PRINCÍPIOS
NORTEADORES DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA NO SETOR PÚBLICO EMPRESARIAL FACE A
NOVA CONSTITUIÇÃO
MÔNICA
ROCHA VICTOR DE OLIVEIRA
Procuradora
do Município
SUMÁRIO:
1. Noções
preliminares.
2. Princípios
gerais.
3. Legalidade.
4. impessoalidade.
5. Moralidade.
6. Publicidade.
7. Princípios
especiais.
1 . Noções preliminares
A atual Constituição consagrou, em seu artigo 170, um modelo
econômico, baseado na liberdade de iniciativa, com tendências nitidamente
reducionistas em relação ao intervencionismo estatal.
A intervenção do Poder Público na economia poderá ser realizada
por três vias: órgãos empresas, não dotados de personalidade jurídica; ou,
através de entidades econômicas dotadas de personalidade jurídica, seja de
natureza pública, seja de natureza privada.
A questão que se pretende seja aqui equacionada consiste em
determinar-se em quais princípios a atividade administrativa estaria
fundamentada neste caso: somente aos princípios gerais da administração Pública
ou, também aos embasadores da ordem econômica? O tipo
de personalidade jurídica atribuída ou não ao ente seria critério diferenciador
para a aplicação ou não dos princípios regedores da ordem econômica a estes
entes?
2. Princípios gerais.
Em seu artigo 3,7, caput, a Constituição Federal determina quais
sejam os princípios norteadores da Atividade Administrativa como um todo:
legalidade, impessoalidade, moralidade publicidade. Doutrinariamente, porém,
outros princípios são acolhidos, aos quais não nos reportaremos em razão deste
trabalho pretender analisar a atividade administrativa empresarial somente à
luz dos preceitos constitucionais.
3. Legalidade.
Se em direito privado tem-se o princípio da AUTONOMIA DA VONTADE,
sendo o ordenamento jurídico limite da ação do particular, em direito público
prevalece o princípio da LEGALIDADE, "secreção da teoria da separação dos
poderes". 1 A não observância de preceito jurídico não só invalida o ato
praticado, bem como sujeita o administrador público à responsabilidade
disciplinar, civil e criminal.
"É, todavia, incontroverso que, o, princípio da autonomia da
vontade não existe para a Administração Pública. A autonomia da vontade resulta
da liberdade humana, que não é uma criação do direito, mas sim um dado natural,
anterior a ele. O direito restringe e modela esta liberdade, para tornar
possível sua coexistência com a liberdade dos outros. Sobra sempre, porém, uma
larga faixa que resta intocada pelo Direito. A Administração Pública não tem
essa liberdade. Sua liberdade é tão somente a que a lei concede, quer se trate,
da Administração Pública sob o regime de Direito Privado Administrativo ou de
Direito Público ou Direito Privado. É inegável, porém que a base legal para a
ação administrativa sob as normas de direito privado por vezes se reduz a uma
regra sobre a competência; ou até mesmo a uma simples, autorização
orçamentária, como, ocorre com certas subvenções, o que tem sido muito
discutido e censurado pela doutrina. Quer isso dizer que o poder Discricionário
nas mãos dos Agentes da Administração Pública, que movem à sombra do Direito,
Privado é, em gerar, extremamente dilatado, só encontrando barreiras no
princípio da igualdade perante os serviços públicos, aliás de claudicante
observância."2
Ainda, sobre este princípio, Hely Lopes Meirelles, in Direito
Administrativo Brasileiro, "as leis administrativas sãos normalmente, de
ardem públicas e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por
acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que
contém verdadeiros poderes-deveres irrelegáveis
pelos, agentes públicos. Por outras palavras, a, natureza da função pública e a
finalidade de Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e
de cumprir os deveres que a lei lhes impõem. Tais poderes, conferidos, à
Administração Pública para serem utilizados em benefício da coletividade, não
podem ser renunciados ou descumpridas pelo administrador, sem ofensa ao bem
comum, que é a supremo e única objetivo de toda ação Administrativa." 3
Tal importância deste princípio que, não obstante sua acolhida,
inicialmente, puramente doutrinária, teve sua positivação na Lei nº 4.717/65,
artigo 2º, "c" e parágrafo único, "c" alcançando relevo
constitucional a partir de 1988 (artigo 37, caput, C.F. 1988).
4. Impessoalidade.
Também denominado princípio da isonomia ou da generalidade,
prescreve que "todos são iguais perante, o ordenar jurídico e, por conseqüência, perante o Estado. " 4 inválido, portanto, o ato administrativo que, determine tratamento
diferenciado, sem amparo em uma norma jurídica.
A importância deste princípio ressalta quando se trata de
concursos públicos e licitações (artigo 37, XXI, CF).
5. Moralidade.
O princípio da moralidade, sistematizado por Hauriou,
baseia-se em uma moral jurídica. Hely Lopes Meirelles, citando Hauriou, explícita que a moral jurídica é "conjunto de
regras de conduta tiradas da disciplina interior de Administração." Em seguida,
continua: 'Atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua, conduta. Assim,
não terá de decidir somente entre o legal e a ilegal, o justo, e o injusto,
mas, também, entre o honesto e o desonesto". 5 Este princípio guarda estreita relação com o conceito de bom
administrador, inspirador da confiança do administrado.
Em face do conteúdo deste conceito, não raras vezes, pode-se
encontrar o administrador em situação de coalisão entre o princípio da
legalidade e da moralidade. Coalisões estas decididas ora em favor da
moralidade, ora em favor da legalidade, sendo neste caso o interesse público fator
decisivo na escolha a ser feita, posição sintetizada por Diogenes
Gasparini: "usando de sua competência (o bom administrador
) determina-se não só pelos preceitos legais vigentes mas também pela
moral comum, propugnando pelo que for melhor e maís
útil para o interesse público". 8 Este princípio, também,
mereceu destaque constitucional. não só no artigo 37,
caput , como em seu § 4º: "os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos Políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".
6 . Publicidade.
Por envolver interesse público, os atos do Poder Público devem
revestir-se da maior publicidade possível. Os administrados hão de ter ciência
dos atos praticados pelos administradores. Este princípio acha-se delimitado no
artigo 37, § 1º, determinante do caráter educativo, informativo. orientador, porém, nunca promocional de autoridades ou
servidores públicos.
Como exceções a este princípio, pode-se mencionar as atividades
relacionadas com a segurança nacional, as ligadas a certas investigações, a
exemplo dos processos administrativos disciplinares e os pedidos de retificação
de dados, v.g.. (CF, art. 5º. LXXII "b").
7 . Princípios especiais.
Agora, cumpre analisar a aplicabilidade dos princípios estatuídos
no Capítulo da Ordem Econômica e Financeira à atividade administrativa
correlata ao setor público empresarial. Aqui, atividades de cunho econômico são
desenvolvidas pelo Poder Público. Quais princípios poderiam ser considerados
norteadores destas atividades? Somente os explicitados no artigo 37. caput? Ou estaria também, o Poder Público adstrito à
observância do artigo 170 da atual Constituição?
Dado o paradigma da supremacia da Administração Pública, de uma
análise menos cuidadosa da questão, poderia concluir-se que, ao atuar de forma
empresarial, aquela não estaria sujeita à observância de princípios como o da
livre concorrência, por exemplo. Contudo, ao proceder-se a uma análise
sistemática da Constituição, a tal conclusão não se chegaria.
O artigo 1º da Constituição Federal eleva à condição de princípio
fundamental a livre iniciativa, lado a lado com os valores sociais do trabalho.
Ou seja, alça-se o princípio da livre iniciativa como um dos de
maior hierarquia em nosso ordenamento, de onde infere-se seu grande peso nos
casos de coalisão de princípios constitucionais.
Destarte, o artigo 170 caput, reforça este destaque ao preceituar
que "a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na,
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna",
conforme os ditames da Justiça social". Daí, entende-se que,
independentemente de sua natureza. se pública ou privada, toda a empresa por
desenvolver atividade econômica, seja esta de indústria e comércio, ou, ainda,
prestação de serviços, regem-se pelos princípios contidos no artigo 170:
valorização social do trabalho humano, livre concorrência, função social da
propriedade, propriedade privada, defesa do consumidor, defesa do meio
ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego
e o tratamento diferenciado para as empresas brasileiras de capital nacional de
pequeno porte, não obstante 4 opinião contrária do Prof. Werter.
R. Faria, in Constituição Econômica - Liberdade de Iniciativa e de
Concorrência, onde sustenta que "as normas de defesa de concorrência não
se aplicam a nenhuma empresa-órgão gerida pela União, nem as que executam
serviços públicos, estrito senso, sob a titularidade dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios. Aplica-se, todavia às empresas-órgãos dê natureza
industrial e comercial que operam em regime de concorrência, administradas
pelos Estados, pelo Distrito Federal e os Municípios. Excetuam-se os organismos
federais, porque não se consebe a União com sujeito
passivo das normas que promulga para proteger o mercado contra as práticas
comercial restritas."7
Tal entendimento não pode ser perfilhado, em razão da preocupação
do constituinte em estatuir no artigo 173, §§ 1º e 2º que as empresas públicas,
as sociedades de economia mista e outras entidades que, explorem atividade
econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas. inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias, e
que as empresas públicas e sociedades de economia mista não poderão gozar de
privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. Clara a intenção do
legislador de igualar o setor público empresarial ao setor privado.
Quanto ao fato de não se conceber o Poder Público como
"sujeito passivo das normas que promulgar para proteger o mercado contra
as práticas comerciais restritivas", convém ressaltar que, em relação à
defesa do consumidor, tal concepção não vingou frente ao artigo 3º do Código do
Consumidor, onde não se distinguem pessoas jurídicas de direito público ou
privado ao conceituar-se a vocábulo "fornecedor", não importando se
de bens ou serviços.
Além disso. se tal entendimento fosse acatado, o Poder Público ao
adentrar na área empresarial poderia, com certo grau de facilidade, constituir
verdadeiros monopólios, a margem dos excepcionalmente aceitos pelo CF em seu
artigo 177, vindo sua atividade a colidir com um dos princípios fundamentais do
ordenamento jurídico constitucional: LIBERDADE DE INICIATIVA.
Em suma, o Poder Público que, ressalvados os casas previstos na
própria constituição só poderá explorar diretamente atividades econômicas
quando esta se fizer necessária., aos imperativos, de segurança nacional ou a
relevante interesse público, deverá agir não só segundo os princípios contidos
no artigo 37, caput, como também pelos princípios contidos no capítulo
constitucional relativo ao desenvolvimento da atividade econômica.
E não é só. Mesmo em se tratando de monopólios da União, tais
princípios deverão ser aplicados no que couber, v.g., defesa do consumidor,
defesa do meio ambiente. Trata-se de proteção de interesses públicos
consagrados constitucionalmente.
NOTAS
1. Couto e Silva, Almiro de; Princípios da Legalidade dia
Administração Pública e da Segurança Jurídica no Estado de, Direito
Contemporâneo, RDP, 84:48.
2. idem, RDP, 84:53.
3. Meirelles, Hely Lopes; Direito Administrativo Brasileiro, 13ª
edição, SP, ed., Revista dos Tribunais, 1987, p. 61.
4. Moreira Neto, Diogo de Figueiredo; Curso de
Direito Administrativo; 9ª ed., Rio de Janeiro, ed. Forense, 1990..
p. 70.
5. Meireles, Hely Lopes; ob. cit., p. 62.
6. Gasparini, Diógenes; Direito Administrativo, São
Paulo, Saraiva. 1989, p. 07.
7. Faria, Werter R.; Constituição
Econômica, Liberdade de Iniciativa e de Concorrência, Sérgio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1990, p. 147.
BIBLIOGRAFIA
ALVIM; Arruda. Código do consumidor comentado. São Paulo, Revista
dos Tribunais, 1991.
FARIA., Werter R. Constituição econômica, liberdade de, iniciativa
e de concorrência.. Porto Alegre, Fabris E,d., 1990.
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo, Saraiva,
1989.
MEIRELLES, Heiy Lopes. Direito
administrativo brasileiro. 13ª ed. São Paulo, RT, 1987.
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. T. IV. Coimbra
Ed., 1988.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito
administrativo. 9. ed. Rio de Janeiro, Forense.
SILVA, Almiro de Castro e. Princípio da legalidade da,
administração pública e de segurança jurídica no estado de direito
contemporâneo. Revista do Direito Público, nº 84, p. 46/62