LAND REGULARIZATION AND RIGHT TO HOUSING
Maria Águeda Pontes Caminha Muniz
Doutora e mestre em Arquitetura e Urbanismo pela UFRN –
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Especialista em Finanças e Gestão
Pública pela UFC – Universidade Federal do Ceará. Secretária Municipal de Urbanismo
e Meio Ambiente de Fortaleza, Ceará.
Márcia Maria Pinheiro da Silva
Mestranda em Direito e Relações Privadas, Direitos Humanos
e Desenvolvimento na UNI7 – Centro Universitário 7 de setembro (UNI7).
Pós-graduada em Direito Processual Civil pela UNISUL - Universidade do Sul de
Santa Catarina (UNISUL). Defensora Pública do Estado do Ceará.
Resumo: A Constituição Federal de 1988 assegura expressamente o direito social à moradia, quando estabelece, por meio da política urbana a promoção da redução das desigualdades na ocupação do espaço urbano no Brasil. Este artigo é fruto de pesquisa bibliográfica, com abordagem qualitativa e tem como objetivo analisar os principais aspectos da regularização fundiária no ordenamento jurídico brasileiro à luz dos princípios da função social da propriedade e do direito fundamental à moradia na atualidade. Além disso, intenta-se examinar os desafios e a eficácia, na contemporaneidade, do instrumento denominado cota para moradia de interesse social, também intitulado de cota da solidariedade, bem como sua origem e utilização nos Estados Unidos, em alguns países da Europa e no Brasil, ou seja, estudar-se-á em que medida os instrumentos de regularização fundiária e a cota de interesse social estão, efetivamente, promovendo o direito à moradia e a cidade sustentável.
Palavras-chave: Regularização
Fundiária. Função Social. Moradia.
Cota da Solidariedade.
Abstract: The Federal Constitution of 1988 expressly
guarantees the social right to housing, when it establishes, through urban
policy, the promotion of the reduction of inequalities in the occupation of
urban space in Brazil. This article is the result of a bibliographical research
with a qualitative approach and aims to analyze the main aspects of land
regularization in the Brazilian legal system in light of the principles of the
social function of property and the fundamental right to housing today. In
addition, an attempt is made to examine the challenges and the efficacy, at the
present time, of the instrument known as the quota for housing of social
interest, also called the solidarity quota, as well as its origin and use in
the United States, in some European countries and in the Brazil, that is, it
will study the extent to which land regularization instruments and the social
interest quota are effectively promoting the right to housing and the
sustainable city.
Keywords: Land Regularization. Social Role. Home. Inclusionary Zone.
O presente trabalho tem o objetivo específico de analisar a regularização fundiária como instrumento de efetivação do direito à moradia e à cidade sustentável. Nessa perspectiva, busca-se identificar os aspectos relevantes da regularização fundiária, à luz do princípio da função social da propriedade, e em que medida este instrumento contribui para a redução das desigualdades sociais.
Para tanto, é realizada, inicialmente, uma
descrição do instituto da regularização fundiária, sobretudo para delinear o
seu conteúdo e evolução, interligando-o com o princípio da função social da
propriedade e os dispositivos legais que a abrangem. Logo em seguida,
examina-se, também, o programa conhecido como cota de solidariedade — ou cota para moradia de interesse social aplicado
inicialmente nos Estados Unidos e em outros países europeus, como a França e,
muito recentemente, no Brasil.
O conceito de regularização fundiária está intrinsecamente
relacionado aos direitos e garantias constitucionalmente assegurados aos
cidadãos, tal como o direito à propriedade e seu desdobramento referente à
função social. Tal direito está previsto no art. 5º da Constituição Federal, em
seus incisos XXII e XXIII. O direito à moradia, por sua vez, está previsto no
art. 6º, caput, da referida Carta
Magna. Consiste, pois, no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas,
ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à
titulação de seus ocupantes, a fim de garantir o direito social à moradia, o
pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado.[1]
Com efeito, a Constituição Federal de 1988 redimensionou o papel do Estado dotando-o de institutos jurídicos de conteúdo social e ambiental, como, por exemplo, na função social e ambiental da propriedade e na delimitação das políticas públicas relacionadas ao urbanismo.
O objetivo de toda política urbana remete-se à concretização do direito à cidade, conforme estabelecido no art.182 da Constituição, idealizado pelo legislador constituinte com a finalidade de atingir os anseios da sociedade.
Sendo assim, além do mencionado art. 182, existem outros instrumentos jurídicos que se relacionam à regularização fundiária urbana de interesse social e ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, a saber: a Lei Federal de Parcelamento do Solo Urbano n.º 6766/1979; o Estatuto da Cidade (Lei Federal n.º 10.257/2001); e a Lei do Programa Minha Casa Minha Vida (Lei Federal n.º 11.977/2009).
A regularização fundiária tem como objetivo normalizar uma situação fundiária que, do ponto de vista jurídico, está relativamente em desacordo à legislação, uma vez que o detentor do bem não possui título jurídico válido para o exercício da posse daquele espaço urbano. Isto posto, pode-se afirmar que a função social deve servir como fundamento para a regularização fundiária de interesse social, especialmente para a implementação de políticas públicas voltadas à população de baixa renda, de modo a contribuir para a redução das desigualdades sociais e efetivação do direito à moradia.
No contexto do direito à propriedade, é dever do proprietário fazer uso de seus bens de maneira a garantir uma função social, obedecendo a determinados parâmetros legais e visando ao bem da sociedade em geral.
A primeira ideia de função social da propriedade surgiu no século XX, a partir de conceito elaborado por León August Duguit. Em oposição às doutrinas individualistas sustentadas até então, o autor defendeu o ponto de vista que a propriedade é uma instituição jurídica que, como qualquer outra, se formou para responder a uma necessidade econômica, evoluindo de acordo com tais necessidades (DUGUIT, 1975, p. 235).
Duguit criticou a concepção individualista da propriedade, sobretudo no tocante à premissa de que somente concedendo ao possuidor um direito subjetivo absoluto sobre o bem é que se poderia assegurar a plenitude de sua autonomia (DUGUIT, 1975, p. 237). Ancorando-se em tal conceito, a Constituição Federal de 1988 atribuiu como fundamental o direito à propriedade, asseverando que este, todavia, há de cumprir a sua função social, uma vez que é do interesse de toda a sociedade.
Conforme assinalado anteriormente, a função social está historicamente inserida no conceito de propriedade, e teve a primeira previsão no ordenamento jurídico no art. 157, inciso III, da Constituição Federal de 1967.[2] Note-se que, diferentemente da função social da propriedade rural — bem delimitada no art. 186 da Carta Magna[3] Brasileira—, a função social da propriedade urbana, mais especificamente no artigo 182, § 2º, apenas indica que a propriedade urbana cumpre a sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade, expressas no Plano Diretor.
Quando a propriedade é subutilizada ou subaproveitada, perde a sua função social, estando passível, portanto, de ser objeto de sanções pelo Estado, a fim de que possa vir a ser efetivamente utilizada. O não cumprimento de tal dever pode levar, inclusive, à perda da propriedade, ou seja, o próprio exercício da propriedade está condicionado ao atendimento de sua função social.
Para Fernando Dias Menezes de Almeida, no que diz respeito à propriedade urbana privada, existe pelo menos um aspecto material da função social, delimitado pela Constituição Federal. Acentua o autor que “[...] o solo urbano não cumpre a sua função social se não utilizado, subutilizado ou não edificado. ” (2004, p. 61).
Na hipótese de a propriedade urbana não cumprir a sua função social e o Poder Público não conseguir implementar o que a legislação estabelece — tanto no que diz respeito a sanções quanto no que concerne à promoção desta função social na cidade — fica evidenciada a existência de um direito subjetivo público[4], que representa nada mais do que um direito que a pessoa está autorizada a praticar, considerando interesses que afetam a coletividade.
Importa destacar, neste escrito, a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu em acordão o direito subjetivo à regularização fundiária de interesse social e o dever do Poder Público de regularizar a situação dos moradores na situação concreta.[5]
Sendo assim, a regularização fundiária está ligada à função social da propriedade, isto é, o proprietário deve exercer o seu direito de maneira mais compatível com a utilidade social, no intuito de contribuir para a redução das desigualdades sociais e promover a justiça social.
O direito à moradia foi expressamente assegurado no Texto Constitucional somente com a edição da Emenda Constitucional n.º 26. É evidente que a interpretação dos demais mandamentos constitucionais (como a dignidade da pessoa humana, prevista no art.1º, inciso III; a erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais como objetivos fundamentais da República previstos no art. 3º inciso, inciso III; o direito à saúde, a segurança e a assistência aos desamparados, previstos no caput do art. 6º antes da EC26, todos da Constituição Federal) já permitia reconhecer a moradia como elemento essencial da vida humana em sociedade (FERRAZ, 2003, p. 144).
A regularização fundiária urbana de interesse social é um mecanismo expresso como possibilidade de concretização do direito à moradia, e é preciso reconhecer que houve um avanço do ponto de vista jurídico, entretanto, na prática, se observa a dificuldade de implementar e dar efetividade a esse direito social.
Com efeito, a Lei Federal n.º 6.766, de 19 de dezembro de 1979, denominada de Lei de Parcelamento do Solo, foi de fundamental importância, uma vez que reconheceu a necessidade de envolvimento do Poder Público na definição de regras mínimas para o estabelecimento de condições aceitáveis para o parcelamento e posterior utilização do solo, considerando o espaço urbano inserido em um contexto social, com os seus equipamentos e serviços.
Com a alteração da Lei Federal n.º 9785/1999, restou facilitada a aprovação de parcelamentos populares ou habitações de interesse social e, ainda, a regularização de loteamentos e desmembramentos não autorizados ou executados em desacordo ás exigências de licenciamento. Referida lei estabelece a previsão de a legislação municipal dividir o município em zonas destinadas à identificação dos usos permitidos e de índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo diferenciada em cada zona, incluindo as áreas mínimas e máximas de lotes e seus coeficientes máximos de aproveitamento.[6]
Ademais, a lei prevê como requisito para o parcelamento a obrigatoriedade de o terreno ser servido de infraestrutura básica[7], constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação.[8] Os loteamentos devem, além disso, ter áreas destinadas a sistema de circulação, implantação de equipamento urbano[9] e comunitário[10] e espaços livres de uso público proporcionais à densidade de ocupação, podendo o Poder Público estabelecer faixas non aedificandi para ambas as hipóteses.[11]
Registre-se o fato de que, mesmo não sendo a regularização fundiária o enfoque principal desta lei, ela encerra o reconhecimento, pela primeira vez, de variados padrões de parcelamento, uso e ocupação do solo — com projetos voltados para pessoas de baixa renda e flexibilização da exigência de título de propriedade para o registro dos lotes.
A Lei Federal n.º 10.257/2001, denominada de Estatuto da Cidade, foi um grande avanço nesse sentido, pois estabelece dispositivos que regulam instrumentos a serem utilizados em processos de regularização fundiária urbana de interesse social.
Assim, o Estatuto das Cidades foi editado com o objetivo de regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo normas de ordem pública e de interesse social para regular o uso da propriedade urbana em prol da coletividade, do bem-estar dos cidadãos e do equilíbrio ambiental.
O art. 2º, inciso XIV, do Estatuto da Cidade considera a regularização fundiária e a urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda uma diretriz para que seja atingido o objetivo da política urbana:
Art. 2. A política urbana tem
por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da
propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: [...]
XIV – regularização fundiária
e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o
estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e
edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas
ambientais.
No art. 4º, inciso V, alínea q, o Estatuto da Cidade situa — dentre os instrumentos da política urbana — a regularização fundiária no rol de institutos jurídicos e políticos.[12]
É nessa direção que Nascimento (2013, p. 34) esclarece:
Entender-se-ia por regularização fundiária urbana o instituto jurídico e político (i) voltados a regularização dos aspectos jurídicos de áreas ocupadas irregularmente, incluindo a possibilidade de fixação de exceções ou diferenças normativas no tocante à urbanização, uso e ocupação [13], (ii) respeitadas as normas ambientais,(iii) sem determinação a priori de destinatários, mas tendo a população de baixa renda como destinatária na hipótese de haver interesse social, (iv) podendo abranger irregularidades decorrentes do uso e ocupação do solo e das edificações.
O Estatuto da Cidade então, estabelece relação entre regularização fundiária e urbanização quando engloba ação jurídicas visando a adequar as ocupações irregulares para a legalização do domínio, por meio da titulação da propriedade ou da posse, aos ocupantes de áreas ilegais, ou mediante a flexibilização de seus aspectos urbanísticos de uso e ocupação do solo das edificações.
O direito à cidade tem como fonte de origem os princípios constitucionais das funções sociais da cidade e da propriedade, norteadores da política urbana. Pertencente à categoria dos direitos difusos, como o direito ao meio-ambiente, o direito a cidades sustentáveis preconiza a meta fundamental da República Brasileira para o desenvolvimento urbano: tornar as cidades brasileiras mais justas, humanas, democráticas e sustentáveis (ROLNIK, 2002, p. 32)
O direito à moradia e o direito às cidades sustentáveis, são sistemas de proteção de direitos humanos reconhecidos, internacional e nacionalmente, como direitos humanos, além de serem considerados como os fundamentos para a promoção de uma política urbana que priorize a urbanização e a regularização dos assentamentos precários, visando a melhorar as condições de vida, tanto no aspecto da moradia como sob o prisma ambiental (implantação de rede de esgoto e tratamento dos resíduos, canalização dos córregos, educação ambiental, recuperação e reposição de áreas verdes). Essa política urbana deve ter também como meta a regularização fundiária, visando a conferir uma segurança jurídica à população moradora dos assentamentos. (ROLNIK, 2002, p.p 162-163)
Por último, importa ressaltar que a Lei n.º 11.977/2009 — a qual instituiu o Programa Minha Casa Minha Vida, cujo objetivo seria implementar uma nova política destinada à produção de moradia com maior abrangência em todo o País — estabelecia, em seu art. 46, o conteúdo do termo Regularização Fundiária, tendo sido recentemente alterada pela Medida Provisória n.º 759, de 22 de dezembro de 2016.
O Governo Federal, por via de material de propagação, reúne como sendo três as metas do Programa, que são: a implementação do Programa Nacional de Habitação, com a construção de um milhão de moradias, o aumento do acesso de famílias de baixa renda, ou seja, aquelas com renda mensal de três até dez salários- mínimos, a casa própria e geração de emprego e renda por meio de investimento na construção civil.
O Programa Minha Casa Minha Vida se subdivide em dois- O Programa Nacional de Habitação Urbana e o Programa Nacional de Habitação Rural -no entanto, a maior parte dos recursos é destinada ao primeiro, uma vez que é nas regiões urbanas onde há a maior carência de moradias.
Conforme o relatório publicado quando do 8º ConstruBusiness, o Congresso Brasileiro da Construção,
Programas Federais como o Minha Casa, Minha Vida vêm gerando externalidades positivas no setor do Construbusiness. Após o lançamento do programa Minha Casa, Minha Vida, verificou-se um crescimento na produção de novas unidades habitacionais voltadas, principalmente, para o público alvo do Programa. O crescimento do mercado se reflete diretamente na criação de empregos, no aquecimento da indústria de materiais de construção e na retomada da atividade econômica do país. (DECONSIC/FIESP, 2010, p. 45)
A citada medida provisória contém duas modalidades de regularização fundiária: a de interesse social, que visa a atender à população de baixa renda, e a de interesse específico, aplicável a núcleos urbanos informais habitados por população não denominada de baixa renda. Além disso, o registro é realizado de maneira inovadora na regularização fundiária, uma vez que o processo ordinário de regularização de título por título é substituído por um reconhecimento de aquisição originária de propriedade, com cadastro aprovado pelo Poder Público e pelo sistema de registro de imóveis eletrônicos, com o propósito de assegurar maior celeridade e rapidez nos procedimentos. A medida provisória veio, portanto, facilitar os registros de áreas irregulares como modo de promover maior justiça social.
Desde os primórdios, a necessidade habitacional sempre foi um ponto problemático para as cidades. Os baixos salários, aliados à falta de saneamento, de estrutura habitacional adequada e à lógica de mercado aplicada à produção imobiliária urbana, foram responsáveis pela constituição de um quadro de grande degradação das condições habitacionais, sobretudo ao se considerar o processo de urbanização acelerada e desordenada, sem planejamento nem políticas públicas adequadas.
No Brasil, a população de mais baixa renda é desprovida de uma política habitacional que garanta inclusão social, uma vez que é relegada a regiões afastadas e desprovidas de infraestrutura e equipamentos públicos, agravando mais ainda o quadro de desigualdade social.
Utilizada em muitos países, dentre eles os Estados Unidos, a cota da solidariedade — ou cota para a moradia de interesse social, como é chamada no Brasil — é considerada um instrumento urbanístico legal e obrigatório pelos municípios. Já nos Estados Unidos, a Inclusionary Zone é um meio legal definido pelos condados e possui caráter mandatório ou facultativo, que obriga ou sugere sua aplicação nas municipalidades. Isso possibilita que construtoras de empreendimentos residenciais separem determinada quantidade de unidades habitacionais construídas para a habitação social, a serem vendidas para famílias de baixa renda.
É nessa direção que Costa, Albuquerque e Rampazio (2015, p. 57) aduzem sobre o tema:
A cota solidária auxilia as administrações públicas a melhorar o acesso de moradores e trabalhadores de baixa renda às regiões mais estruturadas. Entre outros benefícios, essa medida facilita a contratação e manutenção de empregados em escritórios e empresas, pela maior proximidade ao local de trabalho e facilidade de acesso à rede de transporte local; evita o surgimento de bairros homogêneos e fechados; permite o acesso dos mais pobres às infraestruturas urbanas e gera diversidade social, aumentando a segurança e a qualidade de vida dos moradores
Esse instrumento se apresenta vantajoso por ser passível de aplicação em diferentes condições de mercado. Em comunidades sofrendo gentrificação a cota solidária é capaz de diminuir a saída de moradores de baixa renda e sua consequente mudança para áreas periféricas; já em novos bairros ou áreas em crescimento populacional ou construtivo as unidades de cota solidária criam residências de baixo custo e previnem a geração de comunidades homogêneas, fechadas ou excluídas.
Para a adoção do instrumento da cota solidária, é necessário realizar a análise de vários aspectos, dentre eles o défice habitacional no território, a localização, o número de pessoas que serão beneficiadas com este programa, além das mudanças causadas naquela região urbana.
Neste sentido, Ana Costa, Albuquerque e Rampazio (2015, p. 57) exprimem que
A adoção do instrumento de cota solidária engloba muitas variáveis. Não há um modelo pronto desse instrumento urbanístico, e sim uma grande quantidade de opções a serem vistas separadamente e então avaliadas em conjunto para entender seus impactos sobre o adensamento, o mercado imobiliário e a inclusão social na cidade.
O fato de que a sua aplicação pode se dar tanto com apoio no tamanho em área construída quanto em número de unidades habitacionais, atingindo todos os tipos de edifícios residenciais, podendo ser aplicada em edifícios novos ou naqueles em curso de reabilitação ou construção de anexos.
Para os autores há pouco mencionados (Ibid., p. 58),
A quantidade de unidades de cota solidária por empreendimento costuma ser dada em porcentagens, e varia conforme a necessidade de prover habitação social. Essa porcentagem pode ser dividida entre as faixas de renda atendidas pelo programa, definindo valores maiores ou menores de acordo com a quantidade de famílias necessitadas em cada uma.
Convém exprimir a ideia de que não se estabeleçam diferenças entre as fachadas das unidades habitacionais de baixa renda e o empreendimento de mercado, sendo também exigível, muitas vezes, que seja realizado um cronograma de edificações simultâneas para fins de comprovação do planejamento destas construções. Dependendo do caso, alternativamente, em vez de se realizar a construção das unidades habitacionais no mesmo edifício, deve-se executá-la em outro terreno, efetuar a doação de terras ou a execução de outra obra de infraestrutura que possa trazer benefícios para a comunidade.
Os Estados Unidos adotaram este programa nos anos de 1970, em decorrência de dois grandes fatores: os altos custos da habitação em estados como a Califórnia e as práticas de exclusão social. Como medidas políticas importantes adotadas para impulsionar o desenvolvimento dos programas de cota de solidariedade, ressalta-se a criação do Departament of Housing and Urban Developement – HUD, em 1965. Ademais, em 1968, houve a aprovação, pelo Congresso norte-americano, do Housing Act, que destinava recursos federais para construir habitações para a população de baixa renda.
Um dos primeiros programas desenvolvidos e implantados nos Estados Unidos foi o Moderately Priced Dwelling Unit Program, em Montgomery County, no Estado de Maryland, seguido pelos Estados da Califórnia e de Nova Jersey. Outro exemplo pode ser observado na cidade de Boulder, no Colorado, onde o programa de cota solidária foi utilizado como uma das maneiras de atingir a meta de produção de habitação social estabelecida no Plano Diretor. Um de seus objetivos foi produzir habitação cuja faixa de preço seria acessível à população que constituía a força de trabalho na região; assim, possibilitava a essas pessoas a oportunidade de viver em locais próximos ao trabalho.
Costa, Albuquerque e Rampazio (2015, p. 56) asseveram que
A Cota de Solidariedade é um instrumento formado pela junção de muitas variáveis que determinam sua abrangência, maleabilidade, e influências sobre a construção no território urbano. Para que essa política seja efetiva, é preciso levar em consideração todos os aspectos e consequências de cada uma das definições adotadas. Sua obrigatoriedade, rigidez quanto à localização das unidades de caráter social, aparência, público ser atendido, alternativas à construção podem definir o sucesso ou fracasso da política, que depende inteiramente da vontade da municipalidade de incentivar a inclusão social através da construção de habitações populares em áreas dotadas de infraestrutura.
O chamado Plano Local de Urbanismo parisiense instituiu a Cota de Habitação Social para as zonas de défice habitacional, com a finalidade de reduzir as desigualdades. Nestas áreas, todos os projetos cuja superfície de habitação seja superior a 800m² de construção nova, de reestruturação pesada ou de mudança de destinação sujeitos à emissão do documento de construir ou de declaração prévia, devem previamente afetar no mínimo 30% da sua área para a criação de moradias de aluguel social com a finalidade de proporcionar maior equilíbrio social (art. UG 2.2.3)[14].
A Cota de Habitação Social, em Paris, exige igualmente a afetação de no mínimo 30% da área para moradia de aluguel social ou intermediária, que se aplicam às zonas não deficitárias de moradia social — para projetos de construção nova, de reestruturação pesada ou de mudança de destinação (FERNANDES; GAIO, 2017, p. 8).
A Cota de Habitação Social na França está prevista no art.
L. 302-5 do Código de Construção e Habitação, o qual estabelece a destinação de
25% de moradias sociais no território para os municípios que tenham mais de
3.500 habitantes[15], no entanto, essa cota é
reduzida para 20%, quando o município não necessitar de um esforço suplementar
para atender as demandas e as necessidades de pessoas menos desfavorecidas.[16]
A Lei denominada de Solidariedade e Renovação Urbana Francesa que, dentre outros instrumentos jurídicos, disciplina a cota de habitação social no País estabeleceu garantias jurídicas com o objetivo de promover a inclusão e a mistura de classes sociais no território por intermédio da moradia social, além de reduzir as demandas por habitação dos mais pobres, prevendo a obrigação dos municípios de, progressivamente, implantarem um número mínimo de moradias sociais.
Neste sentido, Fernandes e
Gaio (2017, p. 3) asseveram que
A Lei SRU – Lei de Solidariedade e Renovação Urbana (Lei 2000-1208, de 13 de dezembro de 20004) trouxe uma profunda reforma na legislação urbanística e na concepção de direito à moradia na França, cujo objetivo é o de trazer o equilíbrio social dentro do território e evitar que as moradias sociais se concentrem nas mesmas regiões. A referida legislação também tem como meta reforçar a solidariedade urbanística, o desenvolvimento sustentável, a democracia e a descentralização e, nesse intuito, ela disciplina a Cota de Habitação Social e a elaboração dos Planos Locais de Urbanismo (PLU) — instrumentos jurídicos a serem implementados pelo planejamento urbano municipal.
Com efeito, no que se relaciona à resistência das instalações das cotas de moradia social na França, considerando os critérios de análise de valorização imobiliária e o perfil dos adquirentes, pode-se acentuar que a concentração de moradias sociais em determinado município contribui para a imagem negativa dele e, por consequência, afasta as famílias de classe alta, que temem ser alvo de desvalorização imobiliária ante o estereótipo negativo dessas áreas (DESPONDS, 2010, p. 38).
Sendo assim, as famílias de maior poder aquisitivo evitam residir em áreas onde existam moradias sociais, com receio da queda do valor de mercado dos imóveis localizados nestas áreas, optando por moradias em outras regiões.
No Brasil, a ideia de aplicar o inclusionary zoning surgiu de maneira concreta, primeiramente, na elaboração do Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo (Projeto de Lei n. º 688/13), com o estabelecimento do tamanho mínimo que os empreendimentos deverão incluir a cota solidária (20.000 m2), ou seja, inclui empreendimentos de médio e grande porte, no entanto a porcentagem de apenas 10% destinada a unidades de habitação social inserida no texto da lei paulista parece ineficaz ante o défice habitacional. Nos EUA, cerca de um terço dos empreendimentos deve destinar de 11% a 15% das unidades a habitações acessíveis, podendo chegar, em alguns casos, até a 25% destas.
No Plano Diretor de São Paulo, são oferecidas três opções à produção de habitação social no terreno do empreendimento. A primeira medida permite a produção de Habitação de Interesse Social (HIS) com, no mínimo, o mesmo tamanho de área, desde que situada na mesma macrozona. A segunda opção é a oferta de terras. Por último, propõe a doação de 10% do valor total da área do terreno. Essa é a escolha mais utilizada nos EUA, e costuma ser calculada em função da quantidade de unidades ou da área construída não realizada (NHC, 2004), diferentemente da legislação de São Paulo, que a determina somente em função do preço do terreno.
Sendo assim, o programa de cota solidária, ou cota para moradia de interesse social, é expresso como inovador, que visa a criar alternativas para a solução do problema de défice habitacional no Brasil e em outros países, na tentativa de promover a construção de uma cidade mais justa, solidária, heterogênea e com menor exclusão social.
A legislação urbanística
brasileira, desde que promulgada a Constituição Federal de 1988, ao tratar
sobre a política urbana, foi objeto de inúmeras transformações, com o
reconhecimento ao direito à moradia pela Emenda Constitucional nº 26 de 2000. A
Lei nº 10.257/2001, conhecida como o Estatuto da Cidade, inclusive, consagrou o
princípio da gestão democrática das cidades, e o princípio da função social da
propriedade, inserido no Código Civil de 2002.
A regularização fundiária
urbana de interesse social fundamentada no direito à moradia mostra-se como um
instituto que visa a atender, de modo prioritário, às demandas da população de
baixa renda. Tal ocorre por meio de ações que envolvem a legalização de
ocupações irregulares, a flexibilização das normas referentes ao parcelamento,
uso e ocupação do solo, das edificações e de urbanização, como um jeito de
cumprir a função social da propriedade e reduzir as desigualdades sociais.
Sendo assim, para que a
cidade possa cumprir sua função social, é indispensável que seja planejada
inteligentemente, de modo inclusivo e participativo, pois somente com um
planejamento urbano consistente é que será possível prevenir e evitar
problemas, aproveitar melhor todos os potenciais e garantir mais
sustentabilidade.
Ante o exposto, pode-se
asseverar, pois, que o programa de cota da solidariedade utilizado em países
como a França, dentre outros, serve de paradigma, em relação ao que está sendo utilizado de maneira
inovadora no Estado de São Paulo, por meio do Plano Diretor e apresenta-se como
tentativa positiva do Poder Público de implementar políticas públicas voltadas
para a redução do défice habitacional e do acesso igualitário à cidade, a fim
de reduzir ou atenuar a exclusão social de famílias expulsas de seus bairros em
virtude da gentrificação, assegurando, assim, a efetiva promoção de direitos
constitucionais fundamentais, dentre eles o de moradia e da cidade sustentável.
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SILVA, José Afonso da
Silva. Aplicabilidade das normas
constitucionais. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
Submetido em: 2 jun. 2017.
Aceito em: 16 jun. 2017.
[1] Conceito extraído do art. 46 da Lei n.o 11.977/99, a qual
instituiu o Programa Minha Casa Minha vida.
[2] Antes de 1967, havia apenas um indicativo sobre a necessidade de a
propriedade ser inserida no âmbito social. Nesse sentido, a Constituição de
1946 condicionava o uso da propriedade ao bem-estar social (art.147). A Constituição
de 1934, por seu turno, previa a impossibilidade de o direito à propriedade ser
exercido contrariamente ao interesse social ou coletivo (art. 113, 17).
[3] “Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei,
aos seguintes requisitos - aproveitamento racional e adequado; II - utilização
adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III
- observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV -
exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. ”
(BRASIL, 1988).
[4] Neste sentido, José Afonso da Silva esclarece: “Já verificamos que
normas programáticas condicionam a atividade discricionária da Administração,
cem como a atividade jurisdicional. Essas atividades não podem desenvolver-se
contra os fins e objetivos postos pelas normas constitucionais programáticas.
Se isso ocorrer, manifesta-se um comportamento inconstitucional e o ato que
dali deflui fica sujeito ao controle de constitucionalidade, [...]. O princípio
da função social da propriedade, por exemplo, pode ser invocado, contra o abuso
desse direito, em certas circunstâncias, em prol de inquilinos contra o
senhorio, e especialmente impor atuações positivas ou abstenções ao
proprietário, no interesse da coletividade. ” (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais.
8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 172-174).
[5] RECURSO ESPECIAL. DIREITO URBANÍSTICO. LOTEAMENTO IRREGULAR.
MUNICÍPIO.PODER-DEVER DE REGULARIZAÇÃO. 1. O art. 40 da lei 6.766/79 deve ser aplicado e interpretado à luz da Constituição Federal e da Carta Estadual. 2. A
Municipalidade tem o dever, e não a faculdade de regularizar o uso, no
parcelamento e na ocupação do solo, para assegurar o respeito aos padrões
urbanísticos e o bem-estar da população. 3. As administrações municipais
possuem mecanismos de autotutela, podendo obstar a implantação imoderada de
loteamentos clandestinos e irregulares sem necessitarem recorrer a ordens
judiciais para coibir os abusos decorrentes da especulação imobiliária por todo
o País, encerrando uma verdadeira contraditio
in terminis a Municipalidade opor-se a regularizar situações de fato já
consolidadas. 4. A ressalva do § 5º do art. 40 da Lei 6.766/99, introduzida
pela lei 9.785/99, possibilitou a regularização de
loteamento pelo Município sem atenção aos parâmetros urbanísticos para a zona,
originariamente estabelecidos. Consoante a doutrina do tema, há que se
distinguir as exigências para a implantação de loteamento das exigências para sua
regularização. Na implantação de loteamento, nada pode deixar de ser exigido e
executado pelo loteador, seja ele a Administração Pública ou o particular. Na
regularização de loteamento já implantado, a lei municipal pode dispensar
algumas exigências quando a regularização for feita pelo município. A ressalva
somente veio convalidar esse procedimento, dado que já praticado pelo Poder
Público. Assim, com dita ressalva, restou possível a regularização de
loteamento sem atenção aos parâmetros urbanísticos para a zona. Observe-se que
o legislador, no caso de regularização de loteamento pelo município, podia
determinar a observância dos padrões urbanísticos e de ocupação do solo, mas
não o fez. Se assim foi, há de entender-se que não desejou de outro modo mercê
de o interesse público restar satisfeito com uma regularização mais simples.
Dita exceção não se aplica ao regularizador particular. Esse, para regularizar o loteamento, há de atender a legislação
vigente. 5. O Município tem o poder-dever de agir para que o loteamento urbano
irregular passe a atender o regulamento específico para a sua constituição.6. Se ao Município é
imposta, ex lege, a obrigação de fazer, procede a pretensão deduzida na ação
civil pública, cujo escopo é exatamente a imputação do facere, às expensas do
violador da norma urbanístico-ambiental. 5. Recurso especial provido (REsp
448216/SP. RECURSO ESPECIAL 2002/0084523-8. Ministro Luiz Fux-Primeira Turma -
Data do Julgamento 14/10/2003-DJ 17.11.2003, p. 204).
[6] Art. 4, § 1º, da
Lei n.º 6.766/1979.
[7] Art. 2º, § 4º, da
Lei n.o 6.766/1979.
11 Art. 5º, parágrafo único: “Consideram-se urbanos
os equipamentos públicos de abastecimento de água, serviços de esgotos, energia
elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado” (Lei n.º
6766/1979).
12 Art. 4º, § 2º: “Consideram-se comunitários os
equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e similares” (Lei n.º
6.766/1979).
[12] Art. 4º da Lei nº 10.257/2001:
“[...] para fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos: [...]
V-Institutos jurídicos e políticos [...] q) regularização fundiária”.
[13] A
flexibilização das normas relacionadas à urbanização, ao uso e à ocupação do
solo nada mais representa do que a possibilidade de utilizar os institutos
jurídicos urbanísticos voltados à ordenação das cidades de modo diverso para
permitir a regularização fundiária de interesse social. Conforme ensina José
Afonso da Silva, são institutos jurídicos urbanísticos “[...] o arruamento, o
loteamento, o desmembramento, o solo criado, aos índices urbanísticos, (taxas de
ocupação do solo, coeficiente de aproveitamento do solo, recuos e gabaritos) ”
(1981, p. 30). Note-se que a flexibilização pode abranger tanto normas
referentes à infraestrutura urbana quanto às normas específicas para cada lote.
[14] Cf. o art. UG.2.2.3 – “(...)condições particulares relativas à habitação
e a criação de moradias de aluguel social”
[15] É necessário, ainda, que sejam membros de uma aglomeração ou um
estabelecimento público de cooperação intermunicipal (établissement public de coopération intercommunale – EPCI) de mais
de 50.000 habitantes e que este tenha, pelo menos, um município de mais de
15.000 habitantes. O EPCI é um tipo de estrutura administrativa que agrupa os municípios
(comunas) com base na escolha de competências em comum.
[16] O Decreto n. 2014-870, de 1º de outubro de 2014, Anexo 1 (FRANÇA, 2014),
conforme o artigo L 302-5, 2ª alínea e R 302-14 do CCH.