CONCESSÃO
DE SERVIÇO PÚBLICO: REVERSÃO DOS BENS ENCAMPAÇÃO (OU RESGATE) E CADUCIDADE
CELSO
ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO
Professor
Titular da Faculdade de Direito da Universidade Católica de São Paulo
SUMÁRIO:
I - Conceito e objetivos da concessão
II - Direitos recíprocos do concedente e do concessionário;
III - Encampação (ou Resgate) e Caducidade: Conceitos;
IV - A Reversão dos bens;
V - Composição patrimonial no encerramento da concessão.
I - CONCEITOS E OBJETIVOS DA
CONCESSÃO
1. Pela concessão de serviço público, como é sabido e ressabido,
instaura-se uma relação jurídica complexa, através da qual o Estado atribui a
alguém o exercício de um serviço público e este, sob a garantia de um
equilíbrio econômico- financeiro, aceita prestá-lo, nas condições fixadas e
alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, em nome de quem atuará conquanto
o faça a suas expensas, por sua própria conta e
riscos, renumerando-se mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários.
Percebe-se que, por meio dela, o Poder Público almeja propiciar à coletividade
o desfrute do melhor serviço possível, sem onerar-se com os dispêndios aí
envolvidos e, ademais, liberto dos encargos inerentes à sua execução, mas
conservando a senhoria que lhe permite impor, a todo tempo, quaisquer
determinações necessárias para garantir plenamente as conveniências públicas.
Daí haver dito BONNARD, em expressão feliz, que o concedente se reserva, à
vista da organização e do funcionamento do serviço, um poder tão acentuado que
se caracteriza como autêntica "mainmise"
sobre ele (ROGER BONNARD - Précis de Droit Administratit, 2ª ed.,
1935, pag. 547. No mesmo sentido GASTON JEZE (Princípios Generales
del Derecho Adrninistrativo, vol. II, torno I, 1949, trad. argentina da
3ª ed. francesa (1930), pag. 73).
Diversamente, o que o concessionário aspira é realizar um negócio
economicamente proveitoso e por isso aceita 'travar o vínculo colocando-se sob
a égide do concednte no que concerne aos aspectos
referidos, pois o que lhe importa é a aplicação de seu capital em um
empreendimento do qual extrairá um lucro, amparado na garantia de uma equação
ou equilíbrio econômico-financeiro. Este, conforme o define MARCEL WALINE".,. é
uma relação que foi estabelecia pelas próprias partes contratantes no momento
da conclusão do contrato, entre um conjunto de direitos do contratado e um
conjunto de encargos deste, que pareceram equivalentes, donde o nome de
equação; desde então esta equivalência não mais pode ser alterada" (Droit Administratif, Sirey, 5ª ed., 1963, pag. 618).
2. GUIDO
ZANOBINI anotou que "em relação ao sujeito privado, o fim que este se
propõe no exercício da função pública, é distinto da finalidade estatal a que
tal função prevê porque é um fim privado, normalmente uma finalidade de lucro.
Pode-se, assim dizer que o serviço público ou a função pública servem ao
particular como um meio para alcançar esta sua finalidade pessoal" (Corso di Diritto Administrativo, CEDAM,
1944, vol. I, pag. 139).
Com efeito, para o concessionário a prestação do serviço é, um
meio através do qual obtém a finalidade que almeja: o Lucro. Reversamente, para o Estado, o lucro, que propicia ao
concessionário, é meio por cuja via busca sua finalidade, que é a boa prestação
do serviço (cf. nosso Prestação de Serviços Públicos e Administração Indireta,
Ed. Rev. dos Tribunais, 2ª, 1983, pa:g 37). O regime
da concessão procede da lógica da situação instaurada nestes termos.
II - PODERES DO CONCEDENTE E
DIREITOS DO CONCESSIONÁRIO
3. A cada qual
assistem as garantias necessárias à satisfação dos desideratos que os animaram,
pois ambas se conjugam e entrelaçam perfeitamente.
Donde, ao concedente pertencem todos os poderes necessários à satisfação dos
objetivos pelos quais outorgou o serviço em concessão. Daí que pode dispor
livremente sobre as condições de prestação do serviço e alterá-las na
conformidade das exigências do interesse público. Outrossim, para bem
atendê-las, em sendo conveniente ou indeclinável, pode ou deve retomar o
serviço. Ao concessionário, de outra parte, caberão, correlatamente, todas as
garantias atinentes à mantença do equilíbrio econômico financeiro avençado, de
sorte a que tenha possibilidade de extrair daquele negócio o proveito econômico
que o levou a engajar-se nele.
É natural que o sobredito equilíbrio ajustado tenha de ser
respeitado, valendo aqui, integralmente, as observações de GEORGES PEQUIGNOT,
em obra clássica, atinente aos contratos administrativos. Referindo-se ao
contratado, averbou: "Ele não consentiu seu concurso senão na esperança de
um certo lucro. Aceitou tomar a seu cargo trabalhos e áleas que, se não
houvesse querido contratar, seriam suportados pela Administração. É normal que
seja remunerado por isto” (Théorie Générale du Contract
Administratif, A. Pedone,
1945, pag. 434)'
III - ENCAMPAÇÃO (OU RESGATE) E, CADUCIDADE: CONCEITOS
4. As concessões de serviço público, como é notório, tanto podem
se extinguir pela normal expiração do prazo, quanto prematuramente. em decorrência de distintas causas. Dentre estas últimas,
avultam a encampação (ou resgate) e a caducidade.
Na encampação, o Poder concedente retoma o serviço por razões meramente de
conveniência ou oportunidade administrativa, sem que o concessionário haja
incorrido em faltas que suscitassem tal providência.
Na caducidade, pelo contrário, a razão determinante vem a ser precisamente a
inadimplência grave do concessionário, ou seja, a prática de comportamentos
positivos ou omissões faltosas cujo relevo demanda que o concedente lhe retire
a concessão outorgada.
Tanto em um quanto em outro caso propõem-se, como é natural, duas questões,
aliás, interligadas, que irrompem em qualquer encerramento de concessão. A
saber: (a) uma concerne ao destino dos bens aplicados ao serviço, isto é, que
lhe integram o acervo e outra (b) respeita a composição patrimonial entre
concedente e concessionário, mormente se o sobredito acervo, aportado por este
último, deva persistir aplicado ao serviço em questão; portanto, em poder do
concedente.
Consideremos o primeiro destes tópicos; recordando desde logo, algumas noções
de extrema singeleza, até mesmo óbvias, mas que jamais podem ser deslembradas,
pois fornecem elementos indispensáveis à adequada impostação e subseqüente resolução dos problemas ligados ao tema do
destino dos bens afetados ao serviço e ao da composição patrimonial cabível
quando do encerramento do vínculo entre estas partes.
V - A REVERSÃO DOS BENS
5. Em grande
número de concessões de serviço público, mas não em todas, os bens que devem
ser aplicados ao serviço e que a ele se aplicam, persistem indispensáveis a sua
continuidade, mesmo após o encerramento da concessão. É que não só teria como
substituí-los incontinenti, por não serem fácil ou agilmente instaláveis ou preponíveis a tal destino. Isto ocorre, sobreposse,
quando o serviço tem como suporte material bens implantados no solo,
edificações, maquinaria de grande porte ou implementos de préstimo
transcendente para o serviço, mas carentes, total ou parcialmente, de
significação econômica quando dele desligados, como ocorre, "verbi gratia”,
com linhas de transmissão de energia, locomotivas, vagões etc.
Justamente por isto, para o concedente são indispensáveis e para o
concessionário ou não mais apresentariam sequer a possibilidade de utilização
ou careceriam de serventia relevante. Sobre mais, nem mesmo teriam expressão
econômica compatível com o elevado custo que representaram. De toda sorte, na
melhor das hipóteses, tornar-se-iam economicamente insignificantes para o
concessionário, se comparados com o dispêndio em que incorreu para aplicá-los
ao serviço. Em casos desta ordem - e que, por certo, retratam a compostura da
maioria das concessões de serviço público - a solução óbvia, quando do
encerramento do liame e seja qual for a razão que o tenha determinado, será,
evidentemente, a persistência do atrelamento dos sobreditos bens ao serviço publico. Em suma: o concedente não poderia abrir mão deles.
Teria interesses absolutos em retê-los, por indeclinável imposição das
necessidades públicas. De revés, ao concessionário faleceriam razões para
pretender conservá-los. Esta passagem definitiva do acervo para o concedente,
ao cabo da concessão, denomina-se “reversão".
6.
Compreende-se, pois, que a lógica, nestes termos composta, indica a,
possibilidade de perfeito atendimento de conveniências de ambas as partes, o
que é, aliás, a desembocadura Ideal de reações jurídicas surtidas a partir de
um elemento consensual. A lógica indica também, com a mesma força de compulsão
racional, que, se ao cabo da concessão, o concessionário não houver amortizado
integralmente o capital que investiu, mediante percepção das tarifas fixadas
pelo concedente e cobradas pelo concessionário dos usuários (mais eventuais
subsídios que o Poder Público lhe haja aportado), a solução indicada implicaria
deixá-lo a descoberto, a menos que lhe fosse versado o "quantum"
correspondente ao valor ainda pendente de amortização.
Tal pagamento, então será de rigor, consistindo na contrapartida
da assunção dos bens pelo Estado. Deveras, em situações deste jaez, o
concessionário, ao invés de retirar-se com o acervo representativo de capital
que aportou, deixa-o em mãos do concedente. Cumpre, pois, que seja acobertado
por isto. De resto, a ser de outro modo, ninguém em seu juízo perfeito, se abalancaria a imaginar que existissem pessoas ou empresas
dispostas a engajar-se, em vínculo de tal ordem. Seria, evidentemente, um
negócio desastroso aquele em que alguém, aplicando recursos próprios para obter
uma remuneração pelo investimento feito, ficasse, ao final, despojado total ou
parcialmente do capital investido. Sairia, evidentemente, empobrecido se não
houvesse podido sequer recuperá-lo ao cabo do empreendimento.
7. Em outros
casos, todavia, não se reproduz o quadro dantes descrito. Em uma concessão de
linhas de ônibus, por exemplo, não há dificuldade alguma, em substituir de
imediato os veículos que a ela estivessem afetados, por outros, trazidos pelo
novo concessionário ou adquiridos pelo Poder Público, se este pretendesse
assumir diretamente o serviço ou fazê-lo mediante empresa estatal. Por outro
lado, o encerramento de uma concessão deste gênero nem suprime, nem deprime, a
serventia ou o significado econômico que os sobreditos bens podem proporcionar
ao antigo concessionário.
Descaberia, então, presumir um relevante interesse do concedente
em conservá-los vinculados ao serviço (com o conseqüente
e desnecessário encarecimento das tarifas), tanto como seria incorreto
pressupor desinteresse do concessionário em retê-los consigo, uma vez
desinvestido desta qualidade. logo, careceria dez
qualquer base lógica sustentar que em situações deste jaez o encerramento da
concessão demandaria integração dos bens no patrimônio público. Donde, salvo
estipulação em contrário, seria perfeitamente compreensível que o concessionário,
ao encerrar-se o vínculo, levasse consigo os bens dantes vinculados ao serviço.
Segue daí, outrossim, que, em tal caso, não se proporia, perante o Poder
Público, o tema da amortização deste capital.
Percebe-se com clareza, então, que são temas perfeitamente diversos (a) o da
remuneração pela prestação do serviço e o (b) da conservação do capital,
mediante sua reposição, quando o acervo nele consubstanciado deva integrar-se
definitivamente ao serviço.
8. Ao lume
destas considerações sobre o destino dos bens apartados pelo concessionário e
aplicados ao serviço já se podem firmar algumas conclusões. A saber:
(a) é inexato supor-se que a chamada "reversão" dos bens, ou seja,
sua integração no patrimônio público ao cabo da -concessão do serviço, resulta
da teoria geral deste instituto, porquanto, salvo explícita prescrição legal ou
do ato concessivo, seu cabimento está circunscrito às hipóteses indicaras, sem
embargo de serem elas, certamente, as mais comuns como já foi dito e ora é
reafirmado;
(b) também seria inexado supor-se que resulta da
teoria geral das concessões de serviço público que os bens nela aplicados
sejam, desde sua aplicação, bens pertencentes ao Poder Público, como querem
alguns, ou que a propriedade do concessionário sobre eles é uma propriedade
resolúvel, como sustentam outros. À falta de lei que ofereça solução genérica
para a questão ou de disposição do ato concessivo dilucidando o assunto,
quaisquer destas concepções só poderia propor-se em relação às aludidas
concessões, nas quais, consoante averbado, a persistência de sua vinculação ao
serviço fosse, imprescindível, ante as características do objeto da concessão o
que nem sempre ocorre, conforme visto.
(c) nas concessões de serviço público em que, após seu encerramento. (prematuro ou não), os bens devam ficar em poder do
concedente, dito evento demanda seja acobertada a parcela do investimento do
concessionário ainda pendente de amortização. Com efeito, não fora esta a solução, ninguém se proporia a engajar-se na
qualidade de concessionário, inclusive porque os meios que proporcionam a
captação necessária para amortizar o investimento dependem inteiramente do
concedente: é ele, que, fixa, as, tarifas e, portanto, é ele que determina as
possibilidades de amortização e o ritmo em que se dará. Acresce que, se não
houvera o acobertamento aludido, o concedente teria um enriquecimento sem
causa, isto é, ilícito; obtido às expensas do prestador do serviço.
Configurar-se-ia um verdadeiro confisco; por implicar absorção autoritária de
bens alheios, sem qualquer contrapartida.
9. Fixadas estas primeiras conclusões gerais, podem-se apontar, agora,
no que, concerne aos tópicos feridos, algumas situações diferentes que se
proporão ou pelo menos, poder-se-ão propor, conforme se trate de encerramento
da concessão por mera expiração do prazo ou por extinção prematura de corrente
de encampação ou caducidade.
10. Em geral, outorgam-se por prazo longo concessões em que os bens
aplicados ao serviço devam, ao final, integrar-se no patrimônio público
mediante "reversão". Assim se faz para que os concessionários
amortizem os investimentos efetuados, isto é, paguem-se destes dispêndios,
ressarcindo-se através das próprias tarifas cobradas dos usuários pela adscrição de uma parcela delas a tal finalidade. Dessarte,
ao expirar-se a concessão, o Poder Público não incorrerá em desembolsos para
assenhorear-se do acervo. É lógico que se o prazo fosse curto, as tarifas
haveriam de ser altíssimas, sem o que parcela tarifária comprometida neste
propósito revelar-se-ia insuficiente para reposição do capital.
Como o Poder Público deve zelar pela ampla acessibilidade do serviço aos
usuários e garantir-lhes as condições mais convenientes, as tarifas precisam
ser módicas. Seque-se que o prazo de tais concessões haverá de ser longo.
Graças a amplitude dele, presume-se, então, ao se expirar normalmente, já terá
havido, salvo prova em contrário, amortização do capital invertido pelo
concessionário, razão por que em princípio, os bens aplicados ao serviço
revertem ao concedente sem ônus para ele. Este modelo, que é o usual, poderá
sofrer algum desconcerto quando, em épocas já avizinhadas da consumação do
prazo, o concessionário seja obrigado a efetuar investimentos suplementares,
quer para manter a qualidade ou a atualização técnica do serviço, quer para
expandi-lo ante o incremento da demanda dos usuários. Aí sim - e só aí - o
tempo remanescente será curto para permitir que, e as tarifas ao longo dele,
hauridas também atendam a finalidade, apontada.
11. É bem de ver, entretanto, que se a concessão extinguir-se
prematuramente, seja por encampação, seja por caducidade, ficará convulcionado o supra referido esquema de amortização do
capital. Deveras, a antecipação do término do vínculo subverterá a expectativa
sobre a qual estavam assentados os cálculos relativos ao acobertamento do
capital. Segue-se que se os bens, com esta antecipação, viessem a ser
absorvidos pelo concedente sem compensação econômica que cobrisse o
remanescente de investimentos ainda não amortizados pelas percepções tarifárias
passadas, o concessionário sofreria uma perda patrimonial. É dizer, estaria
sendo agravado com a transferência gratuita de uma parcela de seus recursos pai-a o Poder Público: aquela que em prol dele despendeu e
não lhe foi reposta.
Note-se que aqui não está em pauta questão atinente a uma eventual
compensação econômica pela perda dos proveitos (lucro ou remuneração do
capital) que - não fora pelo encurtamento do prazo - seriam hauridos pelo
concessionário com a cobrança das tarifas ao longo de todo o período que
estiava titulado para captá-las. Este já é assunto diverso, a ser tratado em
seguida. O de que se cuida neste passo, é, meramente, de reconhecer que se a
extinção da concessão efetuar-se antes do prazo, seja por encampação, seja por
caducidade, não comparece o referido fundamento jurídico e econômico embasador da absorção gratuita do acervo pelo concedente, a
título de reversão.
Como se viu, era ele que servia de causa hábil, em princípio, para
supedanear justificamente a
absorção definitiva do acervo sem ônus para o concedente. Deveras, o tema “sub
examine", o que se vem de firmar é que, ocorrendo extinção prematura dia
concessão e conseqüente reversão dos bens aplicados
ao serviço, se não for versada ao concessionário a contrapartida pelos
investimentos ainda descobertos, seguramente ocorrerá apoderamento,
pelo concedente de uma parcela do patrimônio de sua contraparte.
Isto posto, examinemos, agora, o segundo tema mencionado, isto é,
o da composição patrimonial entre os contraentes quando do encerramento da
concessão.
V - COMPOSIÇÃO PATRIMONIAL NO
ENCERRAMENTO DA CONCESSÃO
12. Nos casos em
que não deva existir reversão de bens e a relação jurídica haja se encerrado
por expiração normal do prazo, é óbvio que problema algum se propõe.
Naquel outros em
que o vínculo também venha a se findar pela conclusão do prazo previsto, mas
deva existir reversão de bens, em princípio, consoante já referido, esta se processará sem ônus para o concedente. Nada
obstante, poderá ocorrer, conforme outrossim se deixou apostilado, que os
investimentos, notadamente quando efetuados em época próxima da expiração do
prazo, ainda não se tenham podido amortizar com a percepção de tarifas. Em tal
caso, haverá um remanescente a descoberto. Como é lógico.,
o concedente terá de responder por ele, a fim de que, com a absorção do acervo,
não esteja a sacar do concessionário bens correspondentes ao capital que este
aportou a bem do serviço, e não lhe foi dado ensejo de recuperar. Assim é, em
linhas gerais.
Quando, todavia, ocorrer prematura extinção, do vinculo
por encampação ou por caducidade, a , composição patrimonial já não apresentará
a mesma simplicidade, sobretudo devendo haver reversão dos bens, que é o que
importa aqui considerar.
13. Tratando-se
de encampação, isto é, de encerramento suscitado por razões administrativas de
mera conveniência ou oportunidade, ou seja, sem, que o concessionário haja
praticado falta que a justificasse - uma vez que este nada fez de desabonador -
o Poder Público deverá indenizá-lo pela antecipação do encerramento do prazo ao
longo do qual perceberia, através das tarifas, o proveito econômico em vista do
qual travara o vínculo. Deveras, seu ingresso na relação jurídica fora
motivado, evidentemente, pela expectativa de um ganho, que teria buscado em
outro negócio (mobilizando para este outro seu capital, aptidão empresarial,
experiência e re- cursos), se não fora pelo liame sue travou com o concedente, confiado em que, bem servindo,
hauriria durante todo o prazo estipulado os proveitos do empreendimento. Embora
seja certo que o Poder Público possa, sem violar o direito, retomar o serviço
dado em concessão, também é certo que deverá compor o prejuízo. econômico dessarte causado.
Além disto, como é, óbvio - e esta já é outra questão terá de acobertar-lhe a parte ainda não amortizada do capital.
Nisto estará, pura e simplesmente, cumprindo o elementar dever de respeitar o
capital alheio, ou seja, de não apropriar-se do que pertence a outrém.
14. Diversamente, se, se tratar de caducidade vale dizer, extinção
decidida pelo Poder Público como decorrência de faltas graves do
concessionário, que o fizeram incurso nesta sanção, é claro que a este não será
devida qualquer indenização pela perda da exploração do serviço. Pelo contrário,
ele é que, em sua qualidade de inadimplente, além'de
responder pelas multas ou quaisquer outros agravamentos previstos (perda da
caução efetuada, por exemplo), terá ainda de arcar com as perdas e danos que
haja causado, ao concedente pelo fato de havê-lo levado a promover o
encerramento prematuro do vínculo.
É claro, entretanto, que nem por - isto o concedente poderia
assenhorear-se gratuitamente dos bens constitutivos do acervo, se ainda não
estiverem, como não deverão estar, integramente -amortizados. Fazê-lo,
equivaleria a confiscar investimentos apartados pelo concessionário. Distintas
razões concorrem para rejeitar eventual suposição neste - sentido.
Desde logo, são questões diversas, como, dantes se acentuou, aquela atinente à
concessão do serviço, ou seja, à exploração econômica dela (sua continuidade ou
cessação) e aquel'outra que atina à reversão. É o que
se deixou esclarecido ao anotar que pode haver concessão, com ou sem reversão
de bens. Ou seja, não, há porque misturar o tópico atinente à prestação.do
serviço, e, assim, portanto, o de sua persistência ou cancelamento prematuro,
com o tópico relativo ao capital que inverteu e que estará substanciado em bens
que reverterão ou não para o concedente ao se encerrar a relação jurídica. Ou
seja: a extinção antecipada do vínculo, por si mesma, nada predica com relação
à reversão dos bens. Logo, a causa pela qual se antecipada dissolução do
vínculo (encampação ou caducidade) não poderia ser, por si mesma, nem
determinante de tal conseqüência, nem determinante de
onerosidade ou gratuidade da reversão. Em suma: por não existir ligação entre a
causa de extinção prematura do vínculo e a reversão dos bens também não existe
ligação entre ela e o fato de dever-se efetua-la com ou sem indenização.
15. Com efeito,
nos casos em que a concessão não de mande reversão dos bens, como poderia
suceder em uma concessão de linhas de ônibus - conforme hipótese dantes
figurada - provavelmente a ninguém. acudiria supor
que, em sendo decretada sua caducidade, o concessionário perderia os veículos
ou equipamentos postos à disposição do serviço.
Porque não ocorreria tal suposição?
Simplesmente porque a reversão dos bens não é uma conseqüência da caducidade não é uma sanção pela
inadimplência do concessionário. Se o fosse, deveria operar - e sem ônus para o
concedente - também nos casos em que não estava prevista (explicita ou
implicitamente). Em rigor, nada tem a ver com ela. Donde, não haveria porque
presumir que a gratuidade da reversão seja uma conseqüência
natural da caducidade, nos casos em que dita reversão (quando pressuposta) vem
a ser antecipada por força de prematura extinção do vínculo suscitada por
inadimplência do concessionário.
A reversão - cumpre repetir - não é sanção, mas um efeito que se
processa com supedâneo em outros fundamentos e na conformidade de outros
pressupostos, tudo conforme dantes exposto. Donde, ocorrerá apenas nos termos. que a legitimam, isto é, com pleno acobertamento do capital
invertido pelo prestador do serviço e nos casos em, que é demandada para
continuidade dele. Não haveria, então, porque imaginar que a gratuidade da
reversão deva ser havida como uma resultante da caducidade.
16. Além disto,
seria incabível apropriar-se deste remanescente de capital sem indenizá-lo,
porquanto, com tal procedimento, haveria um confisco (o que é
constitucionalmente vedado) e um enriquecimento ilícito do concedente sobre o
patrimônio alheio. Acresce, ainda, que sobre tratar-se de sanção violentíssima,
sua aplicação, salvo previsão expressa em lei ou no próprio ato concessivo,
resultaria absurda, porque extraída do nada.
Deveras, os poderes jurídico-administrativos ou resultam da lei ou dimanam de
relações constituídas “ex voluntate”
. Como se sabe, por força do princípio da legalidade (art. 37 da C.F.), a
Administração, para impor algo a outrém, necessita
estar embasada em lei (art. 5º, II, e 84, IV). Fora dai,
somente se estiver calçada em disposição à qual sua contra-parte
tenha se submetido voluntariamente, como sucederia em relação a cláusulas de
uma concessão ou a normas contratuais livremente acordadas entre os
contraentes. Se a Administração não estiver embasada em lei que lhe autorize
impor a sanção “a” ou “b” ou em cláusula da concessão evidentemente carecerá de
fundamento jurídico para impô-la. Logo, presumir, nos casos de caducidade da
concessão, que a reversão prevista independe de indenização da parcela do
capital ainda não amortizada é liberalmente um absurdo.
17. Entre os
doutrinadores que se ocuparam da questão é generalizado este entendimento de
que a reversão pressupõe indenização do capital ainda não amortizado, nada importando ,que a causa extintiva da concessão haja sido a
caducidade. Assim, no clássico "Traité des Contracts Administratifs"
(LGDF, Paris, 2ª edição, 1984, tomo II) de A. DE LAUBADERE, FRANCK MODERNE e
PIERRE DEVOLVÉ, após o registro de que se a concessão, por qualquer motivo,
findar-se antes de seu prazo normal, resultará evidente que a amortização de
capital não se terá podido realizar às completas, fica anotado o esclarecimento
de que:
"Muito logicamente, a jurisprudência decide que o princípio da reversão
gratuita não deve, então, se aplicar, ainda que o caderno de encargos haja
omitido esta derrogação à regra geral lei mesmo se a extinção do contrato haja
provindo de um comportamento faltoso do concessionário: o concedente
beneficiar-se-á do direito de reversão mas deverá Indenizar o
concessionário" (pags. 752-753 - grilos nossos).
Em seu "Derecho Administrativo", RAMON
PARADA, após indicar que a resolução do contrato pode resultar da inadimplência
do concessionário, adverte:
"No obstante, la resolucion del contrato - y para evitar un
enriquecimento injusto de la Adnúnistracion - no priva al concessionario
incumplidor del derecho a que se le abone el precio de las obras e
instalaciones ejecutadas a su costa que hayan de pasar a propriedad de aquélla,
tenido en cuenta su estado y el tiempo que restase para la reversion" (Ed.
Marcial
Pons, Madrid, tomo I, 2ª ed., 1990, pag. 323).
De equivalente teor são as observações de GUIDO ZANOBINI (op. cit.
vol. cit. pág .403), MANOEL MARIA DIEZ (Derecho Administrativo, Ed. Plus Ultra, Buenos Aires, 2ª
ed., 1979, tomo III, pags. 449-450) e de EDUARDO
GARCIA DE ENTERRIA e TOMAS RAMON FERNANDES. (Curso de Derecho
Administrativo, Ed. Civitas, Madrid, 4ª ed., 1983,
vol. 1, pag. 701).
18. Entre nós,
AFRANIO DE CARVALHO, reconhecida autoridade em matéria de concessão de serviço
público, ao final de valioso e exaustivo estudo, publicado em dois volumes da
Revista de Direito Administrativo, sobre a "Propriedade dos Bens da
Concessão” (in RDA, vol. 44, pag. 46), indica em sua conclusão de nº 6 que:
“A reversão somente se dá com indenização, quando o vencimento do contrato foi
antecipado por encampação ou caducidade".
O ilustre administrativista, CARLOS S. DE BARROS JR., em brilhante artigo sobre
a "Concessão de Serviço Público" (RDA, nº 111, pag. 20), esclarece
amplamente o tópico ao averbar:
"Declarada a caducidade, rescindindo o contrato, procede-se à
sua liquidação apurando- se as contas de acordo com os termos das estipulações
contratuais. Cessa o serviço concedido.
Quanto aos bens do concessionário, cabe a indenização deles. Salvo disposição
contratual que excluísse, nesse caso, a indenização, terá o concessionário o
direito de receber o valor dos bens investidos na concessão. Deverá o
concessionário, porém, pagar os prejuízos decorrentes da inexecução das
obrigações, fazendo-se a devida apuração".
Assim também, as obras gerais brasileiras que enfocaram o tema - e
fizeram-no recentemente - afinam pelo mesmo diapasão. É o caso da eminente,
profa. MARIA SYLVIA ZANELIA DI PIETRO (Dire,to
Administrativo, Ed. Atlas, 1990, pag. 220) e de D.IÓGENES GASPARINI (Direito
Administrativo, ED. Saraiva, 2ç1 ed., 1992, pag. 262), ambos explícitos sobre a
questão em apreço. Pode-se depreend@er que assi,rn também entende SÉRGIO D,E
ANDRÉA FERREIRA. Embora sem ende- reçar-se
especificamente à hipótese de caducidade, enun;cia
a consideração geral de que, se não fora pelo pagamento dos bens, a reversão
configuraria confisco, o que é vedado pela Constituição. Daí afirmar, em face
disto: ". . . temos que concluir que toda reversão é onerosa"
(Direito Administrativo Didático, Ed. Forense, 2ª ed. 1981, pag. 245).
19. Nós mesmos, em monografia sobre "Prestação de Serviços Públicos
e Administração Indireta" (Ed. Rev. dos Tribunais, 191 ed., 1973, pags. 51-52) ao tratarmos da caducidade nas concessões de
serviço público, também referimos o dever do concedente indenizar o
concessionário pelos bens revertidos e ainda não amortizados. Fizêmo-lo nos seguintes termos:
"No caso, por ter sido o concessionário a dar causa à
extinção da concessão, por violador de suas obrigações, o Poder Público não tem
que indenizá-lo, senão com relação à parcela não amortizada do capital representada
pelos equipamentos necessários ao serviço e que reverterão ao concedente".
19. Note-se,
além disto, que seriam até mesmo perigosamente inconvenientes disposições
legais ou do ato concessivo que previssem solução diversa, pois o
concessionário ficaria gravemente exposto a riscos enormes, tanto mais graves
quanto maiores fossem os investimentos necessários à boa prestação do serviço.
Se a caducidade fosse decretada ainda em uma primeira fase da concessão, quando
a amortização do capital ainda estivesse se iniciando, o prejuízo a que o concessário estaria exposto atingiria proporções gigantecas e, evidentemente, abusivas. Dir-se-á que
dependeria apenas dele, por sua conduta satisfatória eximir-se, de tais riscos,
pois a Administração, animada de ponderação, equilíbrio e senso de justiça,
coibir-se-ia de adotar tal providência radical, salvo quando absolutamente
indispensável. Esta assertiva, particularmente entre nós, ainda estaria por ser
demonstrada. Em verdade, nada concorre para poder-se receber com segurança
teses que se assentassem no pressuposto de que a Administração prima pela
serenidade, imparcialidade, moralidade e equilíbrio. Donde, atribuir ao Poder
Público poderes excessivamente amplos e que lhe ensejem ação devastadora sobre
o patrimônio da contraparte, longe de concorrer para uma segurança maior na
realização do interesse público, pode servir para ensejar situações dele
radicalmente divorciadas e até mesmo, desgraçadamente, para alimentar
procedimentos inortodoxos, lesivos aos preceitos da
moralidade administrativa.
Mesmo prescindinido-se destas razões,
mesmo adotando- se o pressuposto de que se pode e deve confiar, ao menos em
princípio, na ponderação, equilíbrio e impessoalidade da Administração, ainda
assim, seria indesejável cláusula que lhe atribuísse poder tão devastador em
relação ao patrimônio do concessionário, pois só os empresários mais
imprudentes ou definitivamente imprudentes é que se abalançariam a engajar-se
em vínculo jurídico no qual estivessem expostos a riscos de tanta magnitude - e
não são deste feitio os contra- tantes que convêm ao
Poder Público'
20. Com, efeito,
o direito. as leis e os contratos escritos e
formalizados seriam inteiramente despiciendos se as partes de qualquer negócio
jurídico pudessem entregar-se, uma nas mãos da outra, confiadas reciprocamente
na integral correção, lealdade e sereno senso de justiça com que cada qual
agiria. As formalizações do direito existem pela necessidade que os homens têm
de precatar-se e de garantir-se uns contra os outros, previnindo-se
do risco de ficarem à mercê da vontade ou decisão alheia quando seus interesses
possam se encontrar em contraste. Donde, tirante alguma hipótese invulgar,
inapta a servir de paradigma, só um irresponsável ou um panglossiano otimista,
se engajaria em vínculo de concessão no qual a concedente pudesse, diante de
falta grave do concessionário, apoderar-se, sem, indenização, da parcela ainda
não amortizada do capital invertido e substanciado no acervo aplicado ao
serviço. Logo, cláusula do gênero não teria outro préstimo senão afastar
justamente os empreendedores mais confiáveis e equilibrados