DA INEXISTÊNCIA DE LITISPENDÊNCIA ENTRE MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL E COLETIVO

Adriana do Vale Farias Saldanha

Especialista em Direito Processual Civil (UNIFOR) | Técnica Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará

SUMÁRIO:

1. Introdução;
2. Mandado de segurança;
3. Origem do mandado de segurança;
4. Espécies de mandado de segurança;
5. Litispendência;
6. Elementos da ação;
7. Mandado de segurança individual e coletivo e litispendência;
8. Conclusões;
9. Bibliografia.

O tema da litispendência aplicado ao Mandado de Segurança Individual e Coletivo afigura-se como um dos mais instigantes na teoria constitucional processual surgida com o advento da Constituição de 1988.

É que, entre tantas inovações, a novel Carta Política, dita cidadã, na feliz expressão do Deputado ULISSES GUIMARÃES, criou o Mandado de Segurança Coletivo como instrumento especial de garantia para os direitos transindividuais, de natureza indivisível, titularizados por grupo, categoria ou classe de pessoas aglutinadas sob uma relação jurídica base. Isto sem prejuízo da utilização individual do Mandado de Segurança.

Corolário desta situação é a possibilidade de propositura simultânea de writ individual e coletivo, fundados, ambos, na mesma causa de pedir.
Haveria, na hipótese, litispendência entre as ações? Eis a questão que se pretende ver respondida, à luz dos posicionamentos doutrinário, legal e jurisprudencial.

Para o tratamento do tema, impôs-se a divisão do presente ensaio em 3 (três), por assim dizer, partes, ainda que não formalizadas enquanto tal. A primeira na qual se examina o Mandado de Segurança, a partir das considerações acerca de seus conceitos, origem e espécies (individual e coletivo); a segunda, dedicada a perscrutação em tomo da litispendência, mediante análise de seu conceito e elementos de identificação; e, finamente, a terceira, em que se enfrenta, a partir dos conceitos formulados nas partes anteriores, o cerne da problematização sob exame.

O estudo é desenvolvido a partir de fontes doutrinárias, normativas (constitucional e legais) e jurisprudencial.
Esperamos que as conclusões obtidas no presente estudo sejam de valia para a fixação de uma orientação doutrinária uníssona e coerente.

2. Mandado de segurança

A Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 prevê, expressamente, no Capítulo I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos do Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais, no artigo 50, inciso LXIX, literis:

“conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;...”

Mandado de Segurança é ação civil de rito sumário especial, contemplada constitucionalmente, que se presta a tutelar direito subjetivo individual ou coletivo, privado ou público, que tenha sido lesado ou esteja passível de lesão, mediante ordem judicial da qual resultará proteção ao direito do impetrante.

É essencial à compreensão do writ constitucional a noção de direito líqüido e certo, posto ser sua existência pressuposto à impetração. Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) restou assentada a noção de direito líqüido e certo a partir do voto proferido pelo Min. COSTA MANSO no leading case - Mandado de Segurança n° 333 em 9/12/36, nos seguintes termos: direito liquido e certo é aquele fundado em fatos incontroversos, incontestáveis.

O direito que legitima a impetração do writ é, pois, aquele cuja existência, extensão e exercício verificam-se plenamente delimitados quando da invocação da jurisdição que lhe é assecuratória. Todos os direitos fundados em fatos incontroversos e incontestáveis são líquidos e certos, legitimados para a impetração do Mandado de Segurança.

Evoluiu a doutrina e a jurisprudência, com acerto, para superar a idéia formulada nos primórdios do surgimento do Mandado de Segurança, com fulcro na qual se entendia que direito líquido e certo era aquele que não ensejava dúvida sob o ponto de vista jurídico, ou que não oferecesse complexidade, conclua-se: de fácil interpretação. Tudo traduzido na expressão corrente: direito translúcido.

Segundo MEIRELLES:

“Mandado de Segurança é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa ftsica ou jurídica) órgão com capacidade processua~ ou universalida- de reconhecida por lei) para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo) não amparado por 'habeas corpus' ou 'habeas data', lesado ou ameaçado de lesão) por ato de autoridade) seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça" 1.

FERRAZ, não discrepando dos elementos de conceituação susoreferidos, assevera que Mandado de Segurança é:

“... um remédio que busca a reparação específica do direito que foi ameaçado ou lesado. Não é medida que se contente com a reparação de natureza subsidiária, com a tutela substitutiva. Através do Mandado de Segurança, o que se busca realmente é a restauração do direito tal como ele foi conferido. Não se busca e não se admite uma simples substituição daquilo que é direito, por pecúnia" 2.

Na essência, o Mandado de Segurança é mais que um veículo para reparação de direito liquido e certo, vez que tem por escopo proteger, resguardar, preservar este direito.

Neste sentido, impõe-se concluir com BANDEIRA DE MELO que Mandado de Segurança deve ser interpretado "como um instituto jurídico, cujo objetivo primordial é assegurar aos indivíduos a proteção do direito, o resguardo ao direito, o amparo ao direito e não apenas como um instrumento simplesmente para reparação do direito ou para a detença de uma violação já iniciada” 3.

Como garantia constitucional que é, o Mandado de Segurança não pode ser confundido com os demais instrumentos processuais constitucionais, pelo que se faz necessária a sua compreensão exata a partir da distinção com as demais ações mandamentais que lhe são próximas.

Distingue-se o Mandado de Segurança do Habeas Corpus, ambos remédios constitucionais, primeiramente quanto à finalidade a que se destinam.

Enquanto o primeiro protege todo e qualquer direito liquido e certo não amparado por Habeas Corpus ou Habeas Data ameaçado ou lesado por ilegalidade ou abuso de poder; o segundo tutela, exclusivamente, o direito de liberdade de locomoção, liberdade de ir, vir e permanecer, ameaçado ou lesado mediante ilegalidade ou abuso de poder.

Outrossim, distinguem-se também quanto à legitimação passiva, posto que enquanto no Mandado de Segurança a ilegalidade ou abuso de autoridade provém, necessariamente, de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público, no Habeas Corpus, o sujeito passivo poderá ser qualquer indivíduo, vez que o texto constitucional não limita a titularidade passiva, antes, quanto a ela silencia.

Outra distinção que se verifica, diz respeito à natureza das ações: sendo o Mandado de Segurança ação constitucional civil e o Habeas Corpus ação constitucional penal.

Não se confunde o Mandado de Segurança com o remédio constitucional denominado Habeas Data. Este é ação civil especial criada pela Constituição para assegurar, conforme a previsão do artigo 50, inciso LXXII, o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público, bem como, para retificação de dados, quando não se prefira fazê-la por processo sigiloso, judicial ou administrativo.

Nos dizeres de MElRELLES:

“O objeto do habeas data é, pois, o acesso da pessoa física ou jurídica aos registros de informações concernentes à pessoa e suas atividades, para possibilitar a retificação de tais informações. Para tanto, o procedimento judicial depende de prova e, por isso, terá rito ordinário ou especial, conforme dispuser a lei pertinente" 4.

O Mandado de Segurança difere, ainda, do Mandado de Injunção, cuja finalidade é suprir a falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (CF, art. 5°, inciso LXXI).

Irretocável é a lição de MEIRELLES quando discorre acerca do objeto do Mandado de Injunção e das diferenças existentes entre este e o Mandado de Segurança, literis:

"O objeto do mandado de injunção é a proteção de quaisquer direitos e liberdades constitucionais, individuais ou coletivas, de pessoa física ou jurídica, e de franquias relativas à nacionalidade, à soberania popular e à cidadania, que torne possível sua fruição por inação do Poder Público em expedir normas reguladoras pertinentes.
... Não se pode confundir o mandado de injunção com o mandado de segurança, visto que os objetivos de cada um são diversos. Toda matéria passível de mandado de segurança não é solucionável por mandado de injunção, e vice-versa. O mandado de segurança protege qualquer lesão a direito individual ou coletivo, líquido e certo; o mandado de injunção somente protege as garantias fundamentais constitucionalmente, especificadas na Carta magna (CF; art. 5º., LXXI), ou seja, relativas ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania" 5

Concluída a caracterização dos elementos essenciais do Mandado de Segurança, examina-se, a seguir, sua origem e evolução histórico – doutrinário - normativa.

3. Origem do mandado de segurança

É fruto do engenho doutrinário e jurisprudencial brasileiro o Mandado de Segurança, muito embora, tenha sido inspirado nos writs ingleses.

A luta, por demais antiga, contra os abusos do Poder Público foi a grande responsável pelo seu nascimento.

A partir dos últimos 25 (vinte e cinco) anos do século XIX eclodiu entre os juristas nacionais a insatisfação no que diz respeito à inexistência de remédio eficaz no trato das questões pertinentes aos direitos dos cidadãos em face dos abusos do poder público.

Verificou-se à época, que em inúmeras situações, a reparação pecuniária, adotada como solução única nas lesões a direitos, era insuficiente.

Na busca incessante de um instrumento mais dinâmico e eficiente no combate às ameaças e lesões a direitos foi defendida a teoria de posse dos direitos pessoais, inspirada nas ações de natureza possessória (interditos possessórios). Este argumento contou com o apoio e prestígio, entre outros, do jurista cearense CLÓVIS BEVILÁQUA. Embora esta tese tenha influenciado a jurisprudência do fim do século XIX, não se manteve por muito tempo, sendo posteriormente reconhecida sua inconsistência teórica. Restou negada a possibilidade de uso de ação possessória para proteção de direitos pessoais.

Posteriormente, houve a criação de uma ação anulatória de atos administrativos, que apesar de bem elaborada, lamentavelmente, não teve êxito, uma vez que estabelecia uma suspensão liminar do ato fulminado sem, no entanto, ofertar os meios para um procedimento dinâmico.

Em seguida, surgiu a tese do habeas corpus ser concedido para proteção dos direitos individuais lesados por atos do poder público, inobstante este remédio sempre ter tido a finalidade de proteger unicamente o direito de locomoção. A jurisprudência da época veio a acolher esta tese.

A reforma constitucional de 1926 - à Constituição de 1891 - fez cair por terra a tese do habeas corpus para a proteção dos direitos individuais lesados por atos do poder público, dispondo, expressamente, que este instituto somente se prestava à proteção do direito de locomoção, afastando de tal modo o amparo jurisprudencial, anteriormente alcançado.

Vários projetos foram apresentados no sentido de se criar um instrumento assemelhado ao habeas corpus para o resguardo dos direitos individuais lesados ou ameaçados pelo poder público, os quais restaram suspensos com a superveniência da Revolução de 1930.

A Constituição de 1934 trouxe a previsão do Mandado de Segurança para a proteção de direito certo e incontestável, violado por ato manifesta- mente ilegal, partindo de autoridade pública, qualquer que fosse ela, ressalvando ainda, a necessidade desse direito não ser tutelado por habeas corpus, pelo que delimitou o espaço de atuação de cada um destes institutos.

Foi ainda atribuído ao Mandado de Segurança, pela Carta Política de 1934, o idêntico rito processual do habeas corpus e ainda determinado que o uso do novo remédio não impediria o uso de ação petitória.

Em 1936 foi elaborada a Lei n° 191 que regulamentou o Mandado de Segurança. Em 1937, com o golpe de estado promovido por GETÚLIO-VARGAS, o Mandado de Segurança deixou de ser um garantia constitucional, muito embora tenha sobrevivido como um procedimento assegurado pela Lei ordinária n° 191.

O Decreto n° 6 impôs restrições quanto às autoridades públicas cujos atos poderiam ser controlados via Mandado de Segurança, deixando de fora o Presidente da República, Interventores de Estado e Ministros.

Em 1939 com a criação do Código de Processo Civil foi substituída a Lei n°
191. Permaneceu, ainda, o Mandado de Segurança como previsão normativa de natureza ordinária.

A Constituição de 1946 promoveu um grande avanço no instituto do Mandado de Segurança, pois passou a prevê-lo para toda e qualquer lesão, manifesta ou não, diversamente do texto de 1934 no qual se exigia que o ato impugnado fosse manifestamente ilegal.

A Constituição de 1967 previu o Mandado de Segurança como garantia constitucional no caso de direito individual. Muito embora possa parecer que o legislador tenha pretendido impor alguma restrição, essa expressão na prática não provocou qualquer alteração sendo compreendido o instituto tal qual a Constituição anterior o estabelecera.

O instituto sob exame restou encartado entre as garantias constitucionais previstas pela Carta Política de 1988, à semelhança do que já vinha ocorrendo, ininterruptamente, desde a Constituição de 1946, contudo, desta feita com o avanço materializado na previsão do Mandado de Segurança Coletivo insculpido no art. 5º, inciso LXX, alíneas a e b.

Antes de se estabelecer a distinção entre as duas espécies de Mandado de Segurança, objeto do tópico a seguir, ressalta-se que hodiernamente o writ é regulado, em nível infraconstitucional, pela Lei Federal n° 1.533/51, e alterações que lhe são posteriores.

4. Espécies de mandado de segurança

A evolução constante do Mandado de Segurança, enquanto instrumento de defesa contra os excessos do Estado, traduz-se hoje no alargamento considerável de sua hipótese de incidência (utilização), efetivado pelo texto constitucional vigente.

Dentre as inovações que a Constituição Federal de 1988 promoveu no Mandado de Segurança destaca-se, preliminarmente, a ampliação na legitimação passiva, consoante expresso no art. 5º, inciso LXIX. É que a ação mandamental ora pode ser utilizada contra agente de pessoa jurídica, no exercício de atribuições do Poder Público.

O art. 5º, inciso LXX, da Carta Magna, deu origem a modalidade diversa de ação mandamental, com legitimação ativa própria e peculiar, foi criado o Mandado de Segurança Coletivo.

São espécies do mesmo gênero, por isso apresentam pressupostos em comum, vale dizer: a) a existência de um direito líquido e certo a ser tutelado, não amparado por habeas corpus ou habeas data; b) a existência de uma ação ou omissão causadora da ilegalidade ou abuso de poder, proveniente de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

Diferem, contudo, quanto à legitimação ativa para a impetração e no interesse de agir. Enquanto no Mandado de Segurança Individual é parte legítima para propor o writ, aquele que se reconheça como titular do direito liquido e certo, objeto da pretensão, tratando-se sempre de interesse individual do impetrante ou de quem o represente, no Mandado de Segurança Coletivo a titularidade é reservada, exclusivamente, a determinadas pessoas elencadas na Carta Magna que têm como escopo imediata ou mediatamente a defesa de interesses transindividuais coletivos (partido político com representação no Congresso Nacional; organização sindical; entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros e associados, que não necessitam de autorizações específicas para agir, pois a proteção constitui objetivo da própria pessoa jurídica).

Vale salientar que muito embora o art. 5°, XXI, da Constituição Federal confira legitimidade ativa às entidades associativas, quando expressamente autorizadas, para representarem seus filiados judicial ou extrajudicialmente, tal hipótese não corresponde a uma nova modalidade de Mandado de Segurança, uma vez que este se limita às espécies anteriormente citadas. Trata-se, tão-somente, de caso típico de substituição processual, ou seja, através de representação, uma associação postula em nome próprio o direito de terceiro. Quando ocorre tal substituição processual em Mandado de Segurança trata- se da espécie tradicional, ou seja, do individual.

Merece destaque, ainda, o fato de que na sentença prol atada em ação na qual se verifica a substituição processual retro aludida, os efeitos destinam-se apenas ao substituído, preservando-se assim a própria essência da substituição.

Tendo em vista que as duas espécies de Mandado de Segurança diferem no que diz respeito a uma das condições essenciais da ação, qual seja a parte ativa legítima, resulta daí outra distinção, quanto aos efeitos da decisão de mérito nelas proferidas.

Em Mandado de Segurança Individual, concedida a segurança, esta aproveitará apenas ao sujeito ativo.

Diversamente, em Mandado de Segurança Coletivo proposto por sindicato (a quem cabe a tutela dos direitos dos seus associados e da categoria por força do que dispõe o art. 513 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a sentença concessiva da segurança protegerá além dos seus associa- dos, toda a categoria econômica ou operária abarcada pelo sindicato. Tal sentença terá, pois, o caráter normativo, beneficiando todos aqueles que integram o campo de abrangência do sindicato.

Caso o writ coletivo seja impetrado pelas demais entidades previstas constitucionalmente (partido político, entidade de classe ou associação), os efeitos da decisão abarcarão somente os verdadeiramente associados.

A segurança frustrada no writ coletivo não obstaculiza a proposição individual, plúrima ou não, tendo em vista que a denegação constituirá coisa julgada para parte diversa daquela a quem compete o ajuizamento da segurança tradicional.

5. Litispendência

O Código de Processo Civil Brasileiro prevê nos parágrafos 1º e 3º do art. 301, expressamente: .

"Art. 301 - ...
parágrafo 1º. Verifica-se a litispendência ou a coisa Julgada, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada.
parágrafo 3º. Há litispendência, quando se repete ação, que está em curso; há coisa Julgada, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso ".

A litispendência é instituto de direito processual civil que se traduz na situação decorrente da propositura de ações idênticas co-ajuizadas. Ocorre, pois, sempre que há identidade entre ações em curso simultâneo.
Afirma Arruda Alvim que litispendência:

“se constitui na existência de dois processos com as mesmas partes e a mesma lide, simultaneamente produzindo efeitos, o que contraria a econo1Jlia e a certeza judiciárias. Nesta hipótese) o segundo processo, qual Seja} aquele em que se deu a citação cronologIcamente posterior, deverá ser extinto sem julga- mento do mérito" 6.

Conforme leciona Andrioli apud Theodoro Júnior:

“com o instituto da litispendência, o direito processual procura:

a) evitar o esperdício de energia jurisdicional que derivaria do trato da mesma causa por parte de vários Juizes; e

b) impedir o inconveniente de eventuais pronunciamentos judiciários divergentes a respeito da mesma controvérsia juridica”.7.

Ao réu compete alegar em sua contestação, preliminarmente, sempre que se configurar, a litispendência. Quando a alegação de litispendência é acolhida pelo órgão jurisdicional implicará em extinção do processo sem o apreço do mérito, a teor da legislação processual civil vigente (CPC, arts. 301, V e 267,V).

Faz-se necessário destacar que os pressupostos de verificação da litispendência são dois: a identidade de ações e o fato da querela idêntica anteriormente ajuizada encontrar-se em pleno curso.

Segundo AMARAL DOS SANTOS: "Deriva-se a litispendência da citação. Assim, ao deduzi-la dever-se-á prová-la por meio de certidão da citação do réu na primeira demanda, proposta no mesmo ou em outro juízo" 8.

6. Elementos da ação

Considerando que o instituto da litispendência se traduz na identidade de lides, vale dizer, de pretensões jurídicas resistidas, faz-se necessário discorrer, ainda que sucintamente, acerca dos elementos da ação, conceitos necessários ao reconhecimento da sua identidade.

O Código de Processo Civil (CPC) enuncia no art. 301, parágrafo 2°, que: "uma ação é idêntica a outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido".

Duas ações são, pois, perfeitamente iguais, quando os elementos que a integram, quais sejam as partes, a causa de pedir e o pedido, são os mesmos.

Entende-se que partes da ação são os sujeitos que têm legitimidade ativa e passiva para compor a lide, respectivamente, o autor e o réu.

Aquele que provoca a jurisdição em seu nome ou em cujo nome é demandado, propondo ação, através da qual busca a prestação jurisdicional do Estado é o autor ou sujeito ativo da relação jurídica processual. Por sua vez, o sujeito passivo é aquele contra quem ou em face de quem se destina a prestação jurisdicional requerida.

Assim definem as partes no processo Cintra, Grinover e Dinamarco:

"Partes - São as pessoas que participam do contraditório perante o Estado-juiz. É aquele que, por si próprio ou através de representante, vem deduzir uma pretensão à tutela jurisdicional formulando pedido (autor), bem como aquele que se vê envolvido pelo pedido feito (réu), de maneira que uma situação jurídica será objeto de apreciação judiciária. A qualidade de parte implica sujeição à autoridade do juiz e a titularidade de todas as situações jurídicas que caracterizam a relação processual...”9

A causa de pedir ou causa petendi é o elemento da ação que se constitui nos motivos justificadores do pedido do autor. São as razões que o postulante demonstra ter para o provimento jurisdicional. A exposição dos fatos e os fundamentos jurídicos do pedido são os requisitos imprescindíveis para que se verifique a causa de pedir.
Salienta Cruz e Tucci:

“... compõem a causa petendi o fato (causa remota) e o fundamento jurídico (causa próxima).
A causa petendi remota (ou particular) engloba, normalmente, o fato constitutivo do direito do autor associado ao fato violador desse direito, do qual se origina o interesse processual para o demandante.
...Inferida, da exposição da causa de pedir remota, a relação fático-jurídica existente entre as partes, a causa petendi próxima (ou geral) se constubstancia, por sua vez, no enquadramento da situação concreta, narrada in status assertionis, à previsão abstrata, contida no ordenamento jurídico positivo, e da qual decorre a juridicidade daquela, e, em imediata seqüência, a materialização, no pedido, da conseqüência jurídica alvitrada pelo autor' 10.

A causa de pedir tem por fim a identificação do pedido formulado pelo autor, bem como, a individualização da própria demanda instaurada.

Outro elemento constitutivo da ação é o pedido. Trata-se do objeto da demanda. Constitui-se na obtenção da tutela jurisdicional pretendida seja de que natureza for (aspecto imediato) e a materialização da prestação jurisdicional, ou seja, a concretização do que se busca atingir mediante o provimento (aspecto mediato).

Faz-se necessário, indiscutivelmente, que o pedido esteja sempre em conformidade com os fatos e fundamentos jurídicos expostos pelo autor da demanda, ou seja, em consonância com a causa de pedir.

Cintra, Grinover e Dinamarca, com acerto, destacam :

“... todo provimento que o autor vem ajuízo pedir refere-se a determinado objeto, ou bem de vida. ...Assim é que, considerando-se uma massa de ações propostas ou a propor, distinguem-se elas entre si não só pela natureza do provimento que o autor pede, como também pelo "objeto do seu alegado direito material Variando um deles, já não se trata da mesma ação.” 11.

Formulados os conceitos essenciais ao deslinde teórico da questão suscitada, examina-se na parte seguinte –final - o que se constitui no núcleo do presente trabalho.

7. Mandado de segurança individual e coletivo e litispendência

Conforme já destacado em tópico precedente (1.3) a legitimação ativa é diversa entre as espécies de Mandado de Segurança, ou seja, a titularidade constitucionalmente conferida à impetração das seguranças individual e coletiva são diferentes.

Enquanto no Mandado de Segurança Individual (plúrimo ou não), é parte legítima para impetração a pessoa (física ou jurídica) que sofre o ato coator, isto é, a ameaça ou lesão ao seu direito líquido e certo; no Mandado de Segurança Coletivo, é parte legítima aquelas entidades, elencadas exaustivamente, que têm por finalidade a defesa de interesses transindividuais coletivos (partido político com representação no Congresso Nacional; organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesse de seus membros e associados).

São distintos, ademais, os pedidos formulados, ou seja, o objeto da demanda, nas duas espécies de writ sob exame, ainda que idêntica a causa de pedir.

O pedido no Mandado de Segurança Individual é da concessão da ordem para a tutela do direito liquido e certo do(s) impetrante(s) (quando plúrima a ação). O pedido no Mandado de Segurança Coletivo possui âmbito de validade mais abrangente, vez que se destina a toda uma categoria, mesmo que alguns dos beneficiários com a concessão da segurança não tenham jamais ingressado em juízo para a obtenção da tutela jurisdicional.

Diversos doutrinadores, quando tratam dos efeitos da sentença nas espécies de Mandado de Segurança, corroboram a idéia ora defendida.

Neste sentido assevera Figueiredo:.

“Se o impetrante for sindicato, como lhe incumbe a tutela dos direitos de seus associados e da categoria (art. 513 da CLT)} concluímos que a sentença atinge toda categoria.
Todavia, se estivermos diante de associações, a questão colocar-se-á deforma diversa. As associações cabe tutelar os interesses e direitos de seus associados. Até porque há, ou pode haver, diversas associações de classe (vejam-se) por exemplo, o Instituto dos Advogados e a Associação dos Advogados). Se assim é, não nos parece pudesse se cogitar de a sentença transcender a esfera dos associados. Seria mesmo intromissão indevida.
Problema cruciante é o da coisa julgada. Entendemos deva-se procurar a solução secundum eventum litis. É dizer: se favorável fará coisa julgada. Entretanto, se desfavorável poderá ser interposto novo mandado de segurança individual” 12
No mesmo sentido, explica Ferraz:
“Sendo o writ ajuizado por sindicato, não só os seus associados mas toda a categoria econômica ou operária por ele tutelada são atingidos pelos efeitos da coisa julgada. Assim é por força da extensão da representação sindical, expressamente assentada, p. ex., no art, 513 da CLT (esse, é também, o pensamento de Lúcia Valle Figueiredo, Perfil do Mandado de Segurança Coletivo, Ed RT: p.36). Por isso, a decisão concessiva da segurança, aqui terá cunho declaratório amplo, normativo mesmo, e beneficiará toda a gama de componentes do universo que o sindicato, por força legal, tutela, e não apenas seus efetivos associados.
...desfavorável a sentença ao impetrante, independentemente da extensão de sua representatividade poderá ser formulado novo mandado de segurança individual (plúrimo ou não): efetivamente, é inadmissível que a ampla garantia constitucional do direito de ação(CF; art. 5º, XXXV e LXIX) possa ser extraída de alguém por força de uma lide na qual não lhe foi dado atuar direta e pessoalmente, com os ônus, riscos e responsabilidades que somente assim se aceita sejam realmente contraídos" 13.

O pensamento ora defendido encontra amparo, também, na legislação infraconstitucional. A Lei n° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor - CDC) prevê nos art. 81, parágrafo único, inciso II e art. 104, caput, expressamente: .

“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de :
II - interesse ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza: indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base; ...
Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada “erga omes" ou “ultra partes" a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não fora requerida sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. " (grifos nossos)

Diversas manifestações jurisprudenciais corroboram, ainda mais, a opinião da inocorrência de litispendência entre duas ações mandamentais, uma individual e a outra coletiva, tramitantes ao mesmo tempo. São exemplos demonstrativos os seguintes excertos:

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. POSTERIOR AJUIZAMENTO DE WRIT INDIVIDUAL. POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DOS EFEITOS DA LITISPENDÊNCIA. O ajuizamento de mandado de segurança coletivo por entidade de classe não inibe o exercício do direito subjetivo de postular, por via de writ individual o resguardo de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, não ocorrendo, na hipótese, os efeitos da litispendência. Recurso especial não conhecido. (STJ /6a. T.) Ac. Unân. – Resp 45.987-7/ SP - Reg. 94.0008527-3, Rel. Min. Vicente Leal DJU 1 14.08.95).
LITSPENDÊNCIA INEXIS1ENTE - AÇÃO INDIVIDUAL E AÇÃO COLETIVA
- Não há litispendência pelo curso simultâneo de uma ação individual e outra coletiva. Não são idênticas pois têm objetos diversos e foram propostas por partes diferentes. (TRT 4a. Reg. REO – RO 558/ 91 - Ac. 1a. T., 10.11.93, Revista LTr. 58 - 07/831).

É de se concluir, portanto, que inexiste litispendência quando tramitam, simultaneamente, Mandados de Segurança de caráter individual e coletivo. Isto porque os elementos das duas ações constitucionais não são idênticos. Divergindo quanto aos elementos parte e pedido, não se pode falar em litispendência, considerando-se que esta, doutrinariamente, pressupõe identidade de lides.

8. Conclusões

Em face de tudo quanto se expôs, é de se concluir que:

a) Mandado de Segurança é ação civil de rito sumário especial, contemplada constitucionalmente, que se presta a tutelar direito subjetivo individual ou coletivo, privado ou público, que tenha sido lesado ou esteja passível de lesão, mediante ordem judicial da qual resultará proteção ao direito do impetrante;

b) O wirt de que se trata é criação da doutrina brasileira, inspirada nos instrumentos de garantia mandamental do direito inglês;

c) O Mandado de Segurança Coletivo, inovação da Carta Constitucional de 1988, distingue-se do Mandado de Segurança Individual pela legitimação ativa e pelo pedido (traduzido nos diferentes efeitos da sentença);

d) Litispendência consiste na situação jurídica decorrente da propositura simultânea de duas ações com os mesmos elementos (partes, pedido e causa de pedir). O instituto pressupõe identidade de lides;

e) Inexiste litispendência quando tramitam, simultaneamente, Mandados de Segurança de caráter individual e coletivo. Isto porque os elementos das duas ações constitucionais não são idênticos, antes, divergem quanto aos elementos parte e pedido.

9. Bibliografia (apenas obras citadas) .

ARRUDA ALVIM, José Emmanuel de; PINTO, Teresa Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. 4a. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 1991.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 7a. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.

DOS SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 13a. ed., São Paulo: Saraiva, v: 2, 1990.

FERRAZ, Sérgio (Org.). Cinqüenta anos de mandado de segurança. Porto Alegre: Fabris, 1986.
..................... Mandado de segurança. São Paulo: Malheiros, 1992.

FIGUEREIDO, Lúcia Valle. Perfil do mandado de segurança coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 14a. ed, São Paulo: Malheiros, 1990.

1 - Hely Lapes Meirelles. Mandado de segurança. 14a ed. São Paulo: Malheiros, 1990, p. 15.

2 - Sérgio Ferraz. Da liminar em mandado de segurança. In Sérgio Ferraz (Org.). Cinqüenta anos de mandado de segurança. Porto Alegre: Fabris, 1986, p. 10.

3 - Celso Antônio Bandeira De Melo. Ato Coator. In Cinqüenta anos de mandado de segurança. Ob. cit., p. 32.

4 - Hely Lapes Meirelles. Mandado de segurança. Ob. cit., p.154.

5 - Hely Lapes Meirelles. Mandado de segurança. Ob. cit., p.141/142.

6 - José Emmanuel de Arruda Alvim. Et. al. Manual de direito processual civil. 4a. ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 1991, p. 219.

7 - Theodoro júnior, Humberto. Apud Curso de direito processual civil. 10a. ed.. Rio de Janeiro: Forense, v: I, 1993, p. 264.

8 - Moacyr Amaral dos Santos. Primeiras linhas de direito processual civil. 13a. ed.. São Paulo: Saraiva, v. 2, 1990, p. 210.

9 - Antônio Carlos de Araújo Cintra. et. al. Teoria geral do processo. 7a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 232.

10 - José Rogério Cruz e Tucci. A Causa petendi no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 127/128.

11 - Antônio Carlos de Araújo Cintra. et. al. Teoria geral do processo. Ob. cit., p. 233.

12- Lúcia Valle Figueiredo, Perfil do mandado de segurança coletivo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p, 36,

13 -Sérgio Ferraz. Mandado de segurança. São Paulo: Malheiros, 1992, p, 134