USUCAPIÃO

ANTÔNIO AIRTON DO VALE MELO

Advogado

SUMÁRIO:
1. Breve relato histórico.
2. Conceitos e fundamentos
3. Direitos e requisitos
4. Espécies
5. Forma de procedimento da ação
6. Competência
7. Bibliografia.

1. BREVE RELATO HISTÓRICO

Torna-se indispensável para a boa análise acerca do USUCAPIÃO, o seu relato histórico.

O Direito Romano o considerava segundo ensinamentos da prof. a Maria Helena Diniz como "um modo aquisitivo do domínio em que o tempo figura como elemento precípuo".

A sua própria etimologia assim o define: capio significa "tomar" e usu quer dizer "pelo uso", sendo que "tomar pelo uso", não indicaria obra de instante; exigia, sempre um complemento de cobertura sem o qual o capio de nada valeria.

A primeira manifestação do usucapião, segundo diversos autores, caracterizou-se por uma posse prolongada durante o tempo exigido pela Lei das XII Tábuas; dois anos para imóveis e um ano para móveis e as mulheres, pois o usus, era considerado uma das formas de matrimônio na antiga Roma. Posteriormente, esse prazo foi elevado para dez anos entre presentes e vinte entre ausentes.1

Diversas leis restringiram o campo de aplicação do usucapião. A Lei atínia vedava o usucapião sobre coisas furtivas, tanto para o ladrão como para o receptador; também as Leis Júlia e Pláucia elasteceram essa vedação às coisas adquiridas através de meios tidos como violentos; por último a Lei Scribonia proibia o usucapião das servidões prediais.2

2. CONCEITO E FUNDAMENTOS

Alguns autores tratam em definir o USUCAPIÃO como uma forma originária de aquisição da propriedade, ou de outros direitos reais suscetíveis de apropriação material, através de posse continuada, durante um lapso de tempo, com observância dos requisitos estabelecidos em lei.

Outros discutem se o usucapião é modo originário ou derivado de adquirir a propriedade. Vê-se por conseguinte uma questão até agora não solucionada pela doutrina, a qual se inclina em defini-lo como já dito anteriormente, sendo um modo originário, sendo que para o usucapiente, a relação jurídica de que é titular surge como direito novo, independente da exigência de qualquer vinculação com seu predecessor, que, existindo, não será o transmitente da coisa.1

Expressivo número de autores também o denomina de prescrição aquisitiva, entendendo ser a prescrição um meio não só de extinguir as ações relativas aos direitos, mas também de os adquirir. No primeiro caso, teríamos a chamada prescrição extintiva, no segundo, a aquisitiva.

Segundo ensinamentos de FRANCISCO MORATO, na prescrição aquisitiva predomina a força criadora, enquanto na extintiva, a força que extermina. A primeira gera um direito em favor de um novo titular, enquanto que a segunda extermina a ação que tem o titular e, por conseguinte, elimina o direito pelo desaparecimento do seu amparo.

No caso específico do usucapião, o decurso do tempo gera um direito em favor daquele que tem a posse da coisa - prescrição aquisitiva, paralelamente, esse decurso do tempo extingue a ação do até então titular de tal direito para reavê-lo do possuidor - prescrição extintiva.

Todavia, em se tratando de usucapião de bens móveis, este se consuma antes da prescrição da reivindicatória do até então proprietário. No entanto, sendo o usucapião modo originário de adquirir, o que ocorre é o nascimento de um novo direito de propriedade, o surgimento de um novo titular da coisa, com a conseqüente extinção da propriedade do anterior, já que o bem se deslocou da esfera dos seus direitos para a do usucapiente. Dessa forma, perece a ação reivindicatória por lhe faltar objeto, qual seja, o bem já usucapido, que não mais poderá ser legitimamente reivindicado.

Por último, vê-se que o usucapião tem o mesmo fundamento da prescrição, conforme nos ensina o Prof 0 Clóvis Beviláqua "o respeito às situações desenvolvidas e consolidadas pelo tempo". Modernamente, têm convergido os autores em destacar mais o cunho social desse instituto. Através dele, segundo tais doutrinadores, atinge-se o bem comum, pois à coletividade interessa que se dê à coisa usucapienda o uso a ela mais adequado, seja mediante o seu cultivo, a sua utilização como morada, a sua conservação, etc. Desta forma todos sairiam contemplados, cumprindo a propriedade a sua função social, entre nós constitucionalmente exigida (CF, arts. 170, III, e 5.0 XXIII.)

3. DIREITOS E REQUISITOS

Normalmente, o usucapião é invocado como forma de se adquirir domínio. Contudo, não podemos pensar, que apesar das disposições contidas no art. 550, do Código Civil, sua utilidade se circunscreva à aquisição da propriedade, posto que a ele se pode eficazmente recorrer para aquisição de outros direitos reais, tais como; servidões e o domínio útil na enfiteuse.
Com exceção dos casos de usucapião pro labore, apenas os bens de domínio particular podem ser usucapidos. Os bens públicos de qualquer natureza, sejam eles, patrimoniais ou dominicais, não são suscetíveis de usucapião. Desta forma, terrenos de marinha e terras devolutas não comportam essa forma de aquisição da propriedade.

Dentre os direitos reais, além do relativo à propriedade sobre bens móveis e imóveis, podem ser adquiridos por usucapião os seguintes: o usufruto; o uso; a habitação; a enfiteuse e as servidões.

Como sabemos, o usufruto é o direito temporário de usar e fruir o bem pertencente a outra pessoa, em outras palavras, desfrutar de um bem alheio como se proprietário fosse; porém, inalterando-lhe a substância; a habitação por sua vez, trata-se do direito de habitar temporária e gratuitamente casa alheia; a enfiteuse ocorre segundo preceitos do art. 678 do Código Civil, através de ato entre vivos ou de última vontade, o proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel, pagando, a partir de então, essa pessoa que o adquire, chamada de enfiteuta, uma pensão ou foro anual ao titular do domínio direto, chamado de senhorio; e por último, a servidão, encargos ou o ônus que grava determinado imóvel em proveito de um outro imóvel a ele vizinho e pertencente a pessoa diversa.

Conforme disposições do art. 698 do Código Civil, a posse contínua e incontestada de uma servidão, com justo título e boa-fé, no prazo de dez anos entre presentes e de quinze entre ausentes, gera usucapião. Já o parágrafo único do mesmo artigo estabelece que o possuidor que não tiver título poderá usucapir no prazo de vinte anos.

Com relação a estes prazos apenas não se conformam as hipóteses de servidão de janela, sacada, goteira, etc., por força do art. 576, do mesmo diploma legal, exigindo apenas prazo de ano e dia, contados da construção do imóvel dominante.

Ressalte-se, por oportuno, que somente as servidões aparentes, sejam elas contínuas ou descontínuas, são aptas a serem usucapidas, pois as não aparentes, por ausência de sinais exteriores que identifiquem a sua existência, impossibilitam a aferição do termo inicial do prazo e, até mesmo, da ocorrência da posse.

A posse e o simples decurso do tempo não implicam, necessariamente, na aquisição da propriedade através do usucapião, pois a lei exige, ainda, que determinados requisitos sejam observados, sob pena deste não se consumar.

Segundo a classificação de GOMES Y MUÑOZ, existente requisitos relacionados à pessoa interessada em adquirir, no caso pessoais, às coisas suscetíveis de aquisição, chamadas reais, e a forma de constituição do usucapião, denominados formais. Entre os primeiros, destaca-se a capacidade e qualificações do adquirentes; entre os segundos, a exigência de coisa hábil à aquisição; por último, a posse ad usucapionem, o lapso temporal, o justo título e a boa-fé.

Evidentemente que a não comprovação de qualquer um dos requisitos exigidos pela lei implicará na improcedência do pedido, pois a aquisição da propriedade através do usucapião, que é declaração perseguida, só ocorre com o concurso de todos os requisitos legais. Desta forma, não demonstrado pelo autor este concurso, não poderá o juiz reconhecer a consumação do usucapião e haverá, obrigatoriamente, de julgar improcedente a pretensão requerida.

DA COISA HABIL

Como regra geral, somente podem ser usucapidas as coisas suscetíveis de apropriação pelo homem e que sejam do domínio particular salvo a hipótese de usucapião especial, que poderá também atingir bens do domínio público.

Desta forma, as coisas insuscetíveis de apropriação e os bens integrantes do patrimônio público, tais como praças, ruas, rios, etc., não podem ser objetos de usucapião.

No pertinente à res nullius, ou seja, à coisa sem proprietário, é possível a aquisição por essa via, desde que satisfeitos os demais requisitos, já que nenhum obstáculo se encontra em lei estabelecido.

De igual sorte, os bens integrantes de herança jacente, e enquanto não for declarada a vacância, são usucapíveis, porque ainda são considerados particulares. Somente a partir do momento em que se tornam eles herança vacante, ante a inexistência de herdeiros, é que serão transferidos ao Estado, ao Distrito Federal ou à União, conforme o caso, tornando-se insuscetíveis de usucapião.

Diga-se, ainda, que a coisa usucapida deve ser certa e determinada, já que a posse, por sua própria natureza, não pode incidir sobre coisa incerta ou indeterminada.

Também os bens de família e aqueles aos quais se após cláusula de inalienabilidade, por força de testamento ou de doação, podem ser usucapidos, pois essa inalienabilidade não obsta a prescritibilidade dos mesmo. Assim é porque o usucapião caracteriza a forma originária de aquisição e, em conseqüência, o direito do novo titular não deriva do titulo anterior, razão pela qual não pode ele ser atingido pelas restrições nele contidas.

Essa possibilidade restringe-se, porém, ao usucapião extraordinário e ao especial, não abrangendo o ordinário, uma vez que neste último se exige justo título, ou seja, um título que em tese seria capaz de transferir a propriedade devido à sua aparência de perfeição, mas que, entretanto, contém um vício intrínseco que obsta tal efeito. Este título, evidentemente, será sempre derivado do anterior e, na hipótese, ele jamais poderia transferir a propriedade, pois esta estaria protegida pela cláusula de inalienabilidade. Assim, não se aperfeiçoaria um dos requisitos dessa espécie de usucapião: o justo titulo.

COISAS INSUSCETÍVEIS DE USUCAPIÃO

As coisas fora do comércio, os bens públicos de qualquer espécie e os bens pertencentes a absolutamente incapazes são insuscetíveis de usucapião.

Entende-se como coisas fora do comércio aquelas que não podem ser apropriadas pelo homem e aquelas legalmente inalienáveis. Entre elas temos; o ar, o mar, etc; em relação às inalienáveís, são todas aquelas expressas em lei, (p. ex. o nome patronímico, o estado e a capacidade das pessoas, etc), exclui-se daí as que se tomam voluntariamente inalienáveis, podendo as mesmas, neste caso, serem usucapidas, dentro de algumas condições.

Entre os bens insuscetíveis de alienação encontram-se também, os bens públicos, sejam de uso comum do povo, os de uso especial ou os dominicais. Apenas em relação ao último existe dissenso na doutrina, a ponto de alguns autores admitirem a aquisição dos mesmos através do usucapião. Todavia, com amparo na jurisprudência, tem prevalecido a tese de que são os bens dominicais também imprescritíveis, como uma única exceção: as terras devolutas podem ser objeto do usucapião especial (art. 2.0, da Lei 6.969/81).

Por último não podem ser usucapidos os bens de menores de dezesseis anos; os dos loucos de todo gênero; os dos surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade; os dos ausentes declarados por ato judicial; os dos ausentes do Brasil a serviço público e dos que se acharem a serviço das forças armadas em tempo de guerra, uma vez que contra nenhuma dessas pessoas corre a prescrição.


DA POSSE DO USUCAPIONEM

Sendo o capião a aquisição da propriedade através de posse continuada, logo se observa o papel de destaque da posse entre os requisitos necessários à prescrição aquisitiva. Esse poder fático deve ser exercido com peculiaridades, isto é, deve a posse ser exercitada ad usucapionem.

Sendo a posse uma exteriorização ao domínio, conforme nos ensina RUDOLF VON MERING, temos que a posse é a relação de fato estabelecida entre a pessoa e a coisa, para o fim de atender à sua utilidade econômica. Embora se negue a influência do elemento vontade, não se dá a ele preponderância na conceituação da posse, dado o predomínio do aspecto econômico aliado ao poder de disposição da coisa.

Para ser qualificada como ad usucapionem deve a posse ser: a título de proprietário, contínua, ininterrupta, pública, justa e incontestada. A título de proprietário é exercida com animus dornini, aquela em que o possuidor age com a firme intenção de ter a coisa para si, como se fosse dono; continua, é aquele em que durante o prazo exigido em lei, não apresenta lacuna, ocorre uma sucessão ordenada dos atos possessórios, os intervalos entre um e outro são reduzidos, não constituindo efetivas omissões ou abandono, ininterrupta, aquela ausente de fato capaz de eliminar o tempo anteriormente decorrido (fatos que interrompem a prescrição); pública é a que se exerce à vista de todos, sendo conhecida de todos os interessados desde o seu início e durante todo o seu decurso do tempo; justa é a não contrária ao direito, por se achar isenta dos vícios objetivos; violência, clandestinidade e precariedade (CC. art. 489) e por fim, incontestada, posse que nunca sofreu oposição de quem eventualmente poderia a ela se opor.


JUSTO TITULO

Apenas em relação ao usucapião ordinário ocorre a hipótese do justo título, sendo o mesmo um dos requisitos necessários para o seu reconhecimento.

Por justo título entende-se todo documento que leva uma pessoa a acreditar que a coisa que possui é de sua propriedade. Nos ensinamentos de LAFAYETTE entende-se por justo título "todo o ato jurídico, próprio em tese para transferir o domínio, mas que, em conseqüência de obstáculo ocorrente na hipótese, deixa de produzir o dito efeito", como, por exemplo, no caso de não ter poder legal de aliená-la, ou de erro no modo de aquisição".


BOA
-FÉ

Outro requisito do usucapião, cuja comprovação faz-se indispensável apenas no ordinário, é a boa fé com respeito ao titulo de sua posse.

Boa-fé define-se como a crença do possuidor de que o seu título o tomou legítimo proprietário da coisa e que a sua posse é, portanto, legítima. É, em outras palavras, a certeza de que a coisa lhe pertence, embora a mesma, em verdade, seja de terceiro.

Vale ressaltar que a boa fé expressa no Código Civil, em seu art. 551, deve existir durante todo o lapso de tempo necessário à consumação do usucapião, ou seja, desde o primeiro até o último dia do prazo. Se, antes desse completar-se, o possuidor toma conhecimento inequívoco do vício do seu título e fica ciente de não ser o proprietário da coisa, só poderá usucapir através do extraordinário, onde a boa-fé se presume e não admite prova em contrário (presunção juris et de jure).

Vejamos o que diz o art. 490, parágrafo único, do Código Civil, verbis:

"o possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário" (presunção juris tantum).

Desta forma, na ação de usucapião ordinário, compete ao réu provar que o autor não tinha boa-fé e que sabia não ser justo o seu título; já na ação de usucapião extraordinário não se admite a produção dessa prova, já que a presunção de boa-fé do usucapiente é absoluta.


LAPSO TEMPORAL

0 decurso do tempo em lei estabelecido constitui um dos requisitos essenciais para a consumação da prescrição aquisitiva. Esse prazo pode variar, segundo critérios de política legislativa, de acordo com a espécie de usucapião invocada:

a) no extraordinário, sendo a coisa imóvel, a posse deve ser mantida durante vinte anos;

b) no ordinário, também de coisa imóvel, o prazo é de dez anos entre presentes e de quinze anos entre ausentes;

c) no de coisas móveis, havendo justo titulo e boa-fé, o 'prazo é de três anos; inexistindo título e boa-fé, é de cinco anos o prazo;

d) no especial, relativo exclusivamente a imóveis, a posse deve ser mantida durante cinco anos.

Decorrido, então, o tempo necessário, dá-se a prescrição aquisitiva, adquirindo o possuidor o domínio - o qual será declarado na ação de usucapião - pouco importando se, após o término do prazo venha o possuidor a perder a sua posse, ou, mesmo, que esta deixe de ser ad usucapionem. No entanto, se depois da perda da posse o interessado deixar decorrer o prazo previsto no art. 177, do Código Civil, sem promover a ação, seu direito ao usucapião estará prescrito, não havendo mais meios de se lhe reconhecer o domínio a este título, muito embora, a todo tempo, possa ser oposto no exercício de direito de defesa.


CAPACIDADE DO ADQUIRENTE

Sendo o usucapião uma das formas de aquisição da, propriedade, conclui- se que toda pessoa, física ou jurídica, pode usucapir desde que tenha capacidade para alienar ou adquirir.

Em contrapartida, os absolutamente incapazes, enumerados no art. 5.º do Código Civil, não poderão fazer, ao diverso dos relativamente incapazes, que podem adquirir a posse e conservá-la com os requisitos necessários, até a consumação do usucapião.

Ressalve-se, contudo, que os incapazes absolutos podem "usucapir por intermédio de seus representantes legais, que lhe suprime a affectio tenendi necessária à aquisição da posse", mas isso se agirem sempre em nome dos representados , segundo os ensinamentos do Prof. Pedro Nunes , em sua obra intitulada "USUCAPIÃO".

Os credores e terceiros interessados também encontra-se entre os habilitados a requerer o usucapião em favor do possuidor,ainda que este expressamente tenha renunciado a tal direito. ( LENINE Naquete, da prescrição Aquisitiva ).

De outro lado, não ocorre usucapião entre marido e mulher, na constância do matrimônio; entre ascendente, durante o pátrio-poder; entre o tutelado e o seu tutor ou o curatelado e seu curador, enquanto perdurar a tutela ou curatela.


4 ESPÉCIES DE USUCAPIÃO

Dependendo do tempo necessário para a consumação do usucapião, costuma-se reconhecer três espécies assim descritas: o ordinário, o extraordinário e o especial.

Tanto o ordinário como o extraordinário atuam em relação a bens móveis e imóveis. Já o especial é modo específico de aquisição de bens imóveis, consoante dispõe o art. I, da Lei n.' 6.969/81.

Para a verificação da ocorrência de usucapião ordinário, são necessários três anos da hipótese de ser o bem móvel e dez ou quinze anos (se a aquisição se der entre presentes ou ausentes) se for imóvel o bem usucapiendo.
O extraordinário, por sua vez, ocorre em cinco anos, se móvel o bem, ou em vinte anos, se imóvel. Para diferenciá-los, basta lembrar que o ordinário exige a presença de justo título e boa-fé, ao passo que o extraordinário os dispensa.

O especial, como o próprio nome indica, apresenta várias especificidades em relação aos modos comuns de prescrição aquisitiva. Apenas quanto ao tempo, é de se destacar desde logo a brevidade de sua consumação, sendo suficiente o decurso do prazo de cinco anos.

A Constituição de 1946, no art. 156, § 3.º, secundando as de 1937 (art. 148) e de 1934 (art. 125), instituiu outra modalidade de usucapião, o pro labore, em beneficio daquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, ocupasse, por dez anos ininterruptos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, trecho de terra não superior a vinte e cinco hectares, tomando-o produtivo pelo seu trabalho e tendo nele sua morada. Reunidos tais requisitos, o ocupante adquiria a propriedade, mediante sentença declaratória, devidamente transcrita no registro imobiliário.

0 Estatuto da Terra (Lei n.º 4.504, de 30.11.1964, art. 98) igualmente contemplou esse usucapião especial, tomando-se claro que o mesmo só poderia concernir a imóvel rural, destinado à pecuária, e à agricultura, ou outra atividade produtiva, não se estendendo, de tal arte, a terrenos urbanos ou citadinos.

O usucapião especial teve por objetivo, portanto, a fixação do homem no campo, requerendo ocupação produtiva do imóvel, devendo neste morar e trabalhar o usucapiente. Como se percebe, o usucapião especial não se confunde com o previsto no Código Civil, que se contenta com a simples posse, ainda que desacompanhada de residência e de aproveitamento efetivo.

A recente Lei nº 6.969, de 10 de dezembro de 1981; trouxe importantes inovações ditadas pelo propósito de acelerar a reforma agrária.

Num breve relato sobre o usucapião extraordinário sobre coisa imóvel, encontramos sua definição no art. 550, do Código Civil, ficando demonstrado que a aquisição do domínio, referida na lei, ocorre com o decurso do tempo.

Assim, a ação visa o reconhecimento da ocorrência dos requisitos do usucapião, através de sentença que, devidamente transcrita, é instrumento hábil de aquisição da propriedade.

Através dos ensinamentos do mestre PEDRO SALES, temos que "no usucapião extraordinário, adquire-se, na sua totalidade, a coisa que se haja possuído, de conformidade com o princípio - tantum praescriptum quantum possessum - o que não sucede com o usucapião ordinário, sujeito ao conteúdo do respectivo titulo".

Isso ocorre em virtude de que nessa forma de usucapião a lei dispensa expressamente o justo título, enquanto o exige no ordinário, já que aqui a posse é exercida justamente em razão do título. Destarte, como este deve identificar a coisa e especificar suas confrontações, é lógico que só pode haver usucapião ordinário dentro dos limites do título.

Como já demonstrado anteriormente são requisitos do usucapião extraordinário: capacidade do adquirente, animus domini, coisa hábil, posse ad usucapionem e o lapso de tempo.

Acerca do usucapião ordinário de coisa imóvel encontramos sua fundamentação no art. 551 do Código Civil, ou seja "dez anos entre presentes e quinze entre ausentes, o possuir como seu, continua e incotestadamente, com justo título e boa-fé".

Veja-se aqui, o lapso de tempo necessário para gerar usucapião ordinário, diverge conforme estejam as partes presentes ou ausentes.

Acerca do usucapião especial, trata-se de forma constitucionalmente prevista para a aquisição de bens imóveis, rurais ou urbanos. Ao instituí-lo, teve o legislador por objetivo proteger e fixar o pequeno lavrador no campo, bem como atenuar os graves problemas habitacionais enfrentados pelas pessoas de poucos recursos dentro dos grandes centros urbanos.

Conforme preceitos do art. 183 da C.F. temos que:

"Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

De quase igual teor é a norma constante do art. 191, verbis:

"Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade".

Portanto, eis os requisitos indispensáveis à consumação do usucapião especial:

a) não ser o usucapiente proprietário urbano ou rural;

b) bem imóvel de reduzidas dimensões;

c) prazo de cinco anos;

d) posse atual, com animus domini;

e) utilização da área como moradia;

f) cultivo da terra, se o bem for rural.



5. FORMA DE PROCEDIMENTO DA AÇÃO DE USUCAPIÃO

De acordo com o tipo, pode variar a forma de procedimento adotado nas ações que visam o reconhecimento do usucapião. Assim, em se tratando de usucapião de bens imóveis, ordinário ou extraordinário, o rito será aquele previsto nos arts. 941 e segs., do Código de Processo Civil; para o usucapião de bens móveis o procedimento adequado será o sumaríssimo, consoante disposição , constante do art. 275, II, "a", do mesmo diploma legal; já quanto ao usucapião especial é correta também a adoção do procedimento sumaríssimo, com as modificações previstas na Lei n.' 6.969/81.

Quando for o caso de usucapião referente a qualquer outro direito real que não de propriedade nem a servidão predial, adotar-se-á o procedimento comum, que será ordinário ou sumaríssimo, consoante o valor atribuído à causa: se for este inferior a vinte vezes o maior salário mínimo vigente no país, será sumaríssimo; caso contrário, será ordinário (art. 275, I. do Código de Processo Civil).

Nos tópicos seguintes serão melhor estudados os dispositivos referentes ao usucapião de imóveis, ordinário e extraordinário, dada a maior relevância prática da matéria.

A petição inicial do usucapião de imóvel ou servidão indicará o juiz a que é dirigida, a identificação do autor, daquele em cujo nome esteja transcrito a coisa a usucapir, bem como dos confrontantes; os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido; o pedido e suas especificações; o valor da causa; as provas com que se pretende demonstrar a verdade do alegado; rol de testemunhas a serem ouvidas.

Juntará o autor a petição inicial os seguintes documentos:

a) planta atualizada do imóvel, assinada e datada por profissional devidamente habilitado;

b) certidão atualizada, expedida pela circunscrição imobiliária a que pertença o imóvel, indicando o titular do domínio ou a impossibilidade de fazê-lo;

c) certidão atualizada do Cartório Distribuidor atestando a inexistência de ações possessórias movidas contra os autores;

d) comprovantes de pagamento de impostos e taxas, ou outros documentos que demonstrem o animus domini;

e) o titulo em que se fundamenta a posse, no usucapião ordinário.

6. DA COMPETÊNCIA

A ação de usucapião tem natureza real, haja vista que busca o reconhecimento da existência de um direito real: propriedade, uso, servidão, etc.

Tendo em vista essa sua particular natureza, a ação poderá objetivar um bem móvel, quanto um bem imóvel, circunstância que irá determinar a competência para o conhecimento da causa.

Desta forma temos que a competência para a ação que objetiva o bem móvel, será proposta no foro do réu, ou seja, do proprietário da coisa; sendo o mesmo desconhecido, será o foro do autor o competente, por força de dispositivo estabelecido pelo art. 94, do CPC.

Já com relação a ação que visa a coisa imóvel, deverá a mesma ser ajuizada no foro de localização do bem, pouco importando onde resida o seu proprietário, consoante dispõe o art. 95, do CPC.

7. BIBLIOGRAFIA

Monteiro, Washington de Barros, 1910 - Curso de Direito Civil. São Paulo, Saraiva, vol. III, 28. ed., 1989.

Diniz, Maria, Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva, vol. IV, 6. ed. 1989.

Rodrigues, Silvio, Curso de Direito Civil, São Paulo, Saraiva, vol. V, 9.º ed., 1979.

Pacheco, José Ernani de Carvalho, Usucapião, Curitiba, Juruá, 1991, vol. III.

1. Do usucapião, Curso de Direito Civil., vol. 4, Prof Maria Helena Diniz, ed, Saraiva

2. ARANGIO-RUIZ, História Del Derecho Romano, pág. 165.

(1) Curso Direito Civil, Prof ' Washington Barros, 18 ed. Editora Saraiva. 1;