EMPRESAS PÚBLICAS PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO E EMPRESAS PÚBLICAS EXPLORADORAS DE ATIVIDADES ECONÔMICAS

DANILO FONTINELE SAMPAIO CUNHA

Procurador do Município e Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará - UFC

SUMÁRIO:

1. A Empresa Pública seu surgimento e conceito.

2. Empresas Públicas prestadoras de serviço público e Empresas Públicas exportadoras de atividades econômicas. 2.1. Conceito de Serviço Público. 2.2. Serviço Público e atividade econômica.

3. Empresa exploradora de atividade econômica e o Controle Estatal.

4. Bibliografia.

1. Empresa Pública - seu conceito e surgimento.

Vivemos, atualmente, um conceito de Estado completamente diverso da identificação tradicional, quando o indivíduo podia viver quase que ignorando a presença de um Estado limitado ao exercício de atividades ordinárias típicas e caracterizadoras da chamada " essência do núcleo substancial da noção de Estado".

Alargando suas fronteiras de atuação, o Estado, hoje, ganhou terreno no setor privado, transformando, pela sua intermediação, tais tarefas em serviços públicos, agora encarados como atividades essenciais do próprio Estado.

O advento da empresa pública se deve, segundo José Nabantino Ramos (in RDP 17/101), analisando o direito comparado, a três fenômenos distintos, quais sejam: 1) a estatização de empresas privadas, cuja forma jurídica originária é mantida pelo novo titular, que é o Estado; 2) pela necessidade de substituir, no campo econômico, os antigos e maiores estabelecimentos públicos, administrados diretamente pelo Estado, por entidades capazes de "agire com la rapidita ed efficienza necessarie al pronto adeguamento delle exigenze di mercato ..." nas palavras de Giorgio Stefani ( Corso di Finanza Pubblica; Ed. Cedam, Pádua, 1990, pág.134); 3) a objetivos socializadores, que negam a particulares a propriedade de meios de produção.

Classificamente definida como sendo pessoas jurídicas de direito privado criadas por lei específica, com capital exclusivamente público e com a finalidade de realizar atividades de interesse da Administração nos moldes da iniciativa privada, as Empresas Públicas assumem, atualmente, uma personificação distinta daquela originária.

O Estado, que possui a intrínseca capacidade de atuar no campo privado permite, assim, a formação de distintas estruturas para a execução de cometimentos de interesse coletivo, interagindo com as mesmas na forma de controle e cooperação.

A Empresa Pública surge, portanto, como a espécie mais moderna, das "entidades paraestatais, geralmente destinadas à prestação de serviços industriais ou atividades econômica em que o Estado tenha interesse próprio, ou, considere convenientes à coletividade." (Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo, 16a ed. Ed. RT 1991).

Identificada pelo seu capital exclusivamente público, é a empresa pública conceitualmente definida como possuidora de personalidade de direito privado, sendo suas atividades regidas pelos preceitos comerciais.

Teoricamente, portanto, o Estado ao introduzir no setor de economia pública uma estrutura descentralizada, assegura, também, o respeito à autonomia da empresa pública nos limites de sua carta constitutiva.

Entretanto, uma vez que as empresas públicas serão sempre geridas pelo Estado e sua autonomia decorre de uma delegação de poderes operada pelo próprio Estado no quadro de seus poderes administrativos (Nicola Baloz

- "A Organização Administrativa das Empresas Públicas", in RDA 87/45), pode a autonomia ser maior ou menor nos níveis legais, resultante que surge da conveniência do Estado quanto à extensão dos meios para a consecução dos fins previstos, como afirma Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, in RDP 15 / 28.

Na verdade, o conceito exato das Empresas Estatais é objeto de debate em seminários, simpósios e encontros exaustivos e minunciosos, em uma tentativa de serem tragados contornos mais nítidos dos seus concertos fundamentais.

A definição do Decreto-Lei 200, apesar de o único na espécie não merece maiores comentários ante a sua intrínseca incoerência e despropósito de suas conclusões, Como, por exemplo, a classificação como administração indireta tanto autarquias como sociedade de economia mista e as próprias empresas públicas, ao mesmo tempo que as últimas espécies são definidas suas existências à exploração de atividades econômicas.

Ao lado da dificuldade de conceituação já apresentada, outras questões surgem, como as concernentes à distinção entre a inegável convivência no cenário nacional de empresas públicas que prestam serviço público com outras que só fazem explorar uma atividade econômica, o que não dá bases seguras à antiga conceituação.

Assim, inicialmente caracterizada pelo regime jurídico de Direito Privado, ultimamente já se admite a incidência de normas de Direito Público.

Hely Lopes define as Empresas públicas como sendo " pessoas jurídicas de direito privado criadas por lei específica, com capital exclusivamente público, para realizar atividades de interesses da Administração Instituidora nos moldes da iniciativa particular, podendo revestir qualquer forma e organização empresarial". (ob. Cit. Pág. 319).

Cretella Jr. entende ser a Empresa Pública o "instituto jurídico estatal de Direito Privado mediante o qual o Poder Público desempenha: a) quer atividades econômicas, industrias ou comerciais, competindo com o particular; b) quer atividades administrativas, descentralizando os serviços típicos, antes confiados a entidades públicas ou privadas, de outra índole (concessionárias, permissionárias ou entidades autárquica)". ( in Administração Indireta Brasileira, pág. 287-B, citado por Toshio Mukai in RDP 90/196).

2. Empresa Públicas prestadoras de serviço público e empresas públicas exploradoras de atividades econômicas.

Dessa forma, inarredável é a conclusão da aceitação doutrinária, no Brasil, da existência de empresas públicas que prestam serviço público (embora ditas comerciais ou industriais) a outras que explorem atividades econômicas.

O corre que a noção de serviço público sofreu seguidas alterações ao longo do tempo, tendo sua abrangência, dilatada ou mesmo tempo em que perdia a nitidez dos seus bordos.

2.1. - Conceito de Serviço Público

Tal noção é fundamental importância tendo em vista a influência do regime jurídico a ser aplicado na organização das atividades e controle das referidas empresas públicas.

Adilson Dallari alerta que "atualmente o poder Público assume formas privadas para desenvolver atividades tipicamente econômicas, de natureza comercial e industrial, enquanto que, por sua vez, as empresas privadas desenvolvem ou operam serviços públicos, mediante concessão, permissão ou autorização do Poder Público, ou seja, atuam em lugar da Administração Pública, desenvolvendo atividades sempre ávidas como prestação de serviço público" (in RDP 94/95), apresentando uma noção operativa do que seja serviço público.

Afirma a citado professor da PUC-SP que o entendimento de caracterizar o serviço público com o seu caráter de resposta a necessidade essencial da população não é suficiente para que se tenha uma idéia real do seu conceito. Segundo Dallari, a que caracteriza realmente um serviço como público, além de sua essencialidade é o regime jurídico.

O Prof. Cisne Lima entende o serviço público como tratando de uma atividade reconhecida como essencial coletividade, num dado momento, enquanto Celso Antônio Bandeira de Melo o caracteriza coma aqueles serviços requeridos pela interdependência social, que não podem ser assumidos senão pela intervenção da força dominante, dizendo que:

"Quando esses serviços existirem efetivamente e forem prestados por organismo estatal, então estamos diante de serviço público" (in RDP 83/158).

Na verdade, o conceito de serviço público não é uniforme doutrina, que apresenta noções orgânicas, formais e materiais, detendo-se no terreno movediço da imprecisão conceitual ante o maior ou menor grau de intervenção do Estado e a constante remodelação dos seus fins.

2.2. - Serviço Público e atividade econômica.

No entanto, temos por necessário insistirmos, no presente trabalho, por uma diferenciação ao mínimo satisfatória entre serviço público e atividade econômica para, somente a partir daí, sermos capazes de, com maior segurança, traçarmos considerações sobre o regime jurídico aplicado empresas, públicas prestadoras de serviço público, o que faremos adiante.

Eros Grau esclarece que atividade econômica, é expressão que deve ser tomada em dois sentidos, enquanto gênero compreendendo duas modalidades (serviço público e atividade econômica em sentido estrito); e enquanto espécie que, ao lado de serviço público, se integra no gênero atividade econômica. (Elementos de Direto Econômico - SP - RT - pag. 87 e ss).

Toshio Mutai assim define: "serviço público industrial ou comerciai é aquele que a Estado, ao elegê-lo cmo tal exerce-o diretamente ou por interpostas pessoas, e que, por atender a necessidade, essencial em quase essencial da coletividade, apresenta um interesse público objetivo em sua gestão. E, atividade econômica do Estado é aquela que ele resolve assumir, dentro de sua política econômica, observados os princípios constitucionais da Ordem Econômica, por julgar que tal atividade consulta ao interesse público da mesma ordem (interesse público subjetivo)" (in Direito Administrativo e Empresa do Estado - Forense - 1984, pág. 183).

Regis Fernandes de Oliveira consagrou tal entendimento em Acordão da 7ª Câm. do 1º TA Civ. SP (Boletim de Jurisprudência 1616 da Ass. dos Adv. de São Paulo):

"no que nos interessa, há fundamentalmente, dois campos de interesse específico de intervenção estatal. Pode prestar serviços públicos, seja diretamente, seja através de entidades criadas pelo Estado ou por ele permitidas ou concedidas, e também pode interferir no domínio econômico.

(...)

Quando pois, o Estado intervém no domínio econômico,seja por qualquer força constitucionalmente permitida , o regime jurídico a que se submeate é previsto no §2º do art. 170 da CF, isto é, sujeita-se ao direito do Trabalho e ao das obrigações. Portanto, há nivelamento completo do Estado com os particulares. Despe-se o Estado de suas prerrogativas próprias, para sujeitar-se ao direito privado.

(...)

Nada obstante, erigem-se outras pessoas jurídicas, que são criadas pelo estado, sob roupagem de direito privado, mas destinam-se à prestação de serviço públicos. Aí ressalta diferença de regime jurídico. Embora vistam roupa de direito privado, ou seja, haja identidade de regime com as demais empresas privadas, nada impede que o Estado transfira a tais entidades algumas prerrogativas próprias, de vez que irão prestar serviços públicos."

Segue a Constituição de 1988 o mesmo sentir, motivo pelo qual quando se refere à empresa estatal exercente de atividade econômica em sentido estrito, expressamente assim o fez.

Exemplo claro é o artigo 173 da CF, quando deixa bem claro que as disposições ali elaboradas referem-se apenas e tão somente àquela área de atribuições própria e típica das particulares qual seja a exploração de atividade econômica não podando o Poder Público gozar de nenhum privilégio ou vantagem que o coloque em situação de vantagem frente às empresas particulares, sujeitando-se inclusive às obrigações Trabalhistas e Tributárias.

Perceba-se que as empresas estatais que prestam serviço público não sofrem nenhuma restrição ou referência no citado art. 173.

Assim, no dizer de Maria Sylvia Zanella de Pietro, mesmo quando o Estado fizer gestão privada de serviço público, ainda que de natureza comercial ou industrial, aplicam-se, no silêncio da lei, os princípios do direito público, inerentes ao regime jurídico administrativo. (Do Direito Privado na Administração Pública - São Paulo - 1989 - Pág. 111).

Portanto, seguindo ainda o raciocínio da citada autora com relação às empresas governamentais que prestam serviço público, " justifica-se o regime jurídica de direito privado apenas quanta à forma de sua organização e funcionamento, mais compatíveis com a natureza comercial ou industrial da atividade assumida pelo Estado" (ob. cit. pág. 119), devendo ser o regime jurídico a outros aspectos o predominantemente administrativo, colocando a Administrarão Pública em posição de supremacia em relação ao particular e seguindo-se os princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.

Em resumo, para o presente trabalho, é preciso fazer uma distinção entre pelo menos dois dos três tipos de empresas estatais consagradas constitucionalmente (prestadora de serviço público, exercentes de atividades econômicas e as que operam em regime de monopólio).

Assim, apesar de todas essas entidades apresentarem o traço comum de serem agentes da ação estatal visando o alcance de fins públicos, o regime aplicado e que condiciona sua existência e atuação, traz conseqüências amplas.

As empresas estatais prestadoras de serviço público possuem a prevalência de normas de caráter administrativo.

Já as empresas governamentais destinadas a desenvolver atividades econômica em sentido estrito, não poderão auferir vantagens que possam significar um desenvolvimento da sua posição em relação às empresas privadas que atuem no mesmo setor, aplicando-se, regras de direito privado.

Essa é a conclusão básica.

3. Empresas públicas exploradoras de atividades econômicas e o controle estatal.

Outro aspecto merece ser realçado e que não pode ser obscurecido por uma interpretação ligeira dos preceitos constitucionais.

A presença do Estado no campo privado, atuando lado a lado com empresas particulares e sob o regime jurídico de direito privado, não é suficiente. para encobrir um elemento essencial e que, por vezes, passa despercebido: O Estado continua, por assim dizer, sendo Estado, isto é, permanece sendo a organização institucionalizada de bens e um agente para a realização de serviço de interesse público. A aplicação de recursos por todos nós cidadãos produzidos, continua a ser orientada nos limites da legalidade e finalidade, timbrando mesmo toda a atuação de tais entidades.

Portanto, é bem de ver-se a necessidade da presença do controle estatal mesmo nas empresas públicas que explorem atividades econômicas, uma vez que não é possível imaginar-se uma entidade cujos objetivos sejam de interesse coletivo, possa estar liberta de uma série de restrições inerentes a esse mesmo escopo.

Conclua-se. assim, com Almiro Couto e Silva que:

" O regime jurídico dessa atividade estatal, portanto, não é mais o regime jurídico tradicional de direito Privado ou de Direito Privado Público, mas um regime jurídico de Direito Privado Administrativo que quer dizer: a utilização pela Administração, de instrumento e forma, de Direito Privado para a realização das atividades imediatas do Estado" (in RDP 83/147).

Ou nas palavras de Hely Lopes:

"a empresa pública se apresenta como ente paraestatal, permanecendo na zona de transição entre es instrumentos de ação administrativa do Poder Público e as entidades privadas de fins industriais. Sujeita-se ao controle do Estado, uma dupla, linha administrativa e política, já que o seu patrimônio, a sua direção e o seus fins são estatais. Vale-se tão somente, dos meios da iniciativa privada para atingir seus fins de interesse público" (ob.cit. pág.321).

Na realidade, como dissemos anteriormente, o serviço público ampara várias teorias, sendo isoladamente inaceitáveis pela fraca cientificidade de suas afirmações.

Tais critérios (normativo subjetivo, finalítico etc.) sofrem uma conjugação ampliativa no critério inicialmente adotado por Luciano Benévolo de Andrade ( Curso Moderno de Direito Administrativo - Saraiva - 1973 pp. 41/42) e completada por Carlos Roberto Martins Rodrigues (in A Crise e a Evolução do conceito de Serviço Público, in RDP 57/58).

Diz o renomado Professor da faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará:

"... se se entende a iniciativa do Estado como uma resposta qualificada e concreta a uma dada necessidade coletiva. Que ele passa a envolver com o manto de princípios, normas e privilégios de índole pública; se se considerar que a iniciativa envolve o procedimento que gera a prestação (Serviço Público), então não há como se refrutar o posicionamento doutrinário do eminente tratadita cearense.

Se se integrar na idéia de iniciativa a da compulsoriedade, eis o caminho talvez mais breve para o conceito de serviço público.

Se a iniciativa estatal é obrigatória, é irrecusável, por força da necessidade geral, que lhe cumpre atender, então é o Serviço Público gerado por iniciativa do Estado.

A irrecusabilidade pode ser, ou não, de ordem legal. Mas é indispensável que ela qualifique a iniciativa do Estado".

Diz, ainda, o renomado mestre:

"Com esse critério - o da iniciativa, como titularidade de atribuição - abrange o continente e o conteúdo do Serviço Público.

O continente diz com a forma, o revestimento, que é, no caso, o regime jurídico, de direito público, estabelecido p/ as pretensões estatais tidas como Serviços Públicos; e o conteúdo, representado pela prestação e pela satisfação concreta de necessidade geral.

(...)

Dentro dessa ordem de considerações, o Serviço Público assim dimensionado, alcança, na sua abrangência, toda e qualquer atividade de natureza prestacional que o Estado, ou quem lhe fizer as vezes, realiza, contínua, obrigatória e organizadamente, sob regime especial de direito público, para satisfazer, concretamente, necessidade geral". (ob. Cit. Pág. 143).

Esclareça, ainda, que a existência de conteúdo econômico em um serviço público não o desnatura em exploração de atividade econômica em sentido estrito, como costumeiramente confundem alguns autores.

Portanto, temos por certo que o controle das atividades exercidas pelas empresas públicas prestadoras de serviço público deve ser ainda mais efetivo do que aquele aplicado às exploradoras de atividades de natureza econômica.

Nessa atividade de fiscalização dos atingimentos dos fins e das despesas efetuadas, pode a Administração, no que se refere a gratificações, uma vez aplicadas normas de direito público em derrogação parcial do direito comum, modificá-las ou mesmo extinguí-las uma vez que não se incorporam automaticamente aos vencimentos, não gerando direito subjetivo à continuidade de sua percepção.

Ou nas palavras de Maria Sylvia Zanella de Pietro:

"Embora elas tenham personalidade dessa natureza, o regime jurídico é híbrido, porque o direito privado é parcialmente derrogado pelo direito público. Mas, falando-se em personalidade de direito privado, tem-se a vantagem de destacar o fato de que ficam espancadas quaisquer dúvidas quanto ao direito a elas aplicáveis: será sempre o direito privado, a não ser que se esteja na presença de norma expressa de direito p[úblico,

(...)

A derrogação é feita, em grande parte, pela própria Constituição, mas também por leis ordinárias e complementares, quer de caráter genérico, aplicável a todas as entidades, quer de caráter específico, como é a lei que cria a entidade". ( In Direito Administrativo - São Paulo - Ed. Atlas, 1990 - pág. 285).

Portanto, ocorre como conclusão, compreender que as empresas públicas, na feição de prestadoras de serviços públicos, submetem-se, no que pese a sua configuração estrutural, aos princípios de direito público que, atuando de forma determinante e vinculativa, norteiam tanto o atuar de referidas entidades, como penetram no regime de pessoal utilizado.

04 BIBLIOGRAFIA

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