DA
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DAS MEDIDAS RECESSIVAS FACE AO PRINCÍPIO DA
BUSCA DO PLENO EMPREGO
LEOPOLDO
FONTENELE TEIXEIRA
Aluno
do 6º semestre da Universidade Federal do Ceará | Estagiário da Procuradoria
Geral do Município de Fortaleza
"Nenhum de nós é tão pouco
esclarecido que ignore que, quando cessam a força das Leis e a autoridade de
seus defensores, não pode haver nem Segurança nem Liberdade para ninguém"
Jean Jacques Rousseau
1) INTRODUÇÃO
É sabido que o desemprego é, atualmente, uma das grandes preocupações mundiais.
Com efeito, a crise do emprego que antes atingia com maior intensidade os
países chamados subdesenvolvidos, hoje atinge indistintamente países ricos e
pobres.
Com a globalização da economia, o mercado se tornou mais competitivo, pois a
concorrência entre as empresas, que anteriormente se dava com maior ênfase
internamente em seus países de origem, se estendeu a uma escala planetária.
Essa disputa internacional acaba por provocar uma realidade cruel, qual seja
aquela em que somente as empresas que conseguirem produzir mais, a um custo
menor irão sobreviver. A saída utilizada por tais corporações tem sido a
aplicação de tecnologia, com conseqüente redução do
número de postos de trabalho, como acontece quando uma máquina substitui, de
maneira mais eficiente, a mão-de-obra de diversos homens.
Em semelhante conjuntura, os governos ditos neoliberais, tais qual o nosso, vêm
adotando políticas que, visando à estabilidade econômica e ao crescimento da
economia, acabam por provocar recessão e, por conseguinte, o agravamento do
desemprego.
Inicialmente, este trabalho versará sobre o conceito de controle da
constitucionalidade, inclusive no tocante a seu aspecto formal e material.
Esta parte inicial servirá como subsídio para um posterior exame acerca da
constitucionalidade ou não das medidas recessivas tomadas pelo atual governo
brasileiro, tendo em vista a inserção do Brasil nesse fenômeno que hoje nos
afeta de maneira inegável : a globalização.
Espera-se, no decorrer desta análise, conseguir desenvolver da maneira mais
clara possível tema tão empolgante, visto que o desemprego será um dos grandes
desafios da humanidade no novo milênio.
2) CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE
O controle de constitucionalidade das
leis e atos normativos do poder público representou um momento de fundamental
importância para a afirmação do Estado Democrático de Direito. Esse controle de
constitucionalidade tem como pressuposto um sistema de Constituições rígidas ,
pois a partir deste haverá um escalonamento de normas, o qual permitirá uma
distinção entre lei constitucional, fruto do poder constituinte , e leis
ordinárias , fruto do poder constituído , garantindo assim à Constituição uma
supremacia formal e material frente às demais normas do ordenamento.
Constituições rígidas são aquelas que necessitam de um processo especial de
revisão, processo este muito mais solene quando comparado ao processo de
revisão aplicado às leis ordinárias. Esse processo solene de revisão
proporciona às normas constitucionais maior rigidez e estabilidade do que às
leis ordinárias, já que essas são facilmente alteradas.
"O órgão legislativo, ao derivar da Constituição sua competência, não pode
obviamente introduzir no sistema jurídico leis contrárias às disposições
constitucionais: essas leis se reputariam nulas, inaplicáveis, sem validade,
inconsistentes com a ordem jurídica estabelecida."
O professor Márcio Augusto de Vasconcelos Diniz apresenta a natureza jurídica
do controle de constitucionalidade, senão vejamos:
"A análise dos pronunciamentos, jurisdicionais e doutrinários, acerca do
controle de constitucionalidade, revela um aspecto comum a todos eles, que
constitui a nota essencial dessa técnica de defesa da Constituição: controle
jurisdicional da regularidade dos atos normativos dos poderes públicos, no que
se refere à sua forma e conteúdo, bem como no que toca à competência de cada
órgão para praticá-lo."
Se não houvesse um controle de constitucionalidade, a supremacia da
Constituição restaria prejudicada, pois o legislador ordinário poderia
facilmente alterar as normas constitucionais , fato este que prejudicaria a
vantagem que a Constituição rígida oferece, sobretudo, à garantia dos direitos
enumerados na Carta Magna., estando pois o fundamento do controle de
constitucionalidade das leis no princípio da supremacia da Constituição.
3) CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
FORMAL E MATERIAL
O controle de constitucionalidade pode ser
formal ou material. Diz-se que o controle é formal quando o objetivo do mesmo é
verificar se a lei ou ato normativo foram elaborados de acordo com a
Constituição, se foram seguidas as formas estabelecidas pela Lei Fundamental,
se não foram invadidas competências, entre outras formalidades que devem ser
seguidas pelo legislador ordinário no momento de elaboração das leis.
Enquanto o controle formal é um controle pura e simplesmente técnico, se
preocupando somente com o acatamento às formas constitucionais, o controle
material se preocupa com o conteúdo; com a substância da norma.
No controle material, busca-se uma compatibilização da lei ou ato normativo
ordinários, com os cânones da Constituição, com seus princípios políticos
fundamentais.
"Essa incompatibilidade vertical de
normas inferiores (leis, decretos, etc.) com a Constituição é o que,
tecnicamente, se chama inconstitucionalidade das leis ou atos do Poder Público,
e que se manifesta sob dois aspectos: (a) formalmente, quando tais normas são
formadas por autoridades incompetentes ou em desacordo com formalidades ou
procedimentos estabelecidos pela Constituição ; (b)
materialmente quando o conteúdo de tais leis ou atos contraria preceito ou
princípio da Constituição."
5)MEDIDAS RECESSIVAS
EM OPOSIÇÃO À BUSCA DO PLENO EMPREGO
A Constituição de 1988, em seu Título
VII ( DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA) e dentro do Capítulo I ( DOS PRINCÍPIOS
GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA), diz no art.170 que a ordem econômica, fundada
na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar
a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados
nove princípios, dentre os quais se encontra "busca do pleno
emprego".
Como foi visto na parte inicial deste trabalho, o desemprego hoje é um fenômeno
mundial e o Brasil está inserido nesse contexto. Desde que o então presidente
Fernando Collor de Melo iniciou a abertura do mercado brasileiro aos produtos
importados, acabou por iniciar a inclusão do Brasil na competição global; competição
esta que gerou diversos benefícios, mas também trouxe consigo variadas conseqüências negativas à economia brasileira, dentre elas
o desemprego.
Visando à estabilidade do Plano Real ( atualmente ameaçada, tendo vista a volta
da inflação e a desvalorização em relação ao Dólar) e também com o objetivo de
evitar a evasão de reservas (leia-se fuga do capital especulativo ou virtual) o
governo vem adotando diversas medidas de caráter recessivo, dentre elas: o
aumento dos juros ( com o objetivo de tornar a economia brasileira atraente ao
investidor internacional, o qual, pelo menos em tese, tendo em vista a grande
margem de lucro proporcionada por taxas de juros estratosféricas, assume o
risco de deixar o seu capital aqui investido); aumento da carga tributária (já
extremamente excessiva), enxugamento da máquina administrativa, privatizações,
entre outras.
São nítidos os efeitos recessivos de tais medidas, pois ou colocam diretamente
o brasileiro no desemprego, como por exemplo as demissões que tem por causa as
privatizações, ou indiretamente, tal como acontece com elevação nos juros, que
se por um lado diminuem o consumo inibindo a inflação, por outro causam
endividamento das empresas, as quais não só deixam de tomar empréstimos que
permitiriam aumentar a produção, fato este que traria benefícios à economia,
como demitem funcionários, visando ao corte de despesas (fundamental numa
economia globalizada, onde a concorrência deixa de ser local para atingir
extensão mundial).
Como foi visto, a busca pelo pleno emprego constitui um dos princípios da
Ordem Econômica ( art. 170, VIII, CF/88 ), ordem esta que tem como um de seus
fundamentos a valorização do trabalho humano.( art.170, caput, CF/88). Será
necessária uma rápida explicitação do que significa o fato de a ordem econômica
ter como fundamento a valorização do trabalho humano e ter como um de seus
princípios a busca pelo pleno emprego.
A Ordem Econômica tem como um de seus fundamentos a valorização do trabalho
humano. Sobre esse fundamento, as palavras de José Afonso da Silva :
"... Em segundo lugar significa que, embora capitalista, a ordem econômica
dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da
economia de mercado."
Com relação ao princípio da busca do pleno emprego, antes de dar sua definição
é necessário lembrar que pelo fato de ser um princípio, tem a capacidade de
direcionar a atividade produtiva rumo à busca do pleno emprego.
Por pleno emprego, entende-se o fato de a economia propiciar meios, para que
aqueles que estiverem em condições de prestar uma atividade produtiva possam
realizar tais atividades, com isso auferindo determinada contraprestação
pecuniária, a qual garantirá sua subsistência e acesso necessário a bens da
vida, que, por sua vez, permitirão uma existência condizente com a dignidade da
pessoa humana.
Novamente, tomar-se-ão emprestadas as palavras do eminente mestre :
"A busca do pleno emprego é um
princípio diretivo da economia que se opõe às políticas recessivas. Pleno
emprego é expressão abrangente da utilização, ao máximo grau, de todos os
recursos produtivos. Mas aparece, no art.170, VIII, especialmente no sentido de
propiciar trabalho a todos quantos estejam em condições de exercer uma
atividade produtiva....Ele se harmoniza, assim, com a
regra de que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho
humano...Quer-se que o trabalho seja a base do sistema econômico, receba o
tratamento de principal fator de produção e participe do produto da riqueza e
da renda em proporção de sua posição na ordem econômica."
É chegada a hora de discutir-se até que
ponto tais atitudes do atual governo , no que tange ao
emprego, são constitucionais ou não.
Viu-se na segunda parte desse trabalho que o controle de constitucionalidade
pode ser feito por dois aspectos: controle formal e controle material.
Sob o ponto de vista formal, as atitudes do governo, em geral, são
constitucionais . Constitucionais porque já que o controle de
constitucionalidade sob o ponto de vista formal é puramente técnico, levando em
conta formas de elaboração e aprovação de leis ou atos normativos e
competências para realizar tais atos, as medidas tomadas pelo governo não ferem
a Constituição nesse aspecto.
A grande questão é saber se sob o ponto de vista material, as medidas tomadas
pelo governo são ou não constitucionais. O controle material é aquele que não
leva em conta formas de elaboração, mas sim o conteúdo das normas, tendo um
caráter político-valorativo
Pode-se dizer que da maneira como está a conjuntura sócio-econômica
brasileira, as medidas tomadas pelo governo são flagrantemente
inconstitucionais quando analisadas sob o ponto de vista material, pois ao
passo que a cada dia surgem mais e mais desempregados e a economia entra em
recessão( o que provoca uma saturação do mercado, o qual deveria absorver a
massa de desempregados), percebe-se que as atitudes do governo vão de encontro
ao princípio da busca do pleno emprego.
Porém, como foi dito no parágrafo anterior, as atitudes do governo são
inconstitucionais tendo em vista a imediata conjuntura sócio-econômica
nacional, ou seja, é uma análise a curto prazo. A longo prazo, segundo análises
do governo, as quais são constantemente divulgadas pela imprensa, todas essas
medidas recessivas são necessárias para que haja um "crescimento sustentado"
da economia, que, por sua vez, reverterá a fase atual na medida em que: as
empresas retomariam a produção, portanto gerando empregos suficientes;
aumentariam os investimentos estrangeiros, o que provocaria uma redução nos
juros; resumindo, o Brasil entraria num ciclo economicamente favorável.
Vê-se que o governo justifica suas ações com base no futuro, o que em tese
proporcionaria um caráter de constitucionalidade material às suas medidas.
Porém, quem pode garantir que não haverá uma crise mundial, a qual colocaria
tudo a perder? Além disso, para que haja esse ciclo favorável, é fundamental
que haja investimento externo e, como se sabe, esse investimento depende da
confiança que o investidor tem na economia brasileira. Ora, a dívida interna
brasileira atinge( devido aos altos juros , a gastos
desnecessários e aos erros no sistema ) cifras astronômicas que afastam o
investidor internacional, o qual teme o chamado "calote". Para atrair
a confiança do investidor, seria necessário equilibrar as contas, o que só será
possível através das reformas tributária, política, do judiciário, da
previdência, entre outras, nas quais governo parece não estar conseguindo
êxito.
É por essas razões que neste trabalho se defende a inconstitucionalidade
material das medidas adotadas pelo governo, pois nem o povo e nem a ordem
jurídica, representada pela Constituição, podem suportar tais medidas, sob pena
de voltar-se à época em que os reis encarnavam os Estados, a lei era a vontade
real e o povo, sujeito as mais repugnantes arbitrariedades, era relegado a
plano secundário.
6) CONCLUSÃO
A Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 170 caput, diz que um dos
fundamentos da ordem econômica é a valorização do trabalho humano e no inciso
VIII do mesmo artigo consagra o princípio da busca do pleno emprego.
Viu-se que da união de fundamento e princípio chega-se à conclusão de que a
Constituição, sob um ponto de vista material do controle de
constitucionalidade, repudia qualquer medida de caráter recessivo que possa
atingir a capacidade da economia absorver a parcela da população apta a
realizar atividade produtiva.
Após análise desses dispositivos constitucionais, chega-se à conclusão de que a
política do governo com vistas a sustentar a estabilidade da moeda e evitar a
fuga de capitais acaba por afrontar a Constituição, com prejuízo à supremacia
das normas constitucionais e ,por conseguinte, à segurança trazida por um
sistema de constituição rígida. Isto sem falar do povo brasileiro, que sente na
pele as atitudes de seus governantes, os quais deveriam fazer uma proporção, a
fim de realizar um sopesamento e chegar à justa medida entre o desenvolvimento
econômico e o bem estar do povo, respeitando assim a dignidade da pessoa humana
e a Soberania popular.
BIBLIOGRAFIA
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional, 7a Edição, São Paulo, Malheiros Editores, 1998.
DINIZ, Márcio Augusto de Vasconcelos.
Controle de Constitucionalidade e Teoria da Recepção, 1 a Edição, São Paulo,
Malheiros Editores, 1995.
MORAES, Alexandre de. Direito
Constitucional, 5 a Edição, São Paulo, Atlas, 1999.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito
Constitucional Positivo, 16 a Edição, São Paulo, Malheiros Editores, 1999.