PODER DE POLÍCIA E SUAS FORMAS DE ATUAÇÃO: POSSIBILIDADE DE
ATRIBUIR SEU EXERCÍCIO À SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA.
Lia Sampaio Silva
Procuradora Administrativa do Município de Fortaleza | Mestranda
do Curso de Mestrado da Universidade Federal do Ceará.
Sumário:
1. Introdução: o tema proposto e sua importância.
2. Posicionamentos acerca da matéria: argumentos que propugnam pela
impossibilidade do exercício de atos de polícia administrativa por sociedades
de economia mista; argumentos defensores da possibilidade do exercício de atos
de polícia administrativa por sociedade de economia mista.
3. Conclusões.
4. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
A ausência de codificação do direito administrativo brasileiro torna a
colaboração doutrinária indispensável no destrinchar de questões relevantes
como é o caso do tema a ser abordado, mormente no que se reporta ao regime
jurídico a que se submetem institutos, como, sociedade de economia mista, poder
de polícia e serviços públicos, de vez que a legislação pátria acerca do
assunto é esparsa e não dirime, à primeira vista, as
indagações suscitadas no enfrentamento da matéria.
As sociedades de economia mista, situadas no âmbito da Administração Pública
Indireta (art. 37 da Constituição Federal) e definidas pelo Decreto-lei n.º
200/67 1, vêm sendo alvo de profundas observações, por figurarem como
instrumentos de descentralização administrativa em voga no Estado brasileiro.
A professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro 2 explica a descentralização administrativa no contexto da Reforma
estatal, apontando deverem ficar a cargo do Poder Público somente atividades
essenciais e tipicamente do Estado, assim como atividades sociais e econômicas
que o particular não possa desempenhar.
Segundo a autora, o regime jurídico publicístico é aplicado aos serviços
públicos considerados típicos: “no caso das atividades sociais e das atividades
econômicas exercidas subsidiariamente, o Estado deve procurar formas mais
flexíveis de atuação, somente possíveis pela aplicação predominante do direito
privado, derrogado parcialmente pelo direito público apenas no que seja
essencial para assegurar o cumprimento dos fins estatais”.
No cenário da busca por formas descentralizadas para atuação administrativa,
conjugada à máxima da eficiência na Administração Pública, intensifica-se a
criação 3 de s.e.m. para o exercício de atividade
econômica ou serviço público outorgado pelo Estado, minimizando os entraves
burocráticos peculiares ao regime jurídico público.
Ocorre que, muito embora as sociedades de economia mista colaborem para o
alívio na sobrecarga da atuação estatal, além de proporcionarem formas menos
rígidas na prestação de serviços públicos e de atividades econômicas, sua
personalidade jurídica de direito privado, a participação de capital público e
particular na formação de seu patrimônio, a imprecisão do seu conceito trazido
pelo Decreto-lei 200 4, vêm dificultando a depuração do adequado regime a que se
submetem, suscitando dúvidas quanto à sua atuação.
A situação delineada se revela exatamente quando é cogitado o exercício de
atividades de polícia administrativa por sociedade de economia mista.
O poder de polícia, conceituado pelo art. 78 do Código Tributário Nacional 5, como atividade da administração pública que disciplina ou limita
direitos e liberdades individuais em razão do interesse público, por ter a
supremacia da vontade geral como fundamento, e a coercibilidade e auto-executoriedade como traços característicos, pode vir a
constranger interesses particulares muito caros.
Hipóteses desse jaez se verificam quando a Administração faz uso de medidas
impositivas ou coercitivas aos administrados, com vistas à consecução do
interesse público como: interdição de atividades, inutilização de gêneros,
proibição de comércio de determinados produtos, vedação à localização de
indústrias ou a aplicação de multas.
A obrigatoriedade de todo ato de polícia, de vez que não são facultativos aos
particulares, como prepondera Hely Lopes Meirelles 6, e a possibilidade de o Estado se valer de coerção para torná-los
efetivos, provoca nos administrados inconformismo quando atuados por pessoa
desprovida da personalidade jurídica de direito público, e que possuam
participação de capital privado na formação do patrimônio, como é o caso das
sociedades de economia mista.
Ainda, por vários doutrinadores se reportarem ao poder de polícia como
atividade típica do Estado, não poderiam as s.e.m.
atuar no campo da polícia administrativa. Entretanto, a ausência de elenco
taxativo do que sejam atividades típicas, transforma a aplicação da matéria
bastante tormentosa.
Daí surgirem, na prática, inúmeros questionamentos judiciais quando as s.e.m. exercem medidas impositivas e coercitivas, sob o respaldo
do poder de polícia.
A doutrina, por sua vez, diverge sobre o tema.
Quando é apontada a criação de sociedades de economia mista para prestação de
serviços públicos, detentoras de prerrogativas e deveres peculiares ao regime
publicístico, é possível inferir pela possibilidade de atuarem no campo da
polícia administrativa.
Entretanto, quando a atividade de polícia é qualificada como típica e exclusiva
do Estado, conclui-se totalmente o contrário.
Como a questão vertente envolve sociedade de economia mista prestadora de
serviços públicos, em vista de não se conceber que s.e.m
criada para desenvolver atividade econômica possa exercer atos de polícia
administrativa, tanto por possuírem finalidade incompatível com tal prática,
quanto por ser o regime jurídico privado bem menos afetado pelo publicístico,
faz-se necessário incluir, no bojo da problemática em foco, estudos acerca dos
serviços públicos.
Serviços Públicos precisamente definidos por Eros Roberto Grau 7, como atividade explícita ou supostamente definida pela
Constituição, em um determinado momento histórico indispensável à sociedade,
não foram elencados exaustivamente na Constituição Federal/88 8.
Não obstante, deve-se ter em mente que alguns serviços considerados essenciais,
somente podem ser exercidos pelo Estado enquanto Poder Público, e, como
atividades próprias estatais, não podem ser delegadas a particulares como é o
caso da segurança, defesa, justiça, relações exteriores, legislação, polícia,
nas explanações de Maria Sylvia Zanella Di Pietro 9.
Ainda para o presente estudo, indispensável é considerar que serviços públicos
e atividades de polícia não se referem à mesma realidade.
Serviços Públicos são prestações ofertadas em prol do administrado, ao passo
que poder de polícia pode chegar a restringir, condicionar sua atuação. Nesse
sentido Celso Antônio Bandeira de Mello 10 explica: “A polícia administrativa constitui-se em atividade
orientada para contenção dos comportamentos e os serviços orientam-se para
atribuir comodidades aos administrados”.
A distinção entre poder de polícia e serviço público é imprescindível para não
se extrair conclusões apriorísticas deturpadas sobre a matéria, de vez que
conquanto as sociedades de economia mista possam ser criadas para prestarem
serviços público, não implica que, por isso, possam atuar no campo da polícia
administrativa.
A matéria presente é árida por envolver princípios aquilatados da Administração
Pública, como o da eficiência e da moralidade, divergindo a doutrina e
atormentando os administradores ávidos por formas menos burocráticas de
atuação.
É importante mencionar que o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou
cautelarmente acerca do questionamento em pauta na ADIN n.º 1.717-6- DF,
ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil- PC do B, pelo Partido dos
Trabalhadores- PT e pelo Partido Democrático Trabalhista –PDT, contra o art. 58
e seus parágrafos da Lei 9.649/98, que prevêem a
delegação de poder público para o exercício, em caráter privado, dos serviços
de fiscalização de profissões regulamentadas.
Segundo nos noticia o informativo do STF n.º 137, p. 01, os Ministros da Supremo Tribunal brasileiro Sydney Sanches, relator, e
Nelson Jobim, acolhendo a tese da indelegabilidade de poder de polícia a
entidades privadas, determinaram a suspensão cautelar da norma impugnada 11.
Muito embora respeite-se as manifestações do STF, não é função da doutrina
acatá-las como definitivas, cessando as atividades de pesquisas sobre assuntos
por ele já decididos.
Com efeito, pensamos que o enfrentamento do tema ainda se faz necessário, seja
para o aprimoramento da aplicação do direito, seja para efeitos
acadêmicos-doutrinários, até mesmo porque não houve decisão definitiva sobre a
questão.
2. DOS
POSICIONAMENTOS ACERCA DA MATÉRIA
2.2. Dos
argumentos defensores da impossibilidade do exercício de atos de polícia
administrativa por sociedades de economia mista
Ao passo que se admite, em alguns casos, a prestação de serviços públicos
por pessoas não integrantes da Administração Direta, a exemplo das sociedades
de economia mista, o exercício da polícia administrativa é rechaçada sob
argumento da indelegabilidade da atuação desse mister.
Os serviços típicos do Estado, pela relevância e essencialidade, como
segurança, defesa nacional, justiça, legislação, no Estado Democrático de
Direito não podem ser prestados por entidades desprovidas de personalidade
jurídica de direito público, ao passo que outros, como transporte coletivo,
energia elétrica, telecomunicações, são delegáveis a particulares.
É simples compreender o porquê da indelegabilidade de serviços cujo caráter da
essencialidade para preservação do Estado de Direito não admita o desempenho
por pessoas jurídicas de direito privado.
De fato, seria totalmente descabido vislumbrar a criação de uma sociedade de
economia mista para exercer, por exemplo, atividade jurisdicional, que deve ser
prestada pelo Poder Judiciário do Estado.
Já a atuação do poder de polícia, que não se confunde com serviços públicos,
envolve a prática de atos fiscalizatórios, como obediência às normas de
trânsito, aos prazos de validade de remédios e alimentos; atos em que a atuação
dos administrados dependa de outorga pela Administração de licenças,
permissões, autorizações; atos que impeçam pessoas de desempenhar atividades anti-sociais, como produção de ruídos excessivos no período
noturno, ou atentem contra a higiene e moralidade pública ou atos repressivos,
como aplicação de multas, embargos e interdições 12.
Ainda sobre o exercício da polícia administrativa, a professora Maria Sylvia
Zanella Di Pietro 13, explica abranger atividades legislativas, de sorte que, através
da edição de leis, o Estado cria limitações administrativas ao exercício de
direitos e atividades privadas, ou através de decretos, resoluções, portarias,
instruções, o Executivo regulamenta as leis; e atividades materiais de
aplicação da lei ao caso concreto, estas envolvendo medidas preventivas, como a
fiscalização, vistoria, ordem, notificação, autorização, licença, e medidas
repressivas, como dissolução de reunião, apreensão de mercadorias deterioradas,
interdição de atividade, enfim atos coativos para compelir o administrado ao
cumprimento da lei.
A doutrina que propugna pela impossibilidade do exercício de poder de polícia
por sociedade de economia mista, sustenta consistir atividade jurídica típica e
exclusiva do Estado, insuscetível de ser praticada por pessoas desprovidas de
personalidade jurídica de direito público.
Nesse sentido, cite-se as palavras de Diógenes Gasparini 14: “A polícia de ordem pública, em razão da gravidade dos seus
objetivos, figura entre as atividades jurídicas típicas do Estado...”.
E ainda, as ponderações de José Cretella Júnior 15: “Só o Estado é detentor do poder de polícia, só o Estado
organiza a polícia. O poder de polícia é, pois, indelegável, intransferível”.
Para os que defendem a intransferência do poder de polícia, entende-se que o
Estado quando condiciona o exercício de direitos particulares em prol do
interesse coletivo, está praticando atividade própria estatal, e mais, no campo
do poder de polícia só haveria que se falar em atividades próprias.
Assim, seguindo a aludida esteira de pensamento, os atos de adequação dos
interesses particulares ao geral, sejam legislativos sejam preventivos ou
repressivos, somente podem exercidos pelo Estado enquanto Poder Público.
Às sociedades de economia mista, por serem pessoas jurídicas de direito
privado, por terem participação de capital privado na formação de seu
patrimônio, por não integrarem a Administração direta do Estado, não lhes
caberia atuar nas atividades próprias do Estado.
Álvaro Lazzarini 16quando comenta sobre limitações ao Poder de Polícia, registra
posicionamento de que a indelegabilidade a qualquer ente privado, seja ele
pessoa natural ou jurídica de direito privado, muito embora pertença à
Administração Indireta, consiste em limite no que tange à competência para
prática do ato de polícia, este só podendo ser exercido pela Administração
Pública enquanto Poder Público.
Os posicionamentos conducentes à conclusão pela possibilidade de s.e.m. praticar atos de polícia administrativa merecem ser
conhecidos, para então se enfrentar um sopesamento dos argumentos e de valores,
traçando considerações que possam contribuir para o tema proposto.
2.2. Dos argumentos defensores da possibilidade do exercício de atos de
polícia administrativa por sociedades de economia mista
A concepção da sociedade de economia mista como instrumento de atuação
estatal, por ser integrante da Administração Pública indireta, auxilia na
argumentação dos que admitem a possibilidade exercício do poder de polícia pela
mesma.
É que, qualificá-la como instrumental da ação do Estado induz à conclusão
de que atua com vistas à consecução de interesses públicos, como pondera Carlos
Ari Sundfeld 17, finalidade essa nitidamente distinta quanto às empresas
meramente privadas.
Defende-se que não estariam essas entidades equiparadas a particulares
nem na sua finalidade, tampouco na sua forma de atuação, como afirmaram os
professores Valmir Pontes Filho e Carlos Roberto Martins Rodrigues: “Na
verdade, as sociedades de economia mista são entes auxiliares, não devendo ser
confundida a sua natureza intrínseca com a de sua personalidade jurídica”, e
prosseguem acrescentando: “veja-se que a Constituição, no seu art. 173, II, não
equipara a sociedade de economia mista à empresa privada,... manda tão-só lhe
sejam aplicadas as normas aplicáveis aquelas...”.
No mesmo parecer jurídico acerca do assunto, concluem: “... nada obsta -
e isso se verifica na área da prestação de serviços públicos, quando prestados
por particulares- que as pessoas privadas possam exercer, em caráter
circunstancial, a atividade de polícia, desde que a lei autorize a delegação” 18.
Ainda no que toca à instrumentalidade das sociedades de economia mista, o
professor Celso Antônio Bandeira de Mello 19 ressalta serem entidades voltadas por definição, para a busca de
interesses transcendentes aos meramente privados .
Na esteira dos argumentos que podem conduzir à conclusão pela
possibilidade de exercício de atos de polícia por sociedade de economia mista,
surge a circunstância de o regime jurídico de direito privado a que esta se submete ser parcialmente derrogado pelo de direito
público, acentuando mais ainda seu traço distintivo das segundas 20.
Ainda, pode-se inferir pela possibilidade do exercício dos atos de
polícia por sociedade de economia mista, por exegese do disposto no art. 1.º da
Lei n.º 9.873, de 23.11.99, que estabelece prazo de prescrição para o exercício
de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, verbis:
“Art. 1o Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública
Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando
apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou,
no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado”.
(grifou-se)
Não obstante a plausibilidade dos argumentos retro colacionados acerca da
possibilidade de s.e.m. praticarem atos de polícia
administrativa, entendemos que as distinções entre polícia administrativa geral
e polícia administrativa especial e entre poder de polícia e atividade de
polícia, exsurgem notadamente como melhores fundamentos para a corrente
doutrinária em comento, consoante passaremos a expor.
O professor Hely Lopes Meirelles 21, estabelece a distinção da polícia administrativa geral para
especial, classificando aquela como a que cuida genericamente da segurança, da
salubridade e da moralidade públicas, e esta como a que trata de setores
específicos da atividade humana que afetem bens de interesses coletivo, como a
construção, a indústria de alimentos, o comércio de medicamentos, o uso de
águas, a exploração de florestas, consignando que nesse último caso, há
restrições e regime jurídico próprios.
José Afonso da Silva 22, por sua vez, afirma que, como se entende caber somente à lei
impor limitações a direitos reconhecidos pela Constituição, a doutrina traça
distinção entre poder de polícia e atividade de polícia, identificando aquele
como manifestação do poder legislativo, único dotado de competência para impor,
mediante lei formal, limitações aos direitos individuais e a esta como função
exercida pela Administração Pública mediante atos de polícia, que são atos
administrativos subordinados ao ordenamento jurídico, portanto.
Concatenando as idéias de polícia geral e
polícia especial com a distinção entre poder de polícia e atos de polícia, José
Afonso da Silva 23 deixa claro que às pessoas privadas, quando no exercício da
função pública, pode ser atribuído o exercício de atividade de polícia, caso se
trate de polícia especial, criticando na oportunidade, o enfrentamento da tese
da indelegabilidade do poder de polícia, que relega a distinção entre poder de
polícia e atividade de polícia.
O texto de José Afonso, muito embora remonte do ano de 1978, foi citado
pela obra de Hely Lopes Meirelles, em 2001 , que, após distinguir polícia geral
da especial, estabelece a distinção entre poder de polícia originário e poder
de polícia delegado, afirmando que aquele nasce com a entidade que o exerce, ao
passo que o outro, advém de transferência legal.
Para o autor, o poder de polícia originário é pleno no seu exercício ao
passo que o delegado é limitado aos termos da delegação, caracterizando-se por
atos de execução, revelando a atualidade dos ensinamentos de José Afonso da
Silva.
4. CONCLUSÕES
Diante das considerações sobre o tema proposto, enunciadas ao longo do
presente, pode-se inferir:
1.O exercício do poder de policia quando
envolve a edição de normas gerais condicionadoras de direito e liberdades
individuais, demanda a prática da atividade legislativa, essa, sem dúvidas,
típica e exclusiva do Estado, de modo que, não pode ser exercida por pessoa
jurídica de direito privado, ainda que integrante da Administração Pública
Indireta.
Nesse aspecto, a indelegabilidade do poder de polícia a particulares ressai
como decorrência lógica do próprio Estado Democrático de Direito, no qual é
confiada aos representantes da sociedade, escolhidos através de voto direto e
secreto, competência para elaboração das leis (em sentido geral).
2. A tese de serem todos os atos de polícia típicos e exclusivos do
Estado e, portanto, indelegáveis a particulares, não parece robusta o
suficiente para afastar a possibilidade de sociedade de economia mista os
exercer, até porque desconsidera a importante distinção entre poder de polícia
e atos de polícia.
3. Se é certo que o disciplinamento e a imposição de condutas restritivas
das liberdades individuais em prol do interesse público através da atividade
legislativa, exprime poder estatal, denominado de poder de polícia, a cabo
somente do Estado enquanto Poder Público, o mesmo não se aplica à execução
material dos atos de polícia.
Aplicação da lei ao caso concreto, inclusive de normas que veiculam poder
de polícia administrativa, pode ser outorgada tanto à Administração Direta como
à Indireta, como também os que exercem serviços públicos delegados, como é o
caso das concessionárias de serviços públicos.
Nesse aspecto deve ser considerada a distinção entre poder e execução das
prerrogativas conferidas pelo poder.
4. Os atos de polícia, como atos administrativos, constituem meios de
atuação de toda Administração Pública, seja a Direta ou a Indireta, podendo ser
por elas praticados, conquanto devidamente autorizados em lei. Até porque é o
próprio Poder Público quem decide se transfere ou não o exercício dos atos de
polícia às pessoas jurídicas de direito privado.
5. Com efeito, uma vez criada sociedade de economia mista para prestar
serviço público transferível a particulares, havendo competência autorizada por
lei para práticas de atos de polícia administrativa, como decorrência do
próprio serviço, não há como excluir a atuação legítima das s.e.m
nesse aspecto, inclusive porque atuam na condição de Administração Pública
descentralizada.
O que sempre merece ser observado é que a atuação das sociedades de
economia mista nos atos de polícia não é ilimitada, devendo ser estritamente
restrita aos termos da lei que outorga tal mister.
6.O grande problema do desempenho da polícia administrativa, seja a geral
seja a especial, está na correta aplicação dos princípios da moralidade e
impessoalidade que devem permear a Administração Pública como um todo.
É que, mesmo havendo conciliação do capital privado com o público na formação
do patrimônio das s.e.m., a execução de atos de
polícia por estas, não podem, de modo algum, ceder a interesses particulares,
daí porque a atenção deve ser aguçada quando sociedade de economia mista
pratica atos de polícia administrativa, a fim de que os princípios da
moralidade e impessoalidade não sejam soterrados pelo da eficiência.
BIBLIOGRAFIA
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1 Assim são definidas as sociedades de economia mista (s.e.m): “Sociedade de Economia mista- a entidade dotada de
personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para exploração de
atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, de cujas ações com
direito a voto pertença a maioria à União ou entidade da Administração
indireta”. (redação dada pelo Decreto.-lei 900/69)
2 Parcerias na Administração Pública, São Paulo, Atlas, 1996, p.
22-23.
3 A EC/19 deu nova redação ao inciso XIX do art. 37 da CF/88,
determinando que as sociedades de economia mista têm sua criação autorizada por
lei.
4 A doutrina é uníssona no sentido de considerar imprecisa a
definição de s.e.m. trazida pelo Decreto-lei 200/67,
quando se reporta à sua criação para exploração de atividade econômica, já que
a possibilidade de exercerem serviços públicos é pacífica. Nesse sentido, cite-se
as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, Elementos de Direito
Administrativo, São Paulo, Malheiros, 1992, p 90 e ss..“ Assim, ao mencionar
’exploração de atividade econômica’, o legislador do Executivo federal não pode
ter tido em mira o discrímen entre ‘serviço público’ e ‘exploração da atividade
econômica’, que é disseptação estritamente jurídica
e, portanto, demasiado sutil para percepção dos tecnoburocratas
que dantes engendravam os decretos-leis e hoje fabricam ‘medidas provisórias”.
E continua: “Então, não se pode duvidar na definição normativa de empresa
pública os dizeres ‘exploração de atividade econômica’ não possuem a densidade
jurídica que normalmente lhes corresponderia. Servem para indicar- e
desnecessariamente- que a atividade por ela desenvolvida se efetua mediante
prestações remuneradas, o que é o mínimo que se poderia imaginar em se tratando
de uma empresa”. No que toca às sociedades de economia mista, prossegue
afirmando: “Novamente aqui, não haveria como acolher a definição formulada pelo
Decreto-lei 200, com redação dada pelo 900, pena de incidir nas mesmas
incongruências a que dantes se aludiu (ao tratar da noção de empresa pública) e
que resultariam em descompasso com o próprio direito positivo como um todo”.
5 “Art. 78.Considera-se poder de polícia a atividade da
administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou
liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse
público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina
da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de
concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade
pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.
6 Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 2001,
p.130.
7 Constituição e Serviços Públicos, in Direito Constitucional
estudos em homenagem a Paulo Bonavides (organizador), São Paulo, Malheiros,
2001, p.266.
8 Os serviços públicos privativos da União Federal são enumerados
pela CF/88 no art. 21, a exemplo da defesa nacional (inc.III);
da polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras (inc. XXII); da emissão de
moeda (inc. VII); do serviços postal (inc. X); dos serviços de telecomunicações
em geral (incs. XI e XII) e de energia elétrica (inc.
XII, “b”); de defesa contra calamidades públicas (inc. XVIII)- Alguns desses
serviços só podem prestados pela União, outros admitem execução indireta,
através de delegação a pessoas de Direito Público ou Privado. Os serviços
públicos a cargo dos Estados-membros não são discriminados pela CF/88, já que a
competência dos Estados é remanescente (art. 25 § 1.º da CF), assomada à
competência comum entre União, Estados e Municípios relacionada no art. 23 a
exemplo da promoção de programa de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais e saneamento básico (inc. IX). Aos Municípios compete a
prestação de serviços de interesse local (art. 30 da CF), entretanto, a própria
constituição elencou expressamente alguns, como: transporte coletivo, com
caráter de essencialidade (inc. V); proteção do patrimônio histórico e
cultural-local (inc. IX); ordenamento territorial e o controle do uso,
parcelamento e ocupação do solo urbano (inc. VIII).
9 Ob. cit. p. 22.
10 Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros, 1993, p.
312-313.
11 Acórdão Publicado no DJ de 25.02.2000., ato n.º 4.
12 Exemplos formulados in Celso Antônio Bandeira de Melo, Curso de
Direito..., P. 312.
13 Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 2000, p. 112.
14 Novo Código de Trânsito- Os Municípios e o Policiamento in
Revista de Direito Administrativo, Volume. 212, p. 180 e ss.
15 Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Forense, 1996,
p. 262 e ss.
16 Abuso de Poder x Poder de Polícia in Revista de Direito
Administrativo, Volume 203, Fundação Getúlio, Vargas, p. 39.
17 Direito Administrativo Econômico, São Paulo, Malheiros, 2000, p.
265. Acerca do assunto comenta o professor: “Mas as sociedades de economia
mista e empresas públicas não se caracterizam como tais apenas por
desenvolverem ação estatal. Essa nota não basta para manter sua diferença
específica, pois- como disse há pouco- empresas particulares, quando
concessionárias de serviço público, também são instrumentos da atuação da
Administração. As empresas estatais têm algo mais: integram a estrutura
orgânica do Estado, globalmente considerados; são ‘Administração Pública’
também no sentido subjetivo. Segundo uma explicação doutrinária normalmente
aceita, os variados entes da Administração Pública Indireta- autarquias,
fundações governamentais públicas ou privadas, empresas estatais- distinguem-se
uns dos outros quanto à natureza pública ou privada de sua personalidade,
conforme a maior ou menor proximidade de seu regime para com o da Administração
Pública clássica. Mas eles todos têm personalidade governamental- que é o
gênero, em relação ao qual a personalidade governamental pública e a
personalidade governamental privada apresentam-se como espécies”. –destacamos-
18 Parecer Jurídico constante na Ação Popular n.º 99.02.37188-4,
fls. 97-110, - 2.ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública, em que figura como ré, a
Empresa de Trânsito e Transporte Urbano S.A.- ETTUSA.
19 Elementos de Direito..., p. 93. Alertando ainda, que não se pode
assumir fetichisticamente sua personalidade de
direito privado e imaginar que por força dela seu regime seja o mesmo do modelo
tipológico daquelas empresas meramente de direito privado, destacando que a
personalidade de direito privado seria mais um expediente técnico, entendendo
tais entidades como coadjuvantes de misteres estatais.
20 Tal assertiva pode ser verificada nas disposições aplicadas aos
servidores públicos, como as constantes no art. 37 da CF/88, que são: 1)
exigência de concurso público para o ingresso na Administração Pública,
proibição de acúmulo de cargos, empregos ou funções (com as ressalvas
constitucionais); 2) com relação ao Mandado de Segurança, as autoridades das
entidades da Administração Indireta, incluindo as empresas sob controle
acionário do Estado, podem ser tidas como coatoras ( art. 1§ 1.º da Lei 1.533,
de 31. 12. 51; Súmula 510 do STF, confirmados pelo art. 5.º, inciso LXIX da
CF/88); 3) é cabível ação popular contra as entidades da administração indireta
(art. 5.º, LXXVIII da CF/88); 4) necessidade, em regra, de licitação para celebrae contratos, art. 37, XXI (enquanto não for
estabelecido o estatuto jurídico previsto art. 173, § 1.º, continuam a ser
regulados pelo Lei de Licitações); 5) responsabilização objetiva dos danos
causados pelos agentes da administração pública indireta (art. § 6.º da CF/88);
prescrição qüinqüenal das dívidas e ações contra a
Fazenda Pública, prevista no Decreto n.º 20. 910, de 06.01.32 foi expressamente
estendida às sociedades de economia mista (art. 2.º do Decreto-lei n.º 4.597, de
19.08.42).
21 Ob. cit. p. 123.
22 Poder de Polícia Parecer in Revista de Direito Administrativo,
Volume 132, p. 247.
23 Afirma José Afonso da Silva, Ob.cit. p.
246-247: “Outro ponto importante, que ressai dos ensinamentos que acabamos de
transcrever, consiste na indicação de que as atividades de polícia especial
podem ser atribuídas a entidades diversas das estatais. Toca, assim, na questão
da atribuição da atividade de polícia a entidades paraestatais, que ainda não
sofreu, de parte da doutrina tratamento aprofundado. Tem-se discutido muito na
base da delegação de competência, e sempre se esbarra na tese da
indelegabilidade do poder de polícia. Falta, certamente, fazer aquela distinção
que a doutrina mais recente vem realizando entre poder de polícia e atividade
de polícia”. Complementa ainda o autor: “Nesse sentido, Cid Tomanik
Pompeu mostra que ‘tem sido aceita, na prática, a criação, por lei, de empresas
públicas que, ao lado de atividades econômicas, exerçam poder de polícia sobre
áreas bem definidas’, vale dizer,: exerçam o poder de polícia especial,
mediante atribuição legal, na área de sua atividade”.
Ob. cit, p. 123.