PODER DE POLÍCIA E SUAS FORMAS DE ATUAÇÃO: POSSIBILIDADE DE ATRIBUIR SEU EXERCÍCIO À SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA.

Lia Sampaio Silva

Procuradora Administrativa do Município de Fortaleza | Mestranda do Curso de Mestrado da Universidade Federal do Ceará.

Sumário:

1. Introdução: o tema proposto e sua importância.

2. Posicionamentos acerca da matéria: argumentos que propugnam pela impossibilidade do exercício de atos de polícia administrativa por sociedades de economia mista; argumentos defensores da possibilidade do exercício de atos de polícia administrativa por sociedade de economia mista.

3. Conclusões.

4. Bibliografia.

1. INTRODUÇÃO

A ausência de codificação do direito administrativo brasileiro torna a colaboração doutrinária indispensável no destrinchar de questões relevantes como é o caso do tema a ser abordado, mormente no que se reporta ao regime jurídico a que se submetem institutos, como, sociedade de economia mista, poder de polícia e serviços públicos, de vez que a legislação pátria acerca do assunto é esparsa e não dirime, à primeira vista, as indagações suscitadas no enfrentamento da matéria.

As sociedades de economia mista, situadas no âmbito da Administração Pública Indireta (art. 37 da Constituição Federal) e definidas pelo Decreto-lei n.º 200/67 1, vêm sendo alvo de profundas observações, por figurarem como instrumentos de descentralização administrativa em voga no Estado brasileiro.

A professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro 2 explica a descentralização administrativa no contexto da Reforma estatal, apontando deverem ficar a cargo do Poder Público somente atividades essenciais e tipicamente do Estado, assim como atividades sociais e econômicas que o particular não possa desempenhar.

Segundo a autora, o regime jurídico publicístico é aplicado aos serviços públicos considerados típicos: “no caso das atividades sociais e das atividades econômicas exercidas subsidiariamente, o Estado deve procurar formas mais flexíveis de atuação, somente possíveis pela aplicação predominante do direito privado, derrogado parcialmente pelo direito público apenas no que seja essencial para assegurar o cumprimento dos fins estatais”.

No cenário da busca por formas descentralizadas para atuação administrativa, conjugada à máxima da eficiência na Administração Pública, intensifica-se a criação 3 de s.e.m. para o exercício de atividade econômica ou serviço público outorgado pelo Estado, minimizando os entraves burocráticos peculiares ao regime jurídico público.

Ocorre que, muito embora as sociedades de economia mista colaborem para o alívio na sobrecarga da atuação estatal, além de proporcionarem formas menos rígidas na prestação de serviços públicos e de atividades econômicas, sua personalidade jurídica de direito privado, a participação de capital público e particular na formação de seu patrimônio, a imprecisão do seu conceito trazido pelo Decreto-lei 200 4, vêm dificultando a depuração do adequado regime a que se submetem, suscitando dúvidas quanto à sua atuação.

A situação delineada se revela exatamente quando é cogitado o exercício de atividades de polícia administrativa por sociedade de economia mista.

O poder de polícia, conceituado pelo art. 78 do Código Tributário Nacional 5, como atividade da administração pública que disciplina ou limita direitos e liberdades individuais em razão do interesse público, por ter a supremacia da vontade geral como fundamento, e a coercibilidade e auto-executoriedade como traços característicos, pode vir a constranger interesses particulares muito caros.

Hipóteses desse jaez se verificam quando a Administração faz uso de medidas impositivas ou coercitivas aos administrados, com vistas à consecução do interesse público como: interdição de atividades, inutilização de gêneros, proibição de comércio de determinados produtos, vedação à localização de indústrias ou a aplicação de multas.

A obrigatoriedade de todo ato de polícia, de vez que não são facultativos aos particulares, como prepondera Hely Lopes Meirelles 6, e a possibilidade de o Estado se valer de coerção para torná-los efetivos, provoca nos administrados inconformismo quando atuados por pessoa desprovida da personalidade jurídica de direito público, e que possuam participação de capital privado na formação do patrimônio, como é o caso das sociedades de economia mista.

Ainda, por vários doutrinadores se reportarem ao poder de polícia como atividade típica do Estado, não poderiam as s.e.m. atuar no campo da polícia administrativa. Entretanto, a ausência de elenco taxativo do que sejam atividades típicas, transforma a aplicação da matéria bastante tormentosa.

Daí surgirem, na prática, inúmeros questionamentos judiciais quando as s.e.m. exercem medidas impositivas e coercitivas, sob o respaldo do poder de polícia.

A doutrina, por sua vez, diverge sobre o tema.

Quando é apontada a criação de sociedades de economia mista para prestação de serviços públicos, detentoras de prerrogativas e deveres peculiares ao regime publicístico, é possível inferir pela possibilidade de atuarem no campo da polícia administrativa.

Entretanto, quando a atividade de polícia é qualificada como típica e exclusiva do Estado, conclui-se totalmente o contrário.

Como a questão vertente envolve sociedade de economia mista prestadora de serviços públicos, em vista de não se conceber que s.e.m criada para desenvolver atividade econômica possa exercer atos de polícia administrativa, tanto por possuírem finalidade incompatível com tal prática, quanto por ser o regime jurídico privado bem menos afetado pelo publicístico, faz-se necessário incluir, no bojo da problemática em foco, estudos acerca dos serviços públicos.

Serviços Públicos precisamente definidos por Eros Roberto Grau 7, como atividade explícita ou supostamente definida pela Constituição, em um determinado momento histórico indispensável à sociedade, não foram elencados exaustivamente na Constituição Federal/88 8.

Não obstante, deve-se ter em mente que alguns serviços considerados essenciais, somente podem ser exercidos pelo Estado enquanto Poder Público, e, como atividades próprias estatais, não podem ser delegadas a particulares como é o caso da segurança, defesa, justiça, relações exteriores, legislação, polícia, nas explanações de Maria Sylvia Zanella Di Pietro 9.

Ainda para o presente estudo, indispensável é considerar que serviços públicos e atividades de polícia não se referem à mesma realidade.

Serviços Públicos são prestações ofertadas em prol do administrado, ao passo que poder de polícia pode chegar a restringir, condicionar sua atuação. Nesse sentido Celso Antônio Bandeira de Mello 10 explica: “A polícia administrativa constitui-se em atividade orientada para contenção dos comportamentos e os serviços orientam-se para atribuir comodidades aos administrados”.

A distinção entre poder de polícia e serviço público é imprescindível para não se extrair conclusões apriorísticas deturpadas sobre a matéria, de vez que conquanto as sociedades de economia mista possam ser criadas para prestarem serviços público, não implica que, por isso, possam atuar no campo da polícia administrativa.

A matéria presente é árida por envolver princípios aquilatados da Administração Pública, como o da eficiência e da moralidade, divergindo a doutrina e atormentando os administradores ávidos por formas menos burocráticas de atuação.

É importante mencionar que o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou
cautelarmente acerca do questionamento em pauta na ADIN n.º 1.717-6- DF, ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil- PC do B, pelo Partido dos Trabalhadores- PT e pelo Partido Democrático Trabalhista –PDT, contra o art. 58 e seus parágrafos da Lei 9.649/98, que prevêem a delegação de poder público para o exercício, em caráter privado, dos serviços de fiscalização de profissões regulamentadas.

Segundo nos noticia o informativo do STF n.º 137, p. 01, os Ministros da Supremo Tribunal brasileiro Sydney Sanches, relator, e Nelson Jobim, acolhendo a tese da indelegabilidade de poder de polícia a entidades privadas, determinaram a suspensão cautelar da norma impugnada 11.

Muito embora respeite-se as manifestações do STF, não é função da doutrina acatá-las como definitivas, cessando as atividades de pesquisas sobre assuntos por ele já decididos.

Com efeito, pensamos que o enfrentamento do tema ainda se faz necessário, seja para o aprimoramento da aplicação do direito, seja para efeitos acadêmicos-doutrinários, até mesmo porque não houve decisão definitiva sobre a questão.

2. DOS POSICIONAMENTOS ACERCA DA MATÉRIA

2.2. Dos argumentos defensores da impossibilidade do exercício de atos de polícia administrativa por sociedades de economia mista

Ao passo que se admite, em alguns casos, a prestação de serviços públicos por pessoas não integrantes da Administração Direta, a exemplo das sociedades de economia mista, o exercício da polícia administrativa é rechaçada sob argumento da indelegabilidade da atuação desse mister.

Os serviços típicos do Estado, pela relevância e essencialidade, como segurança, defesa nacional, justiça, legislação, no Estado Democrático de Direito não podem ser prestados por entidades desprovidas de personalidade jurídica de direito público, ao passo que outros, como transporte coletivo, energia elétrica, telecomunicações, são delegáveis a particulares.

É simples compreender o porquê da indelegabilidade de serviços cujo caráter da essencialidade para preservação do Estado de Direito não admita o desempenho por pessoas jurídicas de direito privado.

De fato, seria totalmente descabido vislumbrar a criação de uma sociedade de economia mista para exercer, por exemplo, atividade jurisdicional, que deve ser prestada pelo Poder Judiciário do Estado.

Já a atuação do poder de polícia, que não se confunde com serviços públicos, envolve a prática de atos fiscalizatórios, como obediência às normas de trânsito, aos prazos de validade de remédios e alimentos; atos em que a atuação dos administrados dependa de outorga pela Administração de licenças, permissões, autorizações; atos que impeçam pessoas de desempenhar atividades anti-sociais, como produção de ruídos excessivos no período noturno, ou atentem contra a higiene e moralidade pública ou atos repressivos, como aplicação de multas, embargos e interdições 12.

Ainda sobre o exercício da polícia administrativa, a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro 13, explica abranger atividades legislativas, de sorte que, através da edição de leis, o Estado cria limitações administrativas ao exercício de direitos e atividades privadas, ou através de decretos, resoluções, portarias, instruções, o Executivo regulamenta as leis; e atividades materiais de aplicação da lei ao caso concreto, estas envolvendo medidas preventivas, como a fiscalização, vistoria, ordem, notificação, autorização, licença, e medidas repressivas, como dissolução de reunião, apreensão de mercadorias deterioradas, interdição de atividade, enfim atos coativos para compelir o administrado ao cumprimento da lei.

A doutrina que propugna pela impossibilidade do exercício de poder de polícia por sociedade de economia mista, sustenta consistir atividade jurídica típica e exclusiva do Estado, insuscetível de ser praticada por pessoas desprovidas de personalidade jurídica de direito público.

Nesse sentido, cite-se as palavras de Diógenes Gasparini 14: “A polícia de ordem pública, em razão da gravidade dos seus objetivos, figura entre as atividades jurídicas típicas do Estado...”.

E ainda, as ponderações de José Cretella Júnior 15: “Só o Estado é detentor do poder de polícia, só o Estado organiza a polícia. O poder de polícia é, pois, indelegável, intransferível”.

Para os que defendem a intransferência do poder de polícia, entende-se que o Estado quando condiciona o exercício de direitos particulares em prol do interesse coletivo, está praticando atividade própria estatal, e mais, no campo do poder de polícia só haveria que se falar em atividades próprias.

Assim, seguindo a aludida esteira de pensamento, os atos de adequação dos interesses particulares ao geral, sejam legislativos sejam preventivos ou repressivos, somente podem exercidos pelo Estado enquanto Poder Público.

Às sociedades de economia mista, por serem pessoas jurídicas de direito privado, por terem participação de capital privado na formação de seu patrimônio, por não integrarem a Administração direta do Estado, não lhes caberia atuar nas atividades próprias do Estado.

Álvaro Lazzarini 16quando comenta sobre limitações ao Poder de Polícia, registra posicionamento de que a indelegabilidade a qualquer ente privado, seja ele pessoa natural ou jurídica de direito privado, muito embora pertença à Administração Indireta, consiste em limite no que tange à competência para prática do ato de polícia, este só podendo ser exercido pela Administração Pública enquanto Poder Público.

Os posicionamentos conducentes à conclusão pela possibilidade de s.e.m. praticar atos de polícia administrativa merecem ser conhecidos, para então se enfrentar um sopesamento dos argumentos e de valores, traçando considerações que possam contribuir para o tema proposto.

2.2. Dos argumentos defensores da possibilidade do exercício de atos de polícia administrativa por sociedades de economia mista

A concepção da sociedade de economia mista como instrumento de atuação estatal, por ser integrante da Administração Pública indireta, auxilia na argumentação dos que admitem a possibilidade exercício do poder de polícia pela mesma.

É que, qualificá-la como instrumental da ação do Estado induz à conclusão de que atua com vistas à consecução de interesses públicos, como pondera Carlos Ari Sundfeld 17, finalidade essa nitidamente distinta quanto às empresas meramente privadas.

Defende-se que não estariam essas entidades equiparadas a particulares nem na sua finalidade, tampouco na sua forma de atuação, como afirmaram os professores Valmir Pontes Filho e Carlos Roberto Martins Rodrigues: “Na verdade, as sociedades de economia mista são entes auxiliares, não devendo ser confundida a sua natureza intrínseca com a de sua personalidade jurídica”, e prosseguem acrescentando: “veja-se que a Constituição, no seu art. 173, II, não equipara a sociedade de economia mista à empresa privada,... manda tão-só lhe sejam aplicadas as normas aplicáveis aquelas...”.

No mesmo parecer jurídico acerca do assunto, concluem: “... nada obsta - e isso se verifica na área da prestação de serviços públicos, quando prestados por particulares- que as pessoas privadas possam exercer, em caráter circunstancial, a atividade de polícia, desde que a lei autorize a delegação” 18.

Ainda no que toca à instrumentalidade das sociedades de economia mista, o professor Celso Antônio Bandeira de Mello 19 ressalta serem entidades voltadas por definição, para a busca de interesses transcendentes aos meramente privados .

Na esteira dos argumentos que podem conduzir à conclusão pela possibilidade de exercício de atos de polícia por sociedade de economia mista, surge a circunstância de o regime jurídico de direito privado a que esta se submete ser parcialmente derrogado pelo de direito público, acentuando mais ainda seu traço distintivo das segundas 20.

Ainda, pode-se inferir pela possibilidade do exercício dos atos de polícia por sociedade de economia mista, por exegese do disposto no art. 1.º da Lei n.º 9.873, de 23.11.99, que estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, verbis:

“Art. 1o Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado”. (grifou-se)

Não obstante a plausibilidade dos argumentos retro colacionados acerca da possibilidade de s.e.m. praticarem atos de polícia administrativa, entendemos que as distinções entre polícia administrativa geral e polícia administrativa especial e entre poder de polícia e atividade de polícia, exsurgem notadamente como melhores fundamentos para a corrente doutrinária em comento, consoante passaremos a expor.

O professor Hely Lopes Meirelles 21, estabelece a distinção da polícia administrativa geral para especial, classificando aquela como a que cuida genericamente da segurança, da salubridade e da moralidade públicas, e esta como a que trata de setores específicos da atividade humana que afetem bens de interesses coletivo, como a construção, a indústria de alimentos, o comércio de medicamentos, o uso de águas, a exploração de florestas, consignando que nesse último caso, há restrições e regime jurídico próprios.

José Afonso da Silva 22, por sua vez, afirma que, como se entende caber somente à lei impor limitações a direitos reconhecidos pela Constituição, a doutrina traça distinção entre poder de polícia e atividade de polícia, identificando aquele como manifestação do poder legislativo, único dotado de competência para impor, mediante lei formal, limitações aos direitos individuais e a esta como função exercida pela Administração Pública mediante atos de polícia, que são atos administrativos subordinados ao ordenamento jurídico, portanto.

Concatenando as idéias de polícia geral e polícia especial com a distinção entre poder de polícia e atos de polícia, José Afonso da Silva 23 deixa claro que às pessoas privadas, quando no exercício da função pública, pode ser atribuído o exercício de atividade de polícia, caso se trate de polícia especial, criticando na oportunidade, o enfrentamento da tese da indelegabilidade do poder de polícia, que relega a distinção entre poder de polícia e atividade de polícia.

O texto de José Afonso, muito embora remonte do ano de 1978, foi citado pela obra de Hely Lopes Meirelles, em 2001 , que, após distinguir polícia geral da especial, estabelece a distinção entre poder de polícia originário e poder de polícia delegado, afirmando que aquele nasce com a entidade que o exerce, ao passo que o outro, advém de transferência legal.

Para o autor, o poder de polícia originário é pleno no seu exercício ao passo que o delegado é limitado aos termos da delegação, caracterizando-se por atos de execução, revelando a atualidade dos ensinamentos de José Afonso da Silva.

4. CONCLUSÕES

Diante das considerações sobre o tema proposto, enunciadas ao longo do presente, pode-se inferir:

1.O exercício do poder de policia quando envolve a edição de normas gerais condicionadoras de direito e liberdades individuais, demanda a prática da atividade legislativa, essa, sem dúvidas, típica e exclusiva do Estado, de modo que, não pode ser exercida por pessoa jurídica de direito privado, ainda que integrante da Administração Pública Indireta.

Nesse aspecto, a indelegabilidade do poder de polícia a particulares ressai como decorrência lógica do próprio Estado Democrático de Direito, no qual é confiada aos representantes da sociedade, escolhidos através de voto direto e secreto, competência para elaboração das leis (em sentido geral).

2. A tese de serem todos os atos de polícia típicos e exclusivos do Estado e, portanto, indelegáveis a particulares, não parece robusta o suficiente para afastar a possibilidade de sociedade de economia mista os exercer, até porque desconsidera a importante distinção entre poder de polícia e atos de polícia.

3. Se é certo que o disciplinamento e a imposição de condutas restritivas das liberdades individuais em prol do interesse público através da atividade legislativa, exprime poder estatal, denominado de poder de polícia, a cabo somente do Estado enquanto Poder Público, o mesmo não se aplica à execução material dos atos de polícia.

Aplicação da lei ao caso concreto, inclusive de normas que veiculam poder de polícia administrativa, pode ser outorgada tanto à Administração Direta como à Indireta, como também os que exercem serviços públicos delegados, como é o caso das concessionárias de serviços públicos.

Nesse aspecto deve ser considerada a distinção entre poder e execução das prerrogativas conferidas pelo poder.

4. Os atos de polícia, como atos administrativos, constituem meios de atuação de toda Administração Pública, seja a Direta ou a Indireta, podendo ser por elas praticados, conquanto devidamente autorizados em lei. Até porque é o próprio Poder Público quem decide se transfere ou não o exercício dos atos de polícia às pessoas jurídicas de direito privado.

5. Com efeito, uma vez criada sociedade de economia mista para prestar serviço público transferível a particulares, havendo competência autorizada por lei para práticas de atos de polícia administrativa, como decorrência do próprio serviço, não há como excluir a atuação legítima das s.e.m nesse aspecto, inclusive porque atuam na condição de Administração Pública descentralizada.

O que sempre merece ser observado é que a atuação das sociedades de economia mista nos atos de polícia não é ilimitada, devendo ser estritamente restrita aos termos da lei que outorga tal mister.

6.O grande problema do desempenho da polícia administrativa, seja a geral seja a especial, está na correta aplicação dos princípios da moralidade e impessoalidade que devem permear a Administração Pública como um todo.
É que, mesmo havendo conciliação do capital privado com o público na formação do patrimônio das s.e.m., a execução de atos de polícia por estas, não podem, de modo algum, ceder a interesses particulares, daí porque a atenção deve ser aguçada quando sociedade de economia mista pratica atos de polícia administrativa, a fim de que os princípios da moralidade e impessoalidade não sejam soterrados pelo da eficiência.

BIBLIOGRAFIA

AGUILLAR, Fernando Herren. Controle Social de Serviços Públicos, São Paulo, Max Limonad, 1999.

CRETELLA JÚNIOR, José. Manual de Direito Administrativo, 5.ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1996.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 12.ª ed., São Paulo, Atlas, 2000.

----------------. Parcerias na Administração Pública, São Paulo, Atlas, 1996.

GASPARINI, Diógenes. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Volume. 212, abril-junho, 1998.

GRAU, Eros Roberto e GUERRA, Willis Santiago Filho. Direito Constitucional-estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo, Malheiros, 2001.

LAZZARINI, Álvaro. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Volume. 203, jananeiro-março 1996.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26.ª ed., São Paulo, Malheiros, 2001.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 4.ª ed., São Paulo, Malheiros, 1993.

----------------. Elementos de Direito Administrativo.3.ª ed., São Paulo, Malheiros, 1992.

MORAES, Germana Oliveira de. Temas Atuais de Direito Administrativo. Fortaleza, ABC Fortaleza, 2000.

SILVA, José Afonso da. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Volume. 132, abril-junho, 1978.

SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Econômico. São Paulo, Malheiros, 2000.

1 Assim são definidas as sociedades de economia mista (s.e.m): “Sociedade de Economia mista- a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, de cujas ações com direito a voto pertença a maioria à União ou entidade da Administração indireta”. (redação dada pelo Decreto.-lei 900/69)

2 Parcerias na Administração Pública, São Paulo, Atlas, 1996, p. 22-23.

3 A EC/19 deu nova redação ao inciso XIX do art. 37 da CF/88, determinando que as sociedades de economia mista têm sua criação autorizada por lei.

4 A doutrina é uníssona no sentido de considerar imprecisa a definição de s.e.m. trazida pelo Decreto-lei 200/67, quando se reporta à sua criação para exploração de atividade econômica, já que a possibilidade de exercerem serviços públicos é pacífica. Nesse sentido, cite-se as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, Elementos de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros, 1992, p 90 e ss..“ Assim, ao mencionar ’exploração de atividade econômica’, o legislador do Executivo federal não pode ter tido em mira o discrímen entre ‘serviço público’ e ‘exploração da atividade econômica’, que é disseptação estritamente jurídica e, portanto, demasiado sutil para percepção dos tecnoburocratas que dantes engendravam os decretos-leis e hoje fabricam ‘medidas provisórias”. E continua: “Então, não se pode duvidar na definição normativa de empresa pública os dizeres ‘exploração de atividade econômica’ não possuem a densidade jurídica que normalmente lhes corresponderia. Servem para indicar- e desnecessariamente- que a atividade por ela desenvolvida se efetua mediante prestações remuneradas, o que é o mínimo que se poderia imaginar em se tratando de uma empresa”. No que toca às sociedades de economia mista, prossegue afirmando: “Novamente aqui, não haveria como acolher a definição formulada pelo Decreto-lei 200, com redação dada pelo 900, pena de incidir nas mesmas incongruências a que dantes se aludiu (ao tratar da noção de empresa pública) e que resultariam em descompasso com o próprio direito positivo como um todo”.

5 “Art. 78.Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.

6 Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 2001, p.130.

7 Constituição e Serviços Públicos, in Direito Constitucional estudos em homenagem a Paulo Bonavides (organizador), São Paulo, Malheiros, 2001, p.266.

8 Os serviços públicos privativos da União Federal são enumerados pela CF/88 no art. 21, a exemplo da defesa nacional (inc.III); da polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras (inc. XXII); da emissão de moeda (inc. VII); do serviços postal (inc. X); dos serviços de telecomunicações em geral (incs. XI e XII) e de energia elétrica (inc. XII, “b”); de defesa contra calamidades públicas (inc. XVIII)- Alguns desses serviços só podem prestados pela União, outros admitem execução indireta, através de delegação a pessoas de Direito Público ou Privado. Os serviços públicos a cargo dos Estados-membros não são discriminados pela CF/88, já que a competência dos Estados é remanescente (art. 25 § 1.º da CF), assomada à competência comum entre União, Estados e Municípios relacionada no art. 23 a exemplo da promoção de programa de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e saneamento básico (inc. IX). Aos Municípios compete a prestação de serviços de interesse local (art. 30 da CF), entretanto, a própria constituição elencou expressamente alguns, como: transporte coletivo, com caráter de essencialidade (inc. V); proteção do patrimônio histórico e cultural-local (inc. IX); ordenamento territorial e o controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano (inc. VIII).

9 Ob. cit. p. 22.

10 Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros, 1993, p. 312-313.

11 Acórdão Publicado no DJ de 25.02.2000., ato n.º 4.

12 Exemplos formulados in Celso Antônio Bandeira de Melo, Curso de Direito..., P. 312.

13 Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 2000, p. 112.

14 Novo Código de Trânsito- Os Municípios e o Policiamento in Revista de Direito Administrativo, Volume. 212, p. 180 e ss.

15 Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 262 e ss.

16 Abuso de Poder x Poder de Polícia in Revista de Direito Administrativo, Volume 203, Fundação Getúlio, Vargas, p. 39.

17 Direito Administrativo Econômico, São Paulo, Malheiros, 2000, p. 265. Acerca do assunto comenta o professor: “Mas as sociedades de economia mista e empresas públicas não se caracterizam como tais apenas por desenvolverem ação estatal. Essa nota não basta para manter sua diferença específica, pois- como disse há pouco- empresas particulares, quando concessionárias de serviço público, também são instrumentos da atuação da Administração. As empresas estatais têm algo mais: integram a estrutura orgânica do Estado, globalmente considerados; são ‘Administração Pública’ também no sentido subjetivo. Segundo uma explicação doutrinária normalmente aceita, os variados entes da Administração Pública Indireta- autarquias, fundações governamentais públicas ou privadas, empresas estatais- distinguem-se uns dos outros quanto à natureza pública ou privada de sua personalidade, conforme a maior ou menor proximidade de seu regime para com o da Administração Pública clássica. Mas eles todos têm personalidade governamental- que é o gênero, em relação ao qual a personalidade governamental pública e a personalidade governamental privada apresentam-se como espécies”. –destacamos-

18 Parecer Jurídico constante na Ação Popular n.º 99.02.37188-4, fls. 97-110, - 2.ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública, em que figura como ré, a Empresa de Trânsito e Transporte Urbano S.A.- ETTUSA.

19 Elementos de Direito..., p. 93. Alertando ainda, que não se pode assumir fetichisticamente sua personalidade de direito privado e imaginar que por força dela seu regime seja o mesmo do modelo tipológico daquelas empresas meramente de direito privado, destacando que a personalidade de direito privado seria mais um expediente técnico, entendendo tais entidades como coadjuvantes de misteres estatais.

20 Tal assertiva pode ser verificada nas disposições aplicadas aos servidores públicos, como as constantes no art. 37 da CF/88, que são: 1) exigência de concurso público para o ingresso na Administração Pública, proibição de acúmulo de cargos, empregos ou funções (com as ressalvas constitucionais); 2) com relação ao Mandado de Segurança, as autoridades das entidades da Administração Indireta, incluindo as empresas sob controle acionário do Estado, podem ser tidas como coatoras ( art. 1§ 1.º da Lei 1.533, de 31. 12. 51; Súmula 510 do STF, confirmados pelo art. 5.º, inciso LXIX da CF/88); 3) é cabível ação popular contra as entidades da administração indireta (art. 5.º, LXXVIII da CF/88); 4) necessidade, em regra, de licitação para celebrae contratos, art. 37, XXI (enquanto não for estabelecido o estatuto jurídico previsto art. 173, § 1.º, continuam a ser regulados pelo Lei de Licitações); 5) responsabilização objetiva dos danos causados pelos agentes da administração pública indireta (art. § 6.º da CF/88); prescrição qüinqüenal das dívidas e ações contra a Fazenda Pública, prevista no Decreto n.º 20. 910, de 06.01.32 foi expressamente estendida às sociedades de economia mista (art. 2.º do Decreto-lei n.º 4.597, de 19.08.42).

21 Ob. cit. p. 123.

22 Poder de Polícia Parecer in Revista de Direito Administrativo, Volume 132, p. 247.

23 Afirma José Afonso da Silva, Ob.cit. p. 246-247: “Outro ponto importante, que ressai dos ensinamentos que acabamos de transcrever, consiste na indicação de que as atividades de polícia especial podem ser atribuídas a entidades diversas das estatais. Toca, assim, na questão da atribuição da atividade de polícia a entidades paraestatais, que ainda não sofreu, de parte da doutrina tratamento aprofundado. Tem-se discutido muito na base da delegação de competência, e sempre se esbarra na tese da indelegabilidade do poder de polícia. Falta, certamente, fazer aquela distinção que a doutrina mais recente vem realizando entre poder de polícia e atividade de polícia”. Complementa ainda o autor: “Nesse sentido, Cid Tomanik Pompeu mostra que ‘tem sido aceita, na prática, a criação, por lei, de empresas públicas que, ao lado de atividades econômicas, exerçam poder de polícia sobre áreas bem definidas’, vale dizer,: exerçam o poder de polícia especial, mediante atribuição legal, na área de sua atividade”.
Ob. cit, p. 123.