UMA VISÃO SOBRE A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

FERNANDO ANTÔNIO COSTA DE OLIVEIRA

Ex-Procurador do Município de Fortaleza | Procurador da Fazenda Nacional

SUMÁRIO:
§ 1º Considerações Iniciais.
§ 2º O Sentido da Interpretação das Normas Constitucionais:
   2.1 A Investigação do conteúdo Semântico da Norma.
§ 3º Alguns Pontos de Apoio à Interpretação Constitucional.
§ 4º Consideração Final: A Interpretação da Constituição conforme as Leis. Bibliografia.

§
1º CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Como toda ciência jurídica, o Direito Constitucional é ciência normativa; dado que a identifica e diferencia de outras mais, enquanto ciências da realidade.

Todavia, esta afirmação não nos deve levar a crer que as normas constitucionais e a sua correspondente doutrina metodológica afastam-se da realidade fática, não mantendo com ela qualquer vínculo. Ao revés, a adequada compreensão do conteúdo e sentido dos preceitos constitucionais deve ter como ponto de partida o condicionamento recíproco existente entre a Constituição jurídica (ordenamento constitucional) e a realidade político-social a ela subjacente.

"A despeito de sua evidência, esse ponto de partida exige particular realce, uma vez que o pensamento constitucional do passado recente está marcado pelo isolamento entre norma e realidade, como se 'constata tanto no positivismo jurídico de Escola de Paul Laband e George Jellinek, no "positivismo sociológico" de Carl Schmitt"1.

Porém, no Direito Constitucional moderno, deve-se fazer claro que as possibilidades da Constituição resultam da correlação entre ser ("Sein") -realidade - e dever ser ("Sollen") - norma. A sua maior eficiência, a sua ótima concretização 2, não pode ser obtida pela simples subsunção lógica, ou, unicamente, pela construção conceitual.

Em outras palavras, a norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na pretensão de se ver realizada. Desta forma, "essa pretensão de eficácia ("Geltungsanspruch") não pode ser separada das condições históricas de sua realização, que estão, de diferentes formas, uma relação de interdependência, criando regras próprias que não podem ser desconsideradas .Devem ser contempladas aqui as condições naturais, técnicas, econômica e sociais. A pretensão de eficácia da norma jurídica somente será realizada se levar em conta essas condições.

Há de ser, igualmente, contemplado o substrato espiritual que se consubstancia num determinado povo, isto é, as concepções sociais concretas e o baldrame axiológico que influenciam decisivamente a conformação, o entendimento e a autorização das proposições normativas" 3 (g. n.). Note-se que a realidade a qual nos vimos referido é aquela presente, sobre a qual efetivar-se-á os comandos constitucionais, embora as circunstâncias históricas passadas e uma visão prospectivo não devam ser esquecidas.

Urge evidenciar que, malgrado as circunstâncias culturais, sociais, políticas e econômicas imperantes em um dodo momento histórico condicionem a justa concretização da Constituição, não logrando, espontaneamente, êxito as disciplinas normativas contrárias a estes fatores, "a força normativa da Constituição não reside, tão-somente, na adaptação inteligente a uma dada realidade"4.

É certo que, se não quiser permanecer estéril, a Constituição jurídica não deve ser produzida em desacordo com a natureza singular do presente, ou seja, o Estado não deve ser construído de forma abstrata e teórica , para que não careça do imprescindível germe de sua força vital"5. Todavia, sua capacidade de regular, suas possibilidades de ordenar, não estão limitadas à sua compatibilidade com a realidade que a envolve, ou seja, aos fatores reais de Poder. Se assim o fosse, recairíamos naquela perigosa orientação de Ferdinand Lassale, que podemos encontrar referida no opúsculo "Die Normative Kraft Der Verfassung", traduzido para o português com o título (A Força Normativa da Constituição", de autoria de Konrad Hesse, segundo a qual a Constituição jurídica não passa de um pedaço de papel, constituindo-se as relações fáticas a força ativa determinante da Constituição, das leis e das instituições sociais. Em resumo: em face de um conflito entre ambas, sucumbiria a Constituição jurídica.

A Constituição deve lograr converter-se ela mesma em uma força ativa, capaz de emprestar direção e forma, impor fronteiras, e, outrossim, de modificar a realidade. Para tanto, além de enraizar-se nas condições sócio-políticas que a ela subjazem, faz-se imprescindível a disposição do sujeito que virá a concretiza-la - legislador, magistrado, administrador -, em orientar a sua conduta para a compreensão de que a ordem constituída é mais do que uma ordem legitimada pelos fatos, da necessidade e do valor de uma ordem inquebrantável, que projeta o Estado contra o arbítrio de forças políticas, econômicas e sociais, e que, mormente, qualquer ordem jurídica só adquire e mantém sua força normativa através de atos de vontade.

Parafraseando Konrad Hesse 6, uma mudança das relações fáticas pode - ou deve - provocar mudanças na orientação constitucional, mas, ao mesmo tempo, o sentido da proposição jurídica constitucional estabelece o limite de sua interpretação e, por conseguinte, o limite de qualquer mutação normativa. A finalidade de uma proposição constitucional, e a vontade do sujeito concretizante em consolidá-la e fazê-la eficaz, não devem ser sacrificadas em virtude de uma mudança da situação. Se o sentido de Um preceito normativo da Constituição não pode mais ser realizado, exige-se, então, a revisão constitucional. Do contrário, ter-se-ia a supressão da tensão entre norma e realidade com a anulação do próprio direito.

Em resumo: a Constituição não está desvinculada da realidade histórica concreta de seu tempo, porém ela não está condicionada, simplesmente, por esta realidade. Em caso de conflito, ela não deve, necessariamente, ser considerada a parte mais fraca.

E como já deve ter sido possível vislumbrar, a interpretação exerce decisivo papel nesta consolidação e preservação da força normativa dia Constituição.

§
2º O SENTIDO DA INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

A primeira vista, a interpretação das normas constitucionais em nada se diferencia da exegese de outros textos jurídicos. A tarefa de interpretar a Constituição é a de compreender, mediatizar o conteúdo semântico dos símbolos lingüísticos escritos em seu corpo.

Todavia, uma observação mais acurada demonstrará que, embora não seja de natureza , diferente das que se opera em outras áreas, a interpretação jurídica da Constituição comporta especialidades,

A consciência de que a interpretação constitucional possui especialidades
surgiu na segunda metade do século XIX 7, quando se superou a crença liberal no imediatismo da Constituição e partiu-se para a construção dogmática dos sistemas constitucionais,

De então, "interpretar a constituição é uma tarefa que se impõe metodicamente a toldos os aplicadores das normas constitucionais (legislador, administrador, tribunais), Todos aqueles que são incumbidos de aplicar-concretizar a constituição devem: (1) encontrar um resultado constitucionalmente justo através da adoção de um procedimento (método) racional e controlável; (2) fundamentar este resultado também de forma racional e controlável (HESSE) , Considerar a interpretação como tarefa, significa, por conseguinte, que toda norma é significativa, mas o significado não constitui um dado prévio; é, sim, o resultado da tarefa interpretativa" 8.

No caminho desta tarefa metódica jurídica, observou-se que, ao lado de sua grande importância para a definição, segurança e estabilidade do Estado, a exegese constitucional esbarra em dificuldades que a tornam singular, Além da proximidade dos fatos sócio-políticos - enfocados anteriormente, ao introduzirmos estas ponderações -, os sujeitos concretizantes enfrentam, no seu trabalho, a variedade de normas constitucionais quanto à sua incompleição ou indeterminação.

2.1 A Investigação do Conteúdo Semântico da Norma

Inegável que o texto constitucional, ou mais precisamente, os enunciados lingüísticos do texto constitucional, é o primeiro elemento do processo de interpretação (concretização) constitucional, E pelo que vimos dizendo até este ponto, indispensável se faz a averiguação do seu conteúdo semântico. Lembre-se que "semântica" é o "estudo das mudanças ou translações sofridas, no tempo e no espaço, pela significação das palavras" 9.
José Joaquim Gomes Canotilho 10 bem ensina que "a investigação do conteúdo semântico das normas constitucionais implica uma operação de determinação (= operação de densificação, operação de mediação semântica) particularmente difícil no direito constitucional".

Em primeiro, porque os elementos lingüísticos das normas constitucionais são, por não poucos, polissêmicos ou plurisignificativos. Palavras como trabalho, lei e Estado possuem sentidos diferentes conforme o seu posicionamento na Constituição.

Segundo, desde que, em outros casos, os enunciados lingüísticos são vagos, indeterminados, havendo, ao lado de objetos que cabem inequivocamente no seu âmbito, e ao lado de objetos que estão claramente excluídos do limite do conceito, outros objetos em relação aos quais existem dúvidas quanto à sua caracterização. São exemplos: "independência nacional" (art. 4º, I, CF /88); "sociedade livre, justa e solidária"(art. 39, I, CF/88).

Por
terceiro, considerando-se que os termos utilizados pela Constituição são muitas vezes conceitos de valor e que, por isso mesmo, têm de ser preenchidos, em grande medida, pelos órgãos concretizantes das normas constitucionais; o que dificulta, ou impossibilita, nestas situações, o estabelecimento de cânones gerais de interpretação. São exemplos típicos: "dignidade da pessoa humana". (art. 1º,III, CF/88) e democracia.

Em quarto, torna-se difícil bem estruturar os modos ou regras de exegese constitucional, definindo, precisamente, uma metodologia jurídica, porque há preceitos constitucionais que dificilmente são delimitados a partir da simples mediação do conteúdo semântico. José Joaquim Gomes Canotilho a eles se refere como conceitos de prognose, citando como exemplo a "grave ameaça" 11, cujo conceito só poderá ser adequadamente definido com a ocorrência fática de uma situação que possa vir a ser inserida em seu âmbito.

E por último, porquanto na interpretação da norma constitucional podem ser tomadas em consideração duas convenções lingüísticas diferentes, e isto em duplo sentido: no primeiro, a convenção baseada no uso científico ou a convenção baseada no uso comum, popular; no segundo, a convenção científica ou norma lingüística do tempo em que surgiu a lei constitucional ou a convenção do tempo da sua aplicação.

Por fim, a teoria da hermenêutica encontra ainda largo obstáculo à sua elaboração em um dado que, igualmente, a singulariza: "a origem compromissória da não poucas Constituições, inspiradas em princípios diferentes, quiçá discrepantes" 12.

§ 3º ALGUNS PONTOS DE APOIO A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Pelo exposto, compreendemos que a atividade interpretativa da Constituição, ou seja, a escolha, ou elaboração, do método, e, em especial, do método justo para a apreensão do sentido das normas constitucionais, não é tarefa que se esgota com base numa rigorosa alternativa. Todavia, lobrigamos alguns pontos nos quais acreditamos ser possível e seguro encontrar amparo nesta difícil tarefa.

No plano lingüístico, a exegese deve ser iniciada diferentemente dos postulados da metodologia dedutivo-positivista, isto é, o intérprete deve ter presente que a norma constitucional não se reduz ao elemento literal.
Embora o processo concretizador inicie-se com a atribuição de um significado
aos enunciados lingüísticos do texto constitucional, o sentido que se deve dar ao elemento gramatical, ou seja, o seu real âmbito de incidência, deve ter atenção aos elementos de concretização relacionados com o problema a ser resolvido.

Veja-se bem que não estamos, neste ponto, referindo-nos ao método tópico de interpretação, segundo o qual adapta- se a norma da Constituição ao problema concreto, identificando-se, a partir de vários “tópoi" ou pontos de vista, dentro da polissemia de sentido do texto constitucional, a interpretação mais conveniente para o problema, não se admitindo qualquer dedução subsuntiva a partir de normas da Constituição.

Somos da mesma opinião de Canotilho 13, segundo a qual o método tópico-problemático, "além de poder conduzir a um casuísmo sem limites, a interpretação não deve partir do problema para a norma, mas desta para os problemas. A interpretação é uma atividade normativamente vinculada, constituindo "a constitutio scripta" um limite ineliminável (HESSE), que não admite o sacrifício da primazia da norma em prol da prioridade do problema (F. MÜLLER)".

O texto da norma é um sinal lingüístico, porém não possui um significado em si mesmo, mas antes refere-se - como já bem enfatizamos na introdução deste trabalho - a um universo de realidade exterior ao texto, embora não se deva esquecer das circunstâncias e fatores do passado, nem de uma certa visão prospectivo.

O postulado que, do ponto de vista lingüístico, deve-se admitir e o da constitucionalidade, segundo o qual os aplicadores da Constituição não devem atribuir um sentido arbitrado aos enunciados lingüísticos das disposições constitucionais, mas limitar-se a determinar o que o legislador constitucional (constituinte originário ou derivado) quis, efetivamente, dizer.

É certo que o espaço semântico das palavras são susceptíveis de alteração em função do contexto em que estejam inseridas, porém este fato não autoriza o intérprete a ultrapassar os limites de sua tarefa interpretativa, decifrando significados apócritos.

No que diga respeito ao caráter aberto, indeterminado, vago, polissêmico, de diversas normas constitucionais, cabe ao agente da sua concretização papel fundamental, assumindo ele uma de suas manifestações mais relevantes. O seu pré-conceito da realidade, o seu cabedal de conhecimentos, tanto jurídico quanto extrajurídico (sociológico, histórico, humanístico, político, econômico, filosófico, entre outros), e, mormente, a sua penetração e nacionalidade, contribuirão para a mais adequada escolha entre as convenções lingüísticas possíveis, e para a determinação do âmbito normativo da expressão vaga, indeterminada ou polissêmica.

Vale dizer, a título de ilustração, que "na jurisprudência e doutrina americanas os dois cânones de "constitucional construction" mais utilizados têm sido os seguintes: (1) as palavras ou termos da constituição devem ser interpretadas no seu sentido normal, natural, usual, comum, ordinário ou popular; (2) quando se utilizam termos técnicos eles devem ter o sentido técnico" 15.

No plano político, relembrando o que já, rapidamente, por duas vezes, fizemos referência, a exegese constitucional deve proceder, ponderadamente, com certa dose de evolucionismo. Como orienta Canotilho 14 "o domínio constitucional seria até o espaço jurídico mais adequado para uma perspectiva actualista (= evolutiva, recreativa) (MORTARI) da interpretação dada a necessária repercussão das mudanças político-sociais e do desenvolvimento dos elementos políticos do ordenamento na valorização do conteúdo das disposições constitucionais. Entre um "objetivismo histórico" conducente à rigidificação absoluta do texto constitucional, e um "objectivismo actualista" extremo, legitimador de uma "estratégia política" de subversão ou transformação constitucional, a interpretação constitucional deve permitir a renovação (= actualização, evolução) do "programa constitucional", mas sem ultrapassar os limites de uma tarefa interpretativa (isto Implica: proibição de rupturas, de mutações constitucionais silenciosas e de revisões apócrifas)".

Já sob o ponto de vista teorético-jurídico, acreditamos que alguns postulados tópicos podem auxiliar na tarefa interpretativa, tornando-se pontos de referência para a concretização das normas constitucionais. São eles:

1. o princípio da unidade da Constituição, pelo qual o direito constitucional deve ser interpretado de forma a evitar antinomias, contradições entre suas normas. O intérprete deve, a todo instante, apoiar-se no elemento sistemático, procurando estabelecer implicações e inter-relações entre as normas constitucionais a concretizar. O seu "telos" deve ser estabelecer uma síntese globalizante, tendo sempre presente que embora as normas constitucionais possam parecer incompatíveis, elas concretamente jamais o serão, salvo se, se professar a distinção entre normas material e formalmente constitucionais e normas formal mas não materialmente constitucionais, pela qual as primeiras são "normas constitucionais fortes" 16 e as outras (normas constitucionais fracas" 17, sendo aquelas hierarquicamente superiores a estas (esta teoria embora doutrina de normas constitucionais inconstitucionais, diga-se "en passant"), o que a nós se assemelha desarrazoado, desde que só se pode obter uma caracterização segura da matéria constitucional pelo critério formal, não havendo, (a priori", uma reserva de Constituição, podendo, pois, as normas constitucionais penetrar em qualquer matéria, o que se faz, por vezes, salutar.

2. o princípio da integralização política, social e cultural, em vista do qual na densificação das normas constitucionais deve dar-se primazia às interpretações que favorecem a combinação dos diferentes aspectos sociais, políticos e culturais, conciliando-se, na medida do possível, os anseios da maioria com os da minoria, arrancando-os da conflitualidade para conduzi-los a solução pluralisticamente integradoras. Não se confunda integralização com procedimentos conducentes a reducionismos e autoritarismos, contudo.

3. o princípio da máxima efetividade, também conhecido por princípio da eficiência ou princípio da interpretação efetiva, pelo qual "a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe, dê" 18. A cada norma constitucional, o intérprete deve conferir o máximo de capacidade de regulamentação, não podendo a nenhuma dar-se uma exegese que lhe retire ou diminua a razão de ser. "É hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)" 19.

Insere-se no conceito deste princípio a orientação pela qual "os preceitos constitucionais devem ser interpretados não só no que explicitamente ostentam como também no que implicitamente deles resulta" 20 , com a necessária ressalva de que a eficácia implícita de um preceito deve ser, igualmente, pensada em conjunto com a eficácia implícita ou explícita das outras normas constitucionais.

4. o princípio da conformidade funcional, que possui o seguinte alcance: o intérprete não pode chegar a uma concretização "que subverta ou perturbe o esquema organizatório- funcional constitucionalmente estabelecido (EHMKE)"21.

Em outras palavras, o princípio da conformidade funcional opõe-se a qualquer iniciativa consistente na revisão informal do compromisso político assumido através da Constituição.

Todavia, a rejeição de qualquer processo informal de mutação constitucional não implica na admissão a Um entendimento da Constituição como um texto estático e rígido, indiferente às alterações correntes na realidade tática envolvente do Texto Constitucional. E isto, parece a nós, que vimos reforçando desde o início destas considerações. Toda e qualquer alteração do âmbito, da esfera, do preceito constitucional é sempre bem vinda, especialmente se com um justo aspecto prospectivo, evolutivo. Porém, bem vinda se não se traduzir "na existência de uma realidade constitucional inconstitucional, ou seja, alterações manifestante incompatíveis pelo programa da norma 22 constitucional. Uma constituição pode ser flexível sem deixar de ser firme" 23 (g. a); sem contrariar os princípios estruturantes do Estado, contidos em seu texto.

"0 reconhecimento destas mutações constitucionais silenciosas ("stillen Verfassungswandlungen") é ainda um acto legítimo de interpretação constitucional" 24.

5. o princípio da força normativa da Constituição, já bastante enfocado no primeiro parágrafo deste nosso trabalho, resume- se na evidência pela qual, se não desprezados os fatores sócio- político-culturais, e existindo uma "vontade de Constituição" 25, a mesma transformar-se-á em força ativa prevalecente sobre as questões de poder, e não em mero pedaço de papel.

§ 4º CONSIDERAÇÃO FINAL: A INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUiÇÃO CONFORME AS LEIS

Para finalizarmos, desejamos fazer breve alusão a uma questão que se tem levantado, e que se faz merecedora de nossas reflexões: a hipótese da interpretação da Constituição em conformidade com as leis infraconstitucionais.

"A expressão deve-se a Leisner e com ela quer-se significar que o problema da concretização da constituição poderia ser auxiliado pelo recurso a leis ordinárias, decisões judiciais e outros elementos da "práxis" jurídica. Nestas leis encontraríamos, algumas vezes, sugestões para a interpretação das fórmulas condensadas e indeterminadas, utilizadas nos textos constitucionais" 26.

Particularmente, acreditamos na utilidade deste tópico exegético; porém, com as devidas restrições.

Certamente, a pesquisa em leis antigas pode auxiliar a encontrar o sentido de regras, princípios e instituições que, porventura, anteriormente nelas encontravam abrigo e viram-se, "a posteriori", incorporadas ao texto constitucional, adquirindo a sua correspondente dignidade. Mas, é preciso ter sempre consciente, por outro lado, que o sentido das leis passadas, em não poucas vezes, ganham um significado completamente diferente na Constituição. Se assim não se proceder, a conseqüência é que a interpretação da Constituição de acordo com as leis poderá reverter o seu real sentido, caracterizando-se, então, como uma exegese inconstitucional.
Mas, para além deste ponto, a doutrina da Constituição conforme as leis aponta na direção .das hipóteses de interpretação de acordo com as leis presentes. E neste ponto divergimos desta orientação, trazendo à colação uma argumentação baseada em preciso raciocínio 27.

"Estas leis, que começaram por ser actuações ou concretizações das normas constitucionais, acabariam, em virtude da sua mais imediata ligação com a realidade e os problemas concretos, por se transformar em "indicativos" das alterações de sentido e em operadores de concretização d;a's normas constitucionais, cujo sentido se alterou. Do direito infraconstitucional par-tir-se-ia para a concretização do direito constitucional". "Teríamos, assim, legalidade da constituição a sobre- por-se à constitucionalidade da lei".

REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS

1 KONRAD HESSE -"A Força Normativa da Constituição", p. 13.

2 KONRAD HESSE -ob. cit., p. 22.

3 KONRAD HESSE -ob. cit., pp 14/5.

4 KONRAD HESSE -ob. cit., p. 19.

5 KONRAD H ESSE -ob. cit., p. 15.

6 KONRAD HESSE -ob. cit., p. 23.

7 cf. JORGE MIRANDA -"Manual de Direito Constitucional, Tomo II, p. 225.

8 JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO -"Direito Constitucional", p. 146.

9 AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA -"Novo Dicionário da Língua Portuguesa", p. 1565.

10 JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO -ob. cit., p. 154.

11 JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO -ob. cit., p. 154.

12 JORGE MIRANDA -ob. cit., p. 226.

13 JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO -ob. cit., p. 151.

14 JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO -ob. cit., p. 149.

15 JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO -ob. cit., p. 156, nota de rodapé 9.

16 e 17 MAUNZ, apud José Joaquim Gomes Canotilho, p. 69.

18 JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO -ob. cit., p. 162..

19 JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO -ob. cit., p. 163.

20 JORGE MIRANDA -ob. cit., p. 229.

21 JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO -ob. cit., p. 163.

22 JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO -ob. cit., p. 155.

23 JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO -ob. cit., p. 166.

24 JOSÉ JOAQUIM GUMES CANOTILHO -ob. cit., p. 166.

25 KONTAD HESSE -ob. cit., p. 19.

26 JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO -ob. cit., p.170

27 JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO -ob. cit., p.170
BIBLIOGRAFIA
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FILHO, Willis Santiago Guerra. Ensaios de Teoria Constitucional. Fortaleza, Imprensa Universitária, 1989.
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