REGIME JURÍDICO DE TAXAS MUNICIPAIS

FÁTIMA MARIA NUNES MEMÓRIA DE ANDRADE

Procuradora do Município de Fortaleza

EMENTA: I – TAXAS 1. Definição legal. 2. Serviço Público e Poder de Polícia. Competência para Instituição de Cobrança de Taxas 4. Princípios Constitucionais Relativos às Taxas 5. Base de Cálculo. II – TAXAS MUNICIPAIS 1. Autonomia Municipal 2. Taxas Municipais 2.1 Taxas Municipais de Polícia 2.1.1. Taxas de Polícia do Município de Fortaleza 2.2. Taxas Municipais de Serviços 2.2.1. Taxas Municipais do Município de Fortaleza III – CONCLUSÃO IV – BIBLIOGRAFIA.

I – TAXAS

1. Definição legal

O art. 3º do Código Tributário Nacional define o que se deve considerar tributo, apontando-o como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

Já o art. 5º do CNT enumera as espécies do gênero “tributo”, estatuindo que “os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria”. Acorde é a doutrina em elencar estas espécies do gênero, restando as dissensões acadêmicas no que tange às contribuições sociais e aos empréstimos compulsórios.

Ainda sob o influxo dos comandos emanados do CTN, buscamos em seu art. 77 a definição legal de taxa, definição esta efetuada a partir de seu fato gerador, senão vejamos:

“As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição”.

Aliás, não foi outra a definição que o constituinte de 1988 escolheu para esse tributo, ao estabelecer, no art. 145, inciso II, da atual Constituição Federal, que:

“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I – (OMISSIS);

II
– taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição.”

Na esteira do que prelecionou ª D. Giannini, divulgado, a nível nacional pelo Professor Geraldo Ataliba, pode-se dizer que a taxa é um tributo vinculado, conforme consigna o Professor Hugo de Brito Machado, acrescentando que: “enquanto o imposto é uma espécie de tributo cujo fator gerador não está vinculado a nenhuma atividade estatal específica, relativa ao contribuinte, a taxa, pelo contrário, tem seu fato gerador vinculado a uma atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”.(in Curso de Direito Tributário, 7ª.ed., Malheiros,SP, 1993, p.317).

Assim, a característica da taxa de ser um tributo vinculado a uma atividade estatal, ressalte-se, não é suficiente, para individualizá-la, visto que as contribuições de melhoria também estão vinculadas a uma prestação do Estado. O que singuraliza a espécie tributária ora enfocada é o fato de que a atividade estatal específica só poderá ser ou um serviço público, prestado ou posto à disposição do contribuinte, o qual deverá necessariamente ser específico e divisível, ou o exercício regular do poder de polícia. Presente uma destas atividades estatais, presente estará o fator gerador de uma taxa.

2. Serviço Públicos e Poder de Polícia

As atividades estatais ensejadoras da cobrança de taxas – ou seja, a prestação de um serviço público ou poder de polícia – encontram sua estruturação doutrinária no Direito Administrativo, que, na lição do Mestre Miguel Reale, “tem por objeto o sistema de princípios e regras relativos à realização de serviços públicos, destinados à satisfação de um interesse que, de maneira direta e prevalecente, é do próprio Estado”. ( in Lições Preliminares de Direito, 18ª.ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 341).

Preleciona o insigne administrativa Hely Lopes Meirelles que “o poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”. (in Direito Administrativo Brasileiro, 17ª.ed., São Paulo, Malheiros, 1990, p.115).

O CTN, em seu art. 78, esboçou a definição legal deste instituto, verbis:

“Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene , à ordem, aos costumes, à disciplina da produção do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.”

Atividade discricionária ou vinculada que é, o poder de polícia há de ser exercício dentro dos limites da lei, sob pena de constituir o abuso ou desvio do poder. Aliás, é o que comanda o caput do art. 77 do CTN, ao preconizar que este poder deverá ser regular, isto é, em consonância com os ditames da lei.

A enumeração traçada pelo art. 78 do CTN, segundo alguns, taxativa, é, na realidade, bastante abrangente. Pode-se sustentar que, presente um interesse público, tem o Estado o direito de utilizar-se do poder de polícia para salvaguarda-lo.

Como salienta o Professor Joaquim Castro Aguiar, “o fato gerador das taxas de polícia é o exercício regular do poder de polícia. Não é o poder de polícia em si, a causa jurídica da taxa. Tributo lançado como base no mero poder de polícia seria imposto e não taxa. A taxa pressupõe atividade estatal, execução de um serviço”. E arremata: “Efetivamente, taxa de polícia sem a atividade estatal de polícia a ela correspondente não será taxa, mas imposto e, como tal, inconstitucional, já que o poder público não recebeu competência para instituir imposto algum de polícia”. (in Regime Jurídico das Taxas Municipais, IBAM, RJ, 1982,p.19).

Quanto aos serviços públicos, outra hipótese de gênese do fato gerador das taxas, pontifica Hely Lopes Meirelles que: “serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado”. E acrescenta: “Fora dessa generalidade não se pode, em doutrina, indicar as atividades que constituem serviço público, porque variam segundo as exigências de cada povo e de cada época. Nem se pode dizer que são as atividades coletivas vitais que caracterizam os serviços públicos, porque ao lado destes existem outras, sabidamente dispensáveis, que são realizadas pelo Estado como serviço público”. (op. cit.,pp. 294/295).

O CTN não consignou o que se deva considerar por serviços públicos, proclamando apenas, no art. 79, que os mesmos devem ser específicos e divisíveis. Define no entanto, o que são os serviços específicos (quando podem ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidades públicas) e divisíveis (quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um de seus usuários). (art. 79, incisos II e III, CTN).

Na lição de Diógenes Gasparini, os serviços públicos “quanto aos usuários, são gerais e específicos. São gerais os que atendem a toda a população administrativa, sem objetivar utentes determinados. São chamados, por alguns, de serviços indivisíveis. São dessa natureza os serviços de iluminação pública e os de Segurança Nacional. Específicos são os que satisfazem os usuários certos, que os fruem individualmente. São designados, por alguns autores, de serviços divisíveis. São exemplo os serviços de telefonia postal e de distribuição domiciliar de água”. (in Direito Administrativo, Saraiva, SP, 1989, pp. 144/145).

Esclarecendo sobre estas definições do art. 79, indica o tributarista Hugo de Brito Machado que: “não estejam tais definições contidas em dispositivos, separados, cuida-se de duas definições inseparáveis, no sentido de que um serviço público não pode ser divisível se não for específico. Não tem sentido prático, portanto, separar-se tais definições, como a indicar que a taxa pode ter como fato gerador a prestação de um serviço público específico, ou de um serviço público divisível. “(op. cit., p. 321).

Na verdade, constitui-se tênue o limite que separa os serviços públicos gerais dos especiais. Isto porque a satisfação de necessidades individuais, num somatório geral, irá fatalmente satisfazer a coletividade, beneficiada por uma melhoria em sua qualidade de vida. Como somente os serviços públicos específicos podem ser o fato gerador das taxas (os serviços públicos gerais são custeados por impostos), vislumbra-se a dificuldade em se estabelecer a dicotomia entre os tipos de serviços públicos, ocorrendo, muitas vezes, a instituição de taxa baseada em serviço público geral, o que configura flagrante inconstitucionalidade por parte do poder público.

Outrossim a utilização dos serviços públicos pelos contribuintes deverá ser efetiva ou potencial, fulcrando-se tal assertiva no preceptivo CTN, supracitado. Esclarece sobre o tópico o já mencionado Professor Joaquim Aguiar, que “o serviço há de ser efetivamente prestado pelo poder público. Não se cogitará aqui de prestação potencial, mas de prestação efetiva. A utilização do serviço é que poderá ser potencial. Não se confunda a prestação do serviço com a sua utilização. Esta, sim, poderá ser efetiva ou potencial. Uma taxa de lixo sem a correspondente prestação, por parte do município, do serviço de coleta de lixo, taxa não será, mas imposto inconstitucional.”(op.cit., pp 27/28).

Finalmente, para os limites deste pequeno, estudo, no que tange os serviços públicos, mister se indique que quando os mesmos não são de utilização compulsória pelo contribuinte, somente através de seu efetivo uso poderá ser cobrada a respectiva taxa. Em outras palavras, sem do o serviço público compulsório e não ocorrendo sua utilização, a taxa que lhe seja correspondente poderá ser cobrada. Exemplo ilustrativo seria o caso de coleta sistemática de lixo em determinada cidade, compulsória, e um cidadão resolvesse manter serviço particular de eliminação de seus resíduos caseiros. Mesmo em tal hipótese, estaria ele adstrito a efetuar o recolhimento da taxa aos cofres públicos, pois o serviço de coleta oferecido pelo município seria, neste caso, de natureza obrigatória.


3. Competência para instituição e cobrança das taxas

Na sempre percuciente explanação de José Afonso da Silva, “competência tributária não é, porém, a mesma coisa que poder de tributar. Neste fundamenta-se a faculdade de criar tributos. Ao instituir-se tributo, o que implica sua criação, fixação do fato gerador da obrigação tributária principal, estabelecimento de suas alíquotas, está-se exercendo o poder de tributar. A competência tributária é o conjunto de atribuições que a constituição ou a lei outorga a entidade ou órgãos públicos para arrecadação de contribuições tributárias ou parafiscais. Poder tributário e competência tributária podem coexistir numa mesma entidade, e até se pode afirmar que quem possui o poder de tributar tem também a competência tributária. Mas nem toda entidade que tem competência tributária é titular do poder de tributar.” ( in Fundamentos do Direito Tributário e Tributos Municipais, José Bushatsky Ed., SP, 1978, pp. 66/67).

O poder de tributar é decorrente do poder de império do Estado, sendo uma manifestação de sua soberania. No Brasil, a Constituição Federal delimitou a competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, circunscrevendo a esfera de atuação de cada uma dessas entidades jurídico-políticas, no que pertine à instituição e conseqüente cobrança dos tributos.

Como se vislumbra da leitura do art. 145, inciso II da vigente Constituição, a competência para instituição e cobrança de taxas é conferida à União, aos Estados, ao distrito Federal e aos Municípios, de maneira comum. Destarte, emanando o serviço público ou o exercício regular do poder de polícia da União, competirá a ela instituir a respectiva taxa, o mesmo acontecendo se os serviços advierem dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, cabendo, respectivamente, a cada uma dessas entidades a possibilidade jurídica de instituir as taxas correspondentes. Portanto, o exame aqui voltar-se-á à competência para a prestação da atividade estatal ao contribuinte. Exsurge desta premissa o fato de que não há a possibilidade de repasse de receitas oriundas da cobranças de taxas, isto é, a discriminação de receitas tributárias não envolve esta espécie tributária.

Outro aspecto relevante diz respeito à competência residual, ou seja, a competência conferida constitucionalmente a certa entidade para que a mesma possa instituir tributos não previstos. A competência residual para instituição da taxas pertence aos Estados, pois é aos mesmos que a Lex Magna, em seu art. 25 § 1º, outorga as competências que não lhes sejam vedadas pelo mesmo Texto Maior.


4. Princípios Constitucionais relativos às taxas

Erigidos ao patamar constitucional, os princípios consagram-se como os verdadeiros sustentáculos de qualquer ordenamento jurídico, sem os quais ruem simples tentativas de interpretação de suas normas.

Outrora timidamente inseridos nos textos constitucionais, ganham cada dia mais e mais força os princípios, transformando-se em parâmetros seguros para rumos da jurisprudência. Na lição dos mestres lusos Gomes Canotilho e Vital Moreira, os princípios são “núcleos de condensações, nos quais confluem valores e bens constitucionais”.(conforme citação do Prof. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 7ª. Ed., RT, SP,1991, p.82).

O princípio de legalidade, na esfera tributária, ancora-se no art. 150, inciso I do Texto-Mor, o qual determina:

“Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte é vedado à União, aos Estados, ao distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.”

Em
conseqüência, somente mediante lei será criada uma taxa. Quanto ao sentido empregado ao vocábulo, aponta o Professor Hugo de Brito Machado que: “a palavra ‘lei’ é utilizada em seu sentido restrito, significando regra jurídica de caráter geral e abstrato emanada do Poder ao qual a Constituição atribuiu competência legislativa com observância das regras constitucionais pertinentes à elaboração das leis”. (op. cit., pp. 53/54).

Outro importante princípio constitucional tributário, o da anterioridade da lei, consubstancia-se no art. 150, inciso III, “b”verbis:

“II – cobrar tributos:

a) (OMISSIS);
b
) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os institui ou aumentou.”

Como as taxas não foram arroladas entre as exceções a tal vedação (art. 150, § 1º), também a elas se aplica o princípio da anterioridade, o qual exige que a publicação da lei que instituiu o tributo seja no ano anterior ao exercício financeiro que será verificada sua cobrança. Tal providência visa resguardar o patrimônio do contribuinte de possíveis mudanças bruscas que o apanhem no exercício financeiro ainda não encerrado.

Podemos elencar outros princípios tributários adequados às taxas, visto dirigem-se ao gênero “tributo”, como o da irretroatividade da lei tributária (art. 150, inc. III, “a”); capacidade contributiva (art. 145, § 1º); vedação do confisco (art. 150, inc. IV); o de que as taxas não poderão ter base de cálculo própria dos impostos (art. 145, § 2º), dentre outros.

Quanto ao princípio da capacidade contributiva, divergem os estudiosos se tal princípio se aplica ou não às taxas. O ilustre Geraldo Ataliba sustenta que o mesmo somente se dirige aos impostos, pois “a capacidade contributiva é algo que é inerente ao contribuinte. No plano das taxas, a hipótese de incidência não é ter renda, importar, nada disso. A hipótese de incidência da taxa é o Estado praticar ato de polícia, o Estado realizar serviço público”. E conclui: “E lado a lado, no guichê do correio ou de qualquer outra repartição em que se preste serviço, haja desempenho do poder de polícia, o milionário e o miserável vão pagar a mesma coisa por aquele serviço. São taxas, porque informadas pelo princípio da redistribuição, inteiramente distanciada do princípio da capacidade contributiva.” (in Revista de Direito Tributário, RT, SP, 1989, p. 240).

5. Base de cálculo

Geralmente se estabelecem quantias referentes ao pagamento das taxas, sem que se recorra a alíquota ou bases de cálculo. O valor da taxa poderá ser também calculado em decorrência de elementos, como sobre área do imóvel no exemplo de taxa de licença para localização de estabelecimento comercial, hipótese em que a lei indicará a alíquota correspondente.

O mais lógico e justo é supor-se que o quantum debeatur estará jungido aos custos da atividade estatal prestada ao contribuinte, o colocada à sua disposição. Extrapolando-se tal limite natural, defrontar-se-ia com verdadeiro imposto.


II – TAXAS MUNICIPAIS

1. Autonomia Municipal

O Município, enquanto entidade jurídico-política, é criação do Direito pátrio. Consigna Michael Temer que: “os Municípios titularizam competências próprias. Di-lo o art. 30. Tudo o que disser com a administração própria, no que resopeite ao seu interesse local. Caracterizada a matéria como sem do de interesse local do Município só o legislador municipal dela poderá cuidar”. (in Elementos Direito Constitucional, 8ª. Ed., RT, SP, 1991, p. 105).

Leciona com sabedoria o eminente constitucionalista Paulo Bonavides, que “em países de sistema federativo onde a autonomia municipal não chegou ao grau culminante de último registro no Brasil, cuja nova Constituição produziu e institucionalizou um federalismo tridimensional, posto que ainda imperfeito na rudeza de algumas de sua linhas, mas sem paralelo em qualquer outra forma contemporânea de organização do Estado, a administração autônoma dos municípios recebe uma proteção constitucional que faria inadmissíveis e nulos atos legislativos, não importa de que natureza – ordinária ou constituinte – praticados na esfera do poder do Estado-membro, com violação, em qualquer sentido e direção, daquilo que essencialmente pertence à autonomia das coletividades comunais.” ( in Curso de Direito Constitucional, 4ª ed., Malheiros, SP, 1993, p. 283).

Como se vê, a presença dos Municípios na esfera jurídico-política do Brasil adquire contornos próprios, sustentando-se esta autonomia, constitucionalmente, dentre outros, no art. 29, o qual prevê suas leis orgânicas. Se politicamente assegurada restou sua autonomia, incompleta estaria a mesma se despojada a municipalidade dos recursos financeiros possibilitadores de uma efetiva autonomia.

Desta forma, e atendendo o constituinte a muitas reivindicações de municipalistas, houve sensível descentralização tributária, no sentido de que se delegou aos Municípios maior competência para instituição de tributos. Assim, além da descentralização política, a Constituição de 1988 tentou outrossim promover um sistema tributário menos concentrado.

Apesar dessa tentativa, à União continua reservada a maior parcela da competência tributária, enquanto a técnica de distribuição de receitas tributárias, enquanto a técnica de distribuição de receitas aos Estados e Municípios revela-se conservadora dos mesmos vícios que mantêm a subordinação dessas entidades em relação à Toda-Poderosa União.

Não obstante tais distorções, a autonomia municipal há de ser resguardada, esteiada na competência tributária que a Lex Magna lhe transferiu. As taxas configuram-se, sem dúvida, num importante mecanismo de transferência de recursos para a promoção do bem-estar da municipalidade, recompensando o poder público das despesas carreadas nas atividades de serviços públicos e exercícios do poder de polícia.


2. Taxas Municipais

Uma vez expostos os conceitos basilares acerca da matéria em comento, fiscalizaremos os mesmos à luz dos Municípios, precípua intenção do presente estudo.

Ressalta-se, antes de adentrarmos na proposta acima traçada, que a Constituição não relacionou as espécies de taxas, como fez com os impostos, e assim procedeu acertadamente, pois são as mesmas inumeráveis, despontando a todo momento segundo as prioridades das autoridades.


2.1. Taxas Municipais de Polícia

conforme a douta visão de José da Silva, “as taxas de polícia são cobradas, nos termos da lei municipal, em razão do exercício do poder de polícia do Município.” E adita: “as taxas pelo exercício do poder de polícia do Município terão como fator gerador a emissão de um juízo expressivo relativamente às atividades de vistoria, fiscalização, exame, perícia, apuração de fatos, ou ao procedimento de diligências e outras atividades, tendo em vista conceder autorização, permissão ou licença para o exercício de atividades sujeitas à fiscalização ou licenciamento.”

Conclui o Professor: “é necessário, para configurar-se o poder impositivo municipal, na espécie, que o exercício do poder de polícia se concretize, pela emissão de um juízo expressivo (prática de ato ou atividade) relativamente ao contribuinte. Não cabe aqui o princípio de que está à disposição do contribuinte, pois que tal só se dá quanto à formação do fator gerador de serviço”. (op. cit., pp. 129,130 e 131).

Podemos indicar os seguintes exemplos de taxas municipais de polícia:

- Taxa de licença para localização: são decorrentes do policiamento realizado quanto à localização dos estabelecimentos de produção, comércio e indústria ou prestação de serviços, no âmbito do Município.

Tal iniciativa deve-se à necessidade de se planejar a utilização racional do solo urbano, evitando-se que as cidades cresçam preenchendo inadequadamente suas áreas.

Realmente, é ao Município que compete a escolha conveniente do local a serem instalados os estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviços. É importante frisar que o Município deverá dispor da legislação embasadora da respectiva atividade municipal de polícia, sobre zoneamento, edificações, parcelamento, uso e ocupação do solo, etc., leis municipais estas reguladoras dos atos de polícia. Lembre-se que há de ser regular o poder de polícia, portanto, fundado em lei.

- Taxa de renovação de licença para localização

A localização não envolve apenas a idéia de situação do estabelecimento, suas confrontações, nas abarca também aspectos de higiene, segurança, ordem, costumes etc.

Destarte, as licenças necessitam de renovação anual, sob pena de interdição do estabelecimento, tendo-se em vista possíveis alterações nos aspectos gerais que acompanham.

- Taxa de licença para execução de obras

As leis municipais costumam exigir tal licença para construções, reconstruções, demolições ou reformas de qualquer natureza em imóveis pertencentes à sua área.

Todos os proprietários particulares submetem-se ao pedido de licença à Prefeitura, a qual deverá fiscalizar se estão sendo observados os requisitos legais concernentes ao uso, segurança, gabarito, estética, alinhamento, recuo e demais especificações técnicas.

- Taxa de licença para parcelamento do solo

Todas as formas de parcelamento do solo urbano deverão submeter-se ao exame e aprovação do Município, após o que se expedirá competente licença.

Taxa de inspeção sanitária

É cobrada se o Município mantiver serviço de fiscalização de alimentos, sobretudo de origem animal, destinados ao consumo local. Caso estes produtos já se encontrem submetidos à inspeção federal ou estadual, não poderá a municipalidade cobrar taxa de reinspeção.

- Taxa de licença para propaganda ou plublicidade

Caso o Município exerça poder de política sobre a utilização, nas vias públicas, logradouros, de meios de propaganda ou publicidade, poderá instituir respectiva taxa, atendendo à necessidade de preservação da estética urbana, sossego, bons costumes etc.

2.1.1. Taxas de polícia do Município de Fortaleza

A consolidação da Legislação Tributária do Município de Fortaleza, aprovada pelo Decreto nº 6.105, de 13.05.82, prevê:

Taxas de Licença (art. 145)

“As taxas de licença têm como fato gerador a permissão para o exercício de atividade ou prática de atos dependentes, por sua natureza, de prévia autorização do Município.

Parágrafo Único – São as seguintes as modalidades de licença sujeitas à incidência de taxas:

I – Para localização e funcionamento, em cada exercício, de estabelecimento de produção, comércio, indústria, prestação de serviços e similares;

II – Aprovação e execução de obras e instalações particulares;

III
– Aprovação e execução de projetos de urbanização em terrenos particulares.”

A título de ilustração, a base de cálculo das taxas previstas no inciso I do transcrito preceptivo legal será a área construída do imóvel destinado ao estabelecimento.


2.2. Taxas Municipais de Serviços

Caberá as leis municipais comandar os serviços públicos ensejadores de cobrança de taxa, individualizando seus respectivos fatos geradores.

O professor Geraldo Ataliba, citado por José Afonso da Silva, sugere as seguintes espécies para as taxas municipais de serviços: taxa de expediente (fato gerador: recebimento de requerimento, petições e outros papéis); taxa de certidões(fato gerador: expedição de certidões, atestados, fotocópias autenticadas); taxa de colocação de guias, de sarjetas, de pavimentação; taxa de iluminação pública; de cemitério; de guinchamento de veículos; de numeração de prédios; taxas de remoção de lixo; taxa de água e esgoto. (op. cit., pp. 127/128).

- Taxa de coleta domiciliar de lixo

Para que tal taxa seja cobrada pelo Município, mister ofereça o mesmo aos contribuintes o serviço público, específico e divisível, de coleta domiciliar de lixo.

Urge consignar que este serviço tanto poderá ser prestado por administração direta ou indireta, inclusive através de delegação contratual. Destarte, para que esta espécie de taxa seja exigível, não se faz necessária a execução direta pela Prefeitura.

Segundo alguns autores, este serviço público poderá ser remunerado por preço, desde que não exista na prestação o caráter compulsório, essencial aos tributos. Mais adiante traçaremos, em rápidas linhas, a distinção entre taxas e preços públicos.

Entendem outrossim vários tributaristas que a limpeza de áreas públicas de uso comum do povo não constitui fato gerador das taxas, visto tratar-se o mesmo de serviço público geral, e não divisível.

- Taxa de água

Tem como fato gerador a utilização, efetiva ou potencial, pelo contribuinte, de serviço público de fornecimento de água. Sua utilização poderá ser potencial, mas o serviço há de ser efetivo, conforme já salientamos anteriormente.

Típico serviço público divisível, pois determinada categoria de pessoa irá beneficiar-se com a prestação estatal. Não basta haver a rede de distribuição, pois se na mesma não exige água, a taxa será inviável. Sem fornecimento efetivo de água não poderá haver a conseqüente cobrança de taxa.

O Município poderá instituir taxa ou preço para o serviço. A lei municipal indicará a escolha do administrador.

- Taxa de esgoto

Trata-se aqui de fato gerador de utilização, efetiva ou potencial, do serviço público, específico e divisível, de manutenção do sistema de esgotos sanitários, prestados diretamente ao consumidor ou posto à sua disposição.

Também aqui caberá ao Município a escolha dos meios de remuneração através de preço ou taxa.

2.2.1. Taxa de serviços do Município de Fortaleza

O art. 144 da mencionada Consolidação aponta as seguintes taxas desta categoria: de pavimentação (inciso II); de expediente e serviços (inciso III); de turismo (inciso IV) e de iluminação pública (inciso V).

Além destas elencadas pela Consolidação, outras mais têm sido criadas, segundo as necessidades da população. Cite-se a taxa de limpeza pública, concebida pela Lei nº 6.750, de 29.11.90, cujo art. 1º estatui, verbis:

“A taxa de limpeza pública tem como fato gerador a utilização, efetiva ou potencial, dos serviços municipais de coleta, transporte e destinação do lixo domiciliar prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição.

§ 1º considera-se lixo domiciliar o proveniente da unidade imobiliária autônoma, constituída por lotes ou terrenos vagos ou com construções, tais como: casa, apartamento, sala, estabelecimentos comerciais, industriais e de prestação de serviços, clubes sociais, colégios, hospitais ou qualquer espécie de construção ou instalação autônoma ou prédio de qualquer natureza ou destinação,”

Como ressalva o art. 6º do mesmo diploma legal:

“O pagamento de taxa e de acréscimo a ela referentes não exclui:

- o pagamento:

a) de preço ou tarifa pela prestação de serviços especiais, tais como: remoção de “containers”, de entulhos de obras, de bens móveis imprestáveis, de lixo extraordinário, de animais mortos, de veículos abandonados, de capinação e limpeza de terrenos, de prédios, ou de destruição ou incineração de material em aterro ou usina.”

Urge traçar, em módicas linhas, diferenciação doutrinaria entre as taxas e preços públicos. Elegemos, para isto, lição do Professor Hugo de Brito:

“Não é fácil, nos domínios da Ciências das Finanças, estabelecer a diferença entre a taxa e preço. No âmbito jurídico, porém, a questão se resolve em admitir-se que a distinção entre atividade própria do Estado e atividades que podem ser exercidas por particulares há de ser formulada no plano político, vale dizer, há de ser fixada pelo Legislativo. Assim, admite-se que a lei estabeleça a fronteira entre a taxa e o preço, instituindo o que se pode entender como taxa por definição legal. Assim, temos que:

a) se a atividade estatal situa-se no terreno próprio específico do Estado, a receita que a ele se liga é uma taxa;

b
) se a atividade estatal situa-se no âmbito privado, a receita a ela vinculada deve ser um preço;

c) havendo dúvida, pode a lei dúvida, pode a lei definir a receita como taxa ou como preço. “(op. cit., p. 325).

Destarte, delineadas as considerações expostas, depreende-se que é da alçada do legislador eleger a taxa ou preço para a hipótese ora entelada.

Por último, não é despiciendo apontar que alguns tributaristas reputam inconstitucional a cobrança de algumas dessas taxas, como, e. g., taxa de pavimentação ( não seria contribuição de melhoria?); de iluminação pública (tal serviço é genérico, prestados à coletividade em geral); de turismo (consideram o fato gerador típico de imposto, pois não há atividade estatal específica, e, mesmo se existisse, não seria específico e divisível).

III – CONCLUSÃO

Com base nos conceitos lançados ao longo desta exposição, podem-se infirmar várias conclusões:

- As taxas são espécies de tributo do tipo vinculado, ou seja, cujo fato gerador é necessariamente uma atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.

- O que singulariza a taxa (pois as contribuições de melhoria também são tributos vinculados), é o fato de que a atividade estatal específica há de ser o exercício regular do poder de polícia ou serviço público, específico e divisível, prestado ou posto à disposição do contribuinte.

- O poder de polícia, atividade vinculada ou discricionária, podem do envolver multifacetadas espécies de atuação, deve ser exercida nos limites da lei, sob pena de dele advir o desvio ou abuso do poder.

- Quanto aos serviços públicos, não é acorde a doutrina no apontar de suas características fundamentais, dependendo mais do alvedrio do administrador eleger as prioridades a serem prestadas através dos mesmos.

- Os serviços públicos que dão ensejo à cobrança de taxa deverão ser específicos e divisíveis, embora a doutrina considere sinônimas essas duas expressões.

- Por ser tênue o liame que separa os serviços públicos gerais dos específicos, muitas vezes se observa a cobrança de taxas par o caso de serviço público geral, o que seria fato gerador de imposto.

- A prestação de serviço público há sempre de ser efetiva por parte do poder público. Sua utilização, por parte do contribuinte, é que poderá ser potencial.

-
A competência para instituição e posterior cobrança das taxas é comum, isto é, pode ser engendrada União, Distrito Federal, Estados e Municípios, de acordo com a ordem da prestação estatal ao consumidor.

- Os princípios constitucionais, na esfera tributária, aplicam-se igualmente às taxas, como não poderia deixar de ser, compreendidas que estão na categoria maior dos tributos. Também o princípio da anterioridade deve ser respeitado no que tange à instituição das taxas, somente podendo ser cobradas, em determinação exercício financeiro, se houverem sido previstas no anterior.

- As taxas municipais decorrem da atividades prestadas pelo Município ao contribuinte, subdividindo-se em taxas municipais de serviços ( e. g., taxas de expediente, de água, de esgoto, de iluminação pública, de remoção de lixo, de pavimentação) e taxas municipais de polícia (e. g., taxas de inspeção sanitária).

- No âmbito do Município de Fortaleza, existem dentre outras, as seguintes taxas de polícia: licença para localização e funcionamento de estabelecimentos de produção, comércio, indústria e prestação de serviços; licença para aprovação e execução de projetos de urbanização em terrenos particulares. E as seguintes taxas de serviços: de pavimentação; de expediente e serviços diversos; de turismo; de iluminação pública; de limpeza pública.

IV – BIBLIOGRAFIA

AGUIAR, Joaquim Castro, Regime Jurídico das Taxas Municipais, Rio de Janeiro, IBAM, 1982.

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