OS PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ E A DIFÍCIL TAREFA DE JULGAR

WALBER SIQUEIRA VIEIRA.

Advogado; Coordenador do Departamento Jurídico da Fundação da Criança e da Família Cidadã - FUNCI; Aluno do V Curso de Aperfeiçoamento de Magistrado promovido pela Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará - ESMEC, em parceria com a Universidade Federal do Ceará - UFC, Fundação Paulo Bonavides, Banco do Nordeste do Brasil - BNB e Companhia Energética do Estado do Ceará - COELCE e ex - Estagiário da Procuradoria Geral do Município de Fortaleza - PGM

"O juiz na realidade, é a alma do processo jurídico, o artífice laborioso do direito novo contra as fórmulas caducas do direito tradicional."
( Jean
Cruet. )

A
moderna doutrina processual, tendo a frente figuras do mais alto quilate, como Eduardo Coutoure, Betti, Moacir Amaral dos Santos, advoga que o verdadeiro desiderato do processo é dirimir o conflito de interesses postos `a apreciação do Poder Judiciário.

O processo possui uma dupla finalidade: uma, de natureza pública e outra, privada. Esta, quando objetiva solução da lide; aquela quando a prestação jurisdicional do Estado - Juiz tenha por desiderato trazer a paz no âmago da sociedade.

A regra inculpida nos ditames do art. 130 da nossa atual Lei Adjetiva Civil traz a visão social do processo através dos chamados poderes instrutório gerais do juiz.

Senão vejamos:

Art. 130 "Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias."

Um consectário lógico e inarredável desta moderna doutrina seria a libertação do juiz na busca da verdade real, do justo.

Dormita no supramencionado artigo a autorização para que o juiz possa pesquisar, objetivando a ampla investigação da verdade real para constatar da veracidade das provas produzidas pelas partes.

Antigamente, isto não era possível.

Na visão privatista do código de 1939, o social estava nitidamente isolado. O juiz encontrava - se adstrito `as provas que as partes carreavam ao bojo do processo, devido ao caráter individualista da época.

Hoje, entretanto, o magistrado tem todo o espaço para a busca de provas inclusive, se for o caso, tem prerrogativa de determinar de ofício todo e qualquer tipo de material probatório que julgue importante para a formação de seu convencimento.

Com a excelsa autoridade que lhe é peculiar, o Min. do STJ, Sálvio de Figueiredo Teixeira, preceitua com maestria:

"O juiz pode assumir a posição ativa, que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça, é certo, com imparcialidade e resguardando o princípio do contraditório. Tem o julgador iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como, por exemplo, quando esteja diante de causa que tenha por objeto direito indisponível (ações de estado), ou quando o julgador, em face das provas produzidas, se encontre em estado de perplexidade ou, ainda, quando haja significativa desproporção econômica ou sociocultural entre as partes."

O juiz, com os seus poderes instrutórios, não é mais um mero espectador do processo. Sem azo de dúvidas, passou a ser um protagonista deste processo atuando como um grande agente de transformação social.

A aplicação dos poderes instrutórios do juiz traz a solução para o litígio de uma forma mais justa no atendimento dos anseios da sociedade. E é no interrogatório das partes onde o poder instrutório do juiz se faz mais presente.

Mas, como compatibilizar a existência em uma mesma sistemática processual de poderes dispositivos ( art. 333, I e II - CPC ) com poderes instrutórios do juiz ( art. 130 CPC ) ?

Na verdade esta aparente contradição entre os art. 130 e art. 333, I e II, não existe, pois se conclui que o art. 333 nada mais é que a complementação do colorário do chamado Princípio Dispositivo da Demanda, ou seja, se eu provoco a atividade jurisdicional do Estado - Juiz tenho que expor os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido porque isto constitui o Princípio da Substanciação da Lide .

O que o art. 333 do CPC exige do autor é que este prove o fato constitutivo de seu direito através dos elementos probatórios. O autor, desta forma, comprovará que o direito que alega é existente. Por sua vez, o réu, ao se contrapor ao pedido do autor, através da contestação ou nas contraposições previstas pela Lei do Juizados Especiais, deverá provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Portanto, todas estas especificações previstas no art. 333, do CPC, as quais estão, umbilicalmente, ligadas ao Princípio Dispositivo ou da Demanda, não afetam em nada o estabelecido no art. 130 do mesmo diploma legal. Se o autor não indicar elementos probatórios da existência dos fatos alegados em sua proemial, a sua petição será considerada inepta e, portanto, inviável a receber a chancela jurisdicional da admissiblidade.

O magistrado, sem perder essa imparcialidade necessária e imprescindível tão exigida, deve buscar a verdade real usando os seus poderes instrutórios sem, no entanto, vulnerar os aspectos constantes no art. 333 do CPC, onde está o Princípio da Dispositividade.

É o que exatamente advoga o grande jurista NELSON NERI dizer que o "poder instrutório do juiz, principalmente de determinar ex officio a realização de provas que entender pertinente, não configura como exceção ao princípio dispositivo."

A técnica hermenêutica do sistema mantém os poderes instrutórios do juiz em perfeito equilíbrio com os princípios da dispositividade ¾ característica que melhor reflete o nosso sistema processual ¾ e do ônus da prova.

O juiz, inclusive, tem o poder de indeferir toda e qualquer prova que achar inútil, tudo em prol da mais cristalina justiça, velando, assim, pela rápida e justa solução da lide, tendo como bússola, quando da prolação de sua sentença, o interesse social.

Lília Maia de Morais, vencedora do I Concurso de Monografias sobre o Poder Judiciário promovido pela Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará - ESMEC. 1998. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará através da monografia intitulada " O Poder Judiciário e os Desafios do Estado Contemporâneo.", nos explica que:

"A história da magistratura revela grande complexidade posto que, para o seu entendimento, é necessário o conhecimento da evolução das sociedades humanas, da complexidade crescente das organizações sociais, das diversas formas e sistemas de governo e todas as situações estabelecidas através dos tempos. Todos esses fatores influenciaram no papel da magistratura através da história e, consequentemente o papel do juiz no mundo atual."

Já o ilustre Senador da República e prof. emérito da Universidade de Brasília, Dr. Josaphat Marinho, em artigo publicado pela " REVISTA DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS JURÍDICAS", com muita propriedade, leciona:

"É a tarefa criadora, que completa a lei ou lhe dá nova dimensão, para mantê - la contemporânea da realidade sobrevinda. A luz da conveniência social de evitar que a vida em mutação constante esgote o conteúdo da norma, o juiz a estende, mediante interpretação construtiva, as situações antes imprevisíveis, mas que se enquadram no cerne da matéria originariamente regulada. Sem negar - lhe a substancia ou espírito, o juiz insufla vitalidade à norma, para conservá - la portadora de eficácia real, até que o legislador emita outro instrumento disciplinante adequado, ou inovador."

Nesse passo, recorremos novamente aos ensinamentos do grande Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, desta vez em artigo intitulado "O Aprimoramento do Processo Civil Como Pressuposto de Uma Justiça Melhor."

"Sente-se no ar, porém, um sopro de renovação participando de uma justiça "mais enferma que culpada", os magistrados brasileiros estão mudando. Não mais se limitam à função de julgar, e prestigiados pelo novo texto constitucional, buscam integrar - se na sociedade a que servem, compreender o fenômeno social na sua origem e contribuir para a melhoria do mecanismo judicial. Daí as esperanças que o povo nos juizes está a depositar, sem embargos das notórias deficiências do nosso aparelho judiciário."

Em arremate final a estas breves considerações sobre o assunto, a belíssima passagem muito bem escrita pelo Magistrado Francisco José Soares em seu livro " O OFÍCIO JUDICIAL - VOTOS E SENTENÇAS."

"De Santo Ivo, patrono do juristas, diz ter sido tão virtuoso quanto arguto. Perante ele, relata a tradição, um rico senhor demandou contra um pobre operário, cobrando - lhe indenização por haver usufruído os suaves odores de sua bela colina. O santo julgador reconheceu - lhe a procedência do pedido, condenando o pobre a lhe pagar uma moeda de ouro. Recebeu a moeda e - la tilintar sobre a mesa, e quando o rico ia apanhá - la com a ganância sôfrega dos avarentos, Santo Ivo obstou - lhe o gesto, declarando que aquele som provocado pela moeda era o bastante para compensar o aroma das flores que o pobre havia aspirado."

BIBLIOGRAFIA.

GONÇALVES, Willian do Couto. Revista de Direito Processual n.º 60, Ano 15. Pág. 185.

MARINHO, Josaphat. A Função de Julgar e a Constituição, "Revista da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Ano VIII. n.º 6. Rio de Janeiro, 2º Semestre de 1994. pág. 174.

SOARES. Francisco José. O Ofício Judicial - Votos e Sentenças. Ed. UNIFOR. Fortaleza - Ceará. pág. 21.

JUNIOR. Nelson Nery e Rosa Maria Andrade Nery. Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor.

TEIXEIRA. Sálvio de Figueiredo. Atualidades Jurídicas. O Aprimoramento do Processo Civil Como Pressuposto de Uma Justiça Melhor." Ed. Del Rey. Belo Horizonte. Ano Centenário da Faculdade de Direito, pág. 134. 1992.

___________________________. Revista dos Tribunais - RT, 729/155.