USUCAPIÃO
ANTÔNIO
AIRTON DO VALE MELO
Advogado
SUMÁRIO:
1. Breve relato histórico.
2. Conceitos e fundamentos
3. Direitos e requisitos
4. Espécies
5. Forma de procedimento da ação
6. Competência
7. Bibliografia.
1. BREVE RELATO HISTÓRICO
Torna-se indispensável para a boa análise acerca do USUCAPIÃO, o
seu relato histórico.
O Direito Romano o considerava segundo ensinamentos da prof. a Maria Helena
Diniz como "um modo aquisitivo do domínio em que o tempo figura como
elemento precípuo".
A sua própria etimologia assim o define: capio
significa "tomar" e usu quer dizer
"pelo uso", sendo que "tomar pelo uso", não indicaria obra
de instante; exigia, sempre um complemento de cobertura sem o qual o capio de nada valeria.
A primeira manifestação do usucapião, segundo diversos autores, caracterizou-se
por uma posse prolongada durante o tempo exigido pela Lei das XII Tábuas; dois
anos para imóveis e um ano para móveis e as mulheres, pois o usus, era considerado uma das formas de matrimônio na
antiga Roma. Posteriormente, esse prazo foi elevado para dez anos entre
presentes e vinte entre ausentes.1
Diversas leis restringiram o campo de aplicação do usucapião. A Lei atínia vedava o usucapião sobre coisas furtivas, tanto para
o ladrão como para o receptador; também as Leis Júlia e Pláucia
elasteceram essa vedação às coisas adquiridas através
de meios tidos como violentos; por último a Lei Scribonia
proibia o usucapião das servidões prediais.2
2. CONCEITO E FUNDAMENTOS
Alguns autores tratam em definir o USUCAPIÃO como uma forma
originária de aquisição da propriedade, ou de outros direitos reais suscetíveis
de apropriação material, através de posse continuada, durante um lapso de
tempo, com observância dos requisitos estabelecidos em lei.
Outros discutem se o usucapião é modo originário ou derivado de adquirir a
propriedade. Vê-se por conseguinte uma questão até agora não solucionada pela
doutrina, a qual se inclina em defini-lo como já dito anteriormente, sendo um
modo originário, sendo que para o usucapiente, a relação jurídica de que é
titular surge como direito novo, independente da exigência de qualquer
vinculação com seu predecessor, que, existindo, não será o transmitente da
coisa.1
Expressivo número de autores também o denomina de prescrição aquisitiva,
entendendo ser a prescrição um meio não só de extinguir as ações relativas aos
direitos, mas também de os adquirir. No primeiro caso, teríamos a chamada
prescrição extintiva, no segundo, a aquisitiva.
Segundo ensinamentos de FRANCISCO MORATO, na prescrição aquisitiva predomina a
força criadora, enquanto na extintiva, a força que extermina. A primeira gera
um direito em favor de um novo titular, enquanto que a segunda extermina a ação
que tem o titular e, por conseguinte, elimina o direito pelo desaparecimento do
seu amparo.
No caso específico do usucapião, o decurso do tempo gera um direito em favor
daquele que tem a posse da coisa - prescrição aquisitiva, paralelamente, esse
decurso do tempo extingue a ação do até então titular de tal direito para
reavê-lo do possuidor - prescrição extintiva.
Todavia, em se tratando de usucapião de bens móveis, este se consuma antes da
prescrição da reivindicatória do até então proprietário. No entanto, sendo o
usucapião modo originário de adquirir, o que ocorre é o nascimento de um novo
direito de propriedade, o surgimento de um novo titular da coisa, com a conseqüente extinção da propriedade do anterior, já que o
bem se deslocou da esfera dos seus direitos para a do usucapiente. Dessa forma,
perece a ação reivindicatória por lhe faltar objeto, qual seja, o bem já
usucapido, que não mais poderá ser legitimamente reivindicado.
Por último, vê-se que o usucapião tem o mesmo fundamento da prescrição, conforme
nos ensina o Prof 0 Clóvis Beviláqua
"o respeito às situações desenvolvidas e consolidadas pelo tempo".
Modernamente, têm convergido os autores em destacar mais o cunho social desse
instituto. Através dele, segundo tais doutrinadores, atinge-se o bem comum,
pois à coletividade interessa que se dê à coisa usucapienda
o uso a ela mais adequado, seja mediante o seu cultivo, a sua utilização como
morada, a sua conservação, etc. Desta forma todos sairiam contemplados,
cumprindo a propriedade a sua função social, entre nós constitucionalmente
exigida (CF, arts. 170, III, e 5.0 XXIII.)
3. DIREITOS E REQUISITOS
Normalmente, o usucapião é invocado como forma de se adquirir
domínio. Contudo, não podemos pensar, que apesar das disposições contidas no
art. 550, do Código Civil, sua utilidade se circunscreva à aquisição da
propriedade, posto que a ele se pode eficazmente recorrer para aquisição de
outros direitos reais, tais como; servidões e o domínio útil na enfiteuse.
Com exceção dos casos de usucapião pro labore, apenas os bens de domínio
particular podem ser usucapidos. Os bens públicos de qualquer natureza, sejam
eles, patrimoniais ou dominicais, não são suscetíveis de usucapião. Desta
forma, terrenos de marinha e terras devolutas não comportam essa forma de
aquisição da propriedade.
Dentre os direitos reais, além do relativo à propriedade sobre bens móveis e
imóveis, podem ser adquiridos por usucapião os seguintes: o usufruto; o uso; a
habitação; a enfiteuse e as servidões.
Como sabemos, o usufruto é o direito temporário de usar e fruir o bem
pertencente a outra pessoa, em outras palavras, desfrutar de um bem alheio como
se proprietário fosse; porém, inalterando-lhe a
substância; a habitação por sua vez, trata-se do direito de habitar temporária
e gratuitamente casa alheia; a enfiteuse ocorre segundo preceitos do art. 678
do Código Civil, através de ato entre vivos ou de última vontade, o
proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel, pagando, a partir de
então, essa pessoa que o adquire, chamada de enfiteuta, uma pensão ou foro
anual ao titular do domínio direto, chamado de senhorio; e por último, a
servidão, encargos ou o ônus que grava determinado imóvel em proveito de um
outro imóvel a ele vizinho e pertencente a pessoa diversa.
Conforme disposições do art. 698 do Código Civil, a posse contínua e
incontestada de uma servidão, com justo título e boa-fé, no prazo de dez anos
entre presentes e de quinze entre ausentes, gera usucapião. Já o parágrafo
único do mesmo artigo estabelece que o possuidor que não tiver título poderá
usucapir no prazo de vinte anos.
Com relação a estes prazos apenas não se conformam as hipóteses de servidão de
janela, sacada, goteira, etc., por força do art. 576, do mesmo diploma legal,
exigindo apenas prazo de ano e dia, contados da construção do imóvel dominante.
Ressalte-se, por oportuno, que somente as servidões aparentes, sejam elas
contínuas ou descontínuas, são aptas a serem usucapidas, pois as não aparentes,
por ausência de sinais exteriores que identifiquem a sua existência,
impossibilitam a aferição do termo inicial do prazo e, até mesmo, da ocorrência
da posse.
A posse e o simples decurso do tempo não implicam, necessariamente, na
aquisição da propriedade através do usucapião, pois a lei exige, ainda, que
determinados requisitos sejam observados, sob pena deste não se consumar.
Segundo a classificação de GOMES Y MUÑOZ, existente requisitos relacionados à
pessoa interessada em adquirir, no caso pessoais, às coisas suscetíveis de
aquisição, chamadas reais, e a forma de constituição do usucapião, denominados
formais. Entre os primeiros, destaca-se a capacidade e qualificações do
adquirentes; entre os segundos, a exigência de coisa hábil à aquisição; por
último, a posse ad usucapionem, o lapso temporal, o
justo título e a boa-fé.
Evidentemente que a não comprovação de qualquer um dos requisitos exigidos pela
lei implicará na improcedência do pedido, pois a aquisição da propriedade
através do usucapião, que é declaração perseguida, só ocorre com o concurso de
todos os requisitos legais. Desta forma, não demonstrado pelo autor este
concurso, não poderá o juiz reconhecer a consumação do usucapião e haverá,
obrigatoriamente, de julgar improcedente a pretensão requerida.
DA COISA HABIL
Como regra geral, somente podem ser usucapidas as coisas
suscetíveis de apropriação pelo homem e que sejam do domínio particular salvo a
hipótese de usucapião especial, que poderá também atingir bens do domínio
público.
Desta forma, as coisas insuscetíveis de apropriação e os bens integrantes do
patrimônio público, tais como praças, ruas, rios, etc., não podem ser objetos
de usucapião.
No pertinente à res nullius, ou seja, à coisa sem proprietário, é possível a
aquisição por essa via, desde que satisfeitos os demais requisitos, já que
nenhum obstáculo se encontra em lei estabelecido.
De igual sorte, os bens integrantes de herança jacente, e enquanto não for
declarada a vacância, são usucapíveis, porque ainda
são considerados particulares. Somente a partir do momento em que se tornam
eles herança vacante, ante a inexistência de herdeiros, é que serão
transferidos ao Estado, ao Distrito Federal ou à União, conforme o caso,
tornando-se insuscetíveis de usucapião.
Diga-se, ainda, que a coisa usucapida deve ser certa e determinada, já que a
posse, por sua própria natureza, não pode incidir sobre coisa incerta ou
indeterminada.
Também os bens de família e aqueles aos quais se após cláusula de
inalienabilidade, por força de testamento ou de doação, podem ser usucapidos,
pois essa inalienabilidade não obsta a prescritibilidade dos mesmo. Assim é
porque o usucapião caracteriza a forma originária de aquisição e, em conseqüência, o direito do novo titular não deriva do titulo anterior, razão pela qual não pode ele ser atingido
pelas restrições nele contidas.
Essa possibilidade restringe-se, porém, ao usucapião extraordinário e ao
especial, não abrangendo o ordinário, uma vez que neste último se exige justo
título, ou seja, um título que em tese seria capaz de transferir a propriedade
devido à sua aparência de perfeição, mas que, entretanto, contém um vício
intrínseco que obsta tal efeito. Este título, evidentemente, será sempre
derivado do anterior e, na hipótese, ele jamais poderia transferir a
propriedade, pois esta estaria protegida pela cláusula de inalienabilidade.
Assim, não se aperfeiçoaria um dos requisitos dessa espécie de usucapião: o
justo titulo.
COISAS INSUSCETÍVEIS DE USUCAPIÃO
As coisas fora do comércio, os bens públicos de qualquer espécie e
os bens pertencentes a absolutamente incapazes são insuscetíveis de usucapião.
Entende-se como coisas fora do comércio aquelas que não podem ser apropriadas
pelo homem e aquelas legalmente inalienáveis. Entre elas temos; o ar, o mar, etc; em relação às inalienáveís,
são todas aquelas expressas em lei, (p. ex. o nome patronímico, o estado e a
capacidade das pessoas, etc), exclui-se daí as que se
tomam voluntariamente inalienáveis, podendo as mesmas, neste caso, serem
usucapidas, dentro de algumas condições.
Entre os bens insuscetíveis de alienação encontram-se também, os bens públicos,
sejam de uso comum do povo, os de uso especial ou os dominicais. Apenas em
relação ao último existe dissenso na doutrina, a ponto de alguns autores
admitirem a aquisição dos mesmos através do usucapião. Todavia, com amparo na
jurisprudência, tem prevalecido a tese de que são os bens dominicais também
imprescritíveis, como uma única exceção: as terras devolutas podem ser objeto
do usucapião especial (art. 2.0, da Lei 6.969/81).
Por último não podem ser usucapidos os bens de menores de dezesseis anos; os
dos loucos de todo gênero; os dos surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua
vontade; os dos ausentes declarados por ato judicial; os dos ausentes do Brasil
a serviço público e dos que se acharem a serviço das forças armadas em tempo de
guerra, uma vez que contra nenhuma dessas pessoas corre a prescrição.
DA POSSE DO USUCAPIONEM
Sendo o capião a aquisição da
propriedade através de posse continuada, logo se observa o papel de destaque da
posse entre os requisitos necessários à prescrição aquisitiva. Esse poder
fático deve ser exercido com peculiaridades, isto é, deve a posse ser
exercitada ad usucapionem.
Sendo a posse uma exteriorização ao domínio, conforme nos ensina RUDOLF VON
MERING, temos que a posse é a relação de fato estabelecida entre a pessoa e a
coisa, para o fim de atender à sua utilidade econômica. Embora se negue a
influência do elemento vontade, não se dá a ele preponderância na conceituação
da posse, dado o predomínio do aspecto econômico aliado ao poder de disposição
da coisa.
Para ser qualificada como ad usucapionem deve a posse
ser: a título de proprietário, contínua, ininterrupta, pública, justa e
incontestada. A título de proprietário é exercida com animus dornini, aquela em que o possuidor age com a firme intenção
de ter a coisa para si, como se fosse dono; continua, é aquele em que durante o
prazo exigido em lei, não apresenta lacuna, ocorre uma sucessão ordenada dos
atos possessórios, os intervalos entre um e outro são reduzidos, não
constituindo efetivas omissões ou abandono, ininterrupta, aquela ausente de
fato capaz de eliminar o tempo anteriormente decorrido (fatos que interrompem a
prescrição); pública é a que se exerce à vista de todos, sendo conhecida de
todos os interessados desde o seu início e durante todo o seu decurso do tempo;
justa é a não contrária ao direito, por se achar isenta dos vícios objetivos;
violência, clandestinidade e precariedade (CC. art. 489) e por fim,
incontestada, posse que nunca sofreu oposição de quem eventualmente poderia a
ela se opor.
JUSTO TITULO
Apenas em relação ao usucapião ordinário ocorre a hipótese do
justo título, sendo o mesmo um dos requisitos necessários para o seu
reconhecimento.
Por justo título entende-se todo documento que leva uma pessoa a acreditar que
a coisa que possui é de sua propriedade. Nos ensinamentos de LAFAYETTE
entende-se por justo título "todo o ato jurídico, próprio em tese para
transferir o domínio, mas que, em conseqüência de
obstáculo ocorrente na hipótese, deixa de produzir o dito efeito", como,
por exemplo, no caso de não ter poder legal de aliená-la, ou de erro no modo de
aquisição".
BOA-FÉ
Outro requisito do usucapião, cuja comprovação faz-se
indispensável apenas no ordinário, é a boa fé com
respeito ao titulo de sua posse.
Boa-fé define-se como a crença do possuidor de que o seu título o tomou
legítimo proprietário da coisa e que a sua posse é, portanto, legítima. É, em
outras palavras, a certeza de que a coisa lhe pertence, embora a mesma, em
verdade, seja de terceiro.
Vale ressaltar que a boa fé expressa no Código Civil,
em seu art. 551, deve existir durante todo o lapso de tempo necessário à
consumação do usucapião, ou seja, desde o primeiro até o último dia do prazo.
Se, antes desse completar-se, o possuidor toma conhecimento inequívoco do vício
do seu título e fica ciente de não ser o proprietário da coisa, só poderá
usucapir através do extraordinário, onde a boa-fé se presume e não admite prova
em contrário (presunção juris et de jure).
Vejamos o que diz o art. 490, parágrafo único, do Código Civil, verbis:
"o possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo
prova em contrário" (presunção juris tantum).
Desta forma, na ação de usucapião ordinário, compete ao réu provar que o autor
não tinha boa-fé e que sabia não ser justo o seu título; já na ação de
usucapião extraordinário não se admite a produção dessa prova, já que a
presunção de boa-fé do usucapiente é absoluta.
LAPSO TEMPORAL
0 decurso do tempo em lei estabelecido constitui um dos requisitos
essenciais para a consumação da prescrição aquisitiva. Esse prazo pode variar,
segundo critérios de política legislativa, de acordo com a espécie de usucapião
invocada:
a) no extraordinário, sendo a coisa imóvel, a posse deve ser mantida durante
vinte anos;
b) no ordinário, também de coisa imóvel, o prazo é de dez anos entre presentes
e de quinze anos entre ausentes;
c) no de coisas móveis, havendo justo titulo e
boa-fé, o 'prazo é de três anos; inexistindo título e boa-fé, é de cinco anos o
prazo;
d) no especial, relativo exclusivamente a imóveis, a posse deve ser mantida
durante cinco anos.
Decorrido, então, o tempo necessário, dá-se a prescrição aquisitiva, adquirindo
o possuidor o domínio - o qual será declarado na ação de usucapião - pouco
importando se, após o término do prazo venha o possuidor a perder a sua posse,
ou, mesmo, que esta deixe de ser ad usucapionem. No entanto, se depois da perda da posse o
interessado deixar decorrer o prazo previsto no art. 177, do Código Civil, sem
promover a ação, seu direito ao usucapião estará prescrito, não havendo mais
meios de se lhe reconhecer o domínio a este título, muito embora, a todo tempo,
possa ser oposto no exercício de direito de defesa.
CAPACIDADE DO ADQUIRENTE
Sendo o usucapião uma das formas de aquisição da, propriedade,
conclui- se que toda pessoa, física ou jurídica, pode usucapir desde que tenha
capacidade para alienar ou adquirir.
Em contrapartida, os absolutamente incapazes, enumerados no art. 5.º do Código
Civil, não poderão fazer, ao diverso dos relativamente incapazes, que podem
adquirir a posse e conservá-la com os requisitos necessários, até a consumação
do usucapião.
Ressalve-se, contudo, que os incapazes absolutos podem "usucapir por
intermédio de seus representantes legais, que lhe suprime a affectio
tenendi necessária à aquisição da posse", mas
isso se agirem sempre em nome dos representados , segundo os ensinamentos do
Prof. Pedro Nunes , em sua obra intitulada "USUCAPIÃO".
Os credores e terceiros interessados também encontra-se entre os habilitados a
requerer o usucapião em favor do possuidor,ainda que
este expressamente tenha renunciado a tal direito. ( LENINE
Naquete, da prescrição Aquisitiva ).
De outro lado, não ocorre usucapião entre marido e mulher, na constância do
matrimônio; entre ascendente, durante o pátrio-poder; entre o tutelado e o seu
tutor ou o curatelado e seu curador, enquanto perdurar a tutela ou curatela.
4 ESPÉCIES DE USUCAPIÃO
Dependendo do tempo necessário para a consumação do usucapião,
costuma-se reconhecer três espécies assim descritas: o ordinário, o
extraordinário e o especial.
Tanto o ordinário como o extraordinário atuam em relação a bens móveis e
imóveis. Já o especial é modo específico de aquisição de bens imóveis,
consoante dispõe o art. I, da Lei n.' 6.969/81.
Para a verificação da ocorrência de usucapião ordinário, são necessários três
anos da hipótese de ser o bem móvel e dez ou quinze anos (se a aquisição se der
entre presentes ou ausentes) se for imóvel o bem usucapiendo.
O extraordinário, por sua vez, ocorre em cinco anos, se móvel o bem, ou em
vinte anos, se imóvel. Para diferenciá-los, basta lembrar que o ordinário exige
a presença de justo título e boa-fé, ao passo que o extraordinário os dispensa.
O especial, como o próprio nome indica, apresenta várias especificidades em
relação aos modos comuns de prescrição aquisitiva. Apenas quanto ao tempo, é de
se destacar desde logo a brevidade de sua consumação, sendo suficiente o decurso
do prazo de cinco anos.
A Constituição de 1946, no art. 156, § 3.º, secundando as de 1937 (art. 148) e
de 1934 (art. 125), instituiu outra modalidade de usucapião, o pro labore, em
beneficio daquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, ocupasse, por
dez anos ininterruptos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio,
trecho de terra não superior a vinte e cinco hectares, tomando-o produtivo pelo
seu trabalho e tendo nele sua morada. Reunidos tais requisitos, o ocupante
adquiria a propriedade, mediante sentença declaratória, devidamente transcrita
no registro imobiliário.
0 Estatuto da Terra (Lei n.º 4.504, de 30.11.1964, art. 98) igualmente
contemplou esse usucapião especial, tomando-se claro que o mesmo só poderia
concernir a imóvel rural, destinado à pecuária, e à agricultura, ou outra
atividade produtiva, não se estendendo, de tal arte, a terrenos urbanos ou
citadinos.
O usucapião especial teve por objetivo, portanto, a fixação do homem no campo,
requerendo ocupação produtiva do imóvel, devendo neste morar e trabalhar o
usucapiente. Como se percebe, o usucapião especial não se confunde com o
previsto no Código Civil, que se contenta com a simples posse, ainda que
desacompanhada de residência e de aproveitamento efetivo.
A recente Lei nº 6.969, de 10 de dezembro de 1981; trouxe importantes inovações
ditadas pelo propósito de acelerar a reforma agrária.
Num breve relato sobre o usucapião extraordinário sobre coisa imóvel,
encontramos sua definição no art. 550, do Código Civil, ficando demonstrado que
a aquisição do domínio, referida na lei, ocorre com o decurso do tempo.
Assim, a ação visa o reconhecimento da ocorrência dos requisitos do usucapião,
através de sentença que, devidamente transcrita, é instrumento hábil de
aquisição da propriedade.
Através dos ensinamentos do mestre PEDRO SALES, temos que "no usucapião
extraordinário, adquire-se, na sua totalidade, a coisa que se haja possuído, de
conformidade com o princípio - tantum praescriptum
quantum possessum - o que não sucede com o usucapião
ordinário, sujeito ao conteúdo do respectivo titulo".
Isso ocorre em virtude de que nessa forma de usucapião a lei dispensa
expressamente o justo título, enquanto o exige no ordinário, já que aqui a
posse é exercida justamente em razão do título. Destarte, como este deve
identificar a coisa e especificar suas confrontações, é lógico que só pode
haver usucapião ordinário dentro dos limites do título.
Como já demonstrado anteriormente são requisitos do usucapião extraordinário:
capacidade do adquirente, animus domini, coisa hábil,
posse ad usucapionem e o lapso de tempo.
Acerca do usucapião ordinário de coisa imóvel encontramos sua fundamentação no
art. 551 do Código Civil, ou seja "dez anos entre presentes e quinze entre
ausentes, o possuir como seu, continua e incotestadamente,
com justo título e boa-fé".
Veja-se aqui, o lapso de tempo necessário para gerar usucapião ordinário,
diverge conforme estejam as partes presentes ou ausentes.
Acerca do usucapião especial, trata-se de forma constitucionalmente prevista
para a aquisição de bens imóveis, rurais ou urbanos. Ao instituí-lo, teve o
legislador por objetivo proteger e fixar o pequeno lavrador no campo, bem como
atenuar os graves problemas habitacionais enfrentados pelas pessoas de poucos
recursos dentro dos grandes centros urbanos.
Conforme preceitos do art. 183 da C.F. temos que:
"Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua
família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural.
De quase igual teor é a norma constante do art. 191, verbis:
"Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como
seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural,
não superior a cinqüenta hectares, tornando-a
produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia,
adquirir-lhe-á a propriedade".
Portanto, eis os requisitos indispensáveis à consumação do usucapião especial:
a) não ser o usucapiente proprietário urbano ou rural;
b) bem imóvel de reduzidas dimensões;
c) prazo de cinco anos;
d) posse atual, com animus domini;
e) utilização da área como moradia;
f) cultivo da terra, se o bem for rural.
5. FORMA DE PROCEDIMENTO DA AÇÃO DE USUCAPIÃO
De acordo com o tipo, pode variar a forma de procedimento adotado
nas ações que visam o reconhecimento do usucapião. Assim, em se tratando de
usucapião de bens imóveis, ordinário ou extraordinário, o rito será aquele
previsto nos arts. 941 e segs., do Código de Processo Civil; para o usucapião
de bens móveis o procedimento adequado será o sumaríssimo, consoante disposição
, constante do art. 275, II, "a", do mesmo diploma legal; já quanto
ao usucapião especial é correta também a adoção do procedimento sumaríssimo,
com as modificações previstas na Lei n.' 6.969/81.
Quando for o caso de usucapião referente a qualquer outro direito real que não
de propriedade nem a servidão predial, adotar-se-á o procedimento comum, que
será ordinário ou sumaríssimo, consoante o valor atribuído à causa: se for este
inferior a vinte vezes o maior salário mínimo vigente no país, será
sumaríssimo; caso contrário, será ordinário (art. 275, I. do Código de Processo
Civil).
Nos tópicos seguintes serão melhor estudados os dispositivos referentes ao
usucapião de imóveis, ordinário e extraordinário, dada a maior relevância
prática da matéria.
A petição inicial do usucapião de imóvel ou servidão indicará o juiz a que é
dirigida, a identificação do autor, daquele em cujo nome esteja transcrito a
coisa a usucapir, bem como dos confrontantes; os fatos e os fundamentos
jurídicos do pedido; o pedido e suas especificações; o valor da causa; as provas
com que se pretende demonstrar a verdade do alegado; rol de testemunhas a serem
ouvidas.
Juntará o autor a petição inicial os seguintes documentos:
a) planta atualizada do imóvel, assinada e datada por profissional devidamente
habilitado;
b) certidão atualizada, expedida pela circunscrição imobiliária a que pertença
o imóvel, indicando o titular do domínio ou a impossibilidade de fazê-lo;
c) certidão atualizada do Cartório Distribuidor atestando a inexistência de
ações possessórias movidas contra os autores;
d) comprovantes de pagamento de impostos e taxas, ou outros documentos que
demonstrem o animus domini;
e) o titulo em que se fundamenta a posse, no
usucapião ordinário.
6. DA COMPETÊNCIA
A ação de usucapião tem natureza real, haja vista que busca o
reconhecimento da existência de um direito real: propriedade, uso, servidão,
etc.
Tendo em vista essa sua particular natureza, a ação poderá objetivar um bem
móvel, quanto um bem imóvel, circunstância que irá determinar a competência
para o conhecimento da causa.
Desta forma temos que a competência para a ação que objetiva o bem móvel, será
proposta no foro do réu, ou seja, do proprietário da coisa; sendo o mesmo
desconhecido, será o foro do autor o competente, por força de dispositivo estabelecido
pelo art. 94, do CPC.
Já com relação a ação que visa a coisa imóvel, deverá a mesma ser ajuizada no
foro de localização do bem, pouco importando onde resida o seu proprietário,
consoante dispõe o art. 95, do CPC.
7. BIBLIOGRAFIA
Monteiro, Washington de Barros, 1910 - Curso de Direito Civil. São Paulo,
Saraiva, vol. III, 28. ed., 1989.
Diniz, Maria, Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva,
vol. IV, 6. ed. 1989.
Rodrigues, Silvio, Curso de Direito Civil, São Paulo, Saraiva, vol. V, 9.º ed.,
1979.
Pacheco, José Ernani de Carvalho, Usucapião, Curitiba, Juruá, 1991, vol. III.
1. Do usucapião, Curso de Direito Civil.,
vol. 4, Prof Maria Helena Diniz, ed,
Saraiva
2. ARANGIO-RUIZ, História Del Derecho Romano,
pág. 165.
(1) Curso Direito Civil, Prof ' Washington
Barros, 18 ed. Editora Saraiva. 1;