BREVE ANÁLISE DA COFINS E DO PIS ANTE A LEI Nº 9.718/98.

RODRIGO GUILHERME RAMALHO

Acadêmico do Curso de Direito da UNIFOR | Estagiário da Procuradoria da República no Estado do Ceará

SUMÁRIO:

I - INTRODUÇÃO;

II - HISTÓRICO;

III - HIERARQUIA DAS NORMAS;

IV - COMPATIBILIDADE DA LEI Nº 9.718/98 COM A EC Nº 20/98;

V - EFEITOS DA LEI Nº 9.718/98 ANTE O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL;

VI - COMPENSAÇÃO DA COFINS COM A CSLL;

VII - DISSIMULAÇÃO DE EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO;

VIII - CONCLUSÃO;

IX - BIBLIOGRAFIA.

"Sob a ponte da Justiça passam as dores, todas as misérias, todas as aberrações, todas as opiniões políticas, todos os interesses sociais. Justiça é compreensão, isto é, tomar em conjunto e adaptar os interesses opostos: a sociedade de hoje é a esperança do amanhã." (Mauro Cappelletti)

I - INTRODUÇÃO.

Pretende-se, em breve digressão, elucidar os efeitos atinentes à Lei nº 9.718/98, face à alteração relativa à Lei Complementar nº 70/91, a qual instituiu a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social - COFINS, e à Lei Complementar nº 07/70, a qual instituiu o Programa de Integração Social - PIS. Nesse diapasão, convém traçar um breve histórico das disposições constitucionais e legais reguladoras das contribuições sociais em comento, a fim de procedermos a uma análise, ainda que modesta, assaz sistemática e desprovida de qualquer paixão.

II - HISTÓRICO.

A Constituição Federal de 1988, no art. 195, inciso I, prescrevia que :

"Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;

.......................................................
".
(grifos nossos)

Não obstante esse dispositivo constitucional exigir lei ordinária para criação das contribuições sociais nele mencionadas, editou-se, em 30/12/91, a Lei Complementar nº 70, instituindo a Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), cujo art. 2º preceitua que:

"a contribuição de que trata o artigo anterior será de dois por cento e incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza".

Posteriormente, foi editada a Lei nº 9.718/98, de 27/11/98, alterando a legislação tributária federal, determinando:

"Art. 2º. As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta Lei ".

"Art. 3º. O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica".

"§ 1º. Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas".

Adveio, por fim, a Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98, dando nova redação ao citado art. 195, inciso I, nos seguintes termos:

"Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro."
(grifo nosso)

Quanto ao Programa de Integração Social (PIS), instituído pela Lei Complementar nº 07, de 07/09/70, de igual modo, a Constituição Federal, à época (CF/67), exigia apenas lei ordinária para sua criação.

III - HIERARQUIA DAS NORMAS.

Tem sido objeto de intensa discussão a questão sobre a possibilidade de uma lei complementar, tratando de matéria reservada à lei ordinária, ser alterada por lei dessa última natureza.

De um modo geral, lei ordinária que vai de encontro ao que estabelece uma lei complementar vulnera a própria Constituição, posto que estará disciplinando interesses que só por ela poderão ser regulados.

Tal conflito de normas acabará por ferir o Princípio da Compatibilidade Vertical, e, por conseguinte, a norma de maior superioridade hierárquica, qual seja, a Constituição Federal.

O douto Hugo de Brito Machado professa que "a lei complementar é espécie normativa superior à lei ordinária, independentemente da matéria que regula. Mesmo que disponha sobre matéria a ela não reservada pela Constituição, não poderá ser alterada ou revogada".

É imperioso ressaltar que tal pensamento contraria o entendimento da doutrina majoritária, a qual, pode ter sua posição externada por José Afonso da Silva, em "Aplicabilidade das Normas Constitucionais", através da sapiência que lhe é peculiar, na assertiva: "a lei complementar só é tal na medida em que disciplina matéria especificamente prevista na Constituição a ser veiculada por essa categoria normativa".

Dessarte, lei complementar que disciplinar assunto da alçada de lei ordinária pode vir a sofrer alteração por esse tipo normativo. E, a fim de minuciar ainda mais a matéria, frise-se uma passagem da já retromencionada obra, segundo a qual, "uma lei não deixa de ser ordinária quando não se exige outra forma, mesmo que tenha sido aprovada pela unanimidade das duas Casas do Congresso Nacional. Lei ordinária é tal não apenas porque é aprovada por quorum, mas também porque segue um procedimento ordinário, comum, conforme o disposto nos arts. 65 e 66, e de acordo com o princípio segundo o qual só depende de quorum especial (maioria absoluta, dois terços, três quintos) quando expressamente seja previsto em dispositivo constitucional (art. 47)".

Dessa forma, não caberia, aqui, questionar a inconstitucionalidade da Lei nº 9.718/98 quanto à hierarquia das normas, pois tal dispositivo legal alterou leis complementares (LC nº 07/70 e LC nº 70/91) que só o são quanto à forma, tratando-se, quanto à matéria a que se detêm, de leis ordinárias. Isto porque, com fulcro no caput do art. 195 de nosso Código Supremo:

"a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...)"
(grifo nosso)

IV - COMPATIBILIDADE DA LEI Nº 9.718/98 COM A EC Nº 20/98.

Poder-se-ia alegar o confronto da Lei nº 9.718/98 com as normas constitucionais vigentes no momento em que foi publicada.

Ater-nos-emos, porém, à diferença entre vigência e publicação, fazendo uma breve alusão ao disposto na obra de Maria Helena Diniz, intitulada "Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada":

"A obrigatoriedade da norma de direito não se inicia no dia da sua publicação, salvo se ela assim o determinar... O intervalo entre a data de sua publicação e sua entrada em vigor chama-se vacatio legis. Com o término da vacatio ter-se-á o início da obrigatoriedade da lei nova. Mesmo depois de publicada, a lei só adquirirá real obrigatoriedade, ou melhor, apenas terá autoridade após o decurso do período da vacatio legis.

Portanto, para que a lei tenha completa autoridade imperativa, desenvolvendo força obrigatória adquirida, precisará aguardar o prazo fixado para sua entrada em vigor. Logo, o transcurso da vacatio legis é o complemento da publicação, imprescindível para que a lei faça atuar sua autoridade. Antes do decurso da vacatio a lei nova não terá efetiva força obrigatória nem autoridade imperativa, mesmo que promulgada e publicada, por ainda estar em vigor a lei antiga." (grifos nossos)

Tem-se, portanto, que a conformação de uma lei com as normas constitucionais é deduzida da data de entrada em vigor da referida lei, e não da data da publicação. É daquela data, pois, que a lei passa a ter obrigatoriedade, sendo, somente a partir daí, passível de algum controle de constitucionalidade (repressivo).

Destarte, quando a Lei nº 9.718/98 entrou em vigor, em 01/02/1999 (tendo, somente a partir dessa data, autoridade para produzir efeitos), a EC nº 20/98 já havia sido publicada, ou seja, já havia previsão constitucional para a eficácia daquela lei, estando ela, portanto, consubstancialmente arrimada nos ditames constitucionais.

A Suprema Corte manifestou-se no sentido de atribuir obrigatoriedade a uma norma, em virtude de ulterior promulgação de Emenda Constitucional, conforme atesta a ementa da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.907-0 - DF, prejudicada, em razão da superveniência da Emenda Constitucional nº 20/98:

"EMENTA: Impugnação de expressões da Medida Provisória nº 1.723/98 (convertida na Lei nº 9.717/98), que dispõe sobre regras gerais dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, do Estados, do DF e dos Municípios, bem como dos militares dos Estados e do DF, prevendo a contribuição concorrente de inativos e pensionistas.

Pedido prejudicado em razão da superveniente promulgação da Emenda Constitucional nº 20/98, que alterou substancialmente o teor original do § 6º do art. 40 da Lei Fundamental".

É digno de nota ressaltar, ainda, no mesmo acórdão, parte do voto proclamado pelo Min. Octávio Gallotti, expressando, exatamente, tal entendimento:

- "Em virtude da superveniente promulgação da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, o conteúdo desse §6º foi substituído por dispositivo de teor inteiramente diverso, tendo passado ao caput do art. 40 (redigido em termos mais genéricos) a qualificação do caráter contributivo do regime.

- Penso, por esse motivo, que, não comportando contemplação apenas parcial a avaliação da constitucionalidade dos dispositivos impugnados na ação, e não sendo possível completar-lhe o exame mediante o confronto com norma constitucional, ulterior à sua edição, não se torna viável conhecer do pedido".

(RELATOR: MIN. OCTÁVIO GALLOTTI. DJ 26.03.99. TRIBUNAL PLENO)

É proveitoso, sob esse aspecto, uma visão do direito comparado, em relação ao Direito Constitucional Austríaco e Alemão. O preclaro Paulo Bonavides, em sua obra "Curso de Direito Constitucional", nos oportuniza esse cotejo ao se reportar a René Marcic, teorista do Estado social e filósofo do Direito, para quem:

"...o Tribunal Constitucional austríaco se coloca na posição de somente afastar do sistema jurídico as leis declaradas nulas, de maneira ex nunc; segundo a ordem constitucional austríaca as leis inconstitucionais não são pois atos nulos ex tunc. Chega mesmo o Tribunal Constitucional vienense a deixar ficar como está, ou seja, com eficácia, por um determinado espaço de tempo uma lei reconhecida por inconstitucional - isto em virtude da segurança jurídica e a fim de oferecer ao Governo a oportunidade de preparar durante este espaço de tempo, uma lei que seja constitucional".

No supracitado livro, Paulo Bonavides, referindo-se aos ensinamentos de Erwin Melichar, juiz da Corte Constitucional e professor da Universidade de Graz, afirma que, segundo este, em contribuição ao Colóquio de Heidelberg sobre Jurisdição Constitucional, promovido em 1961, na Áustria:

"A sentença do Tribunal Constitucional, mediante a qual se reconhece a inconstitucionalidade de uma lei, invalida essa lei. A anulação das leis tem por conseguinte, como no controle abstrato de normas, eficácia tão-somente ex nunc... Até a entrada em vigor da invalidação todos os demais atos de execução produzidos pela administração e pelos tribunais não serão atingidos pela anulação".

Acolhendo tal vertente, consoante a sapiência de Paulo Bonavides e sua obra retromencionada, encontra-se um dos mestres do Direito Público alemão, o Professor Klaus Stern, da Universidade de Colônia, acentuando que a tese ortodoxa de que as normas jurídicas inconstitucionais são providas, desde o início (ex tunc), de nulidade ipso iure, tem sido alvo de redobrados ataques, por parte de grandes juristas constitucionais, tais como C. Moenche e Chr. Pestalozza.

Acerca de tal posicionamento, que incide e se prolifera, a cada dia, nas sociedades mais desenvolvidas do mundo, esclarece-nos, ainda, o susomencionado constitucionalista:

"Não tem sido unicamente na esfera doutrinária que aquele entendimento vem sendo abalado ou questionado. Em verdade, já deixou ele de prevalecer em alguns acórdãos da Corte de Karlsruhe, onde se observam manifestas tendências para um desvio de rumo quanto à nulidade ipso iure das normas jurídicas inconstitucionais. Chega aquele Tribunal a admitir que os efeitos da invalidade podem padecer limitações no interesse da segurança jurídica".
(grifo nosso)

Remetendo-nos à obra "Curso de Direito Constitucional", de Celso Ribeiro Bastos, e ao vigor expositivo que lhe é peculiar, temos que:

"Outra razão que entende com a segurança jurídica que torna necessário que preceitos, embora inconstitucionais, possam existir ou ter eficácia durante um prazo de transição, levando-se em conta que a invalidade das prescrições das Constituições, ou seja, a supressão da norma por declaração de nulidade, produziria uma situação que aos julgadores se afigura mais 'inconstitucional' do que aquela provocada pela conservação temporária da validade da lei declarada apenas 'incompatível' com a Constituição".

Ainda com base nos ensinamentos de Celso Ribeiro Bastos:

"Temos como certo que a ninguém é permitido afrontar, derrubando-a, uma barreira colocada pelo Poder Público na estrada, em cumprimento a uma existente lei proibitiva, não importando em nada a opinião que o autor da desobediência faça a respeito da constitucionalidade da dita lei. À Administração será facultado tomar todas as medidas de caráter executório para tornar efetiva a sua pretensão, antes mesmo que o órgão encarregado do controle da constitucionalidade tenha se manifestado sobre a questão".
(
grifo nosso)

Determina o art. 12 da EC nº 20/98 que as contribuições destinadas ao custeio da seguridade social são exigíveis de acordo com as leis já estabelecidas. Isto posto, considerando que emendas constitucionais têm a mesma hierarquia das demais disposições da Constituição, e atendo-se à superioridade de tais emendas (princípio da supremacia constitucional) em relação às leis complementares, a obediência e subordinação à retromencionada emenda constitucional e, conseqüentemente, à Lei nº 9.718/98 tornam-se irrefutáveis e indispensáveis, sob pena de infringir a Lex Maior.

V - EFEITOS DA LEI Nº 9.718/98 ANTE O PRINCÍPIO
DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL.

Considerando, pois, a constitucionalidade da Lei nº 9.718/98, cumpre verificar os efeitos produzidos por ela. Com fulcro no art. 195, § 6º, CF, as contribuições sociais que forem instituídas ou modificadas por lei só poderão ser exigidas decorridos 90 dias da data de sua publicação.

Com arrimo no dispositivo supra, poder-se-ia alegar contrariedade ao princípio da anterioridade nonagesimal, pois os efeitos de tal lei só poderiam ser produzidos a partir de 26 de fevereiro de 1999 (já que a lei foi publicada no DOU em 28 de novembro de 1998), e não a partir de 1º de fevereiro de 1999, como é o que nela vem determinado.

Ora, tanto a COFINS quanto o PIS têm fato gerador complexivo, ou seja, necessita de um determinado lapso temporal, estabelecido em lei, para se concretizar, para se perfazer. O tempo exigido para tal, em ambos os tributos (COFINS E PIS), é o mês-calendário, sendo perfeitamente válida a sua aplicação em relação aos fatos geradores ocorridos a partir do mês-calendário fevereiro/99.

VI - COMPENSAÇÃO DA COFINS COM A CSLL.

Apesar do exposto, e da constitucionalidade e validade da Lei nº 9.718/98, é de uma clareza ímpar a desobediência ao princípio da isonomia no que tange à compensação do adicional da COFINS com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, pois tal operação implica em diminuição da carga tributária das empresas mais lucrativas em detrimento das empresas menos lucrativas ou com prejuízos fiscais. É o que dispõe o art. 150, II, CF:

"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(....)

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

(....)"

Dada a violação ao princípio da isonomia, compete-nos analisar a extensão do vício constatado face ao conjunto normativo do referido dispositivo legal.

É de se notar que a exclusão de tal vício não infere qualquer alteração à finalidade a que se detém a Lei nº 9.718/98. Desta feita, não se deve declarar a inconstitucionalidade desta lei no seu todo; deve-se, isto sim, rejeitar, apenas, a parte inválida, que diz respeito à compensação da COFINS com a CSLL, atribuindo-se, assim, validade e efeito às demais.

Ao que se refere à validade de compensação da COFINS com a CSLL, tem, assim, decidido o STJ:

"PROCESSUAL - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - COMPENSAÇÃO DE TRIBUTOS - PIS, CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO, COFINS, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA E IRPJ - IMPOSSIBILIDADE - DIVERGÊNCIA SUPERADA.

I - A Primeira Seção do STJ, seguindo nova orientação, decidiu que PIS, CSSL, a CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA, a COFINS e o IRPJ não são tributos de mesma espécie e não podem ser compensados entre si.

(....)

III - Indefiro os embargos (RISTJ - Art. 266, § 3º)."
(RELATOR: HUMBERTO GOMES DE BARROS. DATA DA DECISÃO: 29/06/99. PRIMEIRA SEÇÃO. DJ 25/08/99)

Sobre tal matéria, esclarece-nos o Douto Elival da Silva Ramos, em "A inconstitucionalidade das Leis":

"O punctum pruriens da questão, portanto, está na dependência (inseparabilidade) ou autonomia (separabilidade) das partes na configuração da inconstitucionalidade parcial, pois, consoante adverte Marcelo Neves, 'caso haja uma relação de dependência lógica ou teleológica das partes, de modo que não se possa conceber isoladamente a parte conforme à Constituição, impõe-se a decretação da inconstitucionalidade'.

A autonomia das normas reputadas constitucionais em relação às viciadas exige, do ponto de vista lógico, que sejam elas inteligíveis por si sós, capazes de impor sua força imperativa de modo conseqüente, a despeito da invalidade que contamina as demais normas do mesmo ato legislativo.

Já a dimensão teleológica dessa autonomia implica a manutenção dos fins colimados pelo legislador. 'Quanto a esse aspecto', ensina Marcelo Neves, 'caso a exclusão da parte inconstitucional signifique o desvirtuamento das finalidades da lei, ou a impossibilidade da realização delas, impõe-se a inconstitucionalidade total' ".

Ademais, vale ressaltar a inadequação do termo "compensação", no caso em comento, pois, segundo o que preleciona Luciano Amaro, em "Direito Tributário Brasileiro", tal extinção de obrigação tributária só ocorre "se duas pessoas forem ao mesmo tempo credora e devedora uma da outra", extinguindo-se as duas obrigações até onde se compensarem (v. CC, art. 1009). O contribuinte, em tais casos, não é credor, mas tão-somente devedor do Fisco, sendo, portanto, inapropriada a utilização de tal termo.

VII - DISSIMULAÇÃO DE EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO.

Tratando, pormenorizadamente, tal matéria, verifica-se que a Lei nº 9.718/98, no art. 3º, elevou de 2% para 3% a alíquota da COFINS, determinando a compensação do adicional de 1% com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

Constitui-se, com isso, em empréstimo compulsório dissimulado o adicional de 1% da alíquota da COFINS, vez que o contribuinte deverá recolher aos cofres da Fazenda Nacional o valor estabelecido, que, ao final de cada período de apuração da Contribuição Social sobre o Lucro, deverá ser restituído às pessoas jurídicas.

É de se notar, sem embargo, que em caso de pessoa jurídica não auferidora de lucro, mas, tão-somente, de prejuízos, não haverá restituição dos recursos emprestados ao Poder Público.

Dispõe a Carta Magna, em seu art. 148:

"Art. 148 - A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:

I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;

II
- no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b".

Dessarte, ao instituir o empréstimo compulsório disfarçado de contribuição social, a Lei nº 9.718/98 infringiu a CF, art. 148, em 3 aspectos:

a) Ainda que admitíssemos, absurdamente, que o adicional de 1% da COFINS é um empréstimo compulsório respaldado em investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, qual seja, o financiamento da seguridade social, não poderíamos olvidar que a seguridade social, apesar de ser de interesse nacional, é uma das funções primordiais do Estado, não podendo ser considerado um investimento;

b) Por outro lado, tal empréstimo compulsório foi instituído mediante lei ordinária, quando a Constituição é expressa ao limitar tal instituição à lei complementar;

c) Além disso, apesar do empréstimo compulsório ser uma espécie tributária, pelas suas características peculiares, o valor arrecadado deverá ser restituído ao final de determinado período. Todavia, segundo o disposto na Lei nº 9.718/98, e conforme o explicitado anteriormente, no caso de empresas que não auferirem lucro em determinado período, não terão Contribuição Social sobre o Lucro a pagar, não podendo, pois, ser ressarcidas pela COFINS paga, caracterizando-se, assim, o confisco.

Configura-se, destarte, a violação a mais um dispositivo constitucional, qual seja, o art. 150, IV, que veda tributos com efeito de confisco, tendo em vista a não devolução do empréstimo compulsório.

VIII - CONCLUSÃO.

Ante o exposto, entendemos ser forçoso atribuir imperatividade e eficácia à Lei nº 9.718/98, desde o dia 01 de fevereiro de 1999, haja vista tratar-se de fato gerador complexivo, o compreendido tanto pela COFINS quanto pelo PIS.

Entrementes, no que tange, especificamente, à admissão da compensação de um terço da COFINS paga, com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), tal dispositivo implica, em última análise, violação aos princípios constitucionais da Justiça, da igualdade, do não confisco, da capacidade contributiva e da eqüidade na participação do custeio da Seguridade Social, pois, in casu, somente as empresas menos lucrativas ou com prejuízos fiscais terão aumento da carga tributária, haja vista não poderem efetuar tal compensação.

Dessarte, torna-se imprescindível a exclusão do vício acoimado na Lei nº 9.718/98, salientando, todavia, que tal procedimento não operará qualquer alteração à finalidade a que se detém a aludida lei.

Outrossim, como já dantes dito, não se deve declarar a inconstitucionalidade desta lei no seu todo; deve-se, isto sim, rejeitar, apenas, a parte inválida, que diz respeito à compensação da COFINS com a CSLL, atribuindo-se validade e efeito às demais.

IX - BIBLIOGRAFIA.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000.

DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1997.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 20ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999.

RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das Leis. São Paulo: Saraiva, 1994.

POLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 17ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 12ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999.