A
NATUREZA JURÍDICA DA CONTRIBUIÇÃO CRIADA EM FAVOR DAS BOLSAS DE VALORES
LINO
EDMAR DE MENEZES
Procurador
da República | Mestre em Direito Público – UFC | Professor de Direito Penal da Unifor e UFC
Algumas empresas cearenses estão sendo coagidas a pagarem uma
anuidade à Bolsa de Valores Regional do Ceará, denominada “contribuição”, que é
exigida das empresas que recebem incentivos fiscais e têm seus valores
mobiliários negociados em bolsas de valores.
A referida contribuição foi criada pela instrução CVM nº 136/90, e
como as empresas entendem que a mesma tem caráter tributário, elencam os
seguintes vícios que tornam indevida a citada contribuição: (1) foi violado o
princípio da legalidade (2) embora tenha aparência de uma taxa de serviço, a
contribuição não pode ser exigida, pois tem base de cálculo em função do
capital das empresas; (3) cuida-se de verdadeiro imposto, mas somente a União
Federal podia instituí-lo com base na competência residual, através de Lei
Complementar.
O ponto central da discussão jurídica é o de saber qual a natureza
do serviço prestado pelas bolsas de valores, a qual se conectará uma
remuneração a título de preço público ou de taxa.
A denominada contribuição anual criada pela resolução CVM nº
136/91, em favor das bolsas de valores, tem fundamento no artigo 18, I “f”, da
Lei nº 6383/76, que diz competir à comissão de valores mobiliários a
administração das bolsas; emolumentos, comissões e qualquer outros custos
cobrados pelas bolsas.
Com base nessa autorização legal, e tendo em conta que “ somente
os valores imobiliários emitidos por companhia registrada na CVM podem ser
negociados nas bolsas de valores ( lei nº 6385/76, art. 21, § 1º), foi editada
a instrução nº 133/90, revogada pela de nº 136/90, dispondo sobre as anuidades
a serem pagas pelas sociedades beneficiárias de recursos oriundos de incentivos
fiscais , em favor das bolsas de valores que admitiu seus valores mobiliários à
negociação.
Algumas enxergam nessa exigência uma verdadeira taxa, pois instituída numa
relação de direito público, que não pode dar margem a cobrança de um preço
público.
Sabe-se que, longa e penosa têm sido às pesquisas doutrinárias
para se extremar a diferença entre a taxa e preço público, sendo atualmente
mais aceito o critério do regime jurídico a que está submetido o serviço que é
objeto da remuneração contraprestacional.
Dentre os vários autores, destaco a opinião a que me filio, de
Gilberto de Uchoa Canto, quando conclui:
“Portanto Parece-me necessário admitir que pode haver, no nosso
sistema de direito positivo, “serviços públicos” cuja a contrapartida será uma taxa , e “serviços públicos” remunerados mediante preço. A
distinção se faz pela determinação de caráter da inerência absoluta dos
primeiros como emanação necessária do poder soberano do Estado, e a
acidentalidade da prestação dos segundos pelo próprio Estado. A compulsoriedade
ou a faculdade do pagamento é uma conseqüência, e não
uma determinante da qualificação dos serviços segundo a sua nobreza.”
Na mesma esteira de entendimento, filiam-se Hamilton Dias de Sousa
e Marco Aurélio Greco, em trabalho conjunto sobre a matéria:
“Portanto, em conclusão, existe um critério jurídico para distinguir as taxas
dos preços públicos. Este critério encontra-se na identificação da natureza do
serviço prestado pelo Poder Público. Sempre que se tratar de serviço público a
remuneração que daí advirá será necessariamente uma taxa.
O critério jurídico, portanto, encontra-se no regime da prestação
do serviço e não mais no regime do pagamento”.
Acrescentam, mais adiante:
“ Vale dizer, se a
legislação ordinária dispuser no sentido de que tais serviços serão prestados
com continuidade, uniformidade e demais princípios que delineiam.
O regime jurídico do serviço público, bem como se não for assegurado
ao usuário um outro meio ilícito de satisfazer seu interesse a não ser mediante
a utilização do aparato estatal, então estaremos perante uma prestação de
serviço público mas apenas serviço. Caso contrário, não haverá serviço público
mas apenas serviço e eventualmente prestado pelo Poder Público.”
Tenho para mim, que o serviço prestado pela bolsa de valores às
sociedades que negociam seus títulos mobiliários não constitui tipo serviço
público a ensejar a cobrança de taxa.
E a conclusão extraio do texto constitucional, que diz:
Art. 175 incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou
sob regime de concessão ou permisão, sempre através
de licitação, a prestação de serviço públicos.”
Ora não consta da Constituição Federal norma específica dando
exclusividade à União Federal para explorar, direta ou indiretamente, os
serviços prestados pela bolsa de valores.
Não consta, também, qualquer lei ordinária dispondo competir à
União Federal prestar serviços inerentes às bolsas de valores, muito menos , que tal serviço será desempenhado pelos
particulares, através de concessão ou permissão.
O que existe, na verdade, é a lei 6385/76, que ao criar a comissão
de valores mobiliários (art.5º), ente de personalidade autárquica, disciplinou
o sistema de distribuição de valores mobiliários, incumbindo à bolsa de valores
fiscalizar as operações nelas realizadas (art. 17). A resolução nº 1659/89, do
Banco Central do Brasil, baixou o regulamento das bolsas de valores, já sendo
dito que as mesma são instituídas como associações civis (art. 1º), e que
dependem para funcionamento de autorização prévia da Comissão de Valores
Mobiliários (art.2º).
A partir dessa exigência de autorização do público para o
funcionamento das bolsas pode-se desvendar a natureza do serviço por elas
prestado.
A autorização, figura do direito administrativo, é assim
conceituada por OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO:
“... ato administrativo discricionário, unilateral, pelo qual se
faculta, a título precário, o exercício de determinada atividade material, que
sem ela seria vedada.” ( Oswaldo Aranha Bandeira de
Mello, “ Princípios gerais de dir. adm.”, vol. I, pág.493).”
Hamilton Dias de Souza e Marco Aurélio Greco, analisando este
instituto, dizem qual o seu alcance:
“Como se vê na autorização há uma conjugação de interesses
públicos e privados de modo a que a satisfação deste não prejudique aqueles.
Aqui, porém, encontra-se o intérprete diante de atividade que, em essência,
está regida pelo direito privado, sofrendo a refração de normas públicas apenas
naquilo em que atine a um interesse público correlato.”
Parece-me, pois, que a autorização do poder público para o
funcionamento das bolsas tem semelhança com várias outras autorizações para a
execução de outros serviços (Banco p. ex.) que o Estado tem interesse em
regular, que , por isso, não se transmudam em serviços
tipicamente públicos, ensejadores da cobrança de taxas.
Ou seja, o regime jurídico desses serviços não configuram os
aspectos essenciais do serviço público: continuidade, uniformidade e demais
princípios que delineiam o regime jurídico do serviço público.
Basta compulsar o regulamento das bolsas de valores para se
perceber que os serviços por elas prestados não se submetem a um regime de
direito público, estando ali delineando apenas a estrutura, a organização e o
funcionamento das bolsas de valores, sendo de índole eminentemente privada a
relação estabelecida entre os seus serviços e os respectivos usuários.
Não sendo, por definição constitucional, serviço público o
prestado pelas bolsas de valores e nem havendo lei ordinária atribuindo ao
poder público a exploração desse serviço, direta ou indiretamente, esta última
através dos institutos da concessão ou permissão (vide art. 175, CF), tem-se
que a autorização par funcionamento e a fixação de emolumento das bolsas de
valores, pelo poder público, nada mais representa do que aquele interesse
acidental, assinalado por UCHOA CANTO, de o Estado regular essa atividade, sem,
contudo, transformá-lo em serviço público “como emanação necessária do poder
soberano do Estado” (op. Cit. Pag. 102).
Conclui-se então, com Baleeiro:
“As questões jurídicas mais ásperas por outro lado, fazem também na eliminação
da fronteira entre “taxas” e “preços”, já estes últimos, do ponto de vista
legal, ESCAPAM à regra inflexível do art. 153 § 29, da CF de 1969. O preço, se
a lei o dispõe, poderá ser fixado por ato da autoridade administrativa”. (Curso
de Direito Tributário, pág. 331).