O
DIREITO CONSTITUCIONAL À PRIVACIDADE E A JUSTA CAUSA NA QUEBRA DO SIGILO
BANCÁRIO
NILIANE
MEIRA LIMA
Procuradora
da Fazenda Nacional | Pós-Graduada em Direito Constitucional pela Universidade
de Fortaleza - UNIFOR
I. Introdução.
II. Do Direito à Intimidade. Matriz e Abrangência.
III. Sigilo Bancário. Hipóteses de Quebra.
IV. Quebra de Sigilo Bancário e Justa Causa.
V. A Justa Causa da Quebra do Sigilo Bancário nos Crimes de
"Lavagem" e Contra o Sistema Financeiro Nacional. Breves
Considerações.
VI. Conclusão.
I. INTRODUÇÃO.
Com o presente trabalho, buscaremos
fazer sucinta análise acerca da dimensão do direito fundamental constitucional
da intimidade, bem como, para melhor precisá-la, da previsão de uma de suas sua
excepcionalizações, qual seja a de quebra do sigilo
bancário.
Buscaremos demonstrar a consideração de
que, em sendo o aludido direito fundamental possuidor mesmo deste caractere, a
adoção da medida de quebra não deve simplesmente obedecer os requisitos
expostos pelo legislador ordinário, mas, também, a necessidade de justa causa,
que identifique a plausibilidade da mesma, ou seja, a razoabilidade do
sacrifício da amplitude de direito cuja presença é indispensável ao Estado
Democrático de Direito.
Por fim, buscaremos fazer paralelo entre
a necessidade de justa causa acima citada e o questionamento de qual seria sua
medida no caso dos crimes de "lavagem" de bens ou dinheiro e contra o
Sistema Financeiro Nacional, dada a crescente consideração acerca da precisão
dos esquemas que vêm sendo montados para sua prática e a busca do banimento da
impunidade.
II. DO DIREITO À INTIMIDADE.
MATRIZ E ABRANGÊNCIA.
A Constituição Federal de 1988, em seu
art.5º, inciso X, veio estatuir como fundamental o direito à intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas.
O bem jurídico tutelado revela-se, pois,
como sendo o de resguardo à propagação, afora do ser individual que o detém,
dos dados relativos a situações de sua vida pessoal, que, pela amplitude do
preceito, podem ser as mais amplas e diversas. Basta para estar com seu conteúdo
resguardado como dado somente de interesse e afeto ao indivíduo ser a situação
pessoal, que diga respeito à vida privada, à intimidade, à honra ou à imagem da
pessoa.
Não se discute, também, acerca de ser
direcionado o direito suso citado tanto à seara da
subjetividade de pessoa física ou jurídica, vez ser esta, também, propensa às
agressões decorrentes da invasão à sua intimidade.
O direito à intimidade, previsto no
inciso X, vem estatuído, pois, de forma genérica, dizendo respeito ao direito
mesmo do indivíduo de possui aquele arcabouço de dados relacionados a fatos ou
atos que sejam de somente sua disposição.
Por sua vez, o inciso XII do mesmo
artigo prevê o direito-garantia da inviolabilidade de dados, que, visto de
ângulos diferentes, pode ser considerado como contido no genérico direito à
intimidade, vez que somente garantia deste, ou, ainda, como dele complementar.
São justamente os dados, na acepção mais
ampla da palavra, que configuram o arcabouço de informações acerca de uma
situação. Como saber-se dela sem que da mesma se tenha dados
? Desta feita, é mesmo através do acesso a dados de situações que se
chega à individualidade e à intimidade do sujeito sobre o qual versam eles.
Dados são, pois, o resguardo estrutural das informações acerca da intimidade do
indivíduo.
O jurista Alexandre de Moraes traz o
tratamento dispensado ao direito à intimidade e ao direito à inviolabilidade de
dados como sendo eles componentes de um direito mais amplo, qual seja o da
privacidade, a qual, sendo regida pelas diretrizes do princípio da
exclusividade citado por Técio Ferraz , constitui o
direito do indivíduo ao reconhecimento de tudo que lhe é exclusivo, sendo já
assegurado que o mínimo deste consiste nas ocorrências que digam respeito com a
identidade do indivíduo e que, por isso, sendo somente a ele interessantes, não
podem ceder à publicidade que as expõe a análise social e, em conseqüência, a danos.
Passando-se da ontológica consideração
de ser a inviolabilidade de dados elemento ou complemento do direito à intimidade
e, assim, formação do amplo direito à privacidade, há de ser considerada a
derrogação própria do texto constitucional trazida pela parte final do inciso
XII, com a previsão de possibilidade de quebra de tal inviolabilidade de dados
para fins de investigação criminal e instrução processual penal, nos casos
previstos pela lei e com autorização judicial.
Com a adoção da regra da inviolabilidade
de dados, pois, previu-se regra de eficácia limitada estatuindo a possibilidade
de adoção, pela lei infraconstitucional, de hipóteses em que tal direito seria
derrogado mediante ordem judicial.
III. SIGILO BANCÁRIO. HIPÓTESES DE
QUEBRA.
Sendo os dados, como considerado, os
elementos concretos acerca de informações da individualidade do sujeito, que
dirá daqueles consistentes em informações acerca da situação financeira
bancária e fiscal do indivíduo. São, pois, afetas ao resguardo e ao sigilo
protegidos pela constituição tais informações, que, como qualquer outra que
diga com a intimidade do cidadão, estão a salvo do liberado e irrestrito acesso
de outrem.
Outrossim, não se deixa de considerar
estarem tais informações bancárias e fiscal também sujeitas à hipótese
constitucional regulamentada de quebra do sigilo que constitucionalmente,
também, lhe é assegurado. Ressalte-se, porém, que faz parte das determinações
da hermenêutica de princípios constitucionais a consideração de que, quando
aparentemente conflitantes, busque-se a coadunação dos mesmos, o que se faz
mediante o estabelecimento de qual seja o verdadeiro princípio regra - no caso
de análise de regras principiológicas - e a exceção.
É de ser considerado, assim, que em
relação às regras em análise - a que assegura o direito à intimidade e o sigilo
dos dados relativos a seu conteúdo (incisos X e XII, primeira parte, do art.5º
da CF/88) e a que permite a quebra desse sigilo, ou seja, o ingresso na
intimidade do indivíduo (inciso XII, segunda parte, do mesmo artigo) - a regra
constitucional geral e primária é a primeira, qual seja a do direito do
indivíduo à sua intimidade e ao sigilo de dados relativos à mesma, dentre eles
o bancário e o fiscal. De outro lado, a norma autorizadora da quebra do aludido
sigilo, ou seja, de conhecimento por outrem e sem autorização do indivíduo dos
dados relativos a sua intimidade, é regra secundária e daquela derivada, sendo,
pois, excepcional.
A quebra do sigilo da dados, como acima
pincelado, depende de regulamentação de lei infraconstitucional, pois, a teor
da determinação encarnada na previsão da medida pela Constituição, ressaltou-se
que a violabilidade do sigilo dar-se-ia somente por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal.
Em se tratando os dados de informações
relativas à situação bancária do indivíduo, a norma constitucional de eficácia
limitada relativa à possibilidade da quebra de seu sigilo já se encontra
regulamentada. Entende-se, a respeito, pela recepção das disposições da Lei
nº4.595/64, a qual, em face de vir, também, dispondo sobre o Sistema Financeiro
Nacional, foi recepcionada como lei complementar em face do art.192 da
Constituição Federal de 1988 prever tal meio formal para veiculação das
aludidas disposições.
A regulamentação, especificamente, da
quebra do sigilo bancário, está prevista no art.38 da mesma norma, que, dentre
alguns parágrafos, traz, além da hipótese de quebra por determinação de
autoridade judicial ou Comissão Parlamentar de Inquérito (art.58, §3º, da
CF/88), a hipótese de autorização por parte do Poder Legislativo, o que
consiste em disposição normativa não recepcionada pela Carta Constitucional
vigente.
O art.38 citado, em face das elencadas
hipóteses e a forma de quebra do sigilo de dados bancários realmente cumpre a
regulamentação do inciso XII em comento, pelo menos no que diz respeito às suas
disposições.
Relativamente à pessoa legitimada à
determinação da quebra, ressalte-se que, além da autoridade judicial já
encartada no próprio preceito constitucional, temos como admitida a das CPI´s, em face do art.58, §3º, da Carta e, ainda, conforme
entendimento proclamado pelo Supremo Tribunal, do Ministério Público Federal e
Estadual, em face do que dispõe o art.129, inciso VI, da CF/88, regulamentado
pelas disposições da LC nº75/93 (Ministério Público Federal) e Lei nº8.625/93
(Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), que estabelecem a
impossibilidade de oposição de sigilo de dado ao Parquet.
O STF, no julgamento do Mandado de
Segurança nº21.729/DF (DJU 13.08.1993), manifestou-se no sentido de que a
hipótese de determinação de quebra de sigilo ou, mais precisamente, livre
acesso do Ministério Público a dados que, constitucionalmente, estão
resguardados por sigilo, dá-se somente no caso de envolvimento de bem público,
como, p. ex., verbas públicas, em face de não estar prevista tal hipótese no
inciso XII do art.5º, que especificamente regula o direito à inviolabilidade de
dados. A relativização que decorreu no entendimento supra veio da consideração
de que a junção das disposições do art.129, VI, com as do art.37, que prevê a
publicidade e impessoalidade da gestão e do negócio público, permitem o
ingresso a dados, vez que, estando presente nos mesmos a coisa pública, devem
estar revestidos, sim, da necessária publicidade.
Outrossim, também merece destaque o
entendimento de que, envolvendo a situação dinheiro ou bem público, por
exemplo, a possibilidade de acesso do Ministério Público a seus dados adviria
da combinação do art.129, inciso VI, com o inciso XXXIII do próprio artigo 5º
da Constituição Federal, que estatui o livre acesso às informações de interesse
coletivo ou geral em poder de órgãos públicos, como o são aquelas relativas a
negócio que envolva bem público.
Defende-se, nesse passo, que a possibilidade genérica, dentro dos limites da
regulamentação infracosntitucional, de quebra de
sigilo determinada por autoridade judicial ou CPI, está intimamente ligada à
proteção individual da intimidade contida no inciso X do art.5º, razão pela
qual não estaria ela restringida à natureza do bem objeto da informação, o que
não ocorreria com o Ministério Público, vez que, em relação à presença de bem
público, estaria o direito à intimidade relativizado pela publicidade
determinada pelo inciso XXXIII prefalado.
Apesar de relativamente à quebra do
sigilo de dados de posse das instituições financeiras está já regulamentada
pela Lei nº4.595/94, como acima exposto, não é demais assinalarmos sua
previsão, também, agora na Lei nº9.613/98, que dispõe sobre os crimes de
"lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da
utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos na mesma; cria o
Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras
providências.
A referida lei, formulada tendo por base
o sistema de repressão de ilícitos de mesma natureza em outros países, mediante
contatos do Ministro da Justiça Nelson Jobim com a legislação européia sobre o assunto, ao vir tipificando os crimes de
lavagem como o ato de "ocultação ou dissimulação da natureza, origem,
localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou
valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime", sendo este o
enquadrado nos tipos ou gênero de tipo penal descritos em seus incisos de I a
VII, dentre eles os crimes contra o sistema financeiro nacional, veio
estatuindo, também, a obrigatoriedade de prestação de informações por parte das
entidades descritas em seu art.9º, entre elas instituições financeiras,
mediante determinação judicial proveniente de deferimento de requerimento do
Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF - criado pela lei
(art.10, inciso III, Lei nº9.613/98).
Com a disposição supra, quis-se, agora,
estabelecer as hipóteses de quebra de sigilo de dados relacionados com as
atividades das entidades supracitadas (comercialização de jóias,
empresas de arrendamento mercantil, bolsas de valores etc.) e seus clientes que
possam configurar a prática de ilícito consubstanciado na prática do crime de
"lavagem" . Porém, pari passu, em razão de o
crime de "lavagem" ser também considerado como proveniente da
ocultação ou dissimulação da natureza de bem ou valor advindo da prática de
crime contra o sistema financeiro nacional, reforçou-se, no corpo da norma, a
hipótese de quebra do sigilo bancário, inovando-se somente na parte que prevê a
legitimidade do conselho acima mencionado para requerê-la em juízo.
IV. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E
JUSTA CAUSA.
As disposições acerca da possibilidade
de determinação de quebra de sigilo bancário, são, pois, as acima elencadas.
São disposições que, apesar de preverem tal hipótese, têm a infeliz adjetivação
de serem limitadas por elas mesmas no uso de sua competência regulamentar da
Constituição Federal.
Pena serem elas meras tradutoras da previsão da possibilidade de determinação
de quebra do sigilo bancário. Quisera terem as mesmas o condão de estancar toda
a atribuição normativa de regulamentação que a Carta proclamara.
Ao contrário, como dito, as normas
referidas acima vêm somente prevendo a possibilidade da conduta do Poder
Judiciário e das CPI´s (além da hipótese de acesso a
dados por parte do Ministério Público, acima mencionada, que não está contida
nem na Lei nº4.595/64 nem na de nº9.613/98) de determinação da quebra do
sigilo, sem mais especificações acerca das hipóteses ou forma de quebra, sendo
que, muitas vezes, esta fica ao talante da forma determinada pela autoridade
que a determina na realização das diligências práticas.
A respeito, vejamos a redação do art.38,
§1º, da lei nº4.595/64:
"§1º. As informações e esclarecimentos
ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central do Brasil ou
pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em juízo,
se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles Ter acesso as
partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins estranhos
à mesma."
Outrossim, não tece maiores
considerações quanto à medida da quebra a Lei nº9.613/98, se
não vejamos:
"Art.10. As pessoas referidas no
art.9º:
...........................................................................................................................
III - deverão atender, no prazo fixado pelo órgão judicial competente, as
requisições formuladas pelo Conselho criado pelo art.14, que se processarão em
segredo de justiça."
Parece até, caso limitemos nosso
entendimento à amplitude de generalidade dos preceitos supra, estarem eles, no
que pertine à decretação da quebra do sigilo, imunes
a quaisquer requisitos outros, que não aqueles constitucionais formais acerca
da quebra do sigilo. Porém, a conduta nesse sentido envolve a consideração de
premissa ainda mais relevante do que a importância da exceção constitucional ao
sigilo, ora analisada.
Com efeito, a medida de determinação de
quebra de sigilo bancário pressupõe o cumprimento de quesito de natureza
material decorrente justamente de ser ela excepcional. A intenção do legislador
constituinte não foi a de simples coadunação da simultânea existência da regra
da inviolabilidade de dados e da formal quebra de sigilo dos mesmos em
determinadas hipóteses. O que o ordenamento proclama, sim, é a regra suprema do
direito à referida inviolabilidade que, diante de causas justificáveis, pode
ser afastada pela adoção da medida excepcionalíssima de quebra de sigilo de
dados.
As regras legislativas acerca da excepcionalização de direitos fundamentais, editadas por
permissão constitucional, precisam, pois, observar o limite da adequação social
e os princípios da proporcionalidade ou da intervenção mínima do Direito Penal.
Nesse passo, o professor Antônio Magalhães Gomes Filho, citado pelo também
professor e magistrado federal Agapito Machado , comentando a respeito da
quebra de sigilo em relação às comunicações telefônicas, pronunciou-se:
"No Estado de direito democrático as leis que restringem direitos
fundamentais, ainda que por autorização contida na própria Lei maior, devem
atender ao princípio da proporcionalidade ou da justa medida.
Como doutrina Canotilho, uma lei restritiva, mesmo
quando adequada e necessária, pode ser inconstitucional, quando adote cargas
coativas de direitos, liberdades e garantias desmedidas, desajustadas,
excessivas ou desproporcionais em relação aos resultados obtidos.(...) É que,
longe de atender à natureza excepcional da previsão contida na parte final do art.5º,
inciso XII, da CF, a nova lei conferiu-lhe amplitude suficiente para propiciar
o virtual aniquilamento do direito à intimidade, assegurado pela cláusula
constitucional. Com isso, torna-se cada vez mais evidente a distância entre o
modelo grantista de processo penal esboçado pelo
constituinte e a realidade legislativa.".
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal,
inclusive seu Plenário, no controle jurisdicional das medidas judiciárias de
determinação de quebra de sigilo, provindas elas que sejam de órgãos
jurisdicionais ou de CPI, já deixou claro o necessário requisito da "justa
causa" para adoção das mesmas. Nesse sentido, merece transcrição parte da
decisão onde concedeu-se segurança em razão de considerar-se inexistente
qualquer motivação da medida de determinação de quebra por parte de CPI;
vejamos:
MS-23452/RJ, Rel. Ministro CELSO DE
MELLO, Plenário.
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - PODERES DE INVESTIGAÇÃO (CF, ART. 58, §3º)
- LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS - LEGITIMIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL -
POSSIBILIDADE DE A CPI ORDENAR, POR AUTORIDADE PRÓPRIA, A QUEBRA DOS SIGILOS
BANCÁRIO,FISCAL E TELEFÔNICO - NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO DELIBERATIVO
- DELIBERAÇÃO DA CPI QUE, SEM FUNDAMENTAÇÃO, ORDENOU MEDIDAS DE RESTRIÇÃO A
DIREITOS - MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO -
COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
..............................................................................................................................
As Comissões Parlamentares de Inquérito, no entanto, para decretarem,
legitimamente, por autoridade própria, a quebra do sigilo bancário, do sigilo
fiscal e/ou do sigilo telefônico, relativamente a pessoas por elas
investigadas, devem demonstrar, a partir de meros indícios, a existência
concreta de causa provável que legitime a medida excepcional (ruptura da esfera
de intimidade de quem se acha sob investigação), justificando a necessidade de
sua efetivação no procedimento de ampla investigação dos fatos determinados que
deram causa à instauração do inquérito parlamentar, sem prejuízo de ulterior
controle jurisdicional dos atos em referência (CF, art. 5º, XXXV).
- As deliberações de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, à semelhança
do que também ocorre com as decisões judiciais (RTJ 140/514), quando
destituídas de motivação, mostram-se írritas e despojadas de eficácia jurídica,
pois nenhuma medida restritiva de direitos pode ser adotada pelo Poder Público,
sem que o ato que a decreta seja adequadamente fundamentado pela autoridade
estatal.
...............................................................................................................................
MOTIVAÇÃO PER RELATIONEM CONSTANTE DA DELIBERAÇÃO EMANADA DA COMISSÃO
PARLAMENTAR DE INQUÉRITO.
Tratando-se de motivação per relationem, impõe-se à
Comissão Parlamentar de Inquérito - quando esta faz remissão a elementos de
fundamentação existentes aliunde ou constantes de
outra peça - demonstrar a efetiva existência do documento consubstanciador
da exposição das razões de fato e de direito que justificariam o ato decisório
praticado, em ordem a propiciar, não apenas o conhecimento do que se contém no
relato expositivo, mas, sobretudo, para viabilizar o controle jurisdicional da
decisão adotada pela CPI. É que tais fundamentos - considerada a remissão a
eles feita - passam a incorporar-se ao próprio ato decisório ou deliberativo
que a eles se reportou."
Dessa forma, em face de ser a medida de
quebra excepcional, necessita ela de justa causa para sua decretação. Não que a
referida causa seja simplesmente a fundamentação necessária da medida judicial
que a determine em relação às normas que autorizam e prevêem
genericamente a diligência, como o são as ora comentadas.
A motivação necessária às decisões que
determinem a quebra do sigilo bancário, como de qualquer outro, além das acima
citadas (vez que a medida somente pode ser decretada enquanto prevista e
regulamentada pela norma constitucional), são justamente as que digam respeito
a ser, na situação em concreto examinada, justificável a excepcionalização
(o afastamento, a derrogação ou a aplicação de limitação) do direito à
intimidade em face de valores outros da sociedade e do interesse público que
sejam relevantes o bastante, e desde que demonstrados.
Caso contrário, toda e qualquer medida
requerida de quebra de sigilo poderia ser decretada, vez que se consideraria
suficiente a indicação, na decisão, dos dispositivos que prevêem
a decretação da mesma. Dessa forma, toda a sociedade, indiscriminadamente,
estaria sujeita à violação de sua privacidade que, desde a origem de sua
determinação, independentemente de realmente existir ilícito praticado por este
ou aquele indivíduo, já estaria acoimada pelo vício da ilicitude de prova,
tendo em vista a leviandade decorrente da não análise específica do caso
relacionado.
As observações acerca do princípio da
proporcionalidade determinado ao legislador na fabricação das medidas
regulamentadoras da excepcionalização permitida dos
direitos fundamentais, na análise em espécie, transfere-se na pessoa do
aplicador do direito em determinação de obrigação de cumprimento da combinação
existente entre o princípio do direito à intimidade (prévio, originário e
genérico) e o princípio da presunção do estado de inocência, também direcionado,
além de sua forte influência na decretação das medidas cautelares de privação
da liberdade, às medidas determinadoras de provas que, para serem obtidas,
necessitam do ingresso em esferas outras do indivíduo além da liberdade, p.
ex., na intimidade que, sendo banalizada, fragiliza, de modo considerável,
aqueloutra.
É por tais razões que se coloca a
celeuma da necessidade de justa causa e o sistema normativo acerca da quebra do
sigilo. É que, já partindo-se da indiscutível necessidade de justa causa
material para que a mesma seja decretada, as normas que a regulamentam, como
acima já frisado, nada dizem a respeito do que seja a referida justa causa.
A legislação regulamentadora da
interceptação telefônica, Lei nº9.296/96, expressamente vem trazendo, em seu art.2º,
os casos em que a medida respectiva não pode ser deferida. Além dos inciso II e
III, de natureza mais formal, estabeleceu-se norma relativa à justa causa
material como requisito da medida, qual seja a não admissão de interceptação
quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração
penal, ou seja, quando não haja a presença de fatores que, sendo também
necessários à relativização, através de medidas processuais, do princípio da
presunção do estado de inocência, servem-se, em decorrência disso, para também
justificarem a adoção de medida refletora da relativização de um princípio
constitucional fundamental.
Por sua vez, no que pertine
às normas de quebra de sigilo bancário, a lei não traz o que se deva considerar
como justa causa. Prevê a hipótese de requerimento e decretação da medida, a
obrigatoriedade de processar-se em sigilo e não mais considerações.
O problema não é somente afeto à
legislação brasileira. Registrando o mesmo fato em relação às legislações alemã
e italiana, Antônio Magalhães Gomes Filho, na mesma citação feita pelo
professor e magistrado federal Agapito Machado ,
salienta a existência de critérios variantes que vem sendo tomados como
estabelecedores de destino à verificação de se configurar a justa causa no caso
em análise, dentre eles a gravidade de certos delitos ou a forma particular de
execução que impeça a existência de outro meio de colher a prova.
Cremos que na análise do pleito acerca
da quebra do sigilo bancário deve-se, de certo, atentar para a necessidade de
demonstração da existência ou inexistência da justa causa que a determine.
Primeiro tendo-se em conta a necessária demonstração do por que adotar-se
excepcional medida, frente aos princípios originários do direito à privacidade
e da presunção do estado de inocência. Segundo, pelo lado formal da conduta, em
face da necessária motivação das decisões judiciais e tomadas pela CPI´s, a teor do que preceitua o art.93, inciso IX, da
Constituição Federal.
Acerca dos critérios determinadores do
que seja a justa causa, embora melhor fosse sua indicação pelas leis que
regulamentam a medida citada, mesmo que genericamente e até para o mais
acessível controle das decisões, cremos que a análise irá esbarrar na
necessidade de exame desse ou daquele critério conforme a especificidades do
ilícito que envolva.
Inicialmente, consideramos que,
genericamente, a intromissão na privacidade do indivíduo tenha que ser
plausível, como já dito. E tal plausibilidade não entendemos como estar
presente caso inexistam elementos que demonstrem a existência de indícios da
ocorrência ilícito relativo à prova que se pretende colher. É partindo-se dessa
premissa básica - existência de indício de ilícito - que entendemos residir a
possibilidade de êxito positivo da análise do pleito de quebra.
O fato é que existindo indício de ilícito demonstrado relativiza-se o princípio
da presunção do estado de inocência e, frente ao interesse público e princípios
de pacificação social pela busca da erradicação da impunidade, permite-se a
concretização da relativização, também, do princípio do direito à
privacidade/intimidade através de medidas invasoras de dados a ela relativos.
Outrossim, partindo-se já da existência
do indício de ilícito, outros critérios devem ser considerados, quais sejam a
impossibilidade de colher-se a prova indispensável por outro meio (seja pela
natureza do crime ou forma de execução); a gravidade da suposta conduta
ilícita; e a urgência preclusiva do colhimento da prova.
V. A JUSTA CAUSA DA QUEBRA DO
SIGILO BANCÁRIO NOS CRIMES DE LAVAGEM E CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.
BREVES CONSIDERAÇÕES.
Embora se tenha tratado, mesmo que por
premissas que entendemos básicas, acerca da necessidade de demonstração de
justa causa na medida que decrete a quebra do sigilo bancário, e mesmo já tendo
sido assinalado acerca de ser curial a adequação da análise dos critérios
determinadores da verificação de existência de justa causa de acordo com o fato
em concreto que se examine, vislumbramos a indispensabilidade das considerações
sobre os crimes contra o sistema financeiro nacional e o crime de lavagem .
A tipificação dos delitos acima citados,
notadamente os crimes contra o sistema financeiro nacional (pode-se afirmar com
mais veemência em face do lapso de tempo da edição da lei) ,
embora tenha sido medida indispensável como meio de busca de regulação - no
sentido de moralização - do Sistema Financeiro Nacional, não contavam com as
dificuldades de eficácia e aplicação decorrentes da astúcia que envolve a
prática dos delitos respectivos. É, hoje, quase característica de tais tipos
penais a marca da perda da identificação da cadeia de execução pelo registro de
condutas simultâneas ou sucessivas, além de contar os mesmos, em sua grande
parte, com o pretensamente sustentável erro sobre a ilicitude dos fatos ou
mesmo a aceitável ignorância de ser o fato, como praticado, ilícito, providos
da participação de indivíduos que já foram cognominados de
"laranjas", comumente necessários à prática do fato (é justamente a
referida ignorância ou aparente inocência de intenções que é buscada em
indivíduos, para assim serem "usados" e de forma que, aparentemente
sendo os principais beneficiários da conduta ilícita sejam, numa primeira
análise, os considerados como autores da mesma. Outrossim, caso obtenha êxito a
empreitada ilícita, seja pela ignorância total ou pela satisfeita por uma
recompensa pela participação, tais indivíduos não vêm a imputar como seu todo o
resultado da operação, embora formalmente lhe pareça de "direito" ).
O fato é que a par da existência dessas
condutas "ocultas", verificou-se estarem elas, na quase totalidade
das vezes, encobertas pelo resguardo ao sigilo de dados constitucionalmente
assegurado em vários países. Pari passu, passou-se a se verificar a evolução da
legislação no sentido da relativização do direito respectivo - direito à
privacidade/intimidade - assim como aconteceu com a legislação brasileira,
através da previsão da quebra.
No caso dos Estados Unidos, o governo
federal, buscando alargar os campos da adoção de medidas no sentido
supracitado, ofereceu pressão ao paraíso fiscal de Cayman, tendo sido com o
mesmo assinado acordo em 1984 suspendendo o sigilo bancário sempre que
apresentados indícios de envolvimento com o tráfico de drogas. Em 1986 novo
acordo foi firmado com os Estados Unidos prevendo a facilitação do exame de
contas bancárias de pessoas implicadas em fraude, suborno, uso de informação
privilegiada e outros crimes do tipo .
As medidas com o fim de impedirem a
perpetração da impunidade, em face das condutas de difícil acesso acima
citadas, vêm variando entre imaturos e bem intencionados sistemas de controle
preventivo, a exemplo da criação do COAF, sistema acima mencionado, pela Lei
nº9.613/98 , que funcionam através da troca de informações
entre repartições públicas, como o Banco Central, e as instituições
financeiras; e medidas repressivas, que são justamente as relativas à quebra do
sigilo.
Como em qualquer outro crime, conforme
acima assinalado, está-se diante, para a decretação da medida de quebra,
sujeito à análise de verificação de existência de requisitos formais e
materiais, sendo estes os consistentes na formação da justa causa necessária.
Citamos como sendo requisito genérico e básico a análise de demonstração de
indício de ilícito penal para que seja decretada a quebra.
Porém, questionamo-nos acerca de, no que
pertine aos crimes contra o SFN, precisar ou não a
justa causa acima citada ganhar novas nuanças. É que nos crimes aludidos e
notadamente quando sua prática se configura de relevante gravidade, em face de
envolver vultosas quantias ou valores em bens, vem se notando a constante de
situações "aparentes" ou "esquisitas", onde já nos
espantamos diante da interrogação, p. ex., acerca de como ser possível uma
pequena empresa de prestação de serviços haver efetuado remessa de divisas ao
exterior representadas por soma em dinheiro elevada e totalmente incompatível
com seus capital e porte.
Basicamente, em razão de toda essa
maneira de exteriorização de condutas no mundo dos fatos, deixando-se encoberta
justamente a nota que lhes acoima de ilícitas, é que se coloca a dificuldade de
punição dos sujeitos envolvidos na prática delituosa respectiva. No caso do
crime de "lavagem" decorrente da remessa de dinheiro ao exterior sem
a devida autorização, em resumo simplificado da teia que circunda o delito, o
mesmo pode ser configurado justamente com a remessa do dinheiro, que se faz
através de operações bancárias de transferência. Como, pois, ter-se indício
prévio de um crime como este, quando o acesso a qualquer indício a ele relativo
já se revestiria do necessário uso de dados relativos à privacidade do(s)
titular(es) da(s) conta(s) bancária(s) por meio da(s) é perpetrado o ilícito ?. Dessa feita, como se poderá obter a quebra do sigilo bancário
caso a mesma tenha por pressuposto indício de crime se o próprio indício
somente poderia ser visualizado por meio da referida quebra?
É nesse diapasão, pois, que nos vêm como
relevantes as situações aparentes acima descritas, ou seja, aquelas situações
que, por si, não revelam indícios de crime no modo como são apresentadas à
sociedade, mas que carregam conteúdo de ausência de razão nos dados que a
compõe, fazendo-se cogitar da existência de ilícito. Por sua vez, o indícios de
ilícito existente em tais situações, por conta de genericamente estarem
protegidas constitucionalmente pelo sigilo, somente podem ser adquiridos
através de sua quebra, que, para ser decretada, no comum já se exige a
demonstração de indício de ilícito prévio.
Cremos que, nessa ordem, comprovada a
existência de situações com as aparências acima citadas, instaura-se a crise do
risco da impunidade decorrente da impossibilidade de quebra do sigilo em face
da ausência de prévio e comprovado indício de crime.
Os elementos a serem tomados como
abrandamento da exigência acima citada, em relação à necessidade de indício
para a quebra (a exemplo do considerado acima a respeito da necessidade de
adequação da análise a cada caso), cremos que serão, caso existam, os que a
jurisprudência irá demonstrar. Critérios como a estranheza de situações em que
se aponte a existência de ilícito somados à impossibilidade de busca da prova
por outro meio e à sua urgência poderão tomar espaço como fundamentadores das
determinações de quebra. Porém, ainda será preciso à jurisprudência, ante a
inércia da lei, buscar demonstrar em que medida tais critérios, aliados ao
interesse público supremo de pacificação social - perpetrado, também, através
de medidas de combate à impunidade - são suficientes para deixar irrelevante a
existência de indício prévio para a decretação da quebra do sigilo bancário.
Dessa forma, estará sendo buscada, mais
uma vez, a evolução das medidas de relativização do direito à privacidade dos
indivíduos, as quais vão se tornando mais especializadas, necessárias e afoitas
diante dos estratagemas que se vêm descobrindo com o fim de praticar-se o
ilícito, tão presentes nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e nos de
"lavagem". Deve-se buscar, porém, dosagens no enlarguercimento
de tais medidas, a fim de que, com a irrestrita invasão não permitida de sua
intimidade, não pague o cidadão inocente pelas astúcias dos criminosos.
IV. CONCLUSÃO
Buscamos demonstrar, nesse sucinto
trabalho, acerca da importância e da amplitude do direito constitucional à
intimidade, em razão somente de assim estar encartado no ordenamento jurídico
pátrio e, também, ser o pressuposto de efetividade de direitos outros
garantidos constitucionalmente, como o da liberdade, o da propriedade etc.
Outrossim, em face da inexistência e da prejudicialidade de considerações sobre ser absoluto
qualquer direito, ressalta-se a importância, para a pacificação social mediante
a repressão a atividades criminosas, das medidas de quebra de sigilo,
posicionadas como exceções ao direito acima referido e que, por serem exceções,
necessitam de um motivo para serem adotadas - a justa causa.
Cremos, como exposto, que deve basear-se
a justa causa, primeiramente, na existência de indício de ilícito previamente
configurado, em face das determinações decorrentes do direito à intimidade e do
princípio da presunção do estado de inocência. Por outro lado, relativamente á dimensão da justa causa, não negamos a necessidade de sua
evolução frente aos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e os crimes de
"lavagem", vez serem afetas a eles a conduta dos criminosos mediante
a utilização justamente dos meios acobertados pelo direito ao sigilo de dados.
Dessa forma, urge, frente à necessária
busca da repressão à impunidade (básica à premente e indispensável finalidade
de pacificação social como dever do Estado) e ao "basta!" que se
escuta da sociedade, a melhor análise e reformulação de critérios que permitam
mesmo o acesso a dados, quando não estejam prontos indícios de crime, mas, sim,
estejam configuradas situações de elevada suspeita de sua existência e a ela
estejam aliados requisitos outros, tudo sempre tendo em consideração do risco
de condenação do inocente à entrega irrestrita de seu direito à intimidade em
decorrência da ação de criminosos.
Atribuímos o labor acima citado, com o
silêncio da lei a respeito, à ação da jurisprudência pátria, que, com o auxílio
dos brilhantes juristas que a compõe, com certeza lembrarão do dever de baterem
com a preciosa questão existente entre a dimensão do direito constitucional à
intimidade e os limites e requisitos das medidas que o excepcionalizam
na busca da repressão ao crime.