MANDADO DE INJUNÇÃO

Antonia Lima Sousa

Procuradora do Município de Fortaleza

SUMÁRIO:
1 - Introdução.
2 - Antecedentes Históricos.
3 - Conceito.
4 - Pressupostos de Admissibilidade.
5 - Campo de Proteção.
6 - Aspectos Processuais.
   6.1 - Auto-aplicabilidade.
   6.2 - Competência.
   6.3 - Rito Adequado.
   6.4 - Partes.
   6.5 - Sentenças.
   6.6 - Recursos.
7 - Conclusão.

1) INTRODUÇÃO

A Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1988 introduziu, no Ordenamento Jurídico do Estado, o instituto do Mandado de Injunção, até então desconhecido da sistemática jurídica brasileira tradicional, previsto no Título II -Dos Direitos e Garantias Fundamentais -art. 5º, inciso LXXI, como um dos remédios constitucionais possíveis de tornar efetiva a norma constitucional.

O novel instituto elencado no Capítulo dos Direitos e Deveres e Coletivos, revela sua importância, uma vez que sua existência está condicionada à aplicação dos Direitos Fundamentais do indivíduo. E aqui se faz necessário tecer algumas considerações acerca do que vem a ser direitos fundamentais.

Segundo o prof.Paulo Bonavides, citando Hesse, "direitos fundamentais são aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais".(1) E, prossegue o ilustre constitucionalista, desta vez citando dois critérios formais de caracterização dos direitos fundamentas. estabelecidos por Carl Schmitt: "pelo primeiro, podem ser designados como direitos fundamentais todos os direitos ou garantias nomeados ou especificados no instrumento constitucional. Pelo segundo, tão formal quanto o primeiro, os direitos fundamentais são aqueles direitos que receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança: ou são IMUTÁVEIS (unabanderliche), ou pelo menos de mudança DIFICULTADA (erschwert), a saber, direitos unicamente ALTERÁVEIS mediante lei de Emenda à Constituição".(2)

Para GOMES CANOTILHO, "direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espácio-temporalmente; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vi-gentes numa ordem jurídica concreta ".(3)

José Afonso da Silva entende que "a expressão direitos fundamentais do homem são situações jurídicas (objetivas e subjetivas) definidas no direito positivo, em prol da dignidade e liberdade da pessoa".(4)

Assim, direitos fundamentais, em suma, são direitos de vital importância ao ser humano que o Estado, através de sua Lei Maior, protege, fazendo-os constarem positivamente em seu arcabouço jurídico. No Brasil, com base na Constituição, podemos classificar os direitos fundamentais em cinco grupos: (5)

I
.Direitos Individuais (art. 5º)
II .Direitos Coletivos (art. 5º)
III. Direitos Sociais (art.6º. e 193 e 55)
IV
. Direito à Nacionalidade (art. 12)
V .Direitos Políticos (art. 14 a 17)

A classificação ora mencionada tem a princípio a função de ilustrar quais os direitos fundamentais contemplados na ordem constitucional positiva, e também, levantar questão acerca da concretização e proteção desses direitos fundamentais, enveredando, portanto, pelo caminho que irá nos levar às Garantias dos Direitos Fundamentais.

Segundo preleciona José Afonso da Silva, as garantias dos Direitos Fundamentais ocorrerão em dois grupos; o primeiro, "são as garantias gerais, destinadas a assegurar a existência e a efetividade (eficácia social) daqueles direitos, as quais se referem à organização da comunidade política, e que poderíamos chamar condições econômico-sociais, culturais e políticas que favorecem o exercício dos direitos fundamentais; o segundo são as garantias constitucionais concebidas a partir da subdivisão de dois tipos: a) Garantias Constitucionais Gerais, que são instituições constitucionais que se inserem no mecanismo de freios e contrapesos dos poderes e, assim, impedem o arbítrio, com o que constituem, ao mesmo tempo, técnicas de garantias e respeito aos direitos fundamentais; b)Garantias Constitucionais Especiais que são prescrições constitucionais estatuindo técnicas e mecanismo que, limitando a atuação dos órgãos estatais ou de particulares, protegem a eficácia, aplicabilidade e a inviolabilidade dos direitos fundamentais de modo especial".(6)

Das várias modalidades de Garantias Constitucionais que visam proteger os direitos fundamentais (proteção social, proteção política e proteção jurídica) iremos nos ater, no presente trabalho, a proteção juridicional do Mandado de Injunção.

2.ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Até a promulgação da Constituição de 1988, nenhuma outra Carta havia contemplado o instituto do Mandado da Injunção. As normas constitucionais nem sempre tiveram eficácia plena em virtude de omissão legislativa, ficando dispositivos constitucionais de valia incalculável sem aplicabilidade, porque normas regulamentadoras deixavam de ser editadas. Assim é exemplo da participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, consignado já na Carta de 1946 e que jamais chegou a ser aplicado, por falta de regulamentação.

Sendo as normas constitucionais, princípios na sua grande maioria de ordem programática, remetidas sempre ao legislador infraconstituicional, este instituto já havia sendo ventilado nos anos 80, quando da V Conferência Nacional da OAB, realizada no RJ em 1985, que teve com tema central "Os Direitos Humanos", quando então, surgiu a proposta da advogada Maria Lúcia D'Avila Pizzolante de se criar "um instrumento jurídico capaz de forçar a aplicação da lei maior, evitando os lapsos de inércia à falta de norma complementar".(7)

Antes de instaurada a Assembléia Nacional Constituinte o então Vice Presidente de República, respondendo pelo Governo, Sr. José Sarney institui através de Decreto em 18.06.85 uma Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, composta pelas mais altas autoridades em Direito Constitucional para que elaborasse um anteprojeto de Constituição. Neste anteprojeto embora não tenha sido batizado pelo nome de Mandado de Injunção, também enfocou a necessidade de garantir a eficácia plena dos direitos até positivados:

"Artigo 10º - Os direitos e garantias constantes desta Constituição têm aplicação imediata.

Parágrafo 1º.- Na falta ou omissão da lei o juiz decidirá de modo a atingir os fins da norma constitucional.

Parágrafo 2º. - VeriFicando-se a inexistência ou omissão da lei, que inviabilize a plenitude da eficácia de direitos e garantias assegurados nesta Constituição, o Supremo Tribunal Federal recomendará ao Poder competente a edição de norma que venha a suprir a falta."

Mesmo sendo completamente abandonado pela Assembléia Constituinte o esboço de Constituição elaborado pelos "Notáveis", o instituto do Mandado de Injunção não fora esquecido e, acabou sendo aprovado, após algumas modificações, tais como a supressão do texto do rito processual e da expressão "do povo", em seguida a "soberania". O texto do anteprojeto da Comissão era o seguinte:

"Conceder-se-á mandado de injunção, observado o rito processual do mandado de segurança, sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania do povo e à cidadania."

O texto final promulgado encontra-se assim redigido:

"Art. 5º ...

LXXI - Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e 'a cidadania."

O vocábulo injunção é originário do latim "injunction" (unir, impor, ajuntar) "usado para indicar obrigação imposta que se apresenta em caráter de ordem formal, cujo cumprimento não pode ser desatendido", complementa Irineu Strenger.(8)

No direito comparado o Mandado de Injunção já tem presença na legislação americana, inglesa e alemã (Alemanha Ocidental)

No direito anglo-saxão, preleciona Ivo Dantas (9) , "INJUNCTIONS, de uma maneira geral, são ordens proibitivas de qualquer atividade, emitidas por um órgão judiciário, dirigidas a qualquer pessoa física ou jurídica, inclusive a um sindicato ou a seus auxiliares".

Complementa Celso Agrícola Barbi (10), no estudo, "Proteção Processual dos Direitos Fundamentais", dizendo que "no direito anglo-americano o instituto da injunction desempenha um grande papel, quer nos litígios entre particulares, para os quais foi criado, quer em matéria constitucional, à qual se entendeu com o passar dos anos". Reveste-se de duas formas: a "PROHIBITORY INJUNCTION, para vedar a prática de atos violadores de direitos, e a MANDATORY INJUNCTION, para ordenar a prática de ato cuja omissão viola direito.
O descumprimento da 'INJUNCTION', pela negativa de obedecê-la pela autoridade ou pelo particular, constitui CONTEMPT OF COURT , isto é desacato à Corte, sancionando com prisão decretada em forma sumaríssima pelo Tribunal".

Observamos, portanto, que no direito norte americano a INJUNCTION traz consigo uma conotação negativa -proibitiva. (não fazer) e quando a determinação é um fazer, assume a denominação de MANDAMUS, não configurando as duas palavras para formar uma única expressão, porém cada uma em si tem um sentido –conteúdo próprio :INJUNCTION – negaça o: MANDAMUS -positivo .

O campo de aplicação das injunções no Direito Americano., tanto pode ter natureza de Medida Cautelar ou de remédio definitivo, é bastante amplo, podendo ser empregado para decidir questões de família, de direito comercial, de direito administrativo, de direito do trabalho, "sendo lícito sua impetração toda vez que à falta de norma legal expressa, tenham as partes que se valer de equidade para proteção de seus direitos". (11)

3. CONCEITO

Em razão da necessidade de se atribuir conceitos aos institutos jurídicos a fim de obtermos o real sentido das expressões jurídicas, buscando seu conteúdo, podemos conceituar o Mandado de Injunção de duas maneiras. A primeira legalmente e, a segunda, doutrinariamente.

O conceito legal encontra-se no próprio texto normativo, que no nosso caso está na CF / 88, art.5º , inciso LXXXI, onde prescreve:

"Conceder-se-á mandado de injunção sempre a falta de norma regulamentadora tome inviável o exercício dos direitos e liberdade constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania."

O conceito a partir dos estudiosos da Ciência do Direito, é mais amplo, uma vez que cada um, na atividade cognocitiva, chega a suas próprias conclusões. Assim, RANDOLPHO GOMES (12) "define o Mandado de Injunção como uma ação civil, de origem constitucional, de cognição exercível por qualquer pessoa ou entidade em face de quem que obste o exercício de um direito da Constituição sob pretexto ou fundamento da inexistência de norma que o regulamente".

Já o professor IRINEU STRENGER (13) propõe o seguinte conceito: "Mandado de Injunção é o procedimento pelo qual se visa obter ordem judicial que determine a prática ou abstenção de ato, tanto da administração pública, como do particular, por violação de direitos constitucionais fundada na falta de norma regulamentadora".

O Professor IVO DANTAS (14), entende que, "sob a perspectiva de uma definição doutrinária, o ponto capital a ser enfrentado é o da compreensão do adjetivo INVIÁVEL, que funcionará para o Mandado de Injunção como a expressão DIREITO LÍQUIDO E CERTO - funciona para o Mandado de Segurança".

Sem mais delongas podemos, a partir do conceito legal do Mandado de Injunção chegar ao seguinte entendimento: Mandado de Injunção é uma garantia ou Remédio Constitucional, através do qual se tenta obter o exercício dos direitos e liberdades constitucionais catalogados nos arts. 5º ao art. 17, bem como "outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". (art. 5º. § 2º. da CF ), sempre que se verifique a ausência da norma regulamentadora obstacularizando a eficácia plena daqueles direitos e liberdades.

4. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

Por natureza, todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia jurídica, ou seja, possuem aptidão para produzir seus próprios efeitos jurídicos.

Ao longo do Texto Constitucional, encontramos dispositivos de aplicabilidade imediata e, outros que necessitam de regulamentação por via de legislação ordinária ou de lei complementar, a fim de que essas disposições constitucionais possam ter executoriedade.

Em face dessa realidade verificamos a existência de uma lacuna, que Maria Helena Diniz chama de Lacuna Técnica (15), ou seja, ausência de uma norma imprescindível para que outra produza efeitos jurídicos. A própria Constituição oferece mecanismos para suprir a referida lacuna, a saber: o mandado de injunção e a iniciativa legislativa popular.

Aqui, nos interessa perquirir acerca do mandado de injunção, que tem como fim precípuo coibir o vácuo normativo, para o caso concreto, quando, então, apresentamos os pressupostos basilares a sua interposição:

a) indicação de um direito ou liberdade constitucional, ou de uma prerrogativa inerente à nacionalidade, à soberania ou à cidadania cujo exercício esteja inviabilizado.

b) ausência de norma regulamentadora do direito, liberdade ou prerrogativa demandada.

Podemos dizer, portanto, que o primeiro pressuposto alude a respeito da necessidade da existência de um ato ou omissão que torne inviável o exercício de um direito dado, palpável, definido. E, no segundo indispensável é a falta de regulamentação que impossibilitou o exercício do preceito constitucional. Caso esse em que será o remédio jurídico interposto contra a pessoa dotada de competência para promover a elaboração da norma faltante.

Quanto à terminologia utilizada pelo legislador Constituinte, foi, ao nosso ver, por demais abrangente, pois tratou da “falta de norma regulamentadora", não explicitando que tipo de norma, levando-nos a abranger todos os seus tipos, desde os de elevado grau hierárquico até os simples atos administrativos que devem ser praticados pelo mais humilde dos servidores. Englobou as leis complementares, as ordinárias, as delegadas, as medidas provisórias, os decretos legislativos, as resoluções legislativas, os decretos executivos, as constituições e leis estaduais, as leis orgânicas e municipais e todo o arsenal de atos praticados pelos diversos órgãos do poder, como deliberações, resoluções, provimentos, circulares, portarias, despacho, etc.

5. CAMPO DE PROTEÇÃO DO MANDADO DE INJUNÇÃO

Cabe-nos a pergunta: quais serão os direitos amparáveis pelo Mandado de Injunção?

A Constituição Federal de 1988 optou por um enunciado genérico das categorias abrangíveis: a) direitos; b) liberdades constitucionais e c) prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Antes de adentrarmos a análise específica de cada uma categoria, lembramos que exclui do campo de proteção do Mandado de Injunção os direitos, liberdades e prerrogativas auto-aplicáveis. (não dependem de norma regulamentadora).

Sendo princípio jurídico internacionalmente aceito o de que não deve a lei ter palavras vãs, passemos a perquirir o significado das categorias acima citadas:

a) direitos constitucionais: usado no plural significa segundo PLÁCIDO e SILVA (16) "uma faculdade outorgada à pessoa, em virtude da qual a cada um se atribui o que é seu, não se permitindo que outro venha prejudicá-lo em seu interesse, porque a lei, representando a coação social, protege-o em toda a sua plenitude".

Portanto, direitos constitucionais significa o conjunto de faculdades atribuídas aos governados pela Lei Maior. É muito vasto, destarde, seu elenco. Estão enumerados entre os direitos individuais, coletivos, sociais e políticos e nas disposições transitórias do texto constitucional, bem como nos demais capítulos da Carta Magna.

b) Liberdades Constitucionais: a maior liberdade está inscrita no artigo 5º II, significando dizer que tudo que não é proibido é livre de ser praticado; além deste princípio norteador a Constituição arrola entre outras, as seguintes:

- liberdade de manifestações do pensamento;
- liberdade de consciência;
- liberdade de crença;
- liberdade de expressão;
- liberdade de comunicação;
- liberdade de exercício profissional;
- liberdade de Associação, inclusive sindical;
- liberdade de obter informações pelo habeas data;
- liberdade de ensino, de pesquisa e de planejamento familiar;
- liberdade de locomoção (proteção também pelo Hábeas Corpus) .

c) Prerrogativas inerentes à nacionalidade, à sabedoria e à cidadania: o verbete prerrogativa segundo IEDO BATISTA NEVES em "Vocabulário Prático de Tecnologia Jurídica", "diz-se do privilégio; do poder; do direito; da regalia que uma pessoa ou uma corporação usufrui mais que outras, ou que as distingue de outras".

As prerrogativas a que alude o disposto no art. 5º, LXXI, decorreu dos princípios expostos nos arts: 12 e 14 a 16, tendo repercussão em variados outros dispositivos constitucionais.

1. Prerrogativas à nacionalidade: são as de:

- poder exercer os cargos públicos, por eleição ou por nomeação;

- não ser extraditado, salvo, se naturalizado, for condenado por crime comum antes da naturalização, ou após, se comprovado envolvimento em tráfico de entorpecentes e drogas afins.

Nacionalidades estrangeiras que gozam de prerrogativas:

- as outorgadas aos portugueses, desde que haja reciprocidade;

- aos originários de países de língua portuguesa, aos quais se abrevia o prazo para naturalização.

2. Prerrogativas à soberania: a expressão aqui utilizada pelo legislador constituinte tem em vista a soberania popular e não aquele atributo do Estado, da Nação ou do Poder Constituinte. Assim, as prerrogativas à soberania dizem respeito a soberania popular que é a referida no artigo 14, como os meios de seu exercício, isto é, sufrágio universal, voto secreto e direto, com igual valor para todos, mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular.

3. Prerrogativas inerentes à cidadania compreendida como a qualidade do indivíduo que tem direitos políticos, ou seja é cidadão o nacional (nato ou naturalizado) no gozo dos seus direitos civis e políticos:
Os direitos políticos são adquiridos pelo alistamento eleitoral e exercidos pelo VOTO e pela ELEGIBILIDADE.

Tal é, portanto, o alcance dado pela Constituição ao Mandado de Injunção Inviabilizado, de qualquer forma, o exercício de quaisquer desses direitos, liberdades ou prerrogativas elencadas, por falta de norma que os regulamente, têm os governados a seu dispor o novo remédio, para usufruir dos privilégios sonegados. O elenco é tão vasto quanto a amplitude do dispositivo contido no art. 5º, verbis: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

6. ASPECTOS PROCESSUAIS DO MANDADO DE SEGURANÇA

6.1. Auto-aplicabilidade ao ser criado o Mandado de Injunção, a primeira grande questão que se pôs, na ordem cronológica, foi determinar se o novo remédio seria imediatamente aplicável ou se dependeria, para tornar-se efetivo, de norma que o regulamentasse, notadamente nos seus aspectos processuais. Prevaleceu, enfim, a tese da auto-aplicabilidade, considerando-se o novo "writ" como garantia prontamente realizável, regendo-se, conforme o caso, pelo procedimento do Mandado de Segurança (Lei 1.533/51) ou pelo procedimento ordinário do Código de Processo Civil.

O fundamento da auto-aplicabilidade do Mandado de Injunção encontra-se no próprio texto constitucional (art.5º -§1º), que proporciona pela aplicação imediata das normas definidoras de garantias fundamentais.

6.2. Competência São competentes para apreciar o Mandado de Injunção, em instância originária: I- O Supremo Tribunal Federal, quando a edição da norma regulamentadora for de .responsabilidade do (a):

.Presidente da República;
.Congresso Nacional;
.Câmara dos Deputados;
.Senado Federal;
.das mesas de uma dessas casas legislativas (Câmara ou Senado);
.Tribunal de Contas da União;
.de um dos Tribunais Superiores ou
.do próprio Supremo Tribunal Federal.

II - O Superior Tribunal da Justiça, quando a edição da norma regulamentadora for de responsabilidade:
.de autoridades federais;
.da administração direta ou indireta não inserida na competência do STF, da Justiça Federal, Militar, do Trabalho e Eleitoral.

III - O Tribunal Superior do Trabalho.
O Tribunal Superior Eleitoral o Superior Tribunal Militar e Os Tribunais Regionais Federais, quando a edição da norma regulamentadora for de responsabilidade de autoridades federais, da administração direta ou indireta, obedecidas a competência especializada de cada órgão, o local onde deveria se dar a edição do texto ausente e a pessoa ou entidade encarregada de editá-lo.

IV- Os demais órgãos da Justiça Federal, Eleitoral, do Trabalho e Militar, obedecidas a especialidade, o local da edição do ato e a pessoa ou entidade encarregada de editá-lo.

V- A Justiça Estadual, por seus órgãos, quando a edição da norma regulamentar for de responsabilidade de autoridades estaduais ou municipais, da administração direta ou indireta, ressalvada a competência especializada e observados o local onde a edição do ato deveria ter lugar e a pessoa ou entidade encarregada de editá-lo.

6.3. RITO ADEQUADO

Deixou a Constituição de estabelecer o rito processual para a utilização do novel instituto. No entanto, o Tribunal Federal de Recursos institui alterando, em seu Regimento Interno, normas procedimentais do Mandado de Injunção, através do ato nº 1.245, de 16.11.88. - que são as seguintes:

a) o registro da Ação far-se-á no Protocolo da Secretaria do Tribunal na classe PETIÇÃO, onde receberá numeração contínua e seriada;

b) o registro e a distribuição far-se-ão através de sistema eletrônico, com designação das partes, respectivamente, como impetrante e impetrado;

c) quando de competência originária do Supremo serão processados e julgados pelo Tribunal Pleno e pelas Seções Especializadas;

d) no processo e julgamento dos Mandados de Injunção serão adotadas,no que couber, as normas previstas no Regimento Interno para o Mandado de Segurança;

e) Os processos de Mandado de Injunção terão prioridade sobre todos os atos judiciais, salvo o HABEAS CORPUS, MANDADO DE SEGURANÇA e o HABEAS DATA.

6.4. PARTES

A Legitimação ativa para a impetração da medida não destoa da regra geral: tem - na titular o direito cujo exercício está obstado - por falta de norma regulamentadora.

Da leitura do art. 5º (caput) da Constituição, verificamos que no Mandado de Injunção os sujeitos ativos são os brasileiros e os estrangeiros residentes, no País, aos quais são assegurados os direitos individuais e coletivos assegurados nos vários incisos do supra citado. artigo.

Assim, no pólo ativo do mandado de injunção tanto: poderão estar "pessoas físicas como jurídicas, públicas ou privadas, podendo, ainda, ser requerido, até, pelas entidades sem personalidade - jurídica hábeis para estar em juízo, as chamadas UNIVERSITAS BONORUM, como o condomínio, o espólio, a massa falida e a massa, liquidanda ".(17)

A legitimação passiva caberá às pessoas, entidades de órgãos que,por ação ou omissão o "exercício de direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania". A ordem pode ser dirigida a qualquer pessoa física ou jurídica, inclusive um sindicato ou a seus auxiliares.

Por fim, fazendo uso das palavras de Hely Lopes Meirelles (18) na Monografia "Mandado de Segurança e Ação Popular", adaptando-as ao mandado de injunção: "As partes iniciais no mandado de segurança são IMPETRANTE (titular do direito), o IMPETRADO (autoridade coatora) e o MINISTÉRIO PÚBLICO (parte pública autônoma). Sem essa integração ativa e passiva não se completa a relação processual formadora da lide. Além destas partes iniciais no mandado de segurança, outros interessados poderão integrar no feito, desde que tenham legitimidade para estar ao lado do impetrante ou do impetrado como LITISCONSORTES ou ASSISTENTES".

6.5
. SENTENÇA

A sentença, no dizer de Arruda Alvin (19) é "o ato culminante do processo de conhecimento. Na sentença, o juiz, na qualidade de representante do Estado, dá, com base na lei e no direito, uma resposta imperativa ao pedido formulado pelo autor bem como à resistência oposta a esse pedido, pelo réu, na defesa apresentada".

Esse conceito é aplicado a toda teoria do direito, que, contudo, é, também, aplicável ao mandado de injunção.

De toda a análise do novel instituto, a que tem causado maior interesse, é sem dúvida alguma, o estudo da sentença, já que dela dependerá a eficácia do mandado de injunção.

Com efeito, ao indagarmos sobre qual proteção o juiz dará no mandado de injunção ao direito, podemos ventilar algumas possíveis soluções a saber:

a) que a sentença que acolher o pedido poderá pretender compelir o Poder Legislativo a elaborar a lei regulamentadora, ou

b) que a sentença limitar-se-á a declarar a omissão do Poder Legislativo, ou

c) que o juiz assuma o papel de legislador omisso e crie uma norma geral regulamentadora, ou

d) que o juiz crie, para o caso concreto do requerente de mandado de injunção, uma norma especial. ou adote uma medida capaz de proteger o direito do autor da demanda.

A inteligência do dispositivo constitucional (art.5º, LXXI) nos remete a acatar, com segurança, a última opção, ou seja a de que o Estado-juiz crie uma norma especial para o caso concreto, ou adote uma medida capaz de proteger o direito do autor da demanda. No dizer de Celso Agrícola Barbi
(20) "essa solução está de acordo com a função tradicional da sentença, que é resolver o caso concreto levado ao Poder Judiciário, mas limitando a eficácia apenas a esse caso, sem pretender usar funções próprias de outro Poder".

Com muita propriedade, Randolpho Gomes (21) complementa, aludindo: "Já vimos que não se compatibiliza com a natureza do remédio para sua concessão em tese. Há necessidade de um caso concreto, submetido ao guante do Judiciário. É preciso que haja, no mundo fático, uma obstaculização ao exercício do direito. Assim, não terá a sentença força normativa que a tome aplicável a outros casos. Restringir-se-á ela a resolver a hipótese concreta submetida do julgamento, não se estendendo a outros casos, embora semelhantes, salvo se, por efeito de um litisconsórcio oportunamente formulado, penderem eles de decisão no mesmo feito".

As sentenças proferidas no mandado de injunção, portanto, terão com conteúdo um comando dirigido ao ente ou pessoa obstacularizante do exercício do direito, e servirá para resolver, apenas, o caso concreto submetido ao julgador no feito presente, inalcançando outros, a não ser por força da formação jurisprudencial.

Por fim, comunga deste mesmo entendimento IVO DANTAS (22) quando preleciona que os efeitos do Mandado de Injunção "são apenas INTERPARTES, ou seja, beneficiarão àqueles que foram parte no processo. Preenchida a lacuna, caberá ao Judiciário fixar o COMO deverá ser exercido o direito constitucionalmente assegurado, cabendo à autoridade a quem foi dirigido o comando, cumpri-lo, sob penas de caracterizar-se o CRIME DE DESOBEDIÊNCIA ou CRIME DE PREVARICAÇÃO, ambos previstos no Código Penal, hipótese em que poderá ocorrer, inclusive, a PRISÃO EM FLAGRANTE".

6.6 RECURSOS

Das sentenças em mandado de injunção, afora os recursos cabíveis nos incidentes processuais, que são comuns da legislação processual civil, cabem os seguintes recursos:

a) Embargos de Divergência, se decidido de uma turma, para o Pleno, observados os regimentos dos órgãos julgadores e a legislação processual adequada;

b) Recurso Extraordinário, nos casos permitidos pela Constituição;

c)Recurso Ordinário, para o Supremo Tribunal Federal, quando a medida for de negada pelos Tribunais Superiores, à exceção do Tribunal Superior Eleitoral;

d) Recurso Especial, para o Superior Tribunal de Justiça, nos casos permitidos pela Constituição;

e) Recurso Ordinário, para o Tribunal Superior Eleitoral, caso denegatória a decisão proferida pelos Tribunais Regionais Eleitorais;

f) Apelação, para os Tribunais de Justiça dos Estados, se proferidas as decisões pelos juizes que se lhe subordinam;

g) Recursos Ordinários, para os Tribunais Regionais do Trabalho, quando proferidas as decisões pelas Juntas de Conciliação e Julgamento, e para o Superior Tribunal Militar, se proferidas pelas Auditorias, respeitadas a competência específica e as normas processuais atinentes.

São irrecorríveis:

I- Decisões concessivas ou negativas, do Supremo Tribunal Federal;

II - Decisões concessivas, de lavra dos Tribunais Regionais Eleitorais;

São passíveis apenas de Recurso Extraordinário:

I- Decisões negativas, proferidas pelo Tribunal Superior Eleitoral;

São
passíveis apenas de Recurso Extraordinário, para o Supremo Tribunal Federal, ou de Recurso Especial, para o Superior Tribunal de Justiça:

I- Decisões concessivas, proferidas pelos Tribunais Superiores.

7. CONCLUSÃO

Por se tratar de um assunto que, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, se encontra em formação, haja vista sua recente criação pela Constituição Federal de 1988, iremos aqui fornecer algumas inferências que achamos necessárias para o desenvolvimento desta garantia eminentemente brasileira.

1) Entendemos que o mandado de injunção necessita com uma certa urgência ser processualmente regulamentado para segurança jurídica;

2) Como garantia dos direitos fundamentais o Mandado de Injunção é de extrema importância para o indivíduo (brasileiro ou estrangeiro residente e no país) tomar efetiva a norma constitucional sempre que a ausência da norma regulamentadora tome inviável o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas constitucionais.

3) Por ser um instituto jurídico em construção o poder criativo e ousado do advogado é imprescritível, bem como a responsabilidade do magistrado é fundamental para que o desenvolvimento desta nova garantia venha se consolidar efetivamente, no nosso Ordenamento Jurídico;

4) "O magistrado tem ao aplicar o art. 5º, LXXI, da Constituição Federal, criando uma norma individual, autorização para preencher a lacuna técnica, devendo, para tanto, manter-se dentro dos limites marcados pelo direito, de maneira que aquele desenvolvimento aberto só poderá dar-se dentro dos marcos jurídicos. Conseqüentemente, a decisão jurisdicional deve estar em consonância com o conteúdo da consciência jurídica geral, com o espírito do ordenamento jurídico, que é mais rico de conteúdo do que a disposição normativa, por conter critérios jurídicos e éticos, idéias jurídicas concretas ou fáticas, que não encontram expressão jurídica".(23)

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Paulo Bonavides - Palestra proferida no IV Congresso Brasileiro de Filosofia do Direito - Em Homenagem a Miguel Reale, João Pessoa, Pb,dez/1990.
2. GOMES CANOTILHO, DIREITO CONSTITUCIONAL, Livraria Almedina, Coimbra -1989, 4ª.ed. fls. 434.
3. José Afonso da Silva. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO, São Paulo, ed. Revista dos Tribunais –6ª.Ed. 1990, p. 160.
4. Classificação fornecida por José Afonso da Silva, ob. cito p. 164, que a meu ver deve ser complementada no sub-grupo dos direitos sociais com os arts. 7º, 8º, 9º, 10º e 11º.
5. Jose Afonso da Silva, op. cito p. 167/168.
6. Idem.
7. Randolpho Gomes, MANDADO DE INJUNÇÃO, Edições Trabalhistas S.A., Rio de Janeiro, 1989, p.19.
8. Irineu Strenger, MANDADO DE INJUNÇÃO, São Paulo, Ed. Forense Universitária Ltda, 2ª. Edição, 1988, p.13.
9. Ivo Dantas, MANDADO DE INJUNÇÃO - GUIA TEÓRICO E PRÁTICO, Rio de Janeiro, Ed. AIDE, 1989, p.67.
10.Celso Agrícola Barbi, REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL, São Paulo, Forense, 1988, nº 67, p.28.
11. Randolpho Gomes, op. cito p.14.
12. Idem, op. cito p.26
13. Irineu Strenger, op. cito p. 15.
14. Ivo Dantas, op. cito p. 71.
15. Maria Helena Diniz, NORMA CONSTITUCIONAL E SEUS EFEITOS, São Paulo, Saraiva, 1992, 2ª. Ed., p.37.
16. De Plácido e Silva, VOCABULÁRIO JURÍDICO, V.II. Forense,São Paulo, 1967.
17. Randolpho Gomes, op. cito p.25.
18. Hely Lopes Meirelles, MANDADO DE SEGURANÇA E AÇÃO POPULAR, RT, 1983, 9ª. Ed., p. 26.
19. Arruda Alvin, MANUAL DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL, Ed. RT, 1978, VaI. II, p. 344.
20.Celso Agrícola Barbi, op. cito p. 18.
21. Randolpho Gomes, op. cito 46/47.
22. Ivo Dantas, op. cito p. 97.
23. Maria Helena Diniz, op. cito p. 39/40