O
MANDADO DE INJUNÇÃO NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
JOÃO
CARLOS DE OLIVEIRA UCHOA
Procurador
do Município de Fortaleza | Professor do Curso de Direito da Universidade de
Fortaleza - UNIFOR
SUMÁRIO.
1. Mandado de
injunção: considerações preliminares.
2.
Enquadramento do Mandado de Injunção no Sistema Jurídico Brasileiro.
3. A Ação de
Inconstitucionalidade por Omiss ão
e o Mandado de Injunção.
4. Mandado de
Injunção: aspectos gerais.
5. Conclusão.
6. Referencial
Bibliográfica.
1 . Mandado de injunção:
considerações preliminares
A carga de inovações contida no atual Texto Constitucional
apresenta-se como cerdadeiro desafio que deve ser
encarado com firmeza., coragem, responsabilidade e
disposição pelo estudioso do direito e por toda a sociedade brasileira. Aquele
compete identificar e analisar cientificamente os princípios e institutos
embutidos no sistema constitucional, traduzindo-os de forma clara o suficiente
para o entendimento a apreensão pela sociedade.
Dentre as muitas novidades disponta o
Mandado de Injunção, instituto jurídico sem precedente no direito brasileiro,
não encontrável com igual roupagem em nenhum outro ordenamento jurídico, apesar
dos semelhados identificáveis através rápida incursão no direito comparado,
conforme constataremos a seguir.
Segundo a ótica eminentemente constitucional, o Mandado de
Injunção caracteriza-se como garantia constitucional utilizável pelo particular
"sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício
dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade. à soberania e à cidadania." (Art.
5º, LXXI, CF/88). Conforme se constata, o novel instituto pressupõe omissão de
norma que leve a termo o exercício de determinado direito declinado no Texto
Maior. O resultado almejado com a utilização da garantia é o suprimento
normativo, para casos concretos, pela autoridade judicial viabilizando o exercício
de direitos, liberdade e prerrogativas constitucionais.
Assim, é labor improdutivo procurar no direito alienígena
instituto jurídico com dimensão semântica e teleológica igual ao nosso Mandado
de, Injunção.
Discrepa este do "writ of injunction" existente no direito inglês, repassado
para o sistema jurídico norte-americano, que corresponde a uma determinação
judicial prolatada num caso por eqüidade,
prescrevendo que uma das portas prive-se ou permaneça em determinada prática
sob o risco de causar dano irreparável. Há, inclusive, dicotomia terminológica
no direito americano no sentido de identificar a "injunetion"
como determinações judiciais negativas (não fazer). enquanto
que o "Mandamus" corresponde às positivas
(um fazer), inexistindo, portanto. unicidade de
expressão. (cf., Ivo Dantas, in Mandado de Injunção, Aide Ed.- 1989, pág. 68).
Ainda no direito itálico, divisamos a entidade processual da
"ingiunzione", que segundo preleciona
Roberto Sciacchtano, referenciado pelo festejado
Prof. Manuel Gonçalves Ferreira Filho, "trata-se de um instituto
processual mediante o qual pode conseguir-se uma decisão de condenação de forma
mais simples que a do processo ordinário. Dada esta característica, o
procedimento é particularmente útil para os créditos certos e munidos de prova
em relação aos quais o devedor não teria razão para resistir em prejuízo e
poderia fazê-lo, num processo ordinário, somente com finalidade dilatória da
condenação." (Verbete na Enciclopédia del Diritto, Giuffré Ed., vol. XXI,
1971). (In, artigo intitulado "Notas sobre o Mandado de Injunção",
publicado no Repertório IOB Jurisprudência, 2ª quinzena de outubro/88).
O eminente constitucionalista José Afonso da Silva, reconhece que
o Mandado de injunção, agora consagrado na vigente Constituição, tem como fonte
imediata o Direito Anglo-americano, nascido que foi na Inglaterra em fins do
Séc. XIV (conf. artigo publicado no jornal do Brasil de 27 de setembro/ 88
intitulado "Mandado de Injunção, direito do cidadão").
Entendemos que é indiscutível a correspondência terminológica em
contradição no Direito estrangeiro, contudo não concluímos que tenha a mesma
orientação finalística nem mesma dimensão conceitual que a adotada pelo
legislador constituinte de 88. Efetivamente, não corresponde o Mandado de
injunção a medida judicial impositiva de um fazer ou não fazer, tampouco,
corresponde em essência a ente processual, mas, é instituto que à falta de
norma regulamentadora por inação do poder competente para editá-la, enseja o
exercício do direito presente na Constituição. Vê-se. pois
que está a mercê da doutrina e jurisprudência pátrias
a correta elucidação conceitual do instituto.
2. Enquadramento do Mandado de
Injunção no Sistema Jurídico Brasileiro
A preocupação com a tutela dos direitos e garantias no Direito
Constitucional brasileiro se fez presente desde o primeiro texto
constitucional. Conforme constatamos já na Carta Política do Império, o Titulo
VII tratava "Das Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e
Políticos dos Cidadãos Brasileiros". A Primeira Carta Constitucional
Republicana (1891) dedicou o seu Título III, à "Declaração de
Direito" (capítulo II); seguida pela Constituição de 1934 que para o mesmo
tema reservou espaço intitulado de "Direito e Garantias Individuais".
Igual titulação encontramos nas Constituições de 1937, 1945, 1967 e 1969, até
deparamo-nos, com o Texto Constitucional em vigor no seu Título II, (Dos
Direitos e Garantias Fundamentais) cujo Capítulo I recebe a nominação "Dos
Direitos e Deveres Individuais e Coletivos".
Apesar do Capítulo I, do Titulo II da
atual Carta Política sugerir pelo seu próprio rótulo que trata especificamente
dos direitos e deveres individuais e coletivos é nele, indubitavelmente, que
encontramos indicadas as garantias constitucionais como: o Mandado de
Segurança, o Habeas-Corpus, o Habeas-data, a Ação Popular e o próprio Mandado
de Injunção.
Integrando o rol das garantias aos direitos individuais e
coletivos insculpidos na Constituição em vigor, impõe-se que passemos a
identificar alguns aspectos pertinentes ao Mandado de Injunção que se prestem a
caracterizá-lo, e, ao mesmo tempo, diferençá-lo dos demais institutos
congêneres. Desta forma, é que identificamos ser a Mandado de Injunção aparato
jurídico destinado a defesa de direito subjetivo, não "lendo sido este
idealizado para proteger ou fazer valer direito objetivo; seu acionamento
destinam-se a apresentar solução a casos concretos.
Destinam-se o Mandado de Injunção, à tutela do exercício dos
direitos e liberdades constitucionais bem corno das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania, revelando-se como instituto de
amplitude material meramente constitucional, neste particular, diferindo do
Mandado de Segurança. que se presta a repudiar ofensa a direitos decorrente de
qualquer tipo de ilegalidade.
Ademais, seu campo de atuação é também o especificado no Art. 5º,
LXXI da Constituição de 88, isto é, não se presta a proteção de toda e qualquer
violação a direito por descumprimento de dispositivo constitucional, mas
aplicar-se somente aos casos em que os direitos e liberdades constitucionais,
são maculados, por ter-se omitido o poder competente na edição das normas
regulamentares necessárias ao exercício de tais direitos e liberdades.
Relacionando o Mandado de Injunção a ausência normativa que
inviabilize a efetivação de preceito constitucional, constatamos que há na
Carta Política vigente,. outro mecanismo que também se
destina a suprir ausência de norma legal. Trata-se da Ação de
Inconstitucionalidade por Omissão, prevista no § 2º do Art. 103, CF/83, a que
procederemos perfunctória análise no tópico seguinte.
3. A Ação de inconstitucionalidade
e o Mandado de Injunção
Cedo o homem manifestou tendências gregárias, vivendo em grupos,
em sociedade, submetendo sua conduta a um espectro normativo que com o passar
dos tempos integrou o ordenamento jurídico dentro de cada particularidade,.
Neste, as normas se dispõem sistematicamente hierarquizadas possuindo cada uma
delas determinado valor. Em tal organização normativa é a Constituição a norma
principal, estruturada em base principiológica que passa a orientar o
surgimento de todos os demais atos normativos. Ocupa posição privilegiada,
situada no topo de conformação hierárquico-normativa o que lhe confere dentro
do ordenamento jurídica uma total autonomia. Assim, todo e qualquer ato
normativo deve plena obediência à Constituição, buscando nesta o seu fundamento
de validade, devendo quanto à sua produção. perfeita
observância aos ditames embutidos na norma superior, sob pena de prescindir de
validade dentro do ordenamento jurídico considerado, e, portanto, de
declinar-se sua inexistência.
A Constituição, desta forma, mune-se de um mecanismo cuja
finalidade é oscultar o teor de conformação aos seus
princípios, de todo ato normativo que. aspire ou que,
efetivamente, integre o ordenamento jurídico que esteja sob a sua luz.
Trata-se de um sistema de Controle da Constitucionalidade de atos,
normativos, montado no sentido de impedir a permanência de norma cuja eficácia
venha contrariar a Constituição.
A " Constitucionalidade das leis. pressupõe
como explicado, a existência de ato normativo que se destaca por discordar da
orientação constitucional. A adequação de tais atos aos preceitos
constitucionais dá-se através da intervenção do poder Judiciário (controle
repressivo) mediante dois caminhos distintos. O primeiro é através da argüição incidental da inconstitucionalidade por via de
defesa ou de exceção, onde o juiz monocrático poderá declarar a
inconstitucionalidade do ato normativo, à vista de caso concreto posto a sua
apreciação. É o conhecido controle difuso da inconstitucionalidade creditando a
todos os magistrados com desfecho no STF, por intermédio do recurso
extraordinário. O outro caminho é que corresponde ao controle centralizado, por
via de ação direta, cujo objetivo é a invalidação da lei em tese, sendo
legitimados para a propositura as, pessoas e entidades arroladas no Art. 103,
da CF/88. -Objetiva a ação direta de inconstitucionalidade suprimir do ato normativo
inconstitucional a possibilidade de incidir operando, portanto, efeito
"erga omnes".
O modelo de Controle da Constitucionalidade, resumidamente,
referenciado é o existente na atual Carta Política que em quase nada difere do
previsto na Carta de 1969, a não ser quanto a legitimação para a propositura da
ação pela via direta que recebeu considerável ampliação (Art. 103, incisos I a
IX). Contudo, grande inovação traz a Constituição/88 no Sistema de Controle de
atos normativos, materializada na figura da Inconstitucionalidade por Omissão
capitulado no § 2º, Art. 103.
Vivenciamos, na prevalência das Constituições passadas, um sem
número de direitos previstos constitucionalmente inusufruíveis
e, conseqüentemente, desrespeitados, à falta de
normas regulamentadoras do exercício de tais direitos. Foram direitos traçados
por norma constitucional que com o passar do tempo, dado o descaso e a omissão
legislativa do Poder competente, caracterizaram-se como normas meramente
programáticas por não possuírem eficácia plena. Sob a vigência da presente
Carta Magna este sombrio quadro poderá ser evitado através da Ação de
Inconstitucionalidade por Omissão, que objetiva viabilizar a vontade do
legislador constituinte, erradicando a inércia legislativa mediante a expedição
de medidas que tornem efetivas as, normas constitucionais.
Ao contrário do mecanismo anteriormente analisado, a
Inconstitucionalidade por Omissão pressupõe a inexistência de ato
regulamentador de direito conferido pela CF. E a observância do Art. 103, § 2º
torna clara o cabimento da ação direta - similar a ação direta convencional
aplicável à apreciação da constitucionalidade das leis - simplesmente com as amoldações de estilo, ou seja, que o STF decidindo-a
favoravelmente adotará a seguinte conduta:
dará ciência ao Poder competente para a adoção das providências
necessárias e, em se tratando de órgão administrativo terá este o prazo de 30
dias para efetivar o ato administrativo. Não objetiva a Inconstitucionalidade
por Omissão a defesa de direito individual ou coletivo, mas, a edição de norma
regulamentadora de caráter geral, constituindo-se, por conseguinte, em típica
ação de direito objetivo. Note-se, que o ato devido pelo Poder Público omisso
tem natureza legislativa, o que torna patente o descumprimento do seu dever
constitucional de regulamentar disposição da Carta Política, que está à espera
de tal regulamentação para ensejar o exercício de direito por ela conferido -
neste caso um direito subjetivo constitucional. Não se cogita de ofensa a dispositivo
constitucional, nem de execução de ato ilegal, mas de omissão legislativa que,
inviabiliza a efetividade de direito constitucional.
É competente para apreciar a Inconstitucionalidade por Omissão o
STF, indicando o § 3º, do Art. 103. CF/88, que o Advogado Geral da União deverá
ser citado para apresentar a defesa que couber ao ato ou texto impugnado.
Impõe-se a ouvida prévia do Procurador Geral da República nas ações de
inconstitucionalidade e demais processos da competência do Supremo.
Quanto aos legitimados para a ação são os indicados no Art. 103,
inciso I a IX.
Finalmente, convém deixar claro que, através da
Inconstitucionalidade por Omissão ataca-se a lacuna de lei em tese, não visa esta defesa de direito subjetivo, dando-se este controle
pelo método concentrado. As situações de direito subjetivo que necessitem de
remédio adequado, quando insatisfeito o interesse decorrente de ato
inconstitucional) do Poder Público, ocasionado por omissão legislativa
regulamentadora devem ser solvidos pelo Mandado de Injunção. Através deste
instrumento é que o Poder Judiciário passará a apreciar, na sua
individualização, a inconstitucionalidade por omissão nos casos concretos,
legitimando para tal a pessoa ou grupo de pessoas titular do interesse.
4. Mandado de Injunção: aspectos
gerais
Não é toda recusa à prática de determinado ato ou sua abstenção,
que se enquadra no campo de interesse do sujeite de direito pelo sujeito
obrigado, que justifica o interesse processual relativamente ao Mandado de Injunção.
Também não é ação que careça de, fundamentação documental ou
testemunhal para fazer valer o pleiteado direito subjetivo. Sua aplicabilidade
exige que, o abalo ao direito do impetrante tenha sido causado por inexistência
de prescrição normativa que regulamente o exercício de direito subjetivo
constitucional.
Entendemos ser o Mandado de Injunção instituto que bem se amolda
aos procedimentos de jurisdição contenciosa, pois, não vemos como socorrer-se
alguém deste instrumento, senão nos casos em que tenha perante outrem formulado
um pleito e venha cair em desatendimento. Pressupõe a recusa de alguém frente a
uma pretensão formulada, sendo que tal recusa se dá sob a alegação da ausência
de norma que regulamente a conduta da pessoa requerida frente ao pretendido. E
mais, que tal pretensão tenha por fundamento a própria Constituição.
É inconfundível o Mandado de Injunção com quaisquer medidas
judiciais testificadoras de direito; não se presta este a testificar o direito
do impetrante, mas é instrumento dinamizador de direito já em plena vitalidade,
portanto, existente, sem dúvida. Apenas de exercício obstaculado
por ausência de norma que detalhe o modo como a direito constitucional deve ser
usufruído, e à constatação da omissão regulamentadora subroga-se
o Poder Judiciário na ação legislativa do Poder competente editando a norma
para o caso concreto.
Neste particular é irretocável a lição do brilhante professor José
Afonso da Silva para quem O Mandado de Injunção visa a obter o direito em favor
do impetrante, quando inexistem normas regulamentadoras do artigo
constitucional que outorgue direito, liberdade ou prerrogativas, (artigo
citado). Contudo, com a devida venia e respeito à
autoridade científica do eminente constitucionalista, afoitamo-nos em não concordar
com o seu pensamento quando diz que "O Mandado de Injunção não é
instrumento destinado a obter a produção de norma regulamentadora" (artigo
citado), atribuindo tal missão, em especial, à Inconstitucionalidade por
Omissão.
Pois, não enxergamos como poderá o impetrante usufruir de direito
Subjetivo Constitucional que lhe seja negado sob o álibe
da ausência da esperada regulamentação e, sendo tal quadro submetido a apreciação do Poder Judiciário, venha a autoridade
judiciária apresentar-lhe solução, senão através, da pertinente edição da norma
regulamentadora para o caso em concreto.
Entendemos que a obtenção efetiva e imediata do direito
constitucional do impetrante dar-se-á, mediante a indicação (sentença), pela
autoridade judicial, da conduta que deve ser adotada pelo impetrado quando
argumenta este, que indefere o direito do particular por inexistir a regra
legal que especifique o exercício do mesmo; caso contrário, estar-se-á
diminuindo a força e o valor do "writ" - e o que é pior, condenando os
direitos e prerrogativas constitucionais a meras regras programáticas, a
exemplo do que vexatoriamente ocorreu sob a égide das
ordens constitucionais anteriores. Mas, em atendimento ao princípio da
Separação dos poderes (60, § 4º, III CF/88), observe-se que a Sentença
proferida em Mandado de Injunção não terá o condão do suprir a omissão
normativa quando a matéria de que ela se constitua, se inclua no campo de
apreciação, exclusivo do Poder Executivo e Legislativo nos termos dos Artigos
48, 51, 52 e 61 § 4º III da Constituição Federal.
Na tentativa de analisar com maior aprofundamento os pressupostos
do Mandado de Injunção deparamo-nos com a nomeação no Artigo 5º, inciso LXXI da
CF, dos "'direitos e liberdades constitucionais e de prerrogativas
inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania", que devem ser
convenientemente divisados. Diz o § 1º do Art. 5º da CF que todas as normas
definidoras dos direitos e garantias fundamentais são de aplicação imediata. Em
torno de tal afirmação, gerou-se um campo de controvérsia doutrinária quanto a
indicação de quais, efetivamente, são os dispositivos
constitucionais abrangidos por esta regra.
Num primeiro momento, pode-se afirmar que a vigência imediata
conferida pela dispositivo constitucional, aplica-se às normas definidoras de
direitos e garantias fundamentais, restritas estas ao arrolado no Art. 5º, dada
a situação de dependência do § 1º referentemente ao artigo em causa, posto que,
incisos, parágrafos e alíneas não gozam de autonomia, sendo facultado a estes
somente o tratamento minudado da matéria ínsita no "caput" do artigo
a que estão atrelados. Observe-se, porém, que o Título III da CF/88 denomina-se
"Dos Direitos e Garantias Fundamentais" desmembrando-se em cinco
outros capítulos. Note-se, ainda, que o. art. 5º, LXXI assegura a concessão do
Mandado de Injunção, entre outras, para garantir o exercício de prerrogativas
inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; matérias disciplinadas,
máxime, nos arts. 12 a 17, CF/88 e, óbvio não no art. 5º., que aborda
especificamente os direitos e deveres individuais e coletivos.
Desta forma, tem bom respaldo exegêtico
a afirmação, segundo a qual, todas as normas capituladas no Título II da
Constituição têm aplicação imediata - e, não apenas as indicadas no art. 5º
(capítulo II) - e são possíveis de eventual garantia pela via do Mandado de
Injunção.
"Tudo quanto se enumera nos artigos 5º a 17º, quando
referíveis a situações subjetivas, são direitos (lato senso) constitucionais.
Todas essas prescrições, por força do mandamento escrito nº § 1º do art. 5º da
CF (tecnicamente mal situado), são de aplicação imediata, o que equivale a
dizer aptas a constituírem concretamente, situações pessoais configuradoras de
direitos públicos ou privados". É o que doutrina, com elegância, o jurista
J. J. Calmom de Passos (in Mandado de. Segurança
Coletivo, Mandado de injunção, Hábeas-Data,
Constituição e Progresso -Ed. Forense, 1989, pág. 108).
Manuel Gonçalves F. Filho, advogando a tese da restrição do campo
de aplicação do Mandado de Injunção, por ser este cabível apenas na "falta
de norma regulamentadora (que) torne inviável o exercício dos direitos e
liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à
soberania e à cidadania; conclusivamente, assim se manifesta: "Disto
resulta que, como é óbvio, não alcança outros direitos, por exemplo, inscritos
entre os direitos sociais. Realmente, a parte final "inerente, à
nacionalidade, à soberania, a cidadania" restringe o alcance deste
mandado... O Mandado de Injunção não é auto-executável,
ou, se se preferir a norma que o institui não é de eficácia plena e
aplicabilidade imediata... É manifestamente impossível dar aplicação imediata a
uma ação para a qual é mister a definição de um processo especial ... (artigo citado).
Contudo, algumas outras consideráveis manifestações doutrinárias
predicam exatamente o oposto.
É imperativo que se, traga a colação a posição do já referenciado
mestre José Afonso da Silva, para quem: "... O dispositivo constitucional
que assegura o direito de impetrar injunção, como se nota, é de eficácia plena
e aplicabilidade imediata. Não requer lei que diga o que é Mandado de Injunção,
nem lei que o defina. Isso é função da doutrina e da jurisprudência".
(Artigo Citado).
No mesmo sentido é a posição do insigne jurista pernambucano,
professor Ivo Dantas que reportando-se ao instituto da "Injunction", preconiza:
"Ademais, tal construção de engenharia constitucional e
processual ocupará maior destaque à medida que nos lembrarmos que embora ainda
não regulamentada a matéria pelo Congresso Nacional, seu caráter de auto-aplicabilidade, determinada pelo § 1º do artigo- 5º do
Texto Constitucional, não poderá deixar de ser cumprido sob a alegação de
inexistência da referida regulamentação, que em nosso entender, ao ser
elaborada pelo Poder Legislativo, poderá utilizar-se dos ensinamentos colhidos
nos pretórios e na doutrina. Em outras palavras: ao invés de ficarmos à espera
de uma lei que, regulamente o instituto, a doutrina e a jurisprudência devem
partir em frente e; em cumprimento da determinação constitucional" (Ob.
cit., pág. 69).
Para Celso Ribeiro Bastos, "O Mandado de Injunção não depende
da norma regulamentadora. Da mesma forma que, no passado, o Mandado de
Segurança e a Ação Popular foram utilizados mesmo antes de sua disciplinação legal, também ao instituto sob exame deve ser
conferido igual tratamento". (in, Curso de
Direito Constitucional, ed. Saraiva, 1989, pág. 222). Diante dessas ponderações
e por imposição do entendimento teleológico a que chegamos da análise -
constitucional (Art. 59, incisos XXXVI, LXXI e § 1º) inclinamo-nos por aceitar
que o Mandado de Injunção inova a ordem jurídica brasileira, com o objetivo de
garantir a incontinente aplicação das normas definidoras, dos direitos e
garantias individuais, prescindindo a sua própria aplicabilidade de
regulamentação específica para ser utilizado desde já.
É competente para conhecer do Mandado de Injunção nos termos dos
Arts. 102, I, alínea "q" e 105, I, alínea "h",
respectivamente, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça.
No primeiro caso, quando a elaboração da norma regulamentadora for da
incumbência do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos
Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma das Casas Legislativas, do
Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores ou do próprio
Supremo Tribunal Federal. A competência será do S.T.J., quando a atribuição
quanto a regulamentação competir a entidade ou autoridade federal, da administração
direta ou indireta, executuados os casos de
competência do Supremo Tribunal Federal, dos órgãos da Justiça Militar, da
Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e inferiu competência Tribunais
Regionais Federais para apreciar o "writ" de modo âmbito da Justiça
Federal obrigatoriamente serão levados ao conhecimento do Servidor Tribunal de
Justiça.
Assegura o professor Michel Temer, no seu livro Elementos de
Direito Constitucional que "' ... os Estados poderão estabelecer, nas suas
constituições, a competência dos tribunais estaduais para o julgamento do
Mandado de Injunção contra autoridades e órgãos estaduais e municipais"
(pág. 210). Idêntica a posição de Ivo Dantas, (ob. cit. pág. 82,).
Legitimado ativamente para a propositura da ação é o titular do
direito obstaculado por ausência de norma
regulamentadora. Não se descarta a possibilidade de admitir-se a substituição
processual legitimando-.se as entidades associativas - desde que devidamente
autorizadas na representação judicial dos seus associados (art. 5º, XXI,
CF/88). Os sindicatos só estarão credenciados a defender os interesses da
própria categoria, ou seja, com os interesses vinculados ao exercício
profissional dos filiados (art. 89, III, C.F/88). Não podendo a tutela sindical
se estender a matéria que transcenda o campo. de
atividade laboral, é imprescindível ao órgão de classe, quando aspire
enquadrar-se na figura da representação processual, que esteja munida de
expressa autorização do sindicalizado, em atendimento ao disposto no art. 5º,
XXI.
O impetrado (sujeito passivo) será sempre a pessoa, entidade ou
órgão cuja conduta se traduza em impossibilidade do exercício de direitos,
liberdades constitucionais e prerrogativas nos termos da CF, art. 5º, LXXI.
Alerta J.J Calmom de Passos, que é perfeitamente
cabível "o ajuizamento da injunção por iniciativa do sujeito passivo da
relação jurídica substancial, isto é, por aquele obrigado em face do titular do
direito constitucional". (ob. cit., pág. 117).
5 . Conclusão.
Os artigos conclusivos aqui expostos, como não poderia deixar de
ser, tendo em vista o assunto tratado, estão em aberto. Não têm pretensão à
imutabilidade, muito menos, chegam perto de esgotar o infinito de idéias, posições e formulações que, a "engenharia
jurídica" haverá de construir.
Na verdade é cedo para chegarmos a conclusões; necessitamos para
isso de amadurecimento científico sobre o tema, no que a própria escassez
doutrinária nos desfavorece.
Contudo, alinhamos algumas idéias menos
como conclusão, mas, mais a título de resumo daquilo que nas folhas anteriores
procuramos retratar:
a) O Mandado de Injunção é garantia constitucional posta à
disposição do particular que se declare prejudicado no exercício de direito e
liberdade constitucionais e prerrogativas inerente à nacionalidade, à soberania
e à cidadania por ausência de norma que os regulamente. Através deste remédio
jurídico, busca-se o suprimento normativo para os casos concretos, levado a efeita pela autoridade judicial competente.
b) Destina-se a defesa de direitos subjetivos constitucionais,
propiciando o exercício dos direitos e prerrogativas consignados na Carta
Magna, maculados, por omissão normativa do Estado.
c) Não se confunde com a Ação de Inconstitucionalidade por
Omissão, pois a sua prática levará o Poder Judiciário a apreciar a omissão nos
casos concretos, enquanto que esta Ação ataca a lacuna de lei em tese.
d) Não é medida que se dedique a testificar o direito do
impetrante; ao contrário, é instrumento dinamizador de direito já existente, em
pleno vigor, cujo exercício está impedido por ausência de regulamentação legal,
cabendo ao Judiciário o suprimento normativo.
e) É instituto previsto em norma constitucional de eficácia plena
e de imediata aplicabilidade; neste particular, não necessitando de norma que o
regulamente ou o defina, pois sua definição é projeção do próprio Texto
Constitucional.
f) Deve ser impetrado perante o Supremo Tribunal Federal, o
Superior Tribunal de Justiça e demais tribunais superiores. A Constituição
excluiu os Tribunais Regionais Federais, porém a doutrina se fortalece no
sentido de concitar as Constituições Estaduais a deferir competência para
conhecer da injunção, aos Tribunais de Justiça dos Estados. Tal orientação foi
acatada pela atual Carta Constitucional do Estado do Ceará, "ex VI" do seu Art. 108 VII, alínea "e" e
Art. 100.
6. Referencial Bibliográfico.
Ackel, D. Filho
M'andado de Injunção, S. Paulo: Ed. Revista dos Tribunais Ltda.,
1988.
Bastos, Celso Ribeiro
Curso de Direito Constitucional, S. Paulo. Saraiva, 1989.
Comentários à Constituição do Brasil, S. Paulo: Saraiva, 1988.
Cretela Junior, José
A Constituição Brasileira 1988: Interpretações, R. Janeiro:
Saraiva Universitária, 1988.
Francisco, Ivo Dantas. Cavalcante
Mandado de Injunção, R. Janeiro: Aide
Ed., 1989.
Ferreira Filho, Manuel Gonçalves
Notas sobre o Mandado de Injunção, in Repertório IOB
Jurisprudência - 2ª quinzena de Out/88, nº 20/88, pág. 297.
Pasam, José
Joaquim Calmom de
Mandado, de Segurança Coletivo, Mandado de Injunção, Habeas data
(Construção e Processo), R. Janeiro: Forense, 1989.
Sidou, J. M. Othon
Habeas Corpus, Mandado de Segurança, Ação Popular - As Garantias
Ativas dos Direitos Coletivos, R. Janeiro: Forense, 1983.
Silva, José Afonso da
Mandado, de Injunção, Direito do Cidadão, in Jornal do Brasil, de
26/09/88.
Temer, Michel
Elementos de Direito Constitucional, S. Paulo, Ed. Revista dos
Tribunais ltda., 1989