo, impediria uma ação imediata para solução de problemas irreparáveis.

Quanto a esta matéria trazemos a lume os ensinamentos do saudoso jurista Hely Lopes Meirelles em sua obra Licitação e Contratos Administrativos, 9ª edição, pgs. 97 e 98:

" Casos de emergência - A emergência que dispensa a licitação caracteriza-se pela urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares. Situação de emergência é, Pois, toda aquela que põe em perigo ou causa dano à segurança, à saúde ou à incolumidade de pessoas ou bens de uma coletividade, exigindo rápidas providências do Poder Público Para debelar ou minorar suas conseqüências lesivas (Estatuto,- art. 22, IV).

A emergência há que ser reconhecida e declarada em cada caso, a fim de justificar a dispensa da licitação para obras, serviços, compras ou alienações relacionadas com a anormalidade que a Administração visa corrigir, ou com o prejuízo a ser evitado. Nisto se distingue dos casos de guerra, grave perturbação da ordem ou calamidade pública em que a anormalidade ou o risco é generalizado, autorizando a dispensa de licitação em toda a área atingida pelo evento.

Exemplificando, são casos de emergência o rompimento do conduto de água que abastece a cidade; a queda de uma ponte essencial para o transporte coletivo; a ocorrência de um surto epidêmico; a quebra de máquinas ou equipamentos que paralise ou retarde o serviço público, e tantos outros eventos ou acidentes que transtornam a vida da comunidade e exigem prontas providências da Administração. Em tais casos, a autoridade pública responsável, verificando a urgência das medidas administrativas, pode declará-las de emergência e dispensar a licitação para as necessárias contratações., circunscritas à debelacão do perigo ou à atenuação de danos a pessoas e bens públicos ou particulares. O reconhecimento da emergência é de valoração subjetiva, mas há de estar baseado em fatos consumados ou iminentes, comprovados ou previstos, que justifiquem a dispensa de licitação. (grifos nossos).

b) Indicação do dispositivo legal que ampare o pedido;

Dada a solar clareza desta norma, deixamos de fazer comentários sobre o assunto.

c) A razão da escolha do co-contratante;

A contratação direta pressupõe um procedimento simplificado para seleção do contrato mais vantajoso para Administração Pública. Na realidade, ela não exclui os pressupostos da licitação, sendo obrigatório a observação de formalidades prévias, tais quais as dos requisitos do art. 7º, 14, 26, 27, 28, 29, 30, dentre outros todos da Lei de Licitação e Contratos.

A administração (leia-se autoridade competente) deve justificar não apenas os pressupostos da ausência de licitação, mas indicar os fundamentos da escolha de um determinado contratante e de uma especifica proposta.

É nessa justificativa que o Administrador irá demonstrar as razões para dispensa ou inexigibilidade, por que a escolha recaiu em um determinado fornecedor e mais, qual o interesse público a ser atingido e, por que só poderá ser realizado pelo fornecedor escolhido.

d) Justificativa do preço com anexação de pelo menos três orçamentos, a não ser quando se trate de fornecedor exclusivo;

Todo gestor de recursos públicos não pode eximir-se de justificar o preço de uma contratação direta.
Tratando-se de dinheiro público e da necessidade de prestação de contas, o princípio da razoabilidade deve ser aplicado. O preço deve ser razoável para desembolso pela Administração Pública - A relação custo- benefício tem que ser preservada.

A justificativa do preço se torna ainda mais obrigatória nas dispensas e inexigibilidades, em virtude da ausência de oportunidade para fiscalização mais efetiva por parte da comunidade e dos próprios interessados.

Este dispositivo deve ser aplicado até nos procedimentos licitatórios. Não se pode, sob a alegação da realização de Licitação, contratar por preço fora de mercado, exorbitantes ou desarrazoados. (V art. 48 da Lei no 8.666/93).

O Decreto exige a anexação aos pedidos de dispensa, no mínimo de três orçamentos para que se compare os preços e reste mais evidenciada a escolha da Administração Pública.

Impõe-se a justificativa do preço evitando assim o superfaturamento, pois respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.

Para os fornecedores exclusivos é obrigatório constar no processo Carta de Exclusividade atualizada, obedecendo-se em tudo ao disposto no art. 25, I.

II - 0 PEDIDO DEVERÁ CONTER, NECESSARIAMENTE, O VISTO DA RESPECTIVA ASSESSORIA JURíDICA.

Este visto da Assessoria Jurídica responsabiliza os pareceristas. Chamamos atenção para as sanções administrativas e penais, que poderão ser aplicadas aos Assessores jurídicos; envolvidos nos processos de dispensa e inexigibilidade, sem a observância dos dispositivos legais da Lei de Licitação e Contratos Administrativos. (v, artigos 81 e seguintes da Lei 8.666/93 e suas alterações).

III - APÓS PARECER DA PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO, DECIDIRÁ SOBRE 0 MÉRITO 0 SECRETÁRIO OU DIRIGENTE MÁXIMO DE CADA ÓRGÃO OU ENTIDADE, DEVENDO O DESPACHO SER PUBLICADO NO DIÁRIO OFICIAL DO MUNICíPIO.

Parágrafo único "...Prescindirão de parecer da PGM os pedidos formulados com amparo nos incisos I e II, do art. 24, da Lei nº8.666, de 21 de julho de 1993".

Todas as etapas anteriores hão de ser cumpridas e antecedem a remessa do processo a PGM.

Qualquer solicitação de Dispensa ou Inexigibilidade de Licitação deve ser antecedida de atos administrativos internos, destinados a verificar sua necessidade, apurar o interesse público a ser atendido, especialmente no plano das características técnicas e econômica do serviço. O Administrador tem o dever de cogitar de todas as soluções possíveis do ponto de vista técnico, econômico e que melhor satisfaça o interesse público.

Questionou-se muitas vezes se as autoridades só se manifestariam após parecer da PGM. Mas por todo o exposto já restou sobejamente comprovado que a questão técnica, o interesse público e outros elementos devem constar da Justificativa, que é ato anterior à análise de ordem legal. A Justificação prévia, é necessária para análise legal dos processos, vez que o Procurador desconhece a situação fática, a qual originou o pedido de Dispensa ou Inexigibilidade.

É exatamente pela Justificativa que o parecerista analisa a situação fática e emite parecer sobre a correlação dos fatos com os dispositivos legais.

Posteriormente, o processo será devolvido à autoridade competente para dispensar, declarar a inexigibilidade, homologando-as, se for o caso, realizar os contratos e ordenar as despesas.

Com estas breves considerações esperamos ter esclarecido os aspectos do Decreto Municipal 9.321/94.

Fortaleza, 22 de agosto de 2000.