O PRESIDENCIALISMO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

Lucíola Maria de Aquino Cabral

SUMÁRIO. 1. INTRODUÇÃO. 2 ORIGENS DO PRESIDENCIALISMO. 2.1. Antecedentes Históricos. 2.2. Características do Presidencialismo Americano. 3. HISTÓRIA DO PRESIDENCIALISMO NO BRASIL. 3.1. O Constitucionalismo Brasileiro. 3.2. Monarquia Parlamentarista. 3.3. Da Monarquia à República. 4. O PRESIDENCIALISMO BRASILEIRO. 4.1. Características Fundamentais. 4.2. Principais Formas de Controle. 4.3. Presidencialismo e Parlamentarismo. 5. O PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL. 5.1. A Crise Brasileira. 5.2. O Papel do Poder Legislativo na Nova Ordem Constitucional. 5.3. O Processo de "impeachment". 6. PRESIDENCIALISMO E DEMOCRACIA NO BRASIL. 6.1. Vantagens e Desvantagens do Presidencialismo. 6.2. Perspectivas Políticas. 7. CONCLUSÃO. 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


1. INTRODUÇÃO.

O sistema presidencialista de governo nasceu após as colônias inglesas situadas nos Estados Unidos da América declararem sua independência da Coroa britânica, em 4 de julho de 1776, tendo demorado alguns anos até sua consolidação. É que a maioria das colônias americanas, até então regidas pelos Artigos da Confederação, já haviam conquistado certa parcela de poder que lhes permitia se auto-governar e este era o cerne da questão. Não se concebia mais a possibilidade de um governo concentrado em urna só pessoa, com amplos poderes, desempenhando e controlando todas as funções do Estado.

Havia, entretanto, a necessidade de definir um governo central, forte e unificado, que pudesse, ao mesmo tempo, manter a independência e autonomia das colônias. Vislumbra-se a partir daí a idéia de Estado federado, porém, não se sabia ao certo que tipo de sistema se iria adotar, tendo em vista que o presidencialismo não se originou de nenhuma construção teórica e a tripartição de poderes, escorada nas idéias de Montesquieu, não passava ainda de mera teoria, sem aplicabilidade prática até aquele momento. Na realidade, a teoria da separação de poderes viria a constituir a base de todo o sistema presidencialista de governo, como se constataria mais tarde.

Verifica-se, porém, que as primeiras Constituições norte-americanas preocuparam-se muito mais em estabelecer um sistema que distribuísse o poder, mediante a adoção da teoria da separação de poderes, do que, propriamente, em detalhar a organização política do país. Acreditava-se que o novo sistema permitiria assegurar o exercício das liberdades civis com maior vigor, pois cada poder desempenharia uma função específica e, desse modo, poderia fazê-lo de forma mais eficiente.

O sistema presidencialista, portanto, foi construído com base nessa separação de poderes. Sua representação foi centralizada em uma só pessoa, no caso, o Chefe do Executivo ou Presidente, que exerce, simultaneamente, as atribuições de Chefe de Estado e Chefe de Governo. Entretanto, mantiveram-se intactas as funções legislativas e judiciárias, sendo todas independentes e harmônicas entre si.

No Brasil, somente em 1889 foi proclamada a independência e instaurados o regime republicano e o sistema presidencialista de governo. A primeira Constituição brasileira data de 1824, ou seja, da época do Império, e conserva,Ta quase que integralmente o modelo parlamentarista inglês.

A luta pela independência brasileira teve como justificativa os excessos e arbitrariedades praticadas pela Coroa portuguesa, entretanto, a primeira Constituição do país cuidou de instituir a figura do Poder Moderador, com amplos poderes e exercida pelo Imperador. Muitos tropeços e revoltas marcaram esta fase monárquica, que culminou com a proclamação da independência em 1889, após anos revoluções internas e de uma desastrosa guerra com o Paraguai. O grande mérito do Império foi consolidar a unidade nacional, isto, porém, não impeliu que as idéias republicanas florescessem entre os brasileiros. Assim é que a instauração do regime republicano trouxe junto a implantação do sistema presidencialista no Brasil.
As idéias desse novo sistema de governo defendidas arduamente por Rui Barbosa foram introduzidas na Carta de 1891.

Desde então, o presidencialismo brasileiro, que já começou em meio a tantas crises, vem sobrevivendo sem amadurecer, em face das dificuldades de adaptação e do golpe militar de 1964. O longo período de autoritarismo prejudicou o desenvolvimento político e democrático do Estado brasileiro.

Por tais razões, cuidou-se de examinar as características e distinções fundamentais entre os sistemas presidencialista e parlamentarista, destacando suas vantagens e desvantagens, no intuito de oferecer uma visão mais abrangente do tema objeto deste estudo. Tratou-se ainda, de analisar as questões de fundo enfrentadas pela sociedade brasileira, como a crise do autoritarisrno e a luta pela democracia, bem como, o importante papel desempenhado pelo legislativo e sua participação no processo de redemocratização do país, a fim de demonstrar as perspectivas políticas atuais.

2. ORIGENS DO PRESIDENCIALISMO.

As raízes do sistema presidencialista de governo foram fixadas pelos colonos ingleses radicados na América, cuja educação os tornara conhecedores da lei e da arte da política.

Os matizes para a construção de um novo sistema de governo tiveram suas bases nas idéias de John Locke (teoria do contrato social) e de Montesquieu (teoria da separação de poderes). Segundo Locke:

A natureza dotou a humanidade de certos direitos naturais, e os governos existem somente para proteger estes direitos, desse modo, o governo foi contratado para realizar esse contrato social com o povo, logicamente, fica compelido a agir nos restritos termos deste contrato. Se falhar, então o contrato terá sido violado e o povo poderá romper esta aliança com o governo e restabelecer seus direitos através de um novo pacto. (apud FINNER,S. E.V. III, 1997:1488).

Os estados americanos, até então, regiam-se pelos Artigos da Confederação e Perpétua União, através dos quais cada um deles mantinha relativa independência e supremacia. Durante mais de cento e cinqüenta anos, as colônias americanas haviam experimentado uma espécie de "auto-governo" paralelamente às linhas britânicas, e foi dessa forma que conseguiram manter a guerra pela independência.

Havia um repúdio imenso pela crescente interferência do parlamento nos assuntos internos, principalmente quando se intensificou a pressão para elevar os impostos.

Por muito tempo, o governo havia sido identificado com o executivo ou com a
própria Coroa, fazendo dos governos estaduais verdadeiras nulidades. A questão era, pois, encontrar uma fórmula que permitisse manter a soberania dos estados e a participação no poder de maneira compartilhada, ressaltando daí a importância da doutrina de Montesquieu. A concentração de poder nas mãos de uma única pessoa - o monarca - não mais interessava ao povo americano.

A revolução americana sepultou definitivamente o regime monárquico no continente e cuidaria de estabelecer mais tarde, com base na teoria da separação de poderes e escorada na doutrina do contrato social, um novo sistema de governo que seria consagrado com a denominação de presidencialismo.

2.1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS.

A possibilidade de instituir um novo sistema de governo já estava fixada na mente dos pais da Gloriosa Revolução, embora não tivessem eles nenhuma idéia pré-concebida do modelo a ser adotado, nem tão pouco da fórmula a ser engendrada, já que não se baseavam em qualquer construção doutrinária. Na verdade, tinham apenas muitas incertezas e algumas esperanças de que seu trabalho fosse bem sucedido.

Uma particularidade que muito impressionou os franceses foi o fato de que, a partir daquele momento, ficou estabelecida pelos fundadores americanos a instalação de uma assembléia constituinte para outorgar uma nova Carta, configurando uma atitude decorrente de um ato de intelecto e de vontade.

O término da guerra, entretanto, veio a demonstrar a necessidade de se rever os artigos da Confederação. Os estados americanos já haviam absorvido completamente a forma de governo republicana, de maneira que desejavam manter sua independência. Para isto, pensou-se na elaboração de um instrumento legal destinado a reger as relações entre os estados, interna e externamente, sem que cada um tivesse de abrir mão do que já havia sido conquistado. A constituição seria a lei nacional, entretanto, permitia-se, que cada estado tivesse a sua própria constituição. Porém, a nova Carta teria de ser ratificada pelas treze colônias, contudo não houve unanimidade, já que o estado de Nova York se recusava a ratificá-la. Foi necessário então, que se fizesse uma nova Convenção em Filadélfia, a fim de unificar o pensamento da maioria e viabilizar a ratificação da nova Constituição.

Nessa altura, os ensaios contidos no "Federalista", escritos por Hamilton, Madison e Jay, contribuíram decisivamente para aclarar as idéias defendidas pelos delegados incumbidos de organizar a união dos estados, cujo objetivo primordial consistia em criar um estado nacional e tornar efetiva a Constituição. O processo que se estabeleceu em seguida foi lento e gradual, estendendo-se, basicamente, até o final do Século XVIII. A construção de uma nação, entretanto, requeria muito mais. Assim, podemos resumir o consenso em torno da Constituição em cinco pontos básicos: a) a proteção da liberdade e da propriedade; b) a questão do governo como um contrato social (para proteger os direitos naturais, manter a paz, proteger contra invasões externas - daí partia sua legitimação, vinda da sociedade, dos próprios cidadãos); c) a forma de governo republicano (não se admitia uma monarquia hereditária, e, por outro lado, também não era desejável uma democracia de massa, ou seja, a participação do povo deveria ser de forma indireta); d) os governantes deveriam ter mandatos temporários e com prazos diferentes (presidente com 4 anos, deputado federal com 2 anos, senador federal com 6 anos, exceto o juiz do supremo que seria vitalício - isto caracterizaria o sistema de checks and balances; nenhuma das funções do governo se sobreporia a outra nem o povo dominaria o governo); e) um governo central forte.

Em síntese, este era o pensamento dos norte-americanos que, apesar e nutrirem profunda admiração pela constituição britânica, possuíam condições de vida bastante peculiares, que não lhes permitia vê-la adotada. Era preciso, portanto, encontrar um substituto para o chefe do executivo irremovível e hereditário.

Inúmeras discussões foram travadas até que se chegasse a um consenso quanto à forma de escolha dos membros do Congresso e do Presidente. Finalmente, ficou decidido que existiria uma Câmara Alta, onde os estados teriam um igual número de representantes (Senadores), e uma Câmara Baixa, cujos representantes seriam eleitos em número proporcional à população de eu estado (Deputados), todos eleitos por via direta. Quanto ao Presidente, foi decidido que seria eleito através de um Colégio Eleitoral. Esta escolha constituiu o chamado Great Compromise firmado pelos convencionais. Por fim, foram aprovadas em reunião do primeiro Congresso já sob a nova Constituição de 1789, as primeiras dez (10) emendas que constituiriam a famosa Declaração de Direitos, contendo os direitos básicos dos cidadãos.

2.2. CARACTERÍSTICAS DO PRESIDENCIALISMO AMERICANO.

Por tudo quanto foi dito acima, pode-se concluir que os Estados Unidos da América não começaram sua história como um país livre e democrático, cujas bases políticas se assentavam nos princípios da liberdade e da igualdade. Houve todo um processo histórico que culminou por induzir seus fundadores à construção de uma república e à formação de um estado nacional.

Na prática, foram substituídos os princípios monárquicos da vitaliciedade e da hereditariedade, pela temporariedade e eletividade do governante. Neste ponto, os fundadores inspiraram-se na figura do Rei Jorge III, autoritário e despótico, e que exercia forte controle sobre o Parlamento Britânico. Desejavam, pois, fortalecer a imagem do Chefe do Executivo, embora sentissem a necessidade de criar controles e, ao mesmo tempo, manter sua independência em relação aos outros poderes.
Podemos enumerar como características gerais do presidencialismo, os seguintes pontos, segundo a opinião de Said Maluf: (1974:257 /258)

a) a eletividade do chefe do poder executivo;
b) o poder executivo unipessoal;
c) a participação efetiva do poder executivo na elaboração da lei, através do veto;
d) a irresponsabilidade política do presidente;
e) a independência dos três clássicos poderes de Estado;
f) supremacia da lei constitucional rígida.
Seis grandes invenções na arte de governar surgiram com o advento da implantação do sistema presidencialista americano, conforme ressalta S.E. Finner: (1997:1501-v:III)

A primeira delas seria a conscientização da necessidade de uma Convenção Constitucional, ou seja, de uma Assembléia Constituinte, para traçar um novo modelo de Constituição. A segunda seria a própria Constituição Escrita. A terceira seria a Carta de Direitos Básicos dos Cidadãos materializada por essa Constituição a chamada "Declaração de Direitos". A quarta seria a criação de Cortes de Justiça ou de Tribunais especialmente constituídos para comunicar violações ao texto constitucional, exercendo o poder de obstruí-las ou cancelá-las. A Quinta consistia na tão aclamada separação de poderes diferindo, entretanto do que se conhecia no passado e, por último, o federalismo.

Existia uma preocupação exacerbada dos fundadores em não permitir a concentração de poderes nas mãos de um só governante. A fórmula encontrada, então, foi instituir a separação de poderes. Merece ainda ser destacada, a maneira como os delegados decidiram criar uma nova Constituição, que, na realidade, iria conferir caráter de legalidade à revolução. Outro ponto importante consistia em concebê-la como uma lei suprema para governar e submeter os atos do governo, ou seja, reconhecer dois níveis de governo: um transcendente e outro subordinado.

Em certo sentido, os americanos assimilaram o que havia de bom no modelo inglês e fizeram as adaptações necessárias. O sistema implantado, porém, possuía traços peculiares. Por exemplo, trazia em si a nítida separação de poderes, inclusive, com a especificação de suas funções (executiva, legislativa e judiciária). Criou-se, assim, o chamado sistema de checks and balances ou de freios e contrapesos, na terminologia brasileira, para permitir o equilíbrio entre os poderes.

Todavia, o que de mais fundamental ficou estabelecido foi que o Poder Executivo ficaria inteiramente desvinculado do Poder Legislativo, vale dizer, seus atos não induziriam sua ou de seus auxiliares perante o Congresso. Somente o Senado poderia, por meio de impeachment, destruir o Presidente por prática de crime de responsabilidade.

Em verdade, muitos poderes foram centralizados no Chefe do Executivo, sendo ele, ao mesmo tempo, Chefe de Estado e Chefe de Governo. No sistema americano, o presidente é auxiliado por mais de treze departamentos (ou ministérios) e comanda uma imensa burocracia de cargos, comissões etc. É também, o Chefe das Forças Armadas, embora, na prática, delegue sua autoridade ao Estado Maior (representando a supremacia civil sobre o exército), acumulando, ainda, o cargo de Diplomata Chefe, dispondo de todas as vantagens de informações, do controle de negociações e do poder de fazer ou não tratados. Saliente-se que, muitas vezes, o Congresso sequer tem conhecimento de tais tratados que são celebrados como acordos executivos informais. O Presidente dispõe de vários meios de angariar a cooperação do Congresso, seja através do controle de verbas federais, nomeações, controle de informações e, até, sonegação de informações, sob o argumento do chamado privilégio executivo, posição aliás, apoiada pela Suprema Corte, como informa Terrie Groth (Groth, 1993:41-47).

Como se pode verificar, não é sem razão que se diz que o presidencialismo é um sistema despótico, onde o chefe do executivo é sempre um ditador em potencial.

A instalação de um poder central era fundamental para que tudo pudesse funcionar a contento. Foram conferidos poderes ao governo central - federal - pela Constituição, e tudo mais quanto ali não estivesse especificado pertenceria aos estados ou aos indivíduos. Isso só foi possível acontecer, entretanto, com a implantação do federalismo.

3. HISTÓRIA DO PRESIDENCIALISMO NO BRASIL.

Após sua descoberta pelos portugueses, o Brasil tem passado por muitas fases, desde a criação das capitanias hereditárias ao sistema de governadores gerais, em 1549, que persistia como realidade política, porém, na prática, predominassem os governos locais, estabelecidos nas comarcas e distritos. Em tese, estes governos estariam subordinados ao Governador Geral, mas as autoridades locais desenvolveram um poder muito maior, tornando-se o verdadeiro poder constituído. Criara-se figura do Capitão-Mor, latifundiário que monopolizou o poder político, judiciário e militar.

Tal era o cenário brasileiro até a chegada da família imperial ao Brasil, em 1808. O Príncipe Regente, D. João VI, promoveu grandes mudanças na estrutura do país, libertando assim o Brasil do isolamento em que vivera por longos anos. A sede do governo imperial foi estabelecida na cidade do Rio de Janeiro, que, com tantas mudanças, duplicou o número de habitantes, fazendo crescer também o volume de negócios.

Em Portugal, porém, havia um clamor geral pela volta da Coroa ao seu país de origem, especialmente após a derrota de Napoleão em 1814. Assim, em 1815, por interferência e influência direta de D. João VI, que naquela época era o príncipe regente, o Brasil foi elevado a categoria de Reino Unido a Portugal, legitimando sua permanência no país. Com a morte de sua mãe, D. Maria, a Louca, D. João VI tornou-se formalmente o Monarca. Contudo, temendo a perda do trono português, decidiu voltar a sua terra natal em 1821, deixando aqui seu filho Pedro, nomeado príncipe regente, incumbido de administrar o Brasil.

Como salienta Thomas E. Skidmore: o retorno do rei a Portugal era apoiado pelos militares graduados e mercadores, que esperavam lucrar com a volta da subordinação do Brasil à patria-mãe. (Skidmore,1998:59).

A permanência dos portugueses no Brasil acarretou a decadência do sistema colonial e, conseqüentemente, do monopólio da metrópole. Um outro problema, porém, viria a abalar a estabilidade das relações entre Brasil e Portugal. É que a corte portuguesa, já reestabelecida em Portugal, pretendia dividir o Brasil em unidades separadas, cada uma delas respondendo diretamente a Portugal. Nisto não contou com o apoio nem com a cooperação do Príncipe D. Pedro, nascendo daí os motivos que mais tarde justificariam a proclamação da Independência, em 7 de setembro de 1822.

A estrutura política brasileira sofreria com isso, profundas e drásticas modificações, influenciada por novas teorias políticas muito em moda na Europa, como o liberalismo, o parlamentarismo, o constitucionalismo, o federalismo, a democracia e o republicanismo. Houve, em Portugal, um intenso movimento constitucionalista, chegando-se ao ponto de se cogitar da idéia de se aplicar a Constituição do Porto ao Brasil.

Todavia, o ponto marcante do domínio imperial no Brasil foi, exatamente, ter sensibilidade para entender a urgente necessidade de estabelecer um governo central forte, a fim de promover a organização e a unidade nacional, a integração das províncias e extinguir os poderes regionais, posto que os capitães-mores daquela época haviam se tornado verdadeiros caudilhos. Era necessário, entretanto, que tais modificações fossem amparadas por uma base de legalidade, mediante a adoção de alguns dos princípios atuantes naquela nova fase. Assim, acolhendo as idéias do movimento constitucionalista) decidiu-se que o Brasil teria uma Constituição escrita) que conjugaria os modernos princípios do liberalismo e da democracia, contendo algo como declaração de direitos do homem e mecanismos de divisão de poderes.

3.1. O CONSTITUCIONALISMO NO BRASIL.

O constitucionalismo brasileiro foi inaugurado de forma um tanto desastrosa, eis que, em maio de 1823, instalara-se a primeira Assembléia Constituinte. Entretanto, por motivo de desavenças políticas, o Imperador cuidou de dissolvê-la. Criou então, um Conselho de Estado para elaborar um novo projeto, que foi aprovado sem sequer ser referendado pelas Câmaras de Deputados e Senadores.

As idéias do liberalismo, que já haviam inspirado duas revoluções, a americana e a francesa, não se coadunavam com o poder monárquico absolutista instalado no Brasil dado que este retirava sua legitimidade do poder divino dos reis. Apesar disto, estas idéias ainda conseguiram exercer alguma influência, embora a monarquia reinante não admitisse, em hipótese alguma, a possibilidade de adotar o princípio da soberania popular.

A Constituição Imperial de 1824 é fruto dessas restrições. Adotou o regime monárquico hereditário, constitucional e representativo, apoiado em um modelo proposto por Benjamin Constant, que consistia em uma formulação quadripartite de poder, ou seja, o Monarca exercia ao mesmo tempo o Poder Executivo e o Poder Moderador. Havia ainda o Poder Legislativo, representado por uma Assembléia Geral, composta pela Câmara dos Deputados, onde os representantes eram eleitos pelo povo, com mandatos temporários, e pela Câmara dos Senadores, cujos membros eram indicados em lista tríplice e nomeados pelo Imperador, possuindo mandatos vitalícios. O Poder Judiciário era representado apenas por juizes e pelos jurados, não desempenhando, na ocasião, papel significativo, já que o Conselho de Estado era o supremo intérprete da Constituição.

O novo império foi dividido em dezoito províncias, sendo cada uma delas dirigida por um presidente nomeado pelo Imperador, com o claro objetivo de fortalecer o poder central. Tal fato, todavia, provocou o surgimento de muitas revoltas por todo o país, pois o povo não aceitava mais o predomínio do absolutismo monárquico e lutava pelo estabelecimento do princípio republicano, que modificaria toda a estrutura política do país.

José Afonso da Silva observa com bastante propriedade que a chave de toda a organização política estava efetivamente no Poder Moderador, concentrado na pessoa do Imperador. (Silva,1989:68).
Usando o Poder Moderador, o Imperador poderia intervir em todos os outros Poderes. Dissolvendo a Câmara, pelo direito de adiamento e convocação, interferia no Legislativo, o mesmo acontecendo quando exercia seu direito de escolha do Senador apontado em lista tríplice. Era-lhe também conferido o poder de suspender os magistrados. De igual modo, interferia na autonomia das províncias, já que lhe era permitido escolher livremente seus ministros, afetando, dessa forma, o sistema administrativo de todo o país.

Deve-se reconhecer, entretanto, que o governo, imperial desempenhou papel de curial relevância para o crescimento e o desenvolvimento do Brasil como nação: o fortalecimento de um governo central garantiu e manteve a união nacional.

3.2. MONARQUIA PARLAMENTARISTA.

O movimento de fundo inspirado pelas idéias do republicanismo, do federalismo e democracia desestabilizava o Império, razão pela qual tais idéias não puderam ser acolhidas. Havia muito inconformismo marcado por conflitos internos, alguns antigos, como a Insurreição Pernambucana (1817), a Confederação do Equador (1824), e depois a República de Piratini, e muitos outros que propugnavam pela implantação do regime republicano. Acreditavam que traria para os brasileiros melhores condições de vida, assegurando-lhes o reconhecimento dos direitos humanos fundamentais, o pleno exercício das liberdades e, o que era mais importante, possibilitaria a participação do povo no exercício do poder.

A Constituição de 1824 foi outorgada pelo próprio Imperador. Não satisfeito com o trabalho realizado pela Assembléia Constituinte, simplesmente tratou de dissolvê-la. Por aí já se tinha uma amostra antecipada do tipo de governo que viria.

o Poder Moderador conferido ao Imperador lhe permitia dissolver a Câmara baixa e designar novas eleições. Poderia, ainda, sancionar ou vetar qualquer medida aprovada pelo Senado ou pela Câmara e, ademais, era o árbitro supremo de quaisquer disputas envolvendo questões de Estado. A divisão do país em dezoito províncias, teve como objetivo, fortalecer ainda mais o governo central. Isto, porém, teve um custo bastante elevado para o país, em virtude das constantes deflagrações de movimentos anti-monárquicos. Apesar de representar o símbolo da independência, D. Pedro I enfrentou problemas de todas as ordens, principalmente após a morte de seu pai D. João VI, em 1826, em Portugal, quando foi forçado a retomar para assumir o trono, deixando aqui seu filho Pedro II, com apenas cinco anos de idade, herdeiro do trono brasileiro.

Durante o período que mediou de 1824 a 1879, o Brasil foi palco de muitas rebeliões e insurreições, além de uma guerra sangrenta com o Paraguai, embora todas estas revoltas tenham sido vencidas pelo Império. Por mais de três décadas após a ascensão de D. Pedro II, apenas dois partidos permaneceram alternadamente no poder: o partido conservador, dominante entre 1850 e 1863, e o partido liberal, que desde o início da guerra contra o Paraguai, em dezembro de 1864, estivera em constante desacordo com o Imperador e o Senado. Na realidade, a guerra prestou-se para intensificar as tensões entre civis e militares nas décadas seguintes, especialmente, a partir de 1880. Quando Duque de Caxias renunciou ao comando das tropas, o fez no intuito de induzir a saída do gabinete liberal, o que de fato ocorreu, provocando também a ruptura do Partido Liberal. Nesta ocasião, Duque de Caxias foi substituído pelo próprio genro do imperador, o Conde D'Eu, que ficaria encarregado de terminar a operação de limpeza. A atitude do Imperador provocou a divisão do Partido Liberal, forçando-o a convidar membros do partido conservador a formar um novo governo que lhe garantiria apenas minoria de votos na Câmara dos Deputados.

Comentava-se que a guerra o havia afetado pessoalmente, perdendo o reconhecimento público de monarca sábio e benigno, sem partidarismos. Chegou mesmo a ser acusado de ter abusado de seu poder moderador. Então os liberais lançaram um manifesto cobrando medidas como descentralização, limitação de mandato para os Senadores, autonomia para o Poder Judiciário, liberdade religiosa, além de uma gradual abolição da escravatura. Os dissidentes da ala esquerdista do Partido lançaram em 1871 um outro manifesto. Este último, ainda mais ousado, anunciava a decisão de romper com todas as tradições e compromissos do antigo partido e formar o Partido Republicano, que exigia nada mais, nada menos, do que o fim do Império.

3.3. DA MONARQUIA À REPÚBLICA.

O ideal republicano, como se pode observar, havia inspirado o sonho de muitos e tinha motivado incontáveis movimentos durante o período do Brasil Império. Por muitos anos, porém, foi um sonho frustrado. Todavia, o rompimento do Partido Liberal contribuiu para facilitar a instalação da república no país. Não que os partidos até então existentes -Liberal e Conservador - mantivessem propostas políticas sérias, ou possuíssem uma verdadeira ideologia política. Ao contrário, eram ligados às elites, com estrutura bastante precária e comprometidos com as camadas sociais mais abastadas, representantes de grandes latifundiários preocupados apenas em fazer desenvolver seus interesses agrários.

Ainda assim, os membros do Partido Liberal representavam o que havia de mais moderno. Eram considerados a classe política, progressista, de onde irromperia o republicanismo.

Verifica-se, então, a 15 de novembro de 1889, o golpe de Estado que pôs fim à monarquia e instalou o governo provisório, sob a presidência do Marechal Deodoro da Fonseca, proclamando-se o Brasil como uma República Federativa.

O primeiro ato do novo governo, anota José Afonso da Silva, consistiu do Decreto no. 1, daquela data, que em seus primeiros artigos diz: As províncias do Brasil, reunidas pelo laço da federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brasil, e cada um desses Estados, no exercício de sua legítima "soberania" -diz o decreto - decretarão oportunamente a sua constituição definitiva, elegendo os seus corpos deliberantes e os seus governos (arts. 1°,2° e 3°) (Silva, 1989:70).

Além de todas estas determinações, cuidou Rui Barbosa, redator do citado Decreto, de promover a criação de uma comissão especial para elaborar o Anteprojeto de Constituição, a qual, finalmente foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891. Com a nova Constituição implanta-se, em definitivo, a nova ordem jurídica brasileira, baseada nos ideais do princípio republicano, que exterminaria as desigualdades inerentes ao sistema hereditário e as discriminações sociais. Tornava, em tese, as autoridades verdadeiramente representativas do povo, vez que investidas com mandatos temporários por prazo certo, tanto Deputados como Senadores, escorados, ainda, no federalismo.

Evidenciava-se que a união dos estados se pretendia que fosse perpétua e indissolúvel, tanto que os princípios acima referenciados foram dotados de extrema rigidez, e, portanto, insuscetíveis de modificação. Os poderes do Estado foram então fortalecidos, respaldados pela teoria clássica de Montesquieu, seguida da opção pelo sistema presidencialista.

Promulgada a Constituição, elegeram-se Presidente, o Marechal Deodoro da Fonseca, e vice-presidente, Floriano Peixoto, oriundos de chapas antagônicas. Tal fato foi o bastante para dar início a tentativa de destituição do governo através do processo de "impeachment'. Não havia ainda sequer a regulamentação deste instituto nem a definição dos crimes de responsabilidade do Presidente. Todavia, um projeto chegou a ser apresentado ao governo e foi prontamente vetado, sendo em seguida encaminhado ao Senado, pelo vice-presidente da Casa, a fim de que o veto fosse apreciado. Em retaliação, o então Presidente da República, Deodoro da Fonseca, resolveu dissolver o Congresso, em 3 de novembro de 1891. Em 23 de novembro do mesmo ano, foi forçado a renunciar, assumindo a Presidência Floriano Peixoto.

Como se pode verificar, a criação de um Chefe do Executivo identificado com a figura do Presidente da República, fazendo às vezes de Chefe de Estado e Chefe de Governo, embora eleito por um prazo de quatro anos, conforme ficou estabelecido no art. 43 do texto constitucional, não modificou em muito o cenário político brasileiro. É que as estruturas políticas estavam corroídas, a ideologia dos partidos políticos estava comprometida e em muitos sentidos não lhes garantia coesão para concretizar os compromissos assumidos com o povo.

O art. 43 da Constituição de 1891 vedava a reeleição, diferindo nesse ponto, do sistema americano, que a permitia expressamente. O ponto em comum entre ambos os sistemas residiu na possibilidade de vir a ser o Presidente da República julgado pelo Senado, na hipótese de cometimento de crime de responsabilidade, atuando este como Tribunal de Justiça, presidido, porém, pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal. Eis aí, perfeitamente acolhido pelo ordenamento pátria, o instituto do "impeachment”, que relevante papel desempenharia mais tarde.

O Legislativo foi dividido em duas casas: o Senado, composto por três representantes de cada Estado, com mandato de nove anos, e a Câmara dos Deputados, representando cada uma das novas unidades da federação, com número de deputados eleitos em termos proporcionais à população.
O Judiciário, por sua vez, teve suas funções ampliadas. Passou a ter controle sobre os atos legislativos e administrativos, conferindo-se, ainda, aos seus membros, as seguintes prerrogativas: vitaliciedade (art. 57) e irredutibilidade de vencimentos (art. 57, § 1°).

Embora não houvesse mais lugar para a imponente figura do Poder Moderador, em verdade, nem tudo havia mudado. Inovações foram introduzidas ao texto constitucional, como o alargamento que mereceu a Declaração de Direitos e a instituição do Habeas-Corpus. Todavia, a velha e arcaica política de patronagem praticada pelos antigos partidos políticos permanecia bem atual, provocando freqüentes crises que terminariam por conduzir o país ao estado de sítio.

O enfraquecimento do poder central da União, levou o país a situações cada vez mais irremediáveis, resultando no restabelecimento dos poderes locais, ou seja, os governos estaduais amparados pelos velhos coronéis passaram a interferir no esquema político do país, elegendo deputados e senadores. De outra parte, a descrença dos próprios teóricos da Constituição fez com que se difundisse a necessidade de reforma, a fim de promover alterações no processo de intervenção da União nos Estados, no Poder Legislativo e no processo de elaboração das leis, nos direitos e garantias individuais, na Justiça Federal e, especialmente, fortalecer o Executivo. Tais reformas ocorreram em 1926, e provocariam, quatro anos mais tarde, o fim do primeiro período republicano, com a subida de Getúlio Vargas ao poder, em 1930, volta do atentamente para as questões sociais.

Todavia, Celso Ribeiro Bastos salienta que:

Em conclusão, qualquer que seja o juízo que se faça sobre as virtudes desta Emenda, o certo é que ela não teve o condão de garantir longevidade ao texto Constitucional. Ele estava fadado a ser varrido das nossas instituições também por um movimento armado em 1930, quando então se fecha o período hoje denominado Primeira República. (Bastos, 1989:61).

4. O PRESIDENCIALISMO BRASILEIRO.

Inaugura-se, em de 24 de julho de 1891, uma nova fase no país. É o começo do Brasil Republicano, surpreendido com um sistema de governo inteiramente desconhecido e desvinculado das tradições políticas brasileiras: o presidencialismo.

A queda da monarquia representou muito mais que um rompimento com um antigo modelo de governar. Trouxe, na realidade, profundas inovações, mudanças para as quais não estávamos preparados. O Império foi derrubado por um golpe militar e não por uma revolução social, no entanto, como tem ocorrido com a maior parte das transições políticas importantes no Brasil, não houve derramamento de sangue e o período republicano teve início como um governo militar. Isto porque os republicanos tinham feito sérios avanços entre os militares descontentes, especialmente junto aos positivistas, como anota Skidmore (Skidmore, 1998:108).

A primeira Constituição Republicana foi fruto de uma Assembléia Constituinte orquestrada pelo ilustre deputado baiano Rui Barbosa, reunida de 1890 a 1891, e sua característica fundamental foi a descentralização radical do poder. O que, porém, nos causa mais espanto quando estudamos a evolução histórica das instituições nacionais, é perceber que os primeiros republicanos incumbidos de modelar as novas instituições do país, não tinham nenhuma Identificação com o sistema presidencialista, ao contrário, eram parlamentaristas tradicionais. Isto se verifica claramente, já no Manifesto Republicano de 1870, cujo objetivo era perpetrar a mudança do sistema unitário para o sistema federativo de governo. Em momento nenhum, porém, lhes passava pela cabeça romper com a velha tradição parlamentarista.

Todavia, talvez por desconhecerem o funcionamento do novo sistema e seus nefastos efeitos, decidiram inseri-lo no art. 41 da nova Carta Constitucional. Assim, diante do silêncio da Nação, nascia, para o Brasil, a opção pelo sistema presidencialista.

A Constituição de 1891, cuidara de reformular todo o arcabouço jurídico do país, estabelecendo, de início, que a Nação brasileira passava a adotar a república federativa como nova forma de governo, a qual se constituía pela união perpétua e indissolúvel de suas províncias, formando os Estados Unidos do Brasil. As antigas províncias foram guindadas à condição de Estados, em decorrência da transformação do país em federação, conferindo-se-lhes autonomia política e administrativa, tal qual o modelo americano, chegando ao ponto de igualmente proclamar as liberdades democráticas. O novo regime previa, também, a harmonia e independência dos poderes e eleições diretas para Presidente da República, com mandato de quatro anos. Previu-se, ainda, a autonomia dos municípios e a possibilidade de destituição do Chefe do Executivo, na hipótese de praticar crime de responsabilidade, através do impeachment, figura esta herdada do sistema presidencialista norte-americano que, por sua vez, acolheu-a do modelo anglo-saxão.

4.1. CARACTERÍSTICA DO PRESIDENCIALISMO BRASILEIRO.

O que diferencia, fundamentalmente, o sistema presidencialista, em contraposição ao parlamentarismo, é a completa independência do poder executivo em relação ao legislativo. E, em especial, o fato de que, no governo presidencialista, o Presidente da República exerce dupla atribuição: a de Chefe do Estado e a de Chefe do Governo. No Brasil, a chefia do Executivo é unipessoal e o exercício do mandato é temporário. Ademais, nenhuma responsabilidade política lhe é cobrada por seus atos, salvo se praticar crime de responsabilidade, quando então ficará sujeito ao “impeachment”, podendo ser afastado temporária ou definitivamente de suas funções, devendo tais infrações serem apuradas através de processo político-administrativo, instaurado pelas Casas do Congresso Nacional.

A responsabilização do Presidente da República, portanto, não é política, mas penal, e os crimes de responsabilidade se encontram parcialmente previstos no caput do art. 85 da Constituição Federal, em cujo o Parágrafo Único está prevista, ainda, a elaboração da lei especial para defini-los e estabelecer as normas de processo e julgamento.

Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos da América, onde o presidente é eleito através de um código eleitoral, no Brasil, a eleição para Presidente da República é realizada por via direta, podendo acontecer em até dois turnos de votação. Ou seja, exige-se que o candidato alcance a maioria absoluta de votos, vez que adotou-se o princípio da maioria absoluta ou sistema majoritário. A eleição do Presidente implica, necessariamente a do vice-presidente, sendo ambos candidatos registrados em uma mesma chapa, para cumprir mandato de quatro anos, permitida a reeleição dos Chefes de Executivo (Presidente, Governador e Prefeito), para um único período subseqüente, de acordo com a previsão constante do § 5º do art. 14 da Constituição Federal Brasileira.

Os Ministros de Estado, são considerados meros auxiliares do Presidente, que poderá nomeá-los ou exonerá-los livremente, sendo suas atividades exerci das de forma autônoma e isolada, inexistindo qualquer espécie de hierarquia entre os Ministérios.

A execução de plano de governo, depende, exclusivamente, da coordenação do Presidente da República. Todavia, quaisquer que sejam seus resultados, bons ou ruins, isto em nada afetará seu mandato ou a permanência de seus Ministros, enquanto membros de sua confiança.

4.2. PRINCIPAIS FORMAS DE CONTROLE.

As relações do Poder Executivo com o Legislativo, em tese, são completamente desvinculadas e independentes, por influência da teoria da separação dos poderes, embora, na prática, isto não ocorra de forma tão radical. Na realidade, a denominação de Poder Executivo possui conteúdo incerto, em virtude de confundir poderes, faculdades e prerrogativas de variadas natureza, sendo mais correto referir-se a atos de chefia de estado, de governo e de administração. Assim, considerando-se este aspecto, pode-se infirmar que o Presidente da República, no Brasil, exerce, basicamente, três funções: Chefia de Estado, Chefia do Governo e Chefia da Administração Pública Federal, encontrando-se suas atribuições previstas em nosso texto constitucional.

O ordenamento jurídico brasileiro acolheu a teoria da separação de poderes, resultando, portanto, na adoção da técnica de controle dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, inspirado no modelo norte-americano.

O papel desempenhado pelo órgão legislativo não é o de mero elaborador de leis, vez que exercita também o controle externo dos atos do governo. Este controle está inserido entre as atribuições exclusivas do Congresso, podendo ser exercido por qualquer de suas Casas, auxiliado pelo Tribunal de Contas da União, órgão autônomo e independente, com natureza jurídica administrativa, porém, dotado de poderes especiais, como o de aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei. Poderá, ainda, estabelecer entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; sustar a execução de atos impugnados, comunicando sua decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal etc., conforme previsão constante dos incisos VIII e X do art. 71 da Constituição Federal brasileira, objetivando, assim, fazer com que se cumpra a legislação.

O Congresso Nacional é constituído por Deputados Federais e Senadores, eleitos diretamente pelo povo. Os representantes da Câmara dos Deputados são escolhidos pelo sistema proporcional, para cumprir mandato de quatro anos, não podendo cada unidade da federação eleger menos de oito ou mais de setenta Deputados. O Senado Federal é composto por três representantes de cada Estado e do Distrito Federal, com mandatos de oito anos e representação renovada a cada quatro anos, por um e dois terços, de forma alternada.

A independência entre os poderes, executivo e legislativo, confere certa estabilidade ao sistema e aos ocupantes dos respectivos cargos eletivos, que poderão dentro daquele período, traçar as metas políticas de governo. Ademais, a temporariedade de seus mandatos é uma garantia de renovação e participação popular, constituindo um fator característico e peculiar do presidencialismo. O Congresso Nacional, não sendo um Parlamento, não está sujeito à dissolução e, portanto, não está obrigado a se submeter às determinações do Poder Executivo. Do mesmo modo, os atos deste último não estão sujeitos a aprovação do Legislativo, embora estejam sujeitos ao seu controle, através de mecanismos diversos, postos à disposição do Congresso Nacional, como por exemplo: sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo; fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta; zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes; aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares; autorizar referendo e convocar plebiscito; etc., conforme preceituam os incisos V, VI, IX, X, XI, XIV, XV do art. 49 do texto constitucional.

O sistema de contrapesos estabelecido pelo presidencialismo brasileiro prevê, ainda, o poder de veto total ou parcial do Presidente da República, em matéria legislativa. Além disto, confere-lhe competência para editar medidas provisórias com força de lei, em caso de relevância e urgência, devendo tais medidas serem referendadas pelo Congresso Nacional, no prazo de trinta dias, sob pena de perderem sua eficácia. Estando o Congresso em recesso, poderá ser convocado extraordinariamente, para que se reuna em cinco dias, consoante estatuem os arts. 62 e 84, inciso XXXVI da Constituição Federal Brasileira.

O poder de veto representa, sem dúvida, uma forma de controle sobre o Poder Legislativo. Pois, a partir do momento em que o Presidente da República, substituindo-se ao legislador ordinário, arroga para si, competência que é própria de outro poder, invade uma seara estranha à natureza de suas atribuições.

O controle interno, por sua vez, é aquele exercido pelo próprio Poder Executivo, no âmbito da Administração Federal, destinando-se à verificação da legalidade e da regularidade dos atos realizados, controle e acompanhamento das operações financeiras, prestando, ainda, eventualmente, auxílio ao Tribunal de Contas da União.

Os atos do Poder Executivo encontram-se, também, sujeitos ao controle do Poder Judiciário, nos termos do que preceitua o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal brasileira: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;. Esta garantia conferida aos cidadãos em geral, permite a avaliação, pelo Judiciário, da prática de atos ilegais ou irregulares, assim como aqueles arbitrários ou abusivos, originários de qualquer dos Poderes ou de particulares.

As garantias, como bem ensina o Prof. Paulo Bonavides, são meios de defesa - se colocam então diante do direito, mas com este não se deve confundir. (Bonavides, 1993:440). Podemos dizer que garantias são instrumentos inseridos no texto constitucional com dupla finalidade: proteger a Constituição e, de outro lado, oferecer sustentação e integridade aos direitos fundamentais dos cidadãos. Tais direitos encontram-se albergados pelas denominadas cláusulas pétreas, constantes do § 4º do art. 60 da Constituição Federal brasileira, e confere-lhes a indispensável liberdade e segurança jurídica imanentes ao Estado de Direito, sendo bastante clara a redação do citado dispositivo:

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto e universal;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.

Podemos, assim, concluir que o sistema presidencialista brasileiro permite três formas distintas de controle: 1) interno - levado a efeito pelo próprio Poder Público Federal; 2) externo - exercido pelo Poder Legislativo com o auxílio do Tribunal de Contas da União, e 3) judicial - exercitado pelo Poder Judiciário, mediante provocação dos interessados.

4.3. PRESIDENCIALISMO E PARLAMENTARISMO.

Distinguir os traços fisionômicos dos sistemas presidencialista e parlamentarista não é tarefa tão simples como pode parecer à primeira vista.
Em primeiro porque, sistemas existem, a exemplo do presidencialismo da República Oriental do Uruguai, que em muito se assemelham ao parlamentarismo, porém, com ele não se confunde, constituindo, apenas, uma espécie de variação bem interessante como comentaremos adiante. Em segundo porque, o que demarca fundamentalmente a diferença entre estes dois tipos de sistemas é o tipo de relação mantida entre os Poderes Executivo e Legislativo.

O Presidencialismo, historicamente, é o sistema que perfilhou o princípio da separação dos poderes, considerado o pilar das garantias constitucionais da liberdade, em face de possibilitar a descentralização política, a renovação de seus representantes e a participação popular, por via direta ou indireta, na escolha de seus líderes. O que há de mais peculiar, entretanto, é que, nesse tipo de governo, o Chefe do Poder Executivo concentra à sua volta, enorme parcela de poder, sem que tenha qualquer responsabilidade política pelos atos que pratica. Essa irresponsabilidade política, usualmente, é estendida aos seus auxiliares diretos, ou seja, aos Ministros, os quais são livremente nomeados e exonerados pelo Presidente, vez que exercem apenas funções de confiança. Outro traço característico do presidencialismo é sua compatibilização com o regime republicano onde, de regra, o Presidente da República é eleito diretamente e não por meio de um colégio eleitoral, como acontece nos Estados Unidos, decorrendo daí que seus poderes derivam, não raro, do povo que o elege através do voto direto.

A responsabilidade do presidente, conforme foi consignado, é de natureza penal e não política, de forma que seu afastamento, antes do término de seu mandato, só ocorrerá na hipótese de cometimento de crime de responsabilidade, através do processo de impeachment. Sua interferência na esfera legislativa é mínima, devendo ser ressaltada, todavia, a co-participação entre os dois Poderes com relação a apreciação de matéria orçamentária. Em contrapartida, são inúmeras as atribuições conferidas ao Presidente da República nas áreas administrativa, militar, judiciária e de política interna e exterior, abrangendo um enorme leque de competências, que o tornam, na realidade, um ditador constitucional. A ampliação crescente de seus poderes e atribuições tem sido vista como um fator de modernização do executivo, com o fito de lhe permitir maior celeridade e eficiência nas decisões.

Sabe-se, porém, que, nos paises que adotam o sistema presidencialista como forma de governo, um dos mais freqüentes problemas que surgem diz respeito a base de sustentação política do governo (presidente) perante o Congresso ou Parlamento - como se denomina em França - vez que este, nem sempre, conta com o necessário apoio partidário para tomar efetivas suas ações. Necessita, assim, de constantes negociações com outros partidos para obter a aprovação de suas medidas, o que nem sempre é viável ou possível, uma vez que, no Brasil, os partidos políticos não possuem unidade ou coesão, não seguem seus próprios estatutos e, no geral, seus representantes desconhecem por completo o significado da expressão fidelidade partidária. Os políticos brasileiros adotam os partidos como objetos de aluguel, de modo que não são os partidos que os colocam no poder, mas estes deles se utilizam para realizar suas aspirações políticas pessoais. Existe, é que ele leva a um governo forte. e eficaz - tanto per se como em portanto, uma inversão de valores que gera um descompasso político e partidário, acarretando uma certa instabilidade no governo, resultando nas crises que têm levado o país ao caos, ao descontrole econômico, administrativo e político. De conseguinte, o funcionamento do sistema presidencialista conduz muitas vezes a saídas pouco pacíficas ou o que é mais comum, inadequadas para a resolução dos conflitos internos, prejudicando todo o processo democrático do pais.

Giovanni Sartori, analisando o sistema presidencialista norte-americano faz importante observação acerca de seu funcionamento, ressaltando sua fragilidade, quanto ao aspecto da ruptura causada em razão, exatamente, da aplicação da teoria da separação dos poderes. Esta, embora represente a pedra fundamental de todo o sistema, contribui para o seu enfraquecimento, a medida em que o transforma em um governo democrático, porém, ditatorial:

A premissa básica do presidencialismo comparação com os sistemas parlamentaristas. Esta, porém, é uma premissa discutível. O fato de o sistema norte-americano há muito vir enfrentando problemas não desmente a afirmativa de que uma estrutura de poder dividida conduz mais facilmente do que qualquer outra à paralisia e aos impasses (Sartori,1996:103).

De regra, a saída para as crises e os impasses, nos sistemas presidencialistas, tem sido o uso da força e os golpes militares, posto que não existem alternativas legais para a substituição do Chefe de Governo.
Este deverá se manter no poder até o término de seu mandato, ainda que já não conte mais com o apoio popular.

Merece ser destacada a importância do vice-presidente, no sistema presidencialista brasileiro, tendo em vista que este é o sucessor natural do Presidente, em caso de vacância e seu substituto, na hipótese de ocorrer impedimento no exercício de suas funções, corno estipula o art. 79 do texto constitucional.

O cargo de vice-presidente havia sido abolido pelo Ato Adicional à Constituição de 1946, que instaurou o sistema parlamentarista de governo, e embora a Emenda no. 6 daquele mesmo ano tenha restabelecido o presidencialismo em nosso país, a supressão foi mantida. Somente em 1964 é que o cargo foi restaurado. A Constituição Federal de 1988, em seus arts. 89 e 91, procurou prestigiar ao máximo a figura do vice-presidente, nomeando-o membro nato do Conselho de Defesa Nacional. Salientou mais que ele desempenha função consultiva do Presidente da República no que concerne a matérias referentes à manutenção estável do sistema federativo e das instituições democráticas, soberania nacional e defesa do Estado.

Verificamos, contudo, que no Uruguai o funcionamento do sistema presidencialista é um pouco diferente, uma vez que o Presidente da República dispõe de meios legais para dissolver a Assembléia Geral ou Congresso, o qual, por sua vez, possui poderes julgar os atos dos Ministros de Estado, consoante estabelecem os arts. 85, item 19, combinado com os arts. 147 e 148 da Constituição uruguaia:

Art. 85 - A la Asemblea General compete:

19 -Juzgar politicamente la conducta de los Ministros de Estado, de acuerdo a lo dispuesto en la Sección VIII.

A Seção VIII a que se refere o aludido dispositivo, trata das relações entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo, estabelecendo expressamente que:

Art. 147 - Cualquiera de las Câmaras podrá juzgar la gestion de los Ministros
de Estado, proponiendo que la Asamblea General, en sesión de ambas câmaras, declare que se censuran sus actos de administración o de gobierno.

Cuando se presenten mociones en tal sentido, la Câmara en la qual se formulen será especialmete convocada, com un término no inferior a cuarenta y ocho horas, para resolver sobre su curso.

Art. 148 - La desaprobación podrá ser individual, plural o colectiva, deviendo ser pronunciada en qualquier caso, por la mayoría absoluta de votos del total de componentes de la Asamblea General, en sesión especial y pública. Sin embargo, podrá optarse por la sesión secreta cuando así lo exijan las circunstancias.

La desaprobación pronunciada conforme a lo dispuesto en los incisos anteriores, determinará la renuncia del Ministro, de los Ministros o del Consejo de Ministros, según los casos.

El Presidente de Ia República podrá observar el voto de desaprobación cuando sea pronunciado por menos de dos tercios del total de componentes del Cuerpo.

En tal caso la Asamblea General será convocada a sesión especzol a celebrarse dentro de los diez dias seguientes.

Si la Asemblea General mantuviera su voto por un número inferior alos tres quintos del total de sus componentes, el Presidente de la República, dentro de las cuarenta y ocho horas siguientes podrá mantener por decisión expressa, al Ministro, a los Ministros o al Consejo de Ministros censurados y disolver las Câmaras.

En tal caso deberá convocar a nueva elección de Senadores e Representantes, Ia que se efectuará eI octavo Domingo siguiente a la fecha de la referida decisión.

El mantenimiento del Ministro, Ministros o Consejo de Ministros censurados, la disolución de Ias Câmaras y la convocatoria a nueva elección, deberá
hacerse simultáneamente en el mismo decreto.

Sartori entende que o Uruguai, apesar de ter apresentado variações ao sistema presidencialista concebido a partir do modelo norte-americano, não pode ser considerado como uma forma estranha a ele. O fato de o Legislativo poder censurar os ministros e o Presidente da República gozar da prerrogativa de dissolver o Congresso não descaracteriza o sistema, apenas o diferencia dos demais.

A Constituição argentina, por sua vez, ao tratar das atribuições do Poder Legislativo, confere à Câmara dos Deputados, em seu art. 53, a seguinte competência:

Sólo ella ejerce el derecho de acusar ante el Senado al presidente, vicepresidente, al jefe de gabinete de ministros, a los ministros y a los miembros de la Corte Suprema, en las causa de responsabilidad que se intenten contra ellos, por mal desempeno o por delito en el ejercicio de sus funciones; o por crímenes comunes, después de haber conocido de ellos y declarado haber lugar a la formación de causa por la mayoría de dos terceras partes de sus membros presentes.

A exemplo do que ocorre no Brasil, o Presidente da Nação Argentina pode nomear e remover livremente seus Ministros, bem como, o Chefe do Gabinete dos Ministérios (art. 99, item 7), embora não exista em nosso ordenamento um Chefe dos Ministérios, pois não há hierarquia entre eles. Nota-se, porém, que na Argentina, a responsabilidade dos Ministros é coletiva e solidária com o Chefe do Executivo, vez que os atos deste deverão, ordinariamente, ser referendados pelo Chefe de Gabinete do Ministério e pelos próprios Ministros encarregados da pasta, com exceção do que preceitua o item 3, do citado art. 99.

No tocante a este aspecto podemos, ainda, acrescentar, que o ordenamento jurídico brasileiro guarda alguma semelhança com a norma acima citada, posto que inseriu no elenco das atribuições dos Ministros, referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República, conforme prevê o inciso I do art. 87 da Constituição Federal brasileira. Ressalve-se, entretanto, que a responsabilização dos Ministros, considerando-se que exercem funções meramente auxiliares, somente ocorre quando praticam crimes de responsabilidade ou comuns. Nos crimes de responsabilidade, conexos com o do Presidente da República, serão julgados pelo Senado Federal, sob a presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal, e com relação aos crimes comuns e de responsabilidade, salvo quando conexos com os do Presidente da República, serão processados e julgados originariamente pelo Supremo Tribunal Federal.

São bastante nítidas as distinções entre os dois sistemas de governo, parlamentarismo e presidencialismo. No entanto, ambos não se confundem, dadas as particularidades e as diferentes relações que estabelecem entre os poderes executivo e legislativo, podendo ser apontados três traços essenciais, consoante Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

a) apóia-se o parlamentarismo na divisão funcional clássica, distinguindo um Legislativo, um Executivo e um Judiciário com órgãos e competências próprias;

b) executivo e legislativo não são independentes entre si, mas o judiciário é independente de um e de outro;

c) a estrutura do poder executivo é dualista, provendo-se de um lado um chefe de Estado e de outro, um chefe de governo a que se vincula o Gabinete. (Ferreira Filho,1993:9-10).

É certo que o sistema parlamentarista, moldado em regras construídas ao longo do tempo, é forma representativa de governo e também a única resultante de um processo histórico e do incessante desdobramento de instituições inglesas, tendo surgido como forma de organização política avessa à monarquia absolutista. Nesse ponto, difere substancialmente do sistema presidencialista, criado e implantado nos Estados Unidos da América sem apoio em qualquer instituição política tradicional, e, portanto, sem raízes históricas. O presidencialismo norte-americano foi adaptado a partir do sistema monárquico inglês, porém, com exclusão de seu maior vício, que consistia segundo seus defensores, na concentração de todo o poder nas mãos de uma só pessoa.

Podemos distinguir em sua trajetória, duas fases que assinalam o começo da implantação desse sistema nos moldes como ele se apresenta nos moldes como ele se apresenta nos dias atuais. A primeira delas retrata as lutas travadas para a conformação de um governo representativo que pudesse exercer algumas influência diante da monarquia absolutista, abrangendo o período compreendido entre os séculos XIII a XVII. A segunda fase refere-se a uma série de ocorrências pacíficas, porém, modificadoras da vida política inglesa, alavancadas após a revolução liberal de 1688, cujo objetivo era resguardar as instituições inglesas e os direitos já conquistados, dentre eles, a efetiva proteção da liberdade pessoal e a participação do povo no poder, através da representação política na Câmara Baixa do Parlamento. A Gloriosa Revolução, como ficou conhecida, culminou com a instalação definitiva de um regime representativo mais aprimorado, o parlamentarismo, no qual já se destacava a influência marcante e decisiva das duas casas legislativas: a Câmara dos Comuns e a Câmara dos Comuns e a Câmara dos Lordes.

O fortalecimento do parlamentarismo, entretanto, decorreu do esvaziamento e desuso de algumas prerrogativas da realeza, notadamente, a partir da dinastia de Hannover, que tornou-se conhecida como a dos reis impossíveis Jorge I, Jorge II, Jorge III e Jorge IV). A primeira demonstração de força do parlamento ocorreu durante o reinado de Jorge III, quando por volta de 1782, Lord North, então primeiro-ministro, se demite da chefia do governo, em virtude da grande oposição parlamentar que lhe era movida, embora contasse com a inteira confiança do monarca. Renunciou após receber duas moções de censura e desconfiança, temendo que se consumasse a ameaça do impeachment. Contudo, a partir do conflito do Parlamento com os Stuarts, restara consagrado pelo ordenamento jurídico inglês, o novo princípio de direito público, segundo o qual, em caso de pendência com o poder representativo, o ministro decaído da confiança do Parlamento ficaria sujeito a um processo de responsabilização, cuja acusação caberia à Câmara dos Comuns, competindo o julgamento à Câmara dos Lordes.

O impeachment é um instituto que induz a responsabilidade penal, todavia, dentro do sistema inglês teve seus contornos modificados. É que desde o século XVIII, passou-se a cobrar a responsabilidade política dos governantes, expondo perante a opinião pública todo o ministério, fato que ocasionava, em conseqüência, a perda do poder e sua exoneração solidária. Tal conduta tornou-se praxe do sistema parlamentarista, fazendo com que o impeachment se tornasse um instrumento enferrujado e sem nenhuma função.

Constata-se, assim, uma outra distinção entre os dois sistemas. No parlamentarismo a representação do executivo é dual: o rei representa a Chefia de Estado e o primeiro-ministro representa a Chefia de Governo, devendo-se ressaltar, ademais, que o do Chefe de Governo é responsável politicamente pelos atos de seu governo.

Ademais, não se deve perder de vista que o traço característico do sistema parlamentarista se baseia no princípio de que o parlamento é soberano, não permitindo, desse modo, a separação de poderes, mas impondo, ao contrário, a partilha do poder entre o Legislativo e o Executivo. Pode-se então, afirmar que existem, basicamente, duas formas de parlamentarismo: o parlamentarismo dualista e o parlamentarismo monista.

Ensina o Prof. Paulo Bonavides que o parlamentarismo dualista caracteriza-se, essencialmente, pelos seguintes fatores: a) igualdade entre o executivo e o legislativo; b) a colaboração dos dois poderes entre si; c) a existência de meios de ação recíproca no funcionamento do executivo e do legislativo. (Bonavides,1996:323)

A igualdade entre o executivo e o legislativo resulta da dualidade no exercício do poder executivo, dividido entre o Chefe de Estado (o rei ou o presidente) e o Chefe de Governo, representado por um Gabinete presidido por um primeiro-ministro.

Até por volta do século XVIII, competia ao monarca indicar livremente seus ministros, esta foi a tese sustentada em favor do rei durante longo tempo. Só muito mais tarde, a Câmara dos Comuns conseguiu modificá-la, construindo a doutrina da responsabilização. política e solidária do ministério.

O Gabinete tinha a função de intermediar as relações entre o Chefe de Estado (o monarca) e o Parlamento, devendo ser ressaltado que a sua unidade e homogeneidade são considerados elementos fundamentais ao funcionamento do sistema, resultando na colaboração recíproca entre os poderes. É de sua inteira responsabilidade todos os atos praticados em razão do exercício do poder, competindo ao primeiro-ministro organizar o gabinete, dirigi-lo, presidir-lhe às sessões, chefiar o partido majoritário, além de exercer a liderança parlamentar e outros misteres, sendo de curial importância a obtenção do apoio da maioria para a consecução dos negócios de governo. Eis porque a unidade e homogeneidade do gabinete é fundamental, pois disto decorre também a responsabilidade solidária dos Ministros, que devem apresentar unanimidade de opinião e adotar uma só política, demonstrando, assim, seu apoio total e irrestrito ao governo em exercício.

O principio da responsabilização ministerial encontra-se intrinsecamente ligado à faculdade ou direito de dissolução do Parlamento, que constitui, entretanto, importante instrumento de flexibilização deste sistema. Não se destina a dominação ou sujeição do Parlamento, não devendo, portanto, ser confundido com um artefato belicoso posto à disposição do Chefe de Estado. Sua aplicação faz desencadear a realização de novas eleições, representando um apelo a Nação, para decidir pela manutenção ou não do Gabinete no poder.

O equilíbrio entre os poderes executivo e legislativo foi alcançado no sistema parlamentarista inglês, através da criação de duas câmaras legislativas, e ocorreu d.e forma natural, não foi fruto do pensamento de nenhum pesquisador ou cientista político, mas sim do desenrolar de circunstâncias históricas, cujas origens remontam a Gloriosa Revolução. O bicameralismo surgiu como mecanismo de contenção aos possíveis excessos do legislativo, podendo-se afirmar que foi a solução mais adequada para opor limites a atuação desse poder, viabilizando a harmonia e a igualdade entre executivo e legislativo.

Surge no século XX um outro tipo de parlamentarismo, denominado monista, com funcionamento modificado e com características mais democráticas, em face da decadência dos poderes monárquico-aristocráticos e a ascensão dos poderes democráticos, além de destacada predominância do ministério e do chamado governo de gabinete.

Como assevera o Prof. Paulo Bonavides: A nota ideológica dominante do parlamentarismo monista se prende antes às máximas da democracia social e do socialismo democrático do que às velhas e ultrapassadas concepções do monarquismo e da liberal-democracia. (Bonavides,1996:329)

O parlamentarismo dualista atingiu seu apogeu no século XIX quando foi largamente utilizado pela burguesia liberal em defesa de seus interesses políticos e. sociais, porém, à medida em que se desenvolvia a doutrina da responsabilização dos ministros perante o parlamento e a opinião pública e se tornava mais efetiva a participação popular através do sufrágio universal, verificou-se a transformação do sistema, no sentido de alcançar maior pureza e flexibilidade.

No entendimento de Bonavides, o parlamentarismo monista contemporâneo, de cunho mais democrático, define-se, notadamente, por dois fatores:

a)o afastamento do chefe tradicional do poder executivo, rei ou Presidente da República, de qualquer participação efetiva no governo, ficando sua missão essencial circunscrita apenas ao papel de Chefe de Estado; b) a entrega da autoridade soberana a um único poder: o gabinete, operando-se, segundo Bagehot, não a absorção do poder executivo pelo legislativo, mas a fusão de ambos os poderes. (Bonavides,1996:329)

A distinção entre as funções de Chefe de Estado e Chefe de Governo, no sistema parlamentarista monista, tornaram-se ainda mais evidentes, enquadrando-se com perfeição na clássica definição do ex-presidente francês Thiers, que em 1830 já dizia que o rei reina, e o país se governa. Com efeito, as funções de chefe de Estado não se confundem com a de Chefe de Governo, ficando a primeira a cargo do rei ou Presidente da República, e a segunda, entregue ao gabinete ou ministério, de plena confiança do Parlamento, respaldado na maioria parlamentar ou do partido dominante que estiver no poder.

A Inglaterra adota, atualmente, a nova versão do parlamentarismo monista, também chamado de governo de gabinete, o qual é escolhido pelo legislativo e presidido por um primeiro-ministro, ficando sujeito, entretanto, à Câmara dos Comuns, eleita pelo povo. O gabinete goza da total confiança do parlamento, restando, assim, operacionalizado o princípio que dá equilíbrio ao sistema e que consiste na fusão dos poderes executivo e legislativo, consagrado pela Constituição inglesa. Em verdade, o governo de gabinete inglês é hoje, o governo de um partido majoritário, eis que apenas dois partidos principais vem mantendo a alternância no poder - conservadores e trabalhistas - embora existam outros, como o partido liberal e o partido social democrata, os quais, todavia, não possuem influência política. É também, um governo de opinião, no sentido de que a opinião pública tanto elege como derruba governos.

Em alguns países, o sistema parlamentarista monista sofreu grandes mudanças, abandonando o governo de gabinete para adotar o governo parlamentar. Nele, a assembléia tem um papel preponderante sobre o gabinete e o Chefe de Estado, no caso, o Presidente da República, que tem suas funções ainda mais reduzidas. O Parlamento exerce o controle, a direção do governo e de sua política, diferentemente do que se passa na Inglaterra, onde o primeiro-ministro, juntamente com o Gabinete exercem a direção do governo e sua política e a Câmara dos comuns controla todo o aparato governamental.

O chamado governo de assembléia ou governo convencional surgiu em França, no ano de 1793, tendo sido renovado reiteradas vezes, em 1848 e em 1871, caracterizando-se pela evidente desigualdade gerada entre o executivo e o legislativo, vez que o Parlamento é quem define a competência do executivo e quem a revoga quando lhe convém. O ministério é apenas um auxiliar da assembléia, não possuindo, por conseguinte, independência de ação.

Consoante atesta Pierre Cot, relator geral da Comissão de Constituição, que lavrou a Constituição francesa de 1946: Na realidade o governo convencional é governo de ditadura, que organiza não a ditadura de um homem, mas a de uma maioria. Ignora a questão da confiança, típica do regime parlamentar. (apud Bonavides,1996:333).

O sistema parlamentarista monista adotado pelos ingleses é, certamente, o mais flexível e democrático. Todavia, na maioria dos países da Europa, existem sofisticadas variações do sistema parlamentarista, como é o caso da Alemanha e França, por exemplo. Considerando-se, porém, que o tema central deste trabalho é o sistema presidencialista na atual Constituição brasileira, limitamos nossos comentários aos tópicos lançados acima, vez que se destinam apenas a fornecer uma visão geral do assunto, para que possamos, posteriormente, confrontar as vantagens e desvantagens de ambos os sistemas.

5.0. O PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL.

O Brasil, desde a época do Império até os dias hodiernos, tem enfrentado seguidas crises de poder, com graves interferências militares, a começar pela queda de D. Pedro II, deposto pelo exército em 15 de novembro de 1889, quando foi proclamada a república.

Com a instauração de um novo cenário político, esperava-se que o país tivesse maior estabilidade, propiciando à população, melhores condições de vida. Todavia, a opção pelo pacto federativo e a forma republicana de governo não fez com que se modificassem as condições de vida do povo brasileiro.

Escolhido como o primeiro Presidente da República, o Marechal Deodoro da Fonseca, logo se desentendeu com aqueles que o haviam guindado ao poder, renunciando em 23 de novembro de 1891. Neste mesmo ano foi promulgada a primeira Constituição republicana, espelhada no modelo presidencialista implantado nos Estados Unidos da América. Com a renúncia de Deodoro da Fonseca, o vice Floriano Peixoto assume a presidência do país. Foi considerado o consolidador da república, entretanto, durante seu governo provocou a queda de muitos governadores dos Estados e uma guerra civil. Manteve-se, porém, no poder até a eleição do próximo Presidente, Prudente de Morais, que governaria o país de 1894 a 1898.

O novo sistema constitucional, todavia, provocou o enfraquecimento do governo central e fez renascer o poder político regional e local. Isto acarretou a retomada do antigo coronelismo, que brotava fortalecido, promovendo a eleição de governadores, deputados e senadores.

Neste curto período republicano que se estendeu até por volta de 1930, o regime oligárquico que se impôs impediu que a Constituição formal se adequasse à realidade social. A Emenda Constitucional de 1926 em nada ajudou a alterar o quadro que se formara e a divisão de competências entre a União e os Estados, por sua vez, não fez as coisas melhores. Crescia o descontentamento e o poder político dos coronéis, até que, em outubro de 1930, Getúlio Vargas, líder civil da revolução, ascende ao poder, pondo fim à velha república.

Anota Jorge Miranda que o período inaugurado a partir de 1930 pode ser assinalado por três características gerais, seguidas de sete fases distintas: 1a) evolução com soluções de continuidade e com freqüentes crises político-militares; 2a) sucessão, quase alternância, de governos autoritários e de governos liberais e democráticos; 3a) proliferação de Constituições (5 Constituições desde 1934, contra 2 apenas desde a independência até esse ano) (Miranda,1990:235)

As fases a que se refere o citado autor são as seguintes: 1a fase (1930-1934): governo provisório;

2a fase (1934-1937): regresso às formas constitucionais, com Constituição aprovada em assembléia constituinte em 1934;

3a fase (1939:1945): ditadura de Getúlio Vargas (presidente desde 1930), que outorgou uma Constituição e estabeleceu um regime à moda da época, mas de caráter populista;

4a fase (1945:1961): após a 2a guerra mundial (em que o Brasil participou ao lado dos Aliados), nova fase democrático-liberal e nova Constituição, a de 1946;

5a fase (1961:1964): crise institucional aberta pela surpreendente renúncia do Presidente Jânio Quadros;

6a fase (1964:1985): governo de base ou de características militares, resultante da revolução de 1964, e em que é feita a Constituição de 1967 (alterada em 1969);

7a fase (desde 1985) transição para uma nova Constituição, a de 1988 (Miranda,1990:235-236).

Em 1937, o Presidente Getúlio \largas implantou uma nova ordem jurídica no Brasil, que tornou-se conhecida por Estado Novo, e, até 1945, viveu-se sob o regime de uma ditadura. Somente a partir de 1946 é que teve início o processo de Redemocratização e, em parte pelas conseqüências do pós-guerra, muitas Constituições foram reformuladas no mundo inteiro, ensejando aqui também, a reconstitucionalização do país. Tivemos, então, em 18 de setembro de 1946, uma nova Constituição, semelhante às Cartas de 1891 e 1934, mas que viabilizaria as condições mínimas necessárias ao desenvolvimento da Nação nos próximos anos.

5.1. A CRISE BRASILEIRA.

No intervalo compreendido entre 1946 a 1961, a Carta constitucional brasileira sofreu poucos abalos, foram apenas três emendas constitucionais.
Porém, em 2 de setembro de 1961, veio a Emenda no. 4, que instituiu novamente o sistema parlamentarista no Brasil, acabando assim, a tradição presidencialista consagrada desde o advento da república. Na verdade, tratava-se apenas de aplicar uma solução bastante inadequada para uma das piores crises que o país atravessava, vez que a continuidade da ordem democrática encontrava-se ameaçada. A renúncia do Presidente Jânio Quadros causou sérias reações entre os militares, que não desejavam que o vice-presidente João Goulart assumisse a liderança do país. Por isso, foi votada às pressas uma Emenda à Constituição, de no. 4, denominada de Ato Adicional, numa tentativa de enfraquecer o poder do Chefe do Executivo, através da adoção do sistema parlamentarista dualista. Em 23 de janeiro de 1963, porém, o Congresso aprova a Emenda Constitucional no. 6, que restabelece o sistema presidencialista de governo. Contudo, a revogação do Ato Adicional, assim como a implementação de todas essas medidas não foram suficientes para impedir o agravamento da crise, que resultou no golpe militar de 31 de março de 1964.

O Ato Institucional n° 1, de 9 de abril de 1964, manteve verbalmente a ordem constitucional vigorante, mas promoveu, simultaneamente, a cassação de mandatos e a suspensão de direitos políticos. Com base neste mesmo Ato, foi eleito presidente da república, o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, para complementar os três anos restantes do período de governo. Persistindo a crise, outros Atos Institucionais foram editados (AI 3 e 4), determinando este último, o procedimento a ser adotado pelo Congresso Nacional para votar uma nova Constituição, a qual foi promulgada em 24 de janeiro de 67, passando a vigorar somente a partir de 15 de março de 67, quando assumiu a presidência, o Marechal Arthur da Costa e Silva.

A Carta de 1967 assimilou, basicamente, as mesmas características daquela de 1937, ressaltando, no entanto, grandes preocupações com a segurança nacional, tanto que conferiu maiores poderes à União e ao presidente da república. Em relação à Constituição de 1946 revela-se menos intervencionista, tendo avançado na questão da desapropriação de terras, autorizando o pagamento das indenizações com títulos da divida pública, para fins de reforma agrária. A reformulação do sistema tributário nacional e a distribuição de rendas é outro ponto marcante, vez que ampliou a técnica do federalismo cooperativo, ou seja, possibilitou a participação de um ente federado na receita de outro, embora mantivesse nítida centralização. Teve vida breve, pois em 13.12.68 veio o AI 5, que rompeu completa e definitivamente com a ordem constitucional, mergulhando o país na pior ditadura de sua história.

Horst Bahro e Jürgen Zepp, em artigo publicado na "Revista de Direito Constitucional e Ciência Política", destacam:

Em dezembro de 1968, o Congresso Nacional, cuja maioria era composta pelo partido do governo, a Arena, negou ao Presidente da República a aprovação da suspensão da imunidade de um deputado do MDB, embora essa medida tivesse sido declarada como do interesse da segurança nacional. Em vista disso, o Presidente decretou o recesso do Congresso por tempo indeterminado e baixou o Ato Institucional n° 5 (AI-5), pelo qual o Presidente adquiria poderes ilimitados para intervenção de todo e qualquer tipo e em todas as esferas do direito. Com base no AI-5, foram cassados centenas de mandatos políticos e o Supremo Tribunal foi "saneado". Com uma emenda constitucional, o regime militar erigiu para si mesmo um novo embasamento, que lhe outorgou poderes ilimitados. (apud Bastos,1989:82-83)

Os poderes conferidos ao presidente da república permitia-lhe decretar o fechamento do Congresso Nacional, Assembléias Legislativas Esta- duais e Câmaras de Vereadores. Além disto, ficou o Estado investido das prerrogativas do Legislativo, suspendeu as garantias da magistratura, assim como aquelas conferidas aos funcionários públicos, como a estabilidade, chegando ao cúmulo de suspender o Habeas Corpus, quando se tratasse de crime político praticado contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.

Em que consistia, entretanto, o crime contra a segurança nacional?
Tudo que o governo definisse como tal, ainda que sem qualquer critério legal, conforme salientam os autores acima citados, em outro artigo publicado na mesma revista:

A base da legitimação do regime militar foi - como em toda a América do Sul - a ideologia da "segurança nacional". No Brasil, foi ela desenvolvida pela Escola Superior de Guerra (ESG), tendo como "pai espiritual" a "eminência cinzenta" dos presidentes militares, o General Golbery do Couto e Silva. "Segurança nacional" abrange tudo o que se refere à vida nacional, tanto na política interna como externa. ( ) Atrás dessa ideologia, esconde-se um anticomunismo indiscriminado, que declara como agente de Moscou qualquer pessoa inimiga; nela baseados, foram definidos em 1969 inúmeros crimes contra a segurança nacional. Pela Constituição de 1969, foi atribuída a todo cidadão brasileiro a responsabilidade pela segurança e foi instituído o "Conselho de Segurança Nacional", com representações em todos os ministérios e empresas estatais, através das suas "Divisões de Segurança e Informação" (DSI). Os delitos enquadrados nas leis de segurança nacional caracterizavam-se por estarem definidos de uma forma vaga e genérica, oferecendo ampla margem à arbitrariedade. Com isso, sob o manto do direito, foram levantadas as bases do estado policial arbitrário. (apud Bastos,1989:83).

Desde 1964, o Brasil esteve sempre nas mãos de governos militares, tendo sido presidido, primeiramente, pelo Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, seguido pelo Marechal Arthur da Costa e Silva. Este último faleceu antes de concluir seu mandato, deixando o país sob a direção de uma junta militar, formada pelos Ministros da Marinha, Exército e Aeronáutica, que não permitiu que o vice-presidente Pedro Aleixo assumisse o poder, por tratar-se de um civil. Durante o governo do Presidente Médici, teve início, de forma bastante incipiente, o processo de Redemocratização. As Assembléias Legislativas foram reabertas, embora com restrições quanto a alguns parlamentares que tiveram seus mandatos cassados, e houve também a previsão para eleições indiretas para governadores e vice-governadores de Estado, marcadas para 15 de março de 1974. Verificou-se, nesta ocasião, uma amarga derrota do partido do governo, já então liderado pelo presidente Geisel, que se viu forçado a exercer forte manipulação sobre o sistema eleitoral, a fim de que não perdesse sua legitimação e fosse colocado em risco o poder militar.

Assim, em junho de 1976, foi editada a chamada Lei Falcão, que restringia o acesso dos partidos aos meios de comunicação, notadamente, a televisão, prejudicando, em especial, os partidos de oposição. Em outubro de 1979 foram dissolvidos os partidos existentes e criados cinco novos partidos (PDS, PMDB, PTB, PDT e PT), porém, foram proibidas as coligações e foi estabelecido o voto vinculado. Os partidos teriam de apresentar candidatos a todos os cargos postos em disputa, o que dificultou em muito as coisas para todos eles, com exceção, é claro, do PDS. Somente em 1982, quando a Lei Falcão foi revogada é que o PMDB, principal partido de oposição, pode demonstrar quão expressivo era seu contingente eleitoral, posto que conseguiu eleger a maioria dos governadores dos Estados mais desenvolvidos. Estes resultados contribuíram para o desencadeamento de importantes movimentos, como a campanha em favor de eleições diretas para a presidência da república e a convocação de uma Assembléia Constituinte para a elaboração de uma nova Constituição. É certo que tais expectativas não foram alcançadas, todavia, isto não arrefeceu o ânimo do povo brasileiro que passou então a pugnar pela eleição do presidente da república através de um colégio eleitoral. A eleição foi marcada para 15 de janeiro de 1985, concorrendo pelo PMDB o então Governador de Minas Gerais, Tancredo Neves e Paulo Maluf, pelo PDS. A escolha de Maluf, entretanto, não foi uma decisão unânime do partido, de modo que a ala dissidente do PDS, liderada por Sarney, optou pela criação de um novo partido, o PFL. Com a coligação do PMDB e PFL, concorreram aos cargos de presidente e vice-presidente, Tancredo Neves e José Sarney, ficando, assim, assegurada a vitória da oposição.

O país vinha passando por um período de transição, saindo de uma ditadura militar e dando seus primeiros passos rumo o ingresso na democracia, por via eleitoral, fato pouco comum na América Latina. O novo presidente, contudo, não pode ser empossado, pois teve de ser internado na véspera de sua posse, vindo a falecer em 21 de abril daquele mesmo ano. Foi sucedido pelo vice-presidente José Sarney, a quem competiria dar continuidade ao processo de Redemocratização que apenas começara e teria de prosseguir, de forma lenta e gradual, a fim de cumprir a principal promessa feita durante a campanha: a elaboração de uma nova Constituição, por meio de uma Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana.

Dando início às metas traçadas por Trancredo Neves, o Presidente José Sarney, não sem esforço, nomeou uma Comissão de Estudos Constitucionais, para preparar um anteprojeto de Constituição, que seria enviado ao Congresso apenas à título de colaboração. Constatou-se, porém, tratar-se de um projeto sério e progressista e que, por isso, foi duramente combatido por políticos conservadores. Todavia, cumprindo mais uma vez a promessa feita por Tancredo, enviou ao Congresso proposta de emenda constitucional convocando a Assembléia Nacional Constituinte, a qual foi aprovada como EC no. 26. Foram convocados membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para se reunirem no Congresso Nacional, a partir de 1.2.87, sob a Presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal, que dirigiria também a sessão de eleição de seu Presidente. Ficou estabelecido que o novo texto teria de ser aprovado após dois turnos de discussão e votação, pela maioria dos membros da Assembléia. Na verdade, o que se teve, na prática foi um Congresso Constituinte, não uma Assembléia Nacional Constituinte, isto, no entanto, não desmereceu o trabalho realizado, vez que a vigente constituição Federal brasileira é um texto moderno e de teor bem avançado, especialmente, quanto ao que se refere a direitos fundamentais, constituindo, na espécie, importante documento para o constitucionalismo atual.

5.1. O PAPEL DO PODER LEGISLATIVO NA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL.

Verifica-se que em outros países da América Latina, como, por exemplo, Colômbia, Chile, Argentina, Peru, Equador e Uruguai, foi produzido um tipo de presidencialismo assaz autoritário, conferindo-se excessivos poderes legislativos emergenciais ao Presidente da República, tal como ocorre ê no Brasil com relação às medidas provisórias.

O uso indiscriminado de tais medidas faz desacreditar na aplicação do princípio fundamental de nosso ordenamento jurídico atinente à separação de poderes, o que equivale a dizer que não se sabe até que ponto é possível afIrmar que o Brasil é um Estado Democrático de Direito. Embora se questione, do ponto de vista normativo, a natureza das democracias que abrigam estes instrumentos, há uma tendência quase unânime no sentido de defender que "o governo só será efetivo se o executivo for dotado de poderes legislativos excepcionais". (Figueiredo,Limongi, 1997: 127). Tal concessão poderia trazer efeitos danosos ao legislativo, que, de certa forma, abria mão do Executivo. Todavia, trata-se apenas de mera delegação de poderes, podendo resultar em benefício para ambas as partes, se, no caso específico do Brasil, as medidas provisórias forem adequadamente utilizadas, o que depende em muito, dos tipos de mecanismos de controle à disposição do legislativo. Esse controle deverá ser institucional e político, ou seja, efetuado por normas legais para disciplinar o uso das MP's e pelo sistema de pesos e contrapesos que dá equilíbrio aos poderes. De outra parte, o controle político será mais complexo, à medida em que dependerá da convergência de opiniões e interesses entre executivo e legislativo, bem como do contexto social.

A necessidade de dotar o executivo de poderes legislativos excepcionais não representou, para os Constituintes, perda da autonomia do legislativo, mas um avanço decorrente de fatores da atualidade, para propiciar rapidez e eficiência às ações do executivo.

É sabido, porém, que o Congresso Nacional não se mostrou apto a criar mecanismos legais que impossibilitassem o uso descomedido das medidas provisórias, mas, por outro lado, não foi um órgão omisso, durante esses últimos anos de governo, no que concerne a apreciação de tais medidas.

As primeiras dificuldades surgiram quando, por determinação do § 2º do art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, os decretos-lei editados entre 3 de setembro e a data da promulgação da Constituição Federal de 1988, em tramitação no Congresso Nacional, foram transformados em medidas provisórias. Ocorreu que, como não puderam ser apreciados no prazo de 30 dias, perderam sua eficácia e foram, em seguida, reapresentados como medidas provisórias e desta vez apreciadas no prazo legal. Ainda não se falava em reedição.

Quando o Presidente José Sarney lançou o Plano Verão, o fez por meio de medida provisória, sabendo que o Congresso Nacional se encontrava em recesso e que não havia até aquela ocasião, nenhuma regulamentação sobre a matéria. Como sua tramitação não havia sido fixada, um acordo entre os líderes dos principais partidos (PDS, PFL, PTB, PMDB e PSDB) consentiu que fossem feitas modificações no Regimento Comum, a fim de possibilitar aos parlamentares a apresentação de emendas supressivas às MP's.

A primeira reedição ocorreu em 21 de fevereiro de 1989, quando foi apresentada a medida provisória no. 39, que reeditava a de no. 29, cujo prazo para apreciação havia expirado. Surpreendentemente, porém, a reedição foi aceita sem maiores problemas. Nesta mesma data, o Senador Fernando Henrique Cardoso apresentou um projeto de resolução, objetivando regulamentar a tramitação das MP's, o qual, em 2 de maio de 1989 recebeu o no. 1/89. A citada resolução estabeleceu dois momentos distintos na tramitação e apreciação das MP's pelo Congresso: em primeiro, o Congresso deliberaria sobre a constitucionalidade da matéria encaminhada pelo presidente, analisando se foram observados os critérios de relevância e urgência; em segundo, a comissão mista constituída para apreciar a medida, deveria, no prazo de até cinco dias, contados da data da publicação da MP no Diário Oficial da União, apresentar parecer acerca de sua admissibilidade. Se o parecer fosse favorável, ensejaria recurso para o plenário; se negativo, deveria o plenário, no prazo máximo de dois dias, se manifestar para ratificar a decisão, sob pena de não o fazendo, a matéria ser admitida.

No que diz respeito à apreciação de seu conteúdo, a Resolução 1/89 acolheu entendimento de que as MP's integram o processo legislativo, portanto, são passíveis de toda sorte de emendas previstas no regimento. Na opinião de alguns congressistas, a Resolução 1/89 é um instrumento provisório e experimental, vez que não regulou por completo as relações entre o executivo e o legislativo , faltando, ainda, a Lei Complementar prevista no texto constitucional e um novo Regimento Interno para o Congresso Nacional, embora este já tivesse diante de si a possibilidade de emendar as MP's editadas pelo governo, participando de seu processo de elaboração legislativa.

Durante o governo Collor, porém, as relações entre o executivo e o legislativo pioraram sensivelmente, tomando-se difícil a reedição de medidas provisórias. O conflito político entre o governo e o PMDB agravava-se a cada dia, enquanto isso, o Congresso buscava alternativas para limitar o uso do poder legislativo excepcional conferido ao presidente da república. Em 9 de abril de 1990, o Deputado Nelson Jobim, apresentou projeto de Lei Complementar visando disciplinar a edição das medidas provisórias, mas não obteve sucesso, permanecendo, portanto, inalterado o quadro até então delineado.

A partir de 1991, o governo tentou redefinir suas relações com o legislativo, passando a apresentar maior número de projetos de leis ordinárias e reduzindo bruscamente o número de medidas provisórias editadas, contudo, o presidente Collor de Mello não conseguiu se manter no poder até o final de seu mandato, tendo se submetido a um processo de impeachment como veremos adiante. O número de medidas provisórias, o que deveria ser uma exceção estava se tomando regra. Os presidentes que estiveram no poder a partir de 1988, fizeram largo e indiscriminado uso das medidas provisórias. Entretanto, de um modo geral considerado o período compreendido entre 1988 e 1995, pode-se afirmar que tais medidas versaram preponderantemente sobre matéria econômica, segundo estudos realizados por Angelina Cheibub Figueiredo e Fernando Limongi, publicado pela CEBRAP, "Novos Estudos", v.47, S.P., março de 1997.

Demonstram os pesquisadores, com base em dados estatísticos, que:

...durante o governo Sarney o Congresso Nacional não deixou MP's pendentes por longos períodos. O primeiro ano do governo Collor mostra um quadro um pouco diverso. Aumenta o tempo médio de tramitação das MP's: 54,14 dias. Mesmo assim, o comportamento do Congresso ao longo do ano variou. Respondeu com presteza e manteve um padrão de relativa eficiência na apreciação das medidas do Plano Collor I. (Figueiredo, Limongi,1997:148).

Até 2000, nenhuma legislação foi editada para disciplinar o uso das medidas provisórias, permanecendo a Resolução n° 1/89 como único instrumento de regulamentação. Assim, o meio de participação do legislativo ocorre por meio da apresentação de emendas que, após aprovadas pela comissão especial, passam a fazer parte do projeto de lei de conversão (PLV), que nada mais é que o substitutivo do Congresso à mensagem do executivo, representando um indicador de sua integração no processo de decisão sobre as MP's, posto que estes constituem um projeto alternativo.

Apesar do elevado número de medidas provisórias apresentadas pelos governantes desde 1988 até 1995, é possível observar que houve intensa atividade legislativa com relação a apreciação dessas medidas e que as mesmas foram utilizadas de forma abusiva, rompendo com o princípio da separação de poderes. Na verdade, os resultados decorrentes da aplicação dessas medidas, em variados casos, têm trazido sérios prejuízos à população, como aconteceu por ocasião do Plano Collor I, quando o governo confiscou valores depositados em contas correntes e poupanças em todos os bancos do país, deixando milhares de brasileiros pobres de um dia para o outro. Através de medidas provisórias, o governo Collor tentou impedir o acesso dos cidadãos à justiça e interferir na independência das decisões dos tribunais. Não se pode dizer, por conseguinte, que no Brasil se tenha tido um bom exemplo de presidencialismo, pelo contrário, em curto tempo, exsurgiram todos os vícios do sistema, e as conseqüências da irresponsabilidade dos governantes, têm refletido na realidade que hoje o povo brasileiro vivencia: aumento da pobreza, da violência e do desequilíbrio social, advindas da má distribuição de riquezas. Os governantes, no sistema presidencialista, desconhecem quaisquer limites ao seu poder e a Carta de 1988, embora progressista, não tem se prestado para tornar efetivos os valores democráticos, vez que não se respeitam os direitos fundamentais dos cidadãos, nem seus direitos sociais e econômicos. O Brasil moderno desconhece o que seja soberania popular e democracia participativa, verdadeira fonte do poder, tendo se tornando um país governado por meio de medidas provisórias e não pela via ordinária legislativa.

A conclusão a que se pode chegar, segundo Angelina Cheibub e Fernando Limongi é a seguinte:

A tramitação alongada das MP's, sem que o Congresso sequer inicie a apreciação da maioria delas, indica a baixa resistência política às iniciativas presidenciais. Dito de maneira afirmativa, a reação do Congresso ao uso ampliado da prerrogativa tende a ocorrer em função de conflitos de natureza político partidária. O Congresso ainda não encontrou solução institucional capaz de limitar o uso da prerrogativa presidencial de editar decretos com força de lei no ato de sua publicação. E, ao que tudo indica, não deverão ser grandes as suas chances de sucesso em fazê-lo se as circunstâncias se mostrarem altamente favoráveis ao executivo. (Cheibub, Limongi,1997:154).

Na verdade, o legislativo brasileiro, embora não tenha sido omisso por completo, participando das decisões políticas que têm ordenado o rumo da Nação, encontra-se, atualmente, fragilizado e tem sido manipulado pelo executivo, como instrumento de sua vontade. É preciso, portanto, fazer uso de sua independência e autonomia, para que seja fortalecido enquanto poder. Isto, porém, só será viável quando se modificar sua estrutura político-partidária.

5.3. O PROCESSO DE IMPEACHMENT.

O instituto do impeachment é de origem anglo-saxônica, e pressupunha a prática de crime previsto e punido pela lei penal podendo o monarca sustar a ação penal contra o ministro determinando a dissolução do parlamento ou abstendo-se de convocá-lo, como poderia, também, indultá-lo ou anistiá-lo. Todavia, o sistema parlamentarista desenvolveu uma forma diversa de responsabilização do ministério, a qual conduz a exoneração solidária dos ministros, em virtude do recebimento de moções de censura e desconfiança, o que tornou bastante comum a dissolução do parlamento e a conseqüente convocação de novas eleições. Transmudava-se, assim, a responsabilidade penal para responsabilidade política, até hoje agasalhada pelo sistema parlamentarista, por ser considerada forma mais flexível e segura de controle do governo.

No Brasil, a responsabilidade política do presidente da república o sujeita ao processo de impeachment, decorrente da prática de crime de responsabilidade, nos exatos termos dos arts.85 e 86 da Constituição Federal. Muito se discute, entretanto, acerca de sua natureza jurídica, não havendo, quanto a este aspecto, entendimento unânime entre os doutrinadores nacionais, embora a opinião da maioria deles seja no sentido de que se trata de um instituto de natureza política. Este instituto se encontra inserido no ordenamento jurídico brasileiro desde a de Carta de 1891 e, nesse mesmo ano, no inicio do governo republicano, houve a primeira tentativa de instaurá-lo. As divergências políticas entre o presidente Deodoro da Fonseca e seu vice, Floriano Peixoto, que pertenciam a partidos antagônicos, trouxeram instabilidade ao governo, e, em conseqüência, pretendeu-se efetivar sua destituição através de impeachment. Tal atitude resultou em dissolução do Congresso em 3 de novembro de 1891.

O sistema presidencialista brasileiro, portanto, adota como fórmula a irresponsabilidade do presidente da república e de seus auxiliares - ministros - ou seja, o governo não responde pelos atos que pratica, não necessita do legislativo para desempenhar sua função, podendo mesmo governar sem o apoio do Congresso, pois não há responsabilidade do presidente com relação ao seu partido, e menos ainda, com as diretrizes partidárias. Sua responsabilidade, portanto, deflui apenas do texto constitucional, possuindo cunho penal e não político.

Os arts. 85 e 86 da Constituição Federal Brasileira de 1988 tratam da responsabilidade do presidente da república, estabelecendo a possibilidade deste vir a ser submetido a julgamento, se admitida a acusação contra sua pessoa, por dois terços da Câmara dos Deputados. Em se tratando de infrações penais comuns, será julgado pelo Supremo Tribunal Federal e nos crimes de responsabilidade seu julgamento se processará perante o Senado, sob a. presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal, ficando sujeito a perda do cargo, se confirmados os fatos através de processo político- administrativo. Em qualquer dos casos, porém, distinguem-se duas fases distintas: a) juízo de admissibilidade do processo; b) processo e julgamento.

O impeachment tem início desde que sejam aceitas as acusações feitas contra o presidente da república, por prática de crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados. Nisto se constitui o juízo de admissibilidade do processo, devendo ser analisadas, nessa oportunidade duas questões: a) ser ou não a denúncia objeto de deliberação; b) proceder, ou não, a acusação da denúncia. Em outras palavras, a Câmara deverá decidir sobre a conveniência e a permanência do presidente da república à frente dos negócios do país, sob o aspecto político-social.

Ultrapassada esta fase, é a vez do Senado Federal, como órgão incumbido de processar e julgar o presidente da república, agora colocado sob a condição de acusado, emitir sua decisão, garantindo-se ao acusado o direito de ampla defesa e do contraditório. Nessa hipótese, o Senado Federal transformado em órgão julgador, assume a feição, de verdadeiro tribunal de juízo político, acarretando para o acusado, a obrigação de permanecer afastado de suas funções por cento e oitenta dias. Decorrido este prazo, poderá retomar ao exercício normal de suas atividades, independente do regular prosseguimento do processo. O julgamento poderá ser absolutório, caso em que o processo será arquivado, ou, condenatório, culminando então, com a decretação de perda do cargo e conseqüente inabilitação por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

É importante destacar que todo cidadão no gozo de seus direitos políticos é parte legítima para apresentar a acusação perante à Câmara dos Deputados, vez que tal prerrogativa é inerente ao exercício da cidadania. Assim, qualquer autoridade ou parlamentar que pretender dar início ao processo de impeachment poderá fazê-lo, mas sempre na condição de cidadão.

Os brasileiros, no ano de 1992, vivenciaram uma experiência única no mundo: o impeachment do Presidente da República, Fernando Affonso Collor de Melo. O pedido de instauração de processo por crime de responsabilidade) foi assinado pelos Srs. Barbosa Lima Sobrinho e Marcello Lavenére Machado, presidente da Associação Brasileira de Imprensa -ABI e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, respectivamente porém, na qualidade de cidadãos brasileiros, tendo sido entregue à Câmara dos Deputados no dia 10 de setembro de 1992.

Na verdade, aquele documento representava a indignação do povo brasileiro diante do mar de lama e corrupção em que o país ha,ria mergulhado e o desejo firme de ver apuradas as irregularidades imputadas ao presidente e o seu envolvimento com o "lobbysta" Paulo César Farias em operações financeiras escusas, como no caso Uruguai.

O presidente da república chegou a impetrar mandado de segurança, a fim de assegurar que a votação na Câmara dos Deputados fosse secreta, mas sofreu uma desastrosa derrota logo de início. Mais de 441 deputados se manifestaram a favor do impeachment, 33 votaram contra e houve apenas 1 abstenção, o que resultou em seu afastamento dois dias depois, após intimação realizada pelo Senador Dirceu Carneiro. Tratava- se de um fato político histórico, de interesse mundial e de acentuada relevância para o país, uma vez que o Brasil encontrava-se em plena fase de transição, sendo Collor de Melo o primeiro presidente da república eleito por via direta depois de mais de 20 anos de ditadura. Havia receio de que a jovem democracia brasileira não se sustentasse e que as instituições e entidades civis, políticas e militares do país não estivessem preparadas para vencer tamanha vicissitude. A liberdade e a democracia estavam apenas reflorescendo e não se sabia o grau de maturidade política dos diversos segmentos da sociedade, que precisavam, naquele momento, atuar com muita serenidade, para não comprometer o recente estabelecimento do Estado de Direito.

Este talvez tenha sido o momento mais difícil da história do país desde o seu descobrimento, mas, por outro lado, foi também a maior prova de respeito às instituições políticas legitimamente estabelecidas, um exemplo a ser guardado na memória, uma clara demonstração de que um legislativo forte e atuante cumpre adequadamente suas atribuições, quando defende os interesses daqueles que o elegeu: o cidadão brasileiro.

Todavia, na opinião do Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, jurista renomado, inúmeros outros fatores contribuíram para o desfecho do processo, destacando que:

É verdade que o processo de impeachment do Preso Collor levanta dúvidas sobre a estabilidade do presidencialismo brasileiro.

Ninguém, todavia, irá negar que, para a queda do Preso Collor, contribuíram fatos e atitudes que dificilmente se repetirão.

Primeiro, os seus pecados foram bisonhamente cometidos.

Depois, há de se considerar, foi ele eleito sem base partidária alguma, e não cuidou de constituí-la de modo sólido para angariar apoio no Congresso.

Sua conduta em face do perigo foi de uma absoluta inconsciência. Manteve uma postura desafiadora, quando as circunstâncias estavam definidamente contra ele, teve um descaso "olímpico" em relação a precauções e medidas preventivas, despreocupou-se com aspectos elementares de uma defesa, seja por não acreditar na ameaça, seja por ingenuidade, com o que perdeu a opinião pública e a segurança jurídica.

De qualquer forma, se algum de seus sucessores incidir nos pecados que cometeu, certamente não reincidirá na atitude que teve o jovem Presidente alagoano.

Assim mesmo, o impeachment só chegou a termo ao preço de várias irregularidades jurídicas: desconhecimento da questão da tipicidade do crime de responsabilidade, invocação de lei regulamentar sem eficácia, fIxação arbitrária de prazos, defesa restringida etc., afora o absurdo de uma condenação em pena acessória, depois de o processo haver perdido o objeto e não poder ser aplicada a pena principal (a perda do cargo). Irregularidades que não levariam a lugar algum se para elas o Supremo Tribunal Federal (como expressão da classe média alta bem pensante) não tivesse feito vista grossa.

Mas, se a moda pegar, o Brasil passará a viver um regime de parlamentarismo "presidencial" (Ferreira Filho,1993:108-109).

O fato é que a renúncia do presidente Collor no dia 29 de dezembro de 1992, às vésperas de seu julgamento, provocou uma acirrada polêmica acerca da continuidade ou não do processo. O Senado Federal, porém, decidiu por 71 votos a favor e apenas 3 contra, pelo seu prosseguimento.

Assim, a renúncia do presidente não impediu sua condenação, nem poderia, como justifica o jurista Evandro Lins e Silva, incumbido de desempenhar a difícil missão de advogado do povo brasileiro naquele inusitado acontecimento: O fato de se tornar cidadão comum não tem a virtualidade de irresponsabilizar o presidente da República por crimes cometidos no exercício da função, sejam crimes comuns ou de responsabilidade. Os crimes não se evaporam com a renúncia ou a extinção do mandato (Silva,1993:176).

Outro problema que se colocava, era saber se o Supremo Tribunal Federal, órgão responsável pela guarda da Constituição Federal, poderia ou não, anular o julgamento feito pelo Senado. Nesse aspecto, prevalece na doutrina nacional, o entendimento de que a decisão do Senado, em caso de impeachment, é soberana e irreversível, e isto porque é a própria Carta da República que lhe confere tal atribuição. Trata-se de processo de sua competência privativa.

Em artigo publicado na Revista do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Evandro Lins e Silva destaca o papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal:

Órgão político, poder da República, o Supremo Tribunal federal, se o problema lhe for posto, saberá dar-lhe o deslinde apropriado, sem colisão de poderes, sem interferir na decisão jurídico-política de um tribunal parlamentar constitucional, e agindo com a sensibilidade e inteligência de seus Juizes para assegurar o respeito aos princípios que devem reger o estado democrático de direito. Aliomar Baleeiro, ministro que honrou uma de suas cátedras, definiu-o: "Instituição viva ligada umbilicalmente à Constituição e ao aparelho de governo da Nação brasileira, o Supremo Tribunal Federal não se confunde com algo de estático, rígido, cadavérico, frio e marmorizado. Não. A arte egrégia palpita, mutável e dinâmica ao impulso da História" "Sua ação silenciosa e serena também modelou o Direito Nacional, sem fricções com o Congresso, que sempre o reverenciou, acima de atritos..." (Silva,1993:177).

Em artigo publicado na mesma revista, Fábio Konder Compara to, outro grande jurista brasileiro, sensível à questão suscitada com relação a renúncia do presidente Collor e o prosseguimento ou não do processo perante o Senado, ressalta que:

A se admitir a natureza criminal da infração, resulta óbvio que o acusado não pode, por sua própria iniciativa, afastar a sanção penal, a menos que a lei expressamente admita essa solução; o que positivamente não se encontra declarado, quer na Constituição Federal, quer na lei especial que define os crimes de responsabilidade, quer no Código Penal. É escusado lembrar que a pretensão punitiva, pertencente ao Estado com exclusividade em matéria criminal, é indisponível. Os Poderes Públicos não têm a faculdade de deixar de punir a pessoa julgada culpada da prática de crime. Por maioria de razão, seria um despautério que se atribuísse ao acusado, fora das taxativas exceções definidas pela lei penal, o direito potestativo de suprimir a punição, "numa espécie de auto-escusa absolutória.(Comparato,1993:181).

A expectativa de todos os brasileiros era de que os fatos fossem devidamente apurados e os culpados punidos. Afinal era inadmissível que em uma sociedade democrática não se respeitassem os valores éticos, incompatíveis com privilégios de qualquer espécie: corporativismo, concessão de vantagens sem apoio na lei, clientelismo, fisiologismo, manipulação de informações, operações financeiras escusas etc. A corrupção e a impunidade não poderiam continuar grassando no país como erva daninha, precisavam ser erradicados com urgência, para não comprometer o sistema democrático, que, de fato, não se realizará enquanto as milhares de pessoas que se encontram excluídas do seio da sociedade não adquirirem condições de subsistência para viver com o mínimo de dignidade.

A renúncia do presidente da república, por conseguinte, não poderia impedir sua condenação. A sociedade brasileira estava a exigir medidas punitivas aptas a restaurar a respeitabilidade da Nação. Portanto, o prosseguimento do processo e a conseqüente condenação e inabilitação para o exercício de funções públicas por um período de oito anos era o mínimo que se podia esperar dos Poderes Públicos. Assim, o Supremo Tribunal Federal, juntamente com a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, tiveram um papel fundamental no deslinde deste memorável litígio, vez que souberam desempenhar suas funções com seriedade e bastante sobriedade, permitindo uma solução justa pacífica e viável para a Nação.

6.0. PRESIDENCIALISMO E DEMOCRACIA NO BRASIL.

O modelo do sistema presidencialista brasileiro, desde sua implantação na Carta da República de 1891, teve caráter nitidamente autoritário, com excessivos poderes conferidos ao presidente da república e nenhuma sustentação político-partidária. É um sistema que impõe reduzida margem de flexibilização em relação aos demais poderes, embora interfira no funciona- mento tanto do legislativo quanto do judiciário, por meio da edição de medidas provisórias e das nomeações dos Ministros das Cortes Superiores, que ficam, politicamente dependentes e comprometidos com o executivo.

A democracia brasileira é amparada no princípio da soberania popular, segundo o qual, o poder emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de representantes. Pode-se afirmar, com segurança, que a atual Constituição brasileira, possui forte conteúdo social e que revela um tipo de regime político no qual o poder emana da vontade do povo.

Seus pressupostos consistem na garantia dos direitos fundamentais do cidadão (individuais e coletivos), direitos sociais, culturais, ambientais e indigenistas, conforme previsão contida na Constituição Federal de 1988.

Contudo, sendo a democracia em si um valor a ser alcançado pela sociedade, um meio de exercitar os direitos fundamentais dos cidadãos, conquistados ao longo de um processo histórico, ela somente se realizará quando seus princípios forem plenamente atendidos, a saber: o da maioria, o da liberdade e o da igualdade. Sem isto não há verdadeira democracia. Eis porque, não se pode infirmar que o presidencialismo brasileiro seja verdadeiramente democrático, posto que o Brasil se encontra longe de atingir o cumprimento desses valores, de torná-los efetivos, reias, porquanto, a realidade de hoje espelha valores consagrados pela Carta da República, mas completamente distanciados da vida dos brasileiros.

O sistema presidencialista brasileiro é cheio de vícios e distorções, além de que é altamente centralizador, e, nesse ponto, apenas copia a antiga concepção que se tinha do poder absolutista monárquico. O rei foi trocado pelo presidente da república, no entanto, as relações entre o legislativo e o executivo, que deveriam, supostamente, ser sopesadas pelo sistema de freios e contrapesos criado com base na teoria da separação de poderes, acolhida por nosso ordenamento jurídico, demonstram visível desequilíbrio entre os poderes e forte predominância do executivo, causando o enfraquecimento e o descrédito do órgão legislador.

Quanto ao judiciário, pode-se observar que também vem sendo alvo de freqüentes investidas do executivo, que vem tentando tolher a liberdade de atuação dos juizes, desrespeitando as decisões judiciais, inclusive, e com especialidade, quando se trata de pagamento de precatórios, acarretando não só o descrédito da justiça brasileira, mas, o que é pior, inviabilizando o acesso dos cidadãos à justiça, à medida em que toma ineficazes suas decisões.

A Constituição Federal de 1988 proclama em seu art. 1 °, que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito, de conseguinte, espera-se que aqui se realize um processo de convivência social naturalmente existente em uma sociedade solidária, livre e justa, onde a participação do povo seja efetiva no processo decisório e na formação dos atos de governo. Ademais, em uma sociedade democrática, há que se consentir na pluralidade de idéias, culturas e etnias, dentro de uma convivência harmônica, preservando-se os direitos individuais, políticos e sociais dos cidadãos, e propiciando-lhes os meios necessários ao seu exercício. O exercício da cidadania atende a necessidade de concretização de justiça social, respaldada no valor conferido à dignidade da pessoa humana.

6.1. VANTAGENS E DESVANTAGENS DO PRESIDENCIALISMO.

O sistema presidencialista, em sua concepção originária, deveria estar apto a dar sustentação e estabilidade aos governos. A teoria da separação de poderes induz a idéia de harmonia e independência entre os órgãos que desempenham as funções legislativa, executiva e judiciária. Na prática, todavia, existe uma concentração enorme de poder nas mãos do executivo, verdadeiramente unipessoal e centralizador, e apenas uma relativa independência e autonomia quanto aos demais.

Há quem sustente que o sistema presidencialista oferece as melhores condições para defender os direitos individuais dos cidadãos e que, precisamente, por ser um governo que impõe responsabilidade jurídica aos seus representantes, confere maiores e seguras garantias contra atos arbitrários ou abusivos daqueles que exercem o poder, que poderão, inclusive, ter seus atos submetidos ao crivo do judiciário quando eivados de ilegalidade ou ofenderem a Constituição Federal.

Assim, é por natureza, o tipo de sistema que melhor se compatibiliza com o federalismo, garantindo estabilidade política e administrativa aos governados, em virtude de manter no poder, por período certo, os mesmos representantes. A grande vantagem consiste em assegurar a continuidade da orientação política traçada para o país. Nesse ponto, importaria manter a frente dos negócios do país, o mesmo presidente da república, contudo, a maioria dos países latino-americano, excetuados o Brasil e a Argentina.

A reeleição foi introduzida em nosso ordenamento, por meio da EC nº 5, de 1994, graças as negociatas e manobras político-partidárias de última hora, em troca da redução do mandato do presidente, que passou de seis para cinco anos, Sartori adverte que a reeleição de um presidente pode ensejar dos graves problemas: a) abri-lhe o caminho para a ditadura;b) um presidente que sucede a si mesmo, termina seu mandato fazendo campanha. Destaca, por outro lado, que o argumento fundamental em favor da reelegibilidade é que os bons presidentes devem ser premiados - é um sério desperdício deixar de aproveitá-los (Sartori, 1996:187).

Conclui o citado autor que: É verdade que um presidente reelegível está tentado a ser demagógico no seu primeiro mandato; mas é igualmente verdade que impedir a reeleição significa retirar um estímulo, o que é uma falha (op. cit.188).

O que a realidade brasileira tem demonstrado durante longo período de experiência presidencialista, é que as crises favorecem movimentos contrários a democracia, impedindo a concretização dos princípios que fundamentam o sistema, como o da separação de poderes e o republicando, infligindo sérios abalos às instituições do país e a sociedade. O que se tem verificado, em geral, é que as alternativas para resolver essas crises têm passado por revoluções, golpes de Estado, tumultos, ditaduras etc.,tornando as instituições instáveis e o próprio governo desacreditado perante a opinião pública, contribuindo para fragilizar as bases da democracia.

Salienta André Haguette que:

O sistema presidencialista brasileiro é desagragador e despolitizador, repercutindo, mais uma vez, nossa tradição cultural. A concentração da representatividade e do poder numa pessoa inibe a organização política, quer a nível estatal, ou mesmo da sociedade civil . A organização partidária torna-se extremamente débil porque ela é privada de sua principal motivação: a conquista da máquina do poder. A eleição do presidente é mais obra de carisma pessoal, organização financeira e conquista da mídia do que conseqüência da força e competência do partido. Desde a República, nenhum presidente foi eleito por virtude de seu partido (Haguette,1993:118).

A vantagem da continuidade do representante político no poder é largamente prejudicada pela falta de coesão partidária, pela falta de compromisso com programas políticos e pelo desprestígio dos próprios partidos, enquanto instituições necessárias ao desenvolvimento do processo democrático.

A interferência política nos diversos segmentos governamentais, provoca a quebra da hierarquia, o desperdício e a ineficiência da máquina administrativa do governo. Tudo isto, porém, é fruto da irresponsabilidade política inerente ao sistema. A incidência desses fatores afeta a vida de cada cidadão brasileiro, seja por facilitar a instauração do Estado de ilegalidade, seja por concorrer para o crescente desrespeito aos seus direitos fundamentais.

A Profa. Tereza Sadek ressalte a principal distinção entre os dois sistemas de governo, parlamentarismo e presidencialismo: Aqui não há como deixar de lembrar uma frase de Raul Pilla, um ardoroso defensor do parlamentarismo, que sustentava que a principal diferença entre os dois sistemas reside no fato de que no presidencialismo encontra-se o sistema da "irresponsabilidade a prazo certo e, no parlamentarismo, o de respeitabilidade a prazo incerto" (Sadek,1993:35).

6.2. PERSPECTIVA POLÍTICAS.

Analisando estas questões postas em tomo do presidencialismo, chega-se a inexorável conclusão de que o sistema atual necessita de ajustes urgentes, contudo, definir qual seria a melhor alternativa para o país não é tarefa fácil. Em primeiro lugar porque, para dispor de opções viáveis, seria preciso haver um consenso em torno das dificuldades mais graves e dos reparos mais urgentes a serem efetuados, a fim de melhorá-lo. Em segundo porque, constata-se que o ponto crucial do sistema, que traduz sua fragilidade e, por sua vez, seu descontrole, seus excessos, inconstitucionalidades, arbitrariedades e ilegalidades etc., além de gerar dificuldades para superar as crises que enfrenta, nasce da falta de uma política partidária séria.

É preciso admitir, porém, que há muito deixamos de ter verdadeiros líderes políticos, os poucos que restaram foram asfixiados durante a ditadura militar, causando também a morte de qualquer ideologia partidária que se pensasse existir. O que se tem hoje, na realidade, é o estabelecimento de uma grotesca espécie de ditadura, originada da política neoliberalista compilada de outros países, de comprovado insucesso, e que tem trazido graves sequelas para o país, como o aumento da miséria e da violência; o esfacelamento do serviços de saúde e educação, entregues às cooperativas ou às organizações sociais, que não garantem nenhum benefício aos trabalhadores; o desmonte dos serviços públicos e as privatizações de empresas governamentais lucrativas.

A nação brasileira tem assistido a tudo isto perplexa e indignada, mas sem nada poder fazer, porque seus representantes políticos consentem em tais iniciativas, pelo simples fato de que, a independência e autonomia do legislativo encontram-se seriamente comprometidas, face sua submissão ao executivo. Isto, no entanto, apenas reflete o quanto o presidencialismo, no Brasil, é centralizador e autoritário, acarretando, em conseqüência, o enfraquecimento do legislativo, que, nestas condições, torna-se um órgão nem sempre voltado para os legítimos interesses da população.

Tais fatos, porém, nada mais representam do que a evidência concreta da fragmentação partidária, provocada por um pluralismo político mal exercitado, conduzido por políticos descomprometido com programas de governo ou qualquer tipo de ideologia. Pois, não são os partidos que indicam os representantes do povo, mas sim os políticos de ocasião que deles se utilizam para chegar ao poder. Este é, sem dúvida, o ponto de maior instabilidade do sistema presidencialista, e é justamente, o que torna possível a centralização do poder em torno da figura do presidente, permitindo-lhe governar sem a participação do Congresso ou sem o apoio de seu próprio partido. A soberania da Nação lhe é entregue incondicionalmente e nada lhe é cobrado em decorrência dos incalculáveis prejuízos trazidos a inúmeras gerações de brasileiros, pelo exercício ilegal de seu poder, quando, por exemplo, são celebrados acordos econômicos internacionais por seus Ministros, sem a necessária autorização do Congresso, consoante prevê o inciso I do art. 49 da Constituição Federal brasileira.

Dentro deste contexto, fica difícil imaginar como proceder as mudanças necessárias, sem causar agravos mais sérios ao sistema e sem desestabilizar o processo democrático que se opera no país.

A questão fulcral desse problema reside na irresponsabilidade política do governo perante a Nação. Assim, um primeiro passo seria responsabilizar o governo, ou seja, o presidente e seus auxiliares, não só penal, mas politicamente, possibilitando, ainda, a destituição parcial ou total dos membros que o integram, a partir do momento em que deixasse de contar com o apoio popular.

Não seria o caso de se adotar o sistema parlamentarista do tipo inglês, tendo em vista que a realidade política brasileira a ele não se adaptaria, tendo em vista que o sistema bicameral exige partidos políticos fortes e unidos em tomo de um ideal, comprometidos com seus respectivos programas de governos, determinados a realizar os princípios da democracia e, sobretUdo, a fazer respeitar os direitos fundamentais dos cidadãos.

Sartori sugere duas alternativas para os países que desejam abandonar o sistema presidencialista puro, nos moldes do norte-americano, a saber: o semipresidencialismo tipo francês ou o presidencialismo alternado.

A França adota um sistema misto, onde existe um presidente eleito diretamente pelo povo e que desempenha as funções de Chefe de Estado, e um primeiro ministro eleito pelo Parlamento, exercendo as funções de Chefe de Governo. Verifica-se, na prática, uma inversão legal, posto que, de acordo com o texto constitucional francês, competiria ao primeiro ministro, dirigir as ações do governo, o que o colocaria em lugar de maior relevância, todavia, por mais de três décadas, o costume tem feito preponderar a posição de presidente da república.

Entre os sistemas presidencialista e semipresidencialista existe um ponto em comum: a questão da maioria dividida, que conduz quase sempre ao impasse e ao conflito. No presidencialismo, o conflito ocorre entre o presidente e o Congresso, enquanto que, no semipresidencialismo, pode ser
observado entre o presidente e o primeiro ministro apoiado pelo parlamento.

A vantagem desse sistema, é que ele permite maior flexibilidade, pois o presidente, para governar, precisa do apoio do primeiro ministro e este, por sua vez, também precisa do apoio do presidente, existindo assim, uma espécie de oscilação do poder, determinada por quem detém o apoio da maioria. Como anota Sartori: ...o sistema semipresidencialista francês se desenvolveu em um autêntico sistema misto, baseado numa estrutura de dupla autoridade flexível - isto é, um poder executivo, cuja cabeça principal muda (oscila) à medida que mudam as combinações da maioria (Sartori, 1996;139).

O presidencialismo alternado, por sua vez, é concebido a partir de uma idéia básica em que o sistema parlamentarista seria estimulado ou punido, através de seu deslocamento, dando lugar a implantação do presidencialismo. Este, sem dúvida, é um modelo bem mais complexo e que exigiria maiores modificações no texto constitucional que o acolhesse.

Seu funcionamento pressupõe uma espécie de compensação a quem melhor desempenha as funções de governo, seja o parlamento ou o presidente, ao mesmo tempo em que prevê uma sanção aplicável em relação as falhas de conduta. No entanto, a base desse sistema, repousa no parlamentarismo e tem como objetivo principal, fazer com que os governos atuem de forma mais responsável. Sua estruturação prevê que cada parlamento pode- ria nomear um ou dois governos, caso seu mandato fosse de quatro ou cinco anos, funcionando, todavia, sob as regras normais do parlamentarismo. Na hipótese de o governo parlamentar não ser bem sucedido, seria substituído por um presidente, para cumprir o período remanescente do mandato e, nestas condições, o presidente exerceria a função de Chefe de Governo, podendo nomear e demitir livremente os membros do gabinete, não ficando sujeito a voto de confiança nem podendo ser destituído por voto de não confiança. O parlamento exerceria mero controle, vez que seus poderes seriam reduzidos. A eleição do presidente se faria por via direta ou indireta pela maioria absoluta do voto popular, coincidindo seu mandato com o do parlamento - quatro ou cinco anos - porém, ambos terminariam juntos seus mandatos. Poderia ocorrer, portanto, uma alternância de sistemas no exercício do poder. Outro traço característico é a possibilidade de reeleição ilimitada do presidente, sob o argumento de que seu bom desempenho deve ser recompensado e que o caráter descontínuo com que ele exerce o poder pleno elimina as razões que em outras condições justificariam essa limitação (Sartori,1996:170).

A realidade política brasileira, entretanto, não estaria pronta a enfrentar mudanças tão profundas e radicais, dependentes de diversos fatores, como, por exemplo, a existência de uma base política sólida capaz de sustentar o sistema parlamentar e, de outro lado, a própria coexistência dos dois sistemas dificilmente seria assimilada pela cultura do país.

O semipresidencialismo francês, por igual, iria requerer modificações no texto constitucional, uma vez que implantaria um sistema misto, porém, passível de produzir menor impacto que o presidencialismo alternado.

Definir o que convém a cada país, implica conhecer em profundidade a realidade social de seus habitantes, sua história política e o contexto social que, em última análise é que melhor poderá indicar a necessidade ou não de mudanças em seu sistema de governo e as vias pelas quais poderão ser realizadas.

No sistema presidencialista brasileiro, o presidente da república possui uma vasta gama de poder, o que lhe confere caráter centralizador e autoritário.

É, na verdade, o que se pode chamar de "um ditador em potencial".

Mudanças políticas só se fazem possíveis, com mudança de mentalidade popular, tornando-se difícil procedê-las em um país como o Brasil, que além de possuir um dos maiores índices de analfabetismo e pobreza do mundo, embora potencialmente possa produzir riquezas, encontra-se, ainda, dando seus primeiros passos rumo à democracia.

O país, com tão pouca experiência democrática, tem resistido bem as primeiras crises, como o processo de impeachment do presidente Collor de MeIo. Todavia, dois fatores contribuem para dificultar o processo de amadurecimento da democracia: de um lado, o constante desrespeito aos direitos fundamentais dos cidadãos e o descumprimento do texto constitucional e, de outro, a cultura da corrupção e da impunidade. Essa nefasta associação de condutas, jogou o país em mais uma crise institucional, desta vez entre o legislativo e o judiciário. Tudo isto, só ressalta a necessidade de modificar o sistema de governo em vigor, bastaria que se atribuísse responsabilidade política e penal ao presidente e a seus auxiliares, e fosse concedido ao povo o poder de destituí-los, em caso de não mais contar com o apoio popular, a exemplo do sistema presidencialista uruguaio, talvez o mais adaptável a realidade brasileira.

7. CONCLUSÃO.

O estudo comparativo entre os sistemas presidencialista e parlamentarista, embora não seja o tema central deste trabalho, permite estabelecer as principais semelhanças e diferenças entre ambos, além de apontar as vantagens oferecidas por cada um.

Há que se considerar, porém, que o presidencialismo adotado pela Constituição Federal de 1988, permanece seguindo os passos do modelo norte-americano, com fortes traços de centralização e autoritarismo.

Na verdade, a Carta em vigor é a mais democrática que o país já teve, possui um conteúdo social bastante elevado e é a mais progressista em vários aspectos, em especial, quanto ao que se refere a ampliação dos direitos fundamentais, incluídos aí, também os direitos sociais dos trabalhadores. Demais disso, restabeleceu a autonomia política e administrativa dos Municípios, reconhecendo-os como entes federados e propiciando-lhes os meios necessários a sua independência; destacou a função social da propriedade; previu a criação de impostos sobre grandes fortunas, além de Ter outorgado ao presidente da república, poderes legislativos excepcionais, exercitados por meio de medidas provisórias. Este talvez tenha sido o seu maior pecado.

Seu caráter social e progressista tem concorrido para sua ineficácia, por desatender os interesses dos governantes. E o que tem se observado é que estes, ao invés de se adaptarem às novas regras impostas pelo texto constitucional, têm feito exatamente o inverso, ou seja, procuram adaptá-la aos seus anseias e vontades políticas, por mais desvairados que possam ser. Assim é que, ao longo de seus dez anos de existência, já lhe foram acrescidas vinte emendas, causando em alguns casos, profundas alterações ao seu texto originário. Existem, ainda, outros projetos de emenda tramitando no Congresso Nacional, merecendo desta- que os que tratam da Reforma Fiscal e da Reforma do Judiciário. Ressalte-se, entretanto, que todas as mudanças empreendidas até agora, têm contribuído para o crescimento do poder do executivo, à medida em que a elevada concentração de poderes em suas mãos, toma-o mais autoritário. Isto significa, em outras palavras, que o legislativo encontra-se cada vez mais distante de sua função, enfraquecido como poder, desprestigiado como órgão representativo da vontade popular e sem força para enfrentar o executivo.

Mas como já foi registrado anteriormente, a atomização dos partidos políticos é a grande causa desse imobilismo, enquanto se propagar a promiscuidade partidária, não haverá possibilidade do legislativo restaurar sua força e sua independência. Abrem-se as portas para os desmandos do executivo, com risco de conflito e de agravamento da crise política enfrentada no momento. O sistema de freios e contrapesos em que se encontra escorado o sistema presidencialista não tem funcionado satisfatoriamente, de modo que o equilíbrio que deveria existir entre os diversos poderes se transformou em mera retórica. A teoria da separação de poderes, que deveria orientar o funcionamento de cada um deles, tem sido desprezada ou ignorada com freqüência, a fim de permitir o avanço do executivo, em detrimento dos outros poderes e dos legítimos interesses da população.

É necessário repensar o funcionamento do sistema presidencialista brasileiro, e, antes que cheguemos ao caos, efetuar os ajustes necessários, tendo em vista que as alterações procedidas na atual Constituição Federal, pouquíssimos benefícios têm trazido ao ordenamento jurídico brasileiro e a vida dos cidadãos. Pelo contrário, as insatisfações são constantes e cada vez maiores. A impunidade e a corrupção enraizadas no âmbito do Poder Público são vícios que o sistema apresenta e que não tem sido capaz de solucionar, porque um país que não respeita suas próprias leis, um Estado que não se submete ao princípio da legalidade e um judiciário que se mostra incapaz de fazer cumprir suas decisões, são sintomas evidentes de um desequilíbrio interno que, com certeza, não poderá ser resolvido através de medidas provisórias ou de freqüentes emendas constitucionais.

De nada adianta ter uma Carta. com elevado conteúdo social e progressista, voltada para a afirmação dos valores da democracia e da dignidade da pessoa humana se, na prática, essas normas não podem ser efetivadas. Se perdem sua efetividade, perdem sua razão de existir e deixam de existir na realidade. Portanto, a solução, necessariamente, terá de passar por uma reformulação do sistema, no sentido de restabelecer seu equilíbrio, permitindo que cada poder exercite sua independência e autonomia e, ainda, a responsabilização penal e política dos governantes.

O impacto das mudanças procedidas por meio das emendas constitucionais, apenas concorrem para piorar as condições de vida da população e para aumentar a taxa de desemprego, provocando com isto, o aumento da pobreza, do nível de violência e a marginalização em maior proporção. O governo está desgastado e fica mais desacreditado dia a dia. Os escândalos financeiros dão a tônica da realidade, e não se vislumbra a menor possibilidade de solução para estas questões, porque soluções só serão encontradas quando houver seriedade e partidos políticos fortalecidos e aptos a enfrentar o executivo, barrando suas ações quando contrárias e prejudiciais aos interesses de seus representados.

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(*) Trabalho de Conclusão da disciplina Seminário III (Direito Público. Curso de Doutorado em Ciências Jurídicas a Sociais. Faculdade de Ciências Políticas, Jurídicas e Econômicas. Universidade do Museu Social Argentino, Prof. Dr. Gerardo Ancarola).

(**) Especialista em Direito Público, Universidade Federal do Ceará - UFC. Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais, Universidade do Museu Social Argentino. ex-Procuradora Geral do Município de Fortaleza