PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

INGRID BARREIRA

Procuradora do Município de Fortaleza

SUMÁRIO
.
INTRODUÇÃO
1. JUSTIFICATIVA DO TEMA
2. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
  2. 1. Considerações Iniciais
  2.2. Os Subprincípios que integram o Princípio da Proporcional idade
3. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA
4. A PROPORCIONALIDADE NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
5.
DIREITOS FUNDAMENTAIS
  5.1. Regime Constitucional dos Direitos Fundamentais
  5.2. A Dupla Dimensão dos Direitos Fundamentais
  5.3. Restrições aos Direitos Fundamentais
6. CRÍTICA AO PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE
.CONCLUSÃO
.BIBLIOGRAFIA

INTRODUÇÃO

A disciplina Princípios Constitucionais da Administração Pública, do curso de Mestrado em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza, enfatizou a importância da imposição de restrições a determinados direitos, sempre questionando não somente sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada, mas, sobretudo, a compatibilidade das restrições com o princípio da proporcional idade.

O presente trabalho busca refletir sobre o significado do princípio da proporcionalidade para os direitos fundamentais. Vale ressaltar, desde logo, que a doutrina brasileira não emprestou grande importância aos temas ligados ao princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade. Também a jurisprudência dele não cuidou, salvo em raríssimos casos.

Quanto à estrutura redacional, este trabalho está organizado da seguinte maneira: na primeira parte, procuramos fazer um relato acerca do princípio da proporcionalidade e seus subprincípios. Em seguida, falaremos sobre o princípio na ordem constitucional brasileira. Analisaremos o princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e nos direitos fundamentais. Por fim, mostraremos as críticas da doutrina ao princípio da proporcionalidade.


1. JUSTIFICATIVA DO TEMA

O Princípio da Proporcionalidade tem fundamental importância na aferição da constitucionalidade de leis interventivas na esfera da liberdade humana, porque o legislador, mesmo perseguindo fins estabelecidos na Constituição e agindo por autorização desta, poderá editar leis consideradas inconstitucionais, bastando para tanto que intervenha no âmbito dos direitos com a adoção de cargas coativas maiores do que as exigíveis à sua efetividade.

Estando o Direito codificado ou não, o juiz ver-se-á inúmeras vezes ria necessidade de recorrer a critérios de valor extra-legais. 0 Direito vigente, longe de se conter exclusivamente na lei, é sempre resultado de um processo de desenvolvimento e concretização, no qual a jurisprudência tem uma contribuição decisiva. A abertura que dá o sistema ao intérprete permite a atividade criadora judicial, que, por sua vez, pode recorrer a juízos comuns sobre o que é razoável.

A compatibilidade de normas ao princípio da igualdade, exigência básica para a consecução da justiça material, levará em conta uma igualdade proporcional, exigindo-se do legislador uma maior ponderação de resultados. Deve-se, por isso, enfrentar as conseqüências do reconhecimento de um controle sobre a razoabilidade de uma lei, inquirindo se esta atividade torna o juiz legislador, ou, em outras palavras, se estaria a igualar a função jurisdicional à legislativa.

As possíveis contradições de valores admitidas pela ordem jurídica devem ser solucionadas por métodos legítimos de interpretação e de concretização do Direito.

O caráter polissêmico e aberto das normas constitucionais, sobretudo em se tratando de direitos fundamentais, muitas vezes já contém em si uma exigência de conformação. Quando se fala, por exemplo, em "função social" da propriedade, revela-se ínsita a necessidade de o legislador ordinário intervir para dar-lhe um sentido determinado.

Outro aspecto bastante complexo dos direitos e garantias está relacionado com o atributo da relatividade. Na maioria das situações em que está em causa um direito do homem, ocorre que dois direitos igualmente fundamentais se enfrentem, como observa NORBERTO BOBBIO:

"Basta pensar, para ficarmos num exemplo, no direito à liberdade de expressão, por um lado, e no direito de não ser enganado, excitado, escandalizado, injuriado, difamado, vilipendiado, por outro. Nesses casos, que são a maioria, deve-se falar de direitos fundamentais não absolutos, mas relativos, no sentido de que a tutela deles encontra, em certo ponto, um limite insuperável na tutela de um direito igualmente fundamental, mas concorrente. E dado que é sempre uma questão de opinião estabelecer qual o ponto em que um termina e o outro começa, a delimitação do âmbito de um direito fundamental do homem é extremamente variável e não pode ser estabelecida de uma vez por todas."1

Pode ocorrer, em outras situações, que um direito fundamental colida com bens jurídicos da sociedade, resultando em tensões igualmente não solucionáveis por critérios abstratos e gerais. Podemos citar como exemplo, quando a liberdade individual colide com a saúde pública ou a segurança nacional.

A "descoberta" do princípio da proporcionalidade, além de viabilizar um efetivo controle das leis, por permitir detectar situaÇões inconstitucionais menos flagrantes, fornece ao juiz um instrumental prático inigualável, quando se trata de justificar uma excessiva intervenção do legislador na seara dos direitos individuais.

O objetivo primordial do estudo do principio da proporcionalidade é a proteção dos direitos e garantias que a nossa Constituição reconhece e aos quais postula efetividade.

2. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

2.1 CONSIDERAÇõES INICIAIS

O princípio da proporcionalidade constitui um limite constitucional à liberdade de conformação do legislador. A Constituição, ao autorizar a lei a restringir direitos, liberdades e garantias de forma a permitir ao legislador a realização de uma tarefa de concordância prática justificada pela defesa de outros bens ou direitos constitucionalmente protegidos, impõe uma clara vinculação ao exercício dos poderes discricionários do legislador.

A transposição do princípio da proporcionalidade do campo, do direito administrativo para o plano constitucional, de onde se irradia para os mais diversos setores do direito, se deve em grande parte ao posicionamento assumido pelo Tribunal Constitucional, na Alemanha. Essa Corte Suprema, a partir de um determinado momento, passa a referir com freqüência expressões em sua argumentação, que se associam claramente ao "pensamento de proporcionalidade", tais como: "excessivo,. inadequado", “necessariamente exigível", até estabelecer de forma incisiva que o referido princípio e a correlata proibição de excesso, enquanto regra condutora abrangente de toda atividade estatal decorrente do princípio do Estado de direito, possui estrutura constitucional.2

Entre o fim da autorização constitucional para uma emanação de leis restritivas e o exercício do poder discricionário por parte do legislador ao realizar esse fim deve existir uma inequívoca conexão material de meios e fins. Em segundo lugar, no exercício do seu poder ou liberdade de conformação dos pressupostos das restrições de direitos, liberdades e garantias, o legislador está vinculado ao princípio material da proibição do excesso.3

O principio da proporcionalidade pretende instituir a relação entre fim e meio, confrontando o fim e o fundamento de uma intervenção com os efeitos desta para que se torne possível um controle do excesso.

Sua principal função é exercitada na esfera dos direitos fundamentais servindo também de atualização e efetivação da proteção da liberdade aos direitos fundamentais.

O Supremo Tribunal Federal empregou pela primeira vez a expressão princípio da proporcionalidade em sede de controle e constitucionalidade em 1993, quando deferiu a medida liminar de suspensão dos efeitos da Lei paranaense n. 10.248, de 14/10/93, nos termos abaixo:

"Gás liquefeito de petróleo: lei estadual que determina a pesagem de botijões entregues ou recebidos para a substituição à vista do consumidor, com pagamento, imediato de eventual diferença a menor: argüição de inconstitucionalidade fundada nos arts. 22, IV e VI (energia e metrologia), 24 e 25, 2, e 238, além de violação ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos: plausibilidade jurídica da argüição que aconselha a suspensão cautelar da lei impugnada, afim de evitar danos irreparáveis à economia do setor, tio caso de vir a declarar-se inconstitucionalidade: liminar deferida.”4

O Egrégio Supremo Tribunal, mesmo aludindo ao termo proporcionalidade, não deixou de fazer referência à razoabilidade, deixando assente a possibilidade de utilização de ambas as expressões.

2.2 OS SUBPRINCÍPIOS QUE INTEGRAM O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE


Partindo-se da consideração de que o princípio proporcionalidade condiciona o exercício da função legislativa, de modo a impedir abuso ou fraude à Constituição por meio de lei, importa compreender a sua substância global exatamente para determinar-se como se dá o controle das leis sob a sua diretiva.

Tomar-se-á como referência a concepção estrutural reconhecida pela generalidade da doutrina alemã, segundo a qual o princípio da proporcionalidade é formado por três elementos ou subprincípios, quais sejam: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

a) Principio da Adequação ou da Idoneidade
Para fazer valer o princípio da proporcionalidade, o juízo de adequação da medida adotada para alcançar o fim proposto deve ser primeiro a ser observado.

Trata-se, pois, de adequar a relação dos meios aos fins, ou seja exige-se que qualquer medida restritiva deve ser idônea à consecução à finalidade perseguida, pois, se não for apta para tanto, há de ser considerada, inconstitucional.

PEDRAZ PENALVA, em citação feita por Suzana de Toledo Barros assevera que: " ... questiona-se se a adequação há de ser total ou pode ser apenas parcial, isto é, se há ou não exigência de uma absoluta concatenação entre o meio empregado e o resultado obtido. Penalva entende que não há por que radicalizar o assunto,, mostrando que um juízo de adequação se faz em face de uma situação concreta, não se podendo olvidar, contudo, que a lei, como produto da vontade do legislador, é, no momento de sua edição, apenas uma previsão abstrata cujas virtualidades só com o decurso do tempo vão-se revelando."5

b) Principio da Exigibilidade ou da Necessidade

Este princípio tem como pressuposto que a medida restritiva indispensável para a conservação do próprio ou de outro direito fundamental que não possa ser substituída por outra igualmente eficaz, mas menos lesiva.

Conclui-se, portanto, que o princípio da necessidade traz em si o requisito da adequação. Só se fala em exigibilidade se o meio empregado pelo legislador for idôneo à prossecução do fim constitucional.

Pode-se aferir a necessidade de restringir uma medida legislativa, por exemplo, com relação a sua duração no tempo, quando houver uma relação de pertinência lógica que a justifique entre a duração de uma medida restritiva e a finalidade para a qual foi imposta, notadamente quando estão em causa medidas processuais cautelares, tanto no processo civil quanto no penal. A título de ilustração, analisemos o inciso XII, do art. 5º da CF, o qual permite ao legislador impor restrição ao sigilo das comunicações telefônicas, para fins de investigação criminal e instrução processual penal. Porem, o tempo de interceptação telefônica deve ser limitado, mesmo tratando-se de investigação de criminosos pertencentes a organizações que pratiquem permanentemente crimes, já que trata-se de uma medida excepcional, e evite que a exceção se torne regra, por pena de aniquilar uma garantia constitucional.

c) Principio da Proporcionalidade em Sentido Restrito

O Princípio da proporcionalidade visa indicar se o meio utilizado encontra-se em razoável proporção com o fim perseguido. Quando se chega a conclusão da necessidade e adequação do meio para alcançar determinado fim, deve-se perguntar se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à carga coativa da mesma.

Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, a fim de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim.6

A inconstitucionalidade ocorre, enfim, quando a medida é excessiva, injustificável, ou seja, não cabe na medida da proporcionalidade.

A proporcional idade strictu sensu deverá sempre ser conectada aos princípios da adequação e da necessidade. Este princípio há de ser inferido a partir de técnica de ponderação de bens.

3. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA


A existência do princípio da proporcionalidade no sistema, brasileiro não necessariamente precisa estar contido explicitamente no texto da Constituição. No caso concreto, os tribunais o aplicará desde que possa ser haurido de outros princípios constitucionais.

O princípio da proporcionalidade é o que há de mais novo abrangente e relevante em toda a teoria do constitucionalismo contemporâneo; princípio cuja vocação se move no sentido de compatibilizar a consideração das realidades não captadas pelo formalismo jurídico, ou por este marginalizadas, com as necessidades atualizadoras de um Direito Constitucional projetado sobre a vida concreta e dotado da mais larga esfera possível de incidência fora das regiões teóricas, puramente formais e abstratas.8

Os direitos fundamentais possuem como maior obstáculo o problema de sua efetividade. A garantia de sua eficácia jurídica e matéria não se resolveu com a simples positivação do seu conteúdo em uma carta constitucional. Foi de fato necessária uma reinterpretação do valor da Constituição como garantia dos direitos fundamentais. Nessa virada que se operou dentro da ciência do direito constitucional, a pauta de bens e valores inscrita na Constituição foi lida como uma pauta mínima e, ao mesmo tempo vinculante para todos, até mesmo para o Estado, deixando de ser considerada mera carta de intenções ou mero programa de governo.

Infere-se, a partir desse novo contexto, que a dignidade do homem, objetivo maior a ser alcançado pelo Estado e por toda a sociedade, exige possibilidade de abertura para o reconhecimento de novos direitos e a necessidade de certas garantias básicas para assegurar-lhes.

O princípio da proporcionalidade tem assento nesse contexto normativo, no qual estão introduzidos os direitos fundamentais e os mecanismos de respectiva proteção. Seu principal objetivo é a garanti,a especial, ou seja, a exigência de que toda intervenção estatal nessa esfera se dê por necessidade, de forma adequada e na justa medida, objetivando a máxima eficácia e otimização dos vários direitos fundamentais concorrentes.

A aplicação do princípio se insere, particularizado em forma de norma, nos seguintes lugares do texto constitucional:

- Incisos V, X e XXV do art. 5º sobre direitos e deveres individuais e coletivos, incisos IV, V e XXI do art. 7º sobre direitos sociais; § 3º do art. 36 sobre intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal; inciso IX do art. 37 sobre disposições gerais pertinentes à administração pública; § 4º bem como alíneas "c" e "d” do inciso III do art. 40 sobre aposentadoria do servidor público; inciso V do art. 40 sobre competência exclusiva do Congresso Nacional; inciso VIII do art. 71 da Seção que dispõe sobre fiscalização contábil, financeira e orçamentária; parágrafo único do art. 84 relativo à competência privativa do Presidente da República; incisos II e IX do art. 129 sobre funções constitucionais do Ministério Público; caput do art. 170 sobre princípios gerais da atividade econômica; caput e §§ 3º,4º e 5º do art. 173 sobre exploração da atividade econômica pelo Estado; § 1º do art. 174 e inciso IV do art. 175 sobre prestação de serviços públicos.9

É na qualidade de principio constitucional, apto a acautelar do arbítrio do poder do cidadão e toda a sociedade, que se faz necessário reconhecê-lo já implícito e positivado no nosso Direito Constitucional.
O princípio da proporcionalidade decorre do Estado Democrático de Direito, ou da idéia de direitos fundamentais.

O Estado de Direito é o que define e respeita os limites de sua atividade, por meio de normas jurídicas, com o fim de atingir objetivos prefixados. A nossa Constituição, em seu preâmbulo, indica:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada tia harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.

4. A PROPORCIONALIDADE NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O Poder Judiciário brasileiro não deixou passar em brancas nuvens a questão sobre o controle de leis desarrazoadas.

Diversas são as decisões exaradas pelos órgãos jurisdicionais do país em sede de controle difuso de constitucionalidade, com manifestações do reconhecimento do princípio da proporcionalidade.

A decisão do Supremo Tribunal, no julgamento do Habeas Corpus no 45.232, de fevereiro de 1968, no qual invocou a inconstitucionalidade do art. 48 do Decreto-Lei no 314/1967 (Lei de Segurança Nacional), possui clareza solar quanto ao juízo de ponderação aplicado entre os meios e fins da norma restritiva de direito:

(...) A inconstitucionalidade é decretada por ferir os arts. 150, caput e 150, § 35, da CF porque as medidas preventivas que importam lia suspensão dos direitos, ao exercício das profissões e o emprego em empresas privadas, tiram ao indivíduo as condições para prover a vida e a subsistência. O § 35 do art. 150, da Constituição de 1967, compreende todos os direitos não enumerados, mas que estão vinculados às liberdades, ao regime de direito e às instituições políticas criadas pela Constituição. A inconstitucionalidade não atinge as restrições ao exercício da função pública porque a legislação vigente sobre funcionários públicos, aplicável à espécie, assegura uma parte dos vencimentos dos funcionários atingidos pelo art. 48 do referido Decreto-Lei. A inconstitucionalidade se estende aos parágrafos do art. 48, porque estes se referem à execução das normas previstas no artigo e consideradas inconstitucionais.

O art. 48 da Lei de Segurança Nacional, em tela, assegurava que: A prisão em flagrante delito ou o recebimento da denuncia, em qualquer dos casos previstos neste Decreto-Lei, importará, simultaneamente, Pia suspensão do exercício da profissão, emprego em atividade privada, assim como de cargo ou função na Administração Pública, autarquia, em empresa pública ou sociedade de economia mista, até a sentença absolutória. "

O Supremo Tribunal Federal, Corte Suprema para julgar em última instância as causas em que há lesão à Constituição, reconheceu o princípio da proporcionalidade, conforme fluido voto condutor proferido pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence:

"De sua vez, os esclarecimentos de fato - particularmente a manifestação do Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial - INMETRO, do Ministério da Justiça - são de múltipla relevância para este julgamento liminar.
Eles servem, de um lado, como proficientemente explorados na petição, não só para lastrear o questionamento da proporcionalidade ou da razoabilidade da disciplina legal impugnada, mas também para indicar a conveniência de sustar - ao menos, provisoriamente - as inovações por ela impostas, as quais, onerosas e de duvidosos efeitos úteis, acarretariam danos de incerta reparação para a economia do setor, na hipótese - que não é de afastar - de que se venha ao final a declarar a inconstitucionalidade da lei."

Esta simples colocação serve para demonstrar que um juízo seguro sobre a inadequação da medida (de duvidosos efeitos úteis) e sobre a desproporção entre os ônus impostos aos particulares e os fins perseguidos afiguraram-se suficientes para legitimar a suspensão da norma de conteúdo restritivo.10

Nesse sentido, afigura-se digno de registro o voto proferido pelo eminente Ministro Moreira Alves na decisão sobre deferimento da medida cautelar:

"( ... ) Depois de todos os votos que foram proferidos, o que se verifica é que as posições divergem em virtude de a Constituição, que foi tão pormenorizada muitas vezes em assuntos de menor relevância, em se tratando de partidos políticos foi estritamente genérica, adotando princípios gerais. problema que surge, em face desses princípios gerais, principalmente em face do princípio de que a criação de partidos políticos é livre, é saber se pode haver ou não limitação à atuação dos partidos no tocante a apresentação de candidatos para cargos eletivos. E certo que essa lei não restringe totalmente, porque admite que partidos que não se enquadrem nos requisitos por ela previstos possam concorrer com candidatos aos mandatos de deputado e vereador 0 problema, portanto, (... ) cinge-se a isto: saber se lia a possibilidade de a lei razoavelmente limitar a atuação dos partidos, ou se essa limitação é impossível, tendo em vista a circunstância de que a lei não poderia, em face dos princípios gerais da Constituição sobre eles fazer qualquer limitação quanto a sua atuação. "

Na decisão do mérito, o eminente Ministro Moreira Alves. veio a concretizar a fundamentação esboçada no julgamento da liminar.

Essa decisão consolida o desenvolvimento do principio da proporcionalidade ou da razoabilidade como postulado constitucional autônomo que tem a sua sedes materiae na disposição constitucional que disciplina o devido processo legal (art. 5º, inciso LIV). Por outro lado, afirma-se de maneira inequívoca a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido estrito (desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido).11

O Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, tendo como relator o Min. Celso de Mello, na Adin 1.158-8, coroando a jurisprudência sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade no controle da constitucionalidade, ratificou que a tese de que a norma legal deve se justificar a partir dela mesma, podendo ser detectado o vício da desarrazoabilidade, ainda quando não se trate de norma restritiva de direito, nos seguintes termos:

"( ... ) Todos sabemos que a cláusula do devido processo legal - objeto de expressa proclamação pelo art. 5º LIV, da Constituição - deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só no aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário ou irrazoável.”

A essência do substantive due process of low reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou, como no caso, destituída do necessário coeficiente de razoabilidade.

Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal.

5. DIREITOS FUNDAMENTAIS

5.1 REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A atual Constituição Brasileira dedica o Título II aos Direitos e Garantias Fundamentais, o qual é dividido em cinco capítulos, a saber:

I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos
II - Dos Direitos Sociais
III - Da Nacionalidade
IV - Dos Direitos Políticos
V - Dos Partidos Políticos

Não há uma distinção na Constituição entre normas de direitos e normas de garantias dos direitos fundamentais.

O primeiro capítulo faz referência a valores supremos como a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, bem como, direitos institucionais e garantias jurídico-processuais a propiciarem a concreção daqueles valores.

O segundo capitulo refere-se a direitos sociais, incluindo entre estes a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade, à infância e aos desamparados. Explicita ainda em que consiste os direitos dos trabalhadores, o direito à livre sindicalização, à grave e à participação na gestão de seus interesses.

O terceiro, quarto e quinto capítulos referem-se sobre a aquisição e perda da nacionalidade, dos direitos políticos e da instituição dos partidos.


5.2. A DUPLA DIMENSÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais possuem a mesma natureza dos direitos humanos. Diferem pela força positiva que possuem os primeiros, carecendo desta força os segundos. Enquanto os direitos humanos são padrões morais que, teoricamente, deveriam submeter-se as ordens jurídicas, os direitos fundamentais constituem preceitos constitucionais de um dado sistema jurídico e, portanto, possuem impositividade e condições de efetividade. Aqueles constituem postulados ético-políticos com validade universal. Estes possuem uma limitada validade que decorre do respectivo espaço físico e comunidade.12

A dogmática constitucional concebe hoje os direitos fundamentais numa dupla dimensão: a subjetiva e a objetiva.

a) Subjetiva

Para caracterização dos direitos fundamentais, dando-lhes as seguintes características: 1) subjetivo - porque representam posições jurídicas individuais; 2) individual - porque somente as pessoas físicas têm dignidade humana; 3) universal e permanente, pois são direitos de igualdade, gerais, e não privilégios de alguns; 4) fundamental.

b) Objetiva

Possui conotação valorativa, que decorre do Estado Social de Direito, imprimindo o valor da solidariedade, que subentende tanto a responsabilidade de participação política como a garantia social ao gozo dos direitos implementados com a atuação positiva do Estado.

Objetivar significa legitimar certos valores reconhecidos pela comunidade e aplicáveis pelos intérpretes.13

Da dimensão objetiva ou formal dos direitos fundamentais surgem outros direitos que são derivados da sua posição: direitos fundamentais coletivos, direitos fundamentais sociais etc.

5.3. RESTRIÇÕES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais somente podem ser restringidos por normas de hierarquia constitucional ou por normas infraconstitucionais quando o próprio texto constitucional autorizar a restrição. Por isso, as restrições de direitos fundamentais só podem ser diretamente constitucionais ou indiretamente constitucionais.

Por exemplo, a própria Constituição, em seu art.5º,, XVI, assegura que "todos podem pacificamente e sem armas em locais abertos ao público (... )", o direito de reunião não é absolutamente livre; só existe se os participantes desarmados pretenderem discussões pacificas. Neste exemplo, a restrição é expressa e diretamente prevista pela Constituição.

Em outras circunstâncias,, o texto constitucional não prevê diretamente uma restrição mas sim a possibilidade de restrição, como no caso do inciso XIII do mesmo artigo 5º, segundo o qual " é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer 0 direito ao exercício profissional pode sofrer limitações pela imposição de certos requisitos.14

A possibilidade de uma intervenção legislativa de caráter restritivo também é possível, mesmo quando os direitos fundamentais não estejam direta ou indiretamente limitados por normas constitucionais. Esses direitos são posições jurídicas sujeitas a ponderações em face de situações de colisão de bens ou valores no caso concreto.

6. CRÍTICA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

É preponderante na doutrina jurídica constitucional, os que defendem o caráter imprescindível do cânone da proporcionalidade como parâmetro de controle não só da aplicação da lei como da sua própria criação, sobretudo quando estão em exame medidas que restringem posições fundamentais.

Também há àqueles que recusam a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade em sede constitucional


A critica repousa, notadamente., nas seguintes objeções:

a) A aplicabilidade constante deste princípio pode provocar uma demasiada intervenção do Judiciário na esfera reservada ao legislativo, de maneira que o juiz sub-rogue-se no papel político do legislador.

b) A idéia de dar primazia a uma decisão material justa ao caso concreto conduz a um relativismo da aplicação da lei, o que importa em séria ameaça aos princípios da segurança jurídica e igualdade, sobre os quais repousa a própria noção de justiça."

CANOTILHO ensina que não está em causa a invasão do Poder judiciário no que compete ao Poder Legislativo, mas, simplesmente, que o Poder Legislativo não possui liberdade absoluta para fixar os fins legais:

"(...) Por um lado, a liberdade de conformação política do legislador e o âmbito de previsão não são incompatíveis com uma vinculação jurídico-constitucional, a apurar através de princípios constitucionais constitutivos (ex: princípio democrático) e de direitos fundamentais; por outro lado, se as previsões ou prognoses são atos políticos, também isso não significa que esses atos não possam ser medidos pela Constituição. O problema não reside aqui em, através do controle constitucional se fazer política, mas em apreciar a constitucionalidade da política.16”

Sobre a segurança jurídica, também repousam contestações ao princípio da proporcionalidade. A insegurança diz respeito a possibilidade de uma flexibilização do sistema de autorização para restrições e a conseqüente nivelação dos valores constitucionais.

Contestando as objeções ao princípio da proporcionalidade, ressalta-se que ele é usado para inibir uma indevida intervenção do Estado em posições jurídicas protegidas, não podendo ser usado para justificar iniqüidades.

Finalmente, não poderia deixar de considerar que mesmo sendo o principio da proporcionalidade manejado indevidamente, causando, até mesmo injustiças, mais injusto é a aplicação automática e indiscriminada da lei.

CONCLUSÃO

O princípio da proporcionalidade é essencial à racionalidade do Estado de Direito, porque contém uma exigência de justa medida para o exercício do poder.

Os três elementos do principio são: o princípio da adequação e o da necessidade, que são exigências constatadas concretamente, e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito que avalia os pesos jurídicos dos respectivos bens ou direitos envolvidos no conflito no sentido de dar uma solução concreta justa.

Este principio tem dignidade constitucional na ordem jurídica brasileira, pois deriva da força normativa dos direitos fundamentais, garantias materiais objetivas do Estado de Direito. O núcleo essencial dos direitos fundamentais deve sempre ser resguardado de arbitrariedades ou de excessos cometidos contra eles.

Assim, tem o princípio da proporcionalidade um papel primordial, uma vez que, a sua correta aplicação no controle de constitucionalidade traz como premissa metodológica a compreensão jurídico-dogmática dos direitos fundamentais.

A Constituição Federal de 1988 é detalhista na explicitação de direitos e de suas garantias, adotando o sistema de autorizações expressas simples e qualificadas, quando não diz expressamente, por meio de cláusula restritiva.

Parece-nos juridicamente plausível, que em caso de colisão de direitos fundamentais, a técnica que deve ser aplicada de aferição da proporcionalidade em sentido estrito é a ponderação de bens, pela qual se estabelece uma relação de precedência condicionada, que vale como lei para o caso concreto.

BIBLIOGRAFIA

BARROS, Suzana de Toledo. 0 princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2a ed. Brasília: Brasília jurídica, 2000.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6ª ed. São Paulo; Malheiros, 1996.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1993.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Direitos fundamentais, processo e princípio da proporcionalidade, in Dos direitos humanos aos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
___________. Ensaios de teoria constitucional. Fortaleza, 1989

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: Estudos de direito constitucional. 2a ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999.

STUMM, Raquel Denize. Principio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995.

NOTA

1 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho, RJ: Campus, 1992, p.42.
2 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Direitos Fundamentais, Processo e Princípio da Proporcionalidade, in Dos Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais, cit. P. 26
3 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. cit. E 617.
4 BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais. 2a ed, Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 122.
5 BARROS, Suzana de Toledo. op. cit. P 77.
6 CANOTILHO, J. J. Gomes. op. cit. p. 338.
7 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 361.
8 BONAVIDES, Paulo. op. cit. p. 395.
9 BONAVIDES, Paulo. op. cit. Pp. 395/396.
10 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais. cit. p. 80.
11 MENDES, Gilmar Ferreira. op. cit. p. 85.
12 STUMM, Raquel Denize. Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro. Porto Alegre: Liv. Do Advogado. 1995. p. 124.
13 STUMM, Raquel Denize. op. cit. p. 125.
11 BARROS, Suzana de Toledo. op. cit. p. 159.
15 BARROS, Suzana de Toledo. op. cit. p. 204.
16 BARROS, Suzana de Toledo. op. cit. p. 207.