O MANDADO DE INJUNÇÃO NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA UCHOA

Procurador do Município de Fortaleza | Professor do Curso de Direito da Universidade de Fortaleza - UNIFOR

SUMÁRIO.

1. Mandado de injunção: considerações preliminares.

2. Enquadramento do Mandado de Injunção no Sistema Jurídico Brasileiro.

3. A Ação de Inconstitucionalidade por Omiss ão e o Mandado de Injunção.

4. Mandado de Injunção: aspectos gerais.

5. Conclusão.

6. Referencial Bibliográfica.

1 . Mandado de injunção: considerações preliminares

A carga de inovações contida no atual Texto Constitucional apresenta-se como cerdadeiro desafio que deve ser encarado com firmeza., coragem, responsabilidade e disposição pelo estudioso do direito e por toda a sociedade brasileira. Aquele compete identificar e analisar cientificamente os princípios e institutos embutidos no sistema constitucional, traduzindo-os de forma clara o suficiente para o entendimento a apreensão pela sociedade.

Dentre as muitas novidades disponta o Mandado de Injunção, instituto jurídico sem precedente no direito brasileiro, não encontrável com igual roupagem em nenhum outro ordenamento jurídico, apesar dos semelhados identificáveis através rápida incursão no direito comparado, conforme constataremos a seguir.

Segundo a ótica eminentemente constitucional, o Mandado de Injunção caracteriza-se como garantia constitucional utilizável pelo particular "sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade. à soberania e à cidadania." (Art. 5º, LXXI, CF/88). Conforme se constata, o novel instituto pressupõe omissão de norma que leve a termo o exercício de determinado direito declinado no Texto Maior. O resultado almejado com a utilização da garantia é o suprimento normativo, para casos concretos, pela autoridade judicial viabilizando o exercício de direitos, liberdade e prerrogativas constitucionais.

Assim, é labor improdutivo procurar no direito alienígena instituto jurídico com dimensão semântica e teleológica igual ao nosso Mandado de, Injunção.

Discrepa este do "writ of injunction" existente no direito inglês, repassado para o sistema jurídico norte-americano, que corresponde a uma determinação judicial prolatada num caso por eqüidade, prescrevendo que uma das portas prive-se ou permaneça em determinada prática sob o risco de causar dano irreparável. Há, inclusive, dicotomia terminológica no direito americano no sentido de identificar a "injunetion" como determinações judiciais negativas (não fazer). enquanto que o "Mandamus" corresponde às positivas (um fazer), inexistindo, portanto. unicidade de expressão. (cf., Ivo Dantas, in Mandado de Injunção, Aide Ed.- 1989, pág. 68).

Ainda no direito itálico, divisamos a entidade processual da "ingiunzione", que segundo preleciona Roberto Sciacchtano, referenciado pelo festejado Prof. Manuel Gonçalves Ferreira Filho, "trata-se de um instituto processual mediante o qual pode conseguir-se uma decisão de condenação de forma mais simples que a do processo ordinário. Dada esta característica, o procedimento é particularmente útil para os créditos certos e munidos de prova em relação aos quais o devedor não teria razão para resistir em prejuízo e poderia fazê-lo, num processo ordinário, somente com finalidade dilatória da condenação." (Verbete na Enciclopédia del Diritto, Giuffré Ed., vol. XXI, 1971). (In, artigo intitulado "Notas sobre o Mandado de Injunção", publicado no Repertório IOB Jurisprudência, 2ª quinzena de outubro/88).

O eminente constitucionalista José Afonso da Silva, reconhece que o Mandado de injunção, agora consagrado na vigente Constituição, tem como fonte imediata o Direito Anglo-americano, nascido que foi na Inglaterra em fins do Séc. XIV (conf. artigo publicado no jornal do Brasil de 27 de setembro/ 88 intitulado "Mandado de Injunção, direito do cidadão").

Entendemos que é indiscutível a correspondência terminológica em contradição no Direito estrangeiro, contudo não concluímos que tenha a mesma orientação finalística nem mesma dimensão conceitual que a adotada pelo legislador constituinte de 88. Efetivamente, não corresponde o Mandado de injunção a medida judicial impositiva de um fazer ou não fazer, tampouco, corresponde em essência a ente processual, mas, é instituto que à falta de norma regulamentadora por inação do poder competente para editá-la, enseja o exercício do direito presente na Constituição. Vê-se. pois que está a mercê da doutrina e jurisprudência pátrias a correta elucidação conceitual do instituto.

2. Enquadramento do Mandado de Injunção no Sistema Jurídico Brasileiro

A preocupação com a tutela dos direitos e garantias no Direito Constitucional brasileiro se fez presente desde o primeiro texto constitucional. Conforme constatamos já na Carta Política do Império, o Titulo VII tratava "Das Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros". A Primeira Carta Constitucional Republicana (1891) dedicou o seu Título III, à "Declaração de Direito" (capítulo II); seguida pela Constituição de 1934 que para o mesmo tema reservou espaço intitulado de "Direito e Garantias Individuais". Igual titulação encontramos nas Constituições de 1937, 1945, 1967 e 1969, até deparamo-nos, com o Texto Constitucional em vigor no seu Título II, (Dos Direitos e Garantias Fundamentais) cujo Capítulo I recebe a nominação "Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos".

Apesar do Capítulo I, do Titulo II da atual Carta Política sugerir pelo seu próprio rótulo que trata especificamente dos direitos e deveres individuais e coletivos é nele, indubitavelmente, que encontramos indicadas as garantias constitucionais como: o Mandado de Segurança, o Habeas-Corpus, o Habeas-data, a Ação Popular e o próprio Mandado de Injunção.

Integrando o rol das garantias aos direitos individuais e coletivos insculpidos na Constituição em vigor, impõe-se que passemos a identificar alguns aspectos pertinentes ao Mandado de Injunção que se prestem a caracterizá-lo, e, ao mesmo tempo, diferençá-lo dos demais institutos congêneres. Desta forma, é que identificamos ser a Mandado de Injunção aparato jurídico destinado a defesa de direito subjetivo, não "lendo sido este idealizado para proteger ou fazer valer direito objetivo; seu acionamento destinam-se a apresentar solução a casos concretos.

Destinam-se o Mandado de Injunção, à tutela do exercício dos direitos e liberdades constitucionais bem corno das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, revelando-se como instituto de amplitude material meramente constitucional, neste particular, diferindo do Mandado de Segurança. que se presta a repudiar ofensa a direitos decorrente de qualquer tipo de ilegalidade.

Ademais, seu campo de atuação é também o especificado no Art. 5º, LXXI da Constituição de 88, isto é, não se presta a proteção de toda e qualquer violação a direito por descumprimento de dispositivo constitucional, mas aplicar-se somente aos casos em que os direitos e liberdades constitucionais, são maculados, por ter-se omitido o poder competente na edição das normas regulamentares necessárias ao exercício de tais direitos e liberdades.

Relacionando o Mandado de Injunção a ausência normativa que inviabilize a efetivação de preceito constitucional, constatamos que há na Carta Política vigente,. outro mecanismo que também se destina a suprir ausência de norma legal. Trata-se da Ação de Inconstitucionalidade por Omissão, prevista no § 2º do Art. 103, CF/83, a que procederemos perfunctória análise no tópico seguinte.

3. A Ação de inconstitucionalidade e o Mandado de Injunção

Cedo o homem manifestou tendências gregárias, vivendo em grupos, em sociedade, submetendo sua conduta a um espectro normativo que com o passar dos tempos integrou o ordenamento jurídico dentro de cada particularidade,. Neste, as normas se dispõem sistematicamente hierarquizadas possuindo cada uma delas determinado valor. Em tal organização normativa é a Constituição a norma principal, estruturada em base principiológica que passa a orientar o surgimento de todos os demais atos normativos. Ocupa posição privilegiada, situada no topo de conformação hierárquico-normativa o que lhe confere dentro do ordenamento jurídica uma total autonomia. Assim, todo e qualquer ato normativo deve plena obediência à Constituição, buscando nesta o seu fundamento de validade, devendo quanto à sua produção. perfeita observância aos ditames embutidos na norma superior, sob pena de prescindir de validade dentro do ordenamento jurídico considerado, e, portanto, de declinar-se sua inexistência.

A Constituição, desta forma, mune-se de um mecanismo cuja finalidade é oscultar o teor de conformação aos seus princípios, de todo ato normativo que. aspire ou que, efetivamente, integre o ordenamento jurídico que esteja sob a sua luz.

Trata-se de um sistema de Controle da Constitucionalidade de atos, normativos, montado no sentido de impedir a permanência de norma cuja eficácia venha contrariar a Constituição.

A " Constitucionalidade das leis. pressupõe como explicado, a existência de ato normativo que se destaca por discordar da orientação constitucional. A adequação de tais atos aos preceitos constitucionais dá-se através da intervenção do poder Judiciário (controle repressivo) mediante dois caminhos distintos. O primeiro é através da argüição incidental da inconstitucionalidade por via de defesa ou de exceção, onde o juiz monocrático poderá declarar a inconstitucionalidade do ato normativo, à vista de caso concreto posto a sua apreciação. É o conhecido controle difuso da inconstitucionalidade creditando a todos os magistrados com desfecho no STF, por intermédio do recurso extraordinário. O outro caminho é que corresponde ao controle centralizado, por via de ação direta, cujo objetivo é a invalidação da lei em tese, sendo legitimados para a propositura as, pessoas e entidades arroladas no Art. 103, da CF/88. -Objetiva a ação direta de inconstitucionalidade suprimir do ato normativo inconstitucional a possibilidade de incidir operando, portanto, efeito "erga omnes".

O modelo de Controle da Constitucionalidade, resumidamente, referenciado é o existente na atual Carta Política que em quase nada difere do previsto na Carta de 1969, a não ser quanto a legitimação para a propositura da ação pela via direta que recebeu considerável ampliação (Art. 103, incisos I a IX). Contudo, grande inovação traz a Constituição/88 no Sistema de Controle de atos normativos, materializada na figura da Inconstitucionalidade por Omissão capitulado no § 2º, Art. 103.

Vivenciamos, na prevalência das Constituições passadas, um sem número de direitos previstos constitucionalmente inusufruíveis e, conseqüentemente, desrespeitados, à falta de normas regulamentadoras do exercício de tais direitos. Foram direitos traçados por norma constitucional que com o passar do tempo, dado o descaso e a omissão legislativa do Poder competente, caracterizaram-se como normas meramente programáticas por não possuírem eficácia plena. Sob a vigência da presente Carta Magna este sombrio quadro poderá ser evitado através da Ação de Inconstitucionalidade por Omissão, que objetiva viabilizar a vontade do legislador constituinte, erradicando a inércia legislativa mediante a expedição de medidas que tornem efetivas as, normas constitucionais.

Ao contrário do mecanismo anteriormente analisado, a Inconstitucionalidade por Omissão pressupõe a inexistência de ato regulamentador de direito conferido pela CF. E a observância do Art. 103, § 2º torna clara o cabimento da ação direta - similar a ação direta convencional aplicável à apreciação da constitucionalidade das leis - simplesmente com as amoldações de estilo, ou seja, que o STF decidindo-a favoravelmente adotará a seguinte conduta:

dará ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo terá este o prazo de 30 dias para efetivar o ato administrativo. Não objetiva a Inconstitucionalidade por Omissão a defesa de direito individual ou coletivo, mas, a edição de norma regulamentadora de caráter geral, constituindo-se, por conseguinte, em típica ação de direito objetivo. Note-se, que o ato devido pelo Poder Público omisso tem natureza legislativa, o que torna patente o descumprimento do seu dever constitucional de regulamentar disposição da Carta Política, que está à espera de tal regulamentação para ensejar o exercício de direito por ela conferido - neste caso um direito subjetivo constitucional. Não se cogita de ofensa a dispositivo constitucional, nem de execução de ato ilegal, mas de omissão legislativa que, inviabiliza a efetividade de direito constitucional.

É competente para apreciar a Inconstitucionalidade por Omissão o STF, indicando o § 3º, do Art. 103. CF/88, que o Advogado Geral da União deverá ser citado para apresentar a defesa que couber ao ato ou texto impugnado. Impõe-se a ouvida prévia do Procurador Geral da República nas ações de inconstitucionalidade e demais processos da competência do Supremo.

Quanto aos legitimados para a ação são os indicados no Art. 103, inciso I a IX.

Finalmente, convém deixar claro que, através da Inconstitucionalidade por Omissão ataca-se a lacuna de lei em tese, não visa esta defesa de direito subjetivo, dando-se este controle pelo método concentrado. As situações de direito subjetivo que necessitem de remédio adequado, quando insatisfeito o interesse decorrente de ato inconstitucional) do Poder Público, ocasionado por omissão legislativa regulamentadora devem ser solvidos pelo Mandado de Injunção. Através deste instrumento é que o Poder Judiciário passará a apreciar, na sua individualização, a inconstitucionalidade por omissão nos casos concretos, legitimando para tal a pessoa ou grupo de pessoas titular do interesse.

4. Mandado de Injunção: aspectos gerais

Não é toda recusa à prática de determinado ato ou sua abstenção, que se enquadra no campo de interesse do sujeite de direito pelo sujeito obrigado, que justifica o interesse processual relativamente ao Mandado de Injunção.

Também não é ação que careça de, fundamentação documental ou testemunhal para fazer valer o pleiteado direito subjetivo. Sua aplicabilidade exige que, o abalo ao direito do impetrante tenha sido causado por inexistência de prescrição normativa que regulamente o exercício de direito subjetivo constitucional.

Entendemos ser o Mandado de Injunção instituto que bem se amolda aos procedimentos de jurisdição contenciosa, pois, não vemos como socorrer-se alguém deste instrumento, senão nos casos em que tenha perante outrem formulado um pleito e venha cair em desatendimento. Pressupõe a recusa de alguém frente a uma pretensão formulada, sendo que tal recusa se dá sob a alegação da ausência de norma que regulamente a conduta da pessoa requerida frente ao pretendido. E mais, que tal pretensão tenha por fundamento a própria Constituição.

É inconfundível o Mandado de Injunção com quaisquer medidas judiciais testificadoras de direito; não se presta este a testificar o direito do impetrante, mas é instrumento dinamizador de direito já em plena vitalidade, portanto, existente, sem dúvida. Apenas de exercício obstaculado por ausência de norma que detalhe o modo como a direito constitucional deve ser usufruído, e à constatação da omissão regulamentadora subroga-se o Poder Judiciário na ação legislativa do Poder competente editando a norma para o caso concreto.

Neste particular é irretocável a lição do brilhante professor José Afonso da Silva para quem O Mandado de Injunção visa a obter o direito em favor do impetrante, quando inexistem normas regulamentadoras do artigo constitucional que outorgue direito, liberdade ou prerrogativas, (artigo citado). Contudo, com a devida venia e respeito à autoridade científica do eminente constitucionalista, afoitamo-nos em não concordar com o seu pensamento quando diz que "O Mandado de Injunção não é instrumento destinado a obter a produção de norma regulamentadora" (artigo citado), atribuindo tal missão, em especial, à Inconstitucionalidade por Omissão.

Pois, não enxergamos como poderá o impetrante usufruir de direito Subjetivo Constitucional que lhe seja negado sob o álibe da ausência da esperada regulamentação e, sendo tal quadro submetido a apreciação do Poder Judiciário, venha a autoridade judiciária apresentar-lhe solução, senão através, da pertinente edição da norma regulamentadora para o caso em concreto.

Entendemos que a obtenção efetiva e imediata do direito constitucional do impetrante dar-se-á, mediante a indicação (sentença), pela autoridade judicial, da conduta que deve ser adotada pelo impetrado quando argumenta este, que indefere o direito do particular por inexistir a regra legal que especifique o exercício do mesmo; caso contrário, estar-se-á diminuindo a força e o valor do "writ" - e o que é pior, condenando os direitos e prerrogativas constitucionais a meras regras programáticas, a exemplo do que vexatoriamente ocorreu sob a égide das ordens constitucionais anteriores. Mas, em atendimento ao princípio da Separação dos poderes (60, § 4º, III CF/88), observe-se que a Sentença proferida em Mandado de Injunção não terá o condão do suprir a omissão normativa quando a matéria de que ela se constitua, se inclua no campo de apreciação, exclusivo do Poder Executivo e Legislativo nos termos dos Artigos 48, 51, 52 e 61 § 4º III da Constituição Federal.

Na tentativa de analisar com maior aprofundamento os pressupostos do Mandado de Injunção deparamo-nos com a nomeação no Artigo 5º, inciso LXXI da CF, dos "'direitos e liberdades constitucionais e de prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania", que devem ser convenientemente divisados. Diz o § 1º do Art. 5º da CF que todas as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais são de aplicação imediata. Em torno de tal afirmação, gerou-se um campo de controvérsia doutrinária quanto a indicação de quais, efetivamente, são os dispositivos constitucionais abrangidos por esta regra.

Num primeiro momento, pode-se afirmar que a vigência imediata conferida pela dispositivo constitucional, aplica-se às normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, restritas estas ao arrolado no Art. 5º, dada a situação de dependência do § 1º referentemente ao artigo em causa, posto que, incisos, parágrafos e alíneas não gozam de autonomia, sendo facultado a estes somente o tratamento minudado da matéria ínsita no "caput" do artigo a que estão atrelados. Observe-se, porém, que o Título III da CF/88 denomina-se "Dos Direitos e Garantias Fundamentais" desmembrando-se em cinco outros capítulos. Note-se, ainda, que o. art. 5º, LXXI assegura a concessão do Mandado de Injunção, entre outras, para garantir o exercício de prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; matérias disciplinadas, máxime, nos arts. 12 a 17, CF/88 e, óbvio não no art. 5º., que aborda especificamente os direitos e deveres individuais e coletivos.

Desta forma, tem bom respaldo exegêtico a afirmação, segundo a qual, todas as normas capituladas no Título II da Constituição têm aplicação imediata - e, não apenas as indicadas no art. 5º (capítulo II) - e são possíveis de eventual garantia pela via do Mandado de Injunção.

"Tudo quanto se enumera nos artigos 5º a 17º, quando referíveis a situações subjetivas, são direitos (lato senso) constitucionais. Todas essas prescrições, por força do mandamento escrito nº § 1º do art. 5º da CF (tecnicamente mal situado), são de aplicação imediata, o que equivale a dizer aptas a constituírem concretamente, situações pessoais configuradoras de direitos públicos ou privados". É o que doutrina, com elegância, o jurista J. J. Calmom de Passos (in Mandado de. Segurança Coletivo, Mandado de injunção, Hábeas-Data, Constituição e Progresso -Ed. Forense, 1989, pág. 108).

Manuel Gonçalves F. Filho, advogando a tese da restrição do campo de aplicação do Mandado de Injunção, por ser este cabível apenas na "falta de norma regulamentadora (que) torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; conclusivamente, assim se manifesta: "Disto resulta que, como é óbvio, não alcança outros direitos, por exemplo, inscritos entre os direitos sociais. Realmente, a parte final "inerente, à nacionalidade, à soberania, a cidadania" restringe o alcance deste mandado... O Mandado de Injunção não é auto-executável, ou, se se preferir a norma que o institui não é de eficácia plena e aplicabilidade imediata... É manifestamente impossível dar aplicação imediata a uma ação para a qual é mister a definição de um processo especial ... (artigo citado).

Contudo, algumas outras consideráveis manifestações doutrinárias predicam exatamente o oposto.

É imperativo que se, traga a colação a posição do já referenciado mestre José Afonso da Silva, para quem: "... O dispositivo constitucional que assegura o direito de impetrar injunção, como se nota, é de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Não requer lei que diga o que é Mandado de Injunção, nem lei que o defina. Isso é função da doutrina e da jurisprudência". (Artigo Citado).

No mesmo sentido é a posição do insigne jurista pernambucano, professor Ivo Dantas que reportando-se ao instituto da "Injunction", preconiza:

"Ademais, tal construção de engenharia constitucional e processual ocupará maior destaque à medida que nos lembrarmos que embora ainda não regulamentada a matéria pelo Congresso Nacional, seu caráter de auto-aplicabilidade, determinada pelo § 1º do artigo- 5º do Texto Constitucional, não poderá deixar de ser cumprido sob a alegação de inexistência da referida regulamentação, que em nosso entender, ao ser elaborada pelo Poder Legislativo, poderá utilizar-se dos ensinamentos colhidos nos pretórios e na doutrina. Em outras palavras: ao invés de ficarmos à espera de uma lei que, regulamente o instituto, a doutrina e a jurisprudência devem partir em frente e; em cumprimento da determinação constitucional" (Ob. cit., pág. 69).

Para Celso Ribeiro Bastos, "O Mandado de Injunção não depende da norma regulamentadora. Da mesma forma que, no passado, o Mandado de Segurança e a Ação Popular foram utilizados mesmo antes de sua disciplinação legal, também ao instituto sob exame deve ser conferido igual tratamento". (in, Curso de Direito Constitucional, ed. Saraiva, 1989, pág. 222). Diante dessas ponderações e por imposição do entendimento teleológico a que chegamos da análise - constitucional (Art. 59, incisos XXXVI, LXXI e § 1º) inclinamo-nos por aceitar que o Mandado de Injunção inova a ordem jurídica brasileira, com o objetivo de garantir a incontinente aplicação das normas definidoras, dos direitos e garantias individuais, prescindindo a sua própria aplicabilidade de regulamentação específica para ser utilizado desde já.

É competente para conhecer do Mandado de Injunção nos termos dos Arts. 102, I, alínea "q" e 105, I, alínea "h", respectivamente, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. No primeiro caso, quando a elaboração da norma regulamentadora for da incumbência do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma das Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores ou do próprio Supremo Tribunal Federal. A competência será do S.T.J., quando a atribuição quanto a regulamentação competir a entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, executuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal, dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e inferiu competência Tribunais Regionais Federais para apreciar o "writ" de modo âmbito da Justiça Federal obrigatoriamente serão levados ao conhecimento do Servidor Tribunal de Justiça.

Assegura o professor Michel Temer, no seu livro Elementos de Direito Constitucional que "' ... os Estados poderão estabelecer, nas suas constituições, a competência dos tribunais estaduais para o julgamento do Mandado de Injunção contra autoridades e órgãos estaduais e municipais" (pág. 210). Idêntica a posição de Ivo Dantas, (ob. cit. pág. 82,).

Legitimado ativamente para a propositura da ação é o titular do direito obstaculado por ausência de norma regulamentadora. Não se descarta a possibilidade de admitir-se a substituição processual legitimando-.se as entidades associativas - desde que devidamente autorizadas na representação judicial dos seus associados (art. 5º, XXI, CF/88). Os sindicatos só estarão credenciados a defender os interesses da própria categoria, ou seja, com os interesses vinculados ao exercício profissional dos filiados (art. 89, III, C.F/88). Não podendo a tutela sindical se estender a matéria que transcenda o campo. de atividade laboral, é imprescindível ao órgão de classe, quando aspire enquadrar-se na figura da representação processual, que esteja munida de expressa autorização do sindicalizado, em atendimento ao disposto no art. 5º, XXI.

O impetrado (sujeito passivo) será sempre a pessoa, entidade ou órgão cuja conduta se traduza em impossibilidade do exercício de direitos, liberdades constitucionais e prerrogativas nos termos da CF, art. 5º, LXXI. Alerta J.J Calmom de Passos, que é perfeitamente cabível "o ajuizamento da injunção por iniciativa do sujeito passivo da relação jurídica substancial, isto é, por aquele obrigado em face do titular do direito constitucional". (ob. cit., pág. 117).

5 . Conclusão.

Os artigos conclusivos aqui expostos, como não poderia deixar de ser, tendo em vista o assunto tratado, estão em aberto. Não têm pretensão à imutabilidade, muito menos, chegam perto de esgotar o infinito de idéias, posições e formulações que, a "engenharia jurídica" haverá de construir.

Na verdade é cedo para chegarmos a conclusões; necessitamos para isso de amadurecimento científico sobre o tema, no que a própria escassez doutrinária nos desfavorece.

Contudo, alinhamos algumas idéias menos como conclusão, mas, mais a título de resumo daquilo que nas folhas anteriores procuramos retratar:

a) O Mandado de Injunção é garantia constitucional posta à disposição do particular que se declare prejudicado no exercício de direito e liberdade constitucionais e prerrogativas inerente à nacionalidade, à soberania e à cidadania por ausência de norma que os regulamente. Através deste remédio jurídico, busca-se o suprimento normativo para os casos concretos, levado a efeita pela autoridade judicial competente.

b) Destina-se a defesa de direitos subjetivos constitucionais, propiciando o exercício dos direitos e prerrogativas consignados na Carta Magna, maculados, por omissão normativa do Estado.

c) Não se confunde com a Ação de Inconstitucionalidade por Omissão, pois a sua prática levará o Poder Judiciário a apreciar a omissão nos casos concretos, enquanto que esta Ação ataca a lacuna de lei em tese.

d) Não é medida que se dedique a testificar o direito do impetrante; ao contrário, é instrumento dinamizador de direito já existente, em pleno vigor, cujo exercício está impedido por ausência de regulamentação legal, cabendo ao Judiciário o suprimento normativo.

e) É instituto previsto em norma constitucional de eficácia plena e de imediata aplicabilidade; neste particular, não necessitando de norma que o regulamente ou o defina, pois sua definição é projeção do próprio Texto Constitucional.

f) Deve ser impetrado perante o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e demais tribunais superiores. A Constituição excluiu os Tribunais Regionais Federais, porém a doutrina se fortalece no sentido de concitar as Constituições Estaduais a deferir competência para conhecer da injunção, aos Tribunais de Justiça dos Estados. Tal orientação foi acatada pela atual Carta Constitucional do Estado do Ceará, "ex VI" do seu Art. 108 VII, alínea "e" e Art. 100.

6. Referencial Bibliográfico.

Ackel, D. Filho

M'andado de Injunção, S. Paulo: Ed. Revista dos Tribunais Ltda., 1988.

Bastos, Celso Ribeiro

Curso de Direito Constitucional, S. Paulo. Saraiva, 1989. Comentários à Constituição do Brasil, S. Paulo: Saraiva, 1988.

Cretela Junior, José

A Constituição Brasileira 1988: Interpretações, R. Janeiro: Saraiva Universitária, 1988.

Francisco, Ivo Dantas. Cavalcante

Mandado de Injunção, R. Janeiro: Aide Ed., 1989.

Ferreira Filho, Manuel Gonçalves

Notas sobre o Mandado de Injunção, in Repertório IOB Jurisprudência - 2ª quinzena de Out/88, nº 20/88, pág. 297.

Pasam, José Joaquim Calmom de

Mandado, de Segurança Coletivo, Mandado de Injunção, Habeas data (Construção e Processo), R. Janeiro: Forense, 1989.

Sidou, J. M. Othon

Habeas Corpus, Mandado de Segurança, Ação Popular - As Garantias Ativas dos Direitos Coletivos, R. Janeiro: Forense, 1983.

Silva, José Afonso da

Mandado, de Injunção, Direito do Cidadão, in Jornal do Brasil, de 26/09/88.

Temer, Michel

Elementos de Direito Constitucional, S. Paulo, Ed. Revista dos Tribunais ltda., 1989