A necessidade de prévia oitiva das partes sobre questões cognoscíveis de ofício no novo CPC: reflexões à luz dos princípios cooperativo e da razoável duração do processo

THE NECESSITY OF A PREVIOUS HEARING OF THE PARTIES ABOUT EX OFFICIO QUESTIONS IN THE NEW BRAZILIAN CIVIL PROCEDURE LAW: REFLEXIONS IN THE LIGHT OF THE COOPERATIVE AND THE REASONABLE DURATION OF THE PROCEDURE PRINCIPLES

Janaina Noleto Soares Castelo Branco

Mestre e Doutora em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília. Professora Adjunta de Direito Processual Civil da Universidade Federal do Ceará. Procuradora Federal. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPRO), da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo (ANNEP) e da Academia Brasileira de Cultura Jurídica (ABCJURIS). E-mail: janainanoleto2014@gmail.com

Lara Dourado Mapurunga Pereira

Mestranda em Ordem Jurídica Constitucional pela Universidade Federal do Ceará. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (Magna cum laude). Advogada. E-mail: laradouradopereira@gmail.com

Resumo: O presente artigo visa discutir os princípios Cooperativo e da Razoável Duração do Processo, com foco na necessidade prévia de oitiva das partes quando da decisão do juiz acerca das questões de ofício. Esta quesitos tornaram-se bastante relevantes a partir da sanção em 16 de março de 2015, da lei nº 13.105/2015, o CPC/15. Tal código adotou de forma mais contundente um modelo constitucional de processo, tendo sido várias disposições constitucionais transportadas de forma expressa para o CPC. Assim, tratou-se inicialmente do princípio do cooperativo e do redimensionamento do contraditório, com maior possibilidade de influência das partes em razão de tais mudanças. A seguir, foi apreciada a atual realidade judiciária brasileira, com a proposta de um novo modelo de julgador, com o objetivo de erradicar o protagonismo judicial. Por fim, abordou-se o direito fundamental à razoável duração do processo. Concluiu-se, portanto, que a cooperação intersubjetiva e a não-surpresa geram uma maior satisfação das partes com o provimento judicial. Tal contentamento, presume-se, sobrepõe-se a vontade de recorrer da decisão, pois a parte sucumbente teria a oportunidade de assimilar e aceitar a sentença em virtude do diálogo excessivamente praticado dentro do processo. A metodologia utilizada precipuamente foi a pesquisa bibliográfica.

Palavras-chave: CPC/15. Principio Cooperativo. Duração Razoável do Processo.

Abstract: This paper aims to discuss the Cooperative and the Reasonable Duration of the Procedure principles, focusing on the necessity of previously hearing of the parties when the judge has to decide on ex officio questions. These concerns have become considerable relevant as of to the sanction, in March 16, 2015, of the law number 13.105/2015, the 2015 Code of Civil Procedure. That Code has adopted in much more resound way a constitutional model of process, with many constitutional provisions being transported to the CPC explicitly. Thus, the cooperative principle and the redirection of the contradictory principle, with larger possibility of influence by the parties, were addressed. Thereafter, the current reality of the brazilian judiciary, with a proposal of a new model of judge, with the goal of eradicating the judicial prominence were appreciated. Finally, the fundamental right to a procedure with reasonable duration was approached. Therefore, it has been concluded that the intersubjective cooperation and the non-surprise principle generate greater satisfaction for the parties concerning the judicial decision. This contentment, it is presumed, upstages the will of appealing the decision, because the losing party would have the opportunity to assimilate and accept the sentencing in virtue of the excessive dialogue that has happened during the lawsuit. The main used methodology was bibliographic research.

Keywords: CPC/15. Cooperative Principle. Reasonable Duration of the Procedure.

1.  Introdução

O antigo Código de Processo Civil (CPC), Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, foi objeto de uma série de reformas há alguns anos, que provocaram a revogação de vários dispositivos e a inclusão de tantos outros. Apesar de tais reformas terem modernizado a legislação processual, isso não impediu o advento de um movimento pela construção de um novo CPC. Os idealizadores do novo código intentavam não somente ajustar as alterações feitas, melhor sistematizando a legislação, mas abrigar um novo modelo de processo, que, por meio da cooperação entre os sujeitos da relação processual, trouxesse maior legitimidade à atividade jurisdicional. Tal movimento redundou no Projeto de Lei nº 8.046/2010 (Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil – PLNCPC), sancionado no dia 16 de março de 2015 pela Presidência da República.

O CPC/15 (Lei nº 13.105/2015) é, portanto, fruto da chamada Reforma do Poder Judiciário, um movimento pela melhora do sistema de acesso à justiça que tem, dentre seus principais objetivos, o combate à morosidade. Nesse contexto, o projeto prevê diversos institutos que visam conferir maior celeridade à prestação jurisdicional.[1] Além disso, há a expressa previsão do direito das partes à prestação jurisdicional efetiva em prazo razoável (art. 4º do CPC/15).

Todavia, no intuito de dar maior legitimidade à prestação jurisdicional (acesso à justiça como acesso à prestação jurisdicional legítima), também previu o CPC/15 o dever de cooperação entre o juiz e as partes em diversos dispositivos (arts. 6º, 7º, 9º e 10, além de outros distribuídos pelo texto), que, em algumas situações, pode resultar em uma dilação do lapso temporal para a entrega da prestação jurisdicional. Ou seja, ao mesmo tempo em que foi concebido para tornar mais ágil o processo, o CPC/15 previu mecanismos que retardam o procedimento, a fim de realizar um novo modelo de processo, qual seja o cooperativo.

Ora, tais mecanismos, apesar de retardarem o procedimento, desfavorecendo o acesso à justiça na vertente da razoável duração do processo, visam conferir maior legitimidade à prestação jurisdicional, redimensionando o contraditório, outro âmbito do acesso à justiça.

Nesse contexto, a implantação do modelo cooperativo pode significar uma possível tensão entre diversos direitos fundamentais, destacando-se o contraditório e a razoável duração do processo. O primeiro (contraditório) visa conferir legitimidade à atividade judicial, enquanto o segundo ambiciona garantir uma prestação jurisdicional não morosa. O acesso à via jurisdicional de resolução de conflitos somente pode ser compreendido plenamente a partir dessas duas vertentes. Em resumo, é o acesso a uma prestação jurisdicional legítima – legitimidade esta garantida pela efetiva participação por meio do contraditório – e entregue em tempo razoável.

Na realidade judiciária brasileira, a morosidade impera, sendo necessária uma análise críticas dos possíveis efeitos (maléficos ou benéficos) que a inserção de mecanismos de intensificação do debate terão sobre o tempo do processo, ou seja, o tempo para a entrega da prestação jurisdicional.

Seria a oitiva anterior das partes diante de quase todas as decisões proferidas pelo magistrado (excetuando as que concedem tutelas de urgência) uma necessidade premente para a confecção de um provimento judicial justo? Ou apenas um óbice a razoável duração do processo, diminuindo sua efetividade?

A presente pesquisa pretende responder a tais perguntas, analisando a tensão entre os princípios cooperativo e da razoável duração do processo no código projetado em face da realidade judiciária brasileira. Para tanto, num primeiro momento, enfoca-se o princípio do contraditório e seus novos contornos no modelo cooperativo de processo. Em seguida, passa-se à análise das dificuldades a serem enfrentadas no seio do Poder Judiciário para a absorção de uma nova mentalidade de rompimento com a ideia de protagonismo judicial. Empós, aborda-se o princípio da razoável duração do processo, relacionando-o com a efetividade, a não-surpresa e a celeridade.

A metodologia utilizada, objetivando uma análise infraestrutural, foi a de natureza precipuamente qualitativa e consistiu na colheita e análise crítica de textos doutrinários, dando à pesquisa um caráter bibliográfico. Pretendeu-se realizar o trabalho mediante investigação indireta, por meio de pesquisa bibliográfica, com via exploratória, descritiva, explicativa e propositiva, com vistas a perquirir e analisar os fatos de maneira crítica, procurando o aprimoramento de concepções postas.

2.  O princípio cooperativo (art. 6º do CPC/15) e o redimensionamento do contraditório

Atualmente, a doutrina processual parece estar voltando os olhos para a necessidade de efetivação dos direitos fundamentais processuais. Trata-se de uma nova fase evolutiva do direito processual, o neoprocessualismo (DIDIER JR., 2010b) ou formalismo valorativo (OLIVEIRA, 2010).

É tão evidente o enfoque nos direitos fundamentais processuais no texto do CPC/15, que este prevê capítulo específico no Livro I destinado aos “Princípios e Garantias Fundamentais”[2]. Trata-se da inclusão na lei processual infraconstitucional de princípios constitucionais. Em alguns trechos, há a exata transcrição do texto constitucional.

Mas por que o legislador resolveu utilizar o código processual para transcrição de dispositivos constitucionais? Ora, a intenção é clara: alertar os operadores do direito para uma nova mentalidade, para a necessidade de fazer valer o arcabouço principiológico processual.

Trata-se da aplicação do modelo constitucional de processo, nova concepção, proveniente do neoprocessualismo, em que o processo é tido como instrumento para proteção de garantias. Desse modo, a introdução vários direitos constitucionais de cunho processual no código de processo configura uma tentativa de positivação do modelo em âmbito infraconstitucional.

Tendo a constituição eficácia irradiante para todo o ordenamento, essa medida, à primeira vista, parece desnecessária. Contudo, o apego a lei arraigado na tradição jurídica brasileira permite essa positivação duplicada.

O código, todavia, não se limita a prescrever princípios já consagrados constitucionalmente. Um princípio até então não positivado na legislação processual brasileira ganha destaque e serve de baliza para a aplicação dos demais princípios e regras previstas no código vindouro. É o princípio cooperativo.

O princípio cooperativo vaticina a necessidade de que as partes e o juiz cooperem entre si para a satisfatória solução da lide. O CPC/15, em seu art. 6º, prevê que todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. Sendo o juiz parte da relação jurídica processual, ele assume, no modelo cooperativo, um novo papel, bem diferente do adotado no modelo atual, sendo mister que se adote uma nova mentalidade no seio da Magistratura.

É de fácil constatação que o contraditório passa a ter papel central na efetivação do modelo cooperativo de processo. Converte-se em efetivo instrumento de participação do jurisdicionado nos rumos do processo judicial. Em outras palavras, redimensionado pelo princípio da cooperação, o contraditório é agora visto como o verdadeiro diálogo entre o juiz e as partes.

Redimensionado, o contraditório obriga o juiz a, antes de decidir, conversar com as partes. Ora, nada mais óbvio. São as partes que têm as informações necessárias ao conhecimento da verdade dos fatos pelo juiz, já que diretamente ligadas ao arcabouço fático que as levou a juízo.

No sistema do CPC/73, não havia atividade dialogal no curso do processo judicial, sendo o juiz um mero coletor daquilo que as partes manifestam. Por isso, o modelo atual significa um rompimento com a antiga dinâmica e coloca o juiz no papel de sujeito do discurso argumentativo, juntamente às partes.

Pode-se dizer então que, antes da nova visão de processo, o contraditório nada mais era que o “direito à bilateralidade da audiência”. Dierle Nunes (2008, p. 159) adota tal nomenclatura para referir-se à ultrapassada visão de contraditório, asseverando que “esta visão de contraditório estático somente pode atender a uma estrutura procedimental monologicamente dirigida pela perspectiva unilateral de formação do provimento do juiz”.

Ao conversar com as partes e ouvi-las previamente antes de tomar decisões, esclarecendo-se com elas sobre questões de fato e de direito, o juiz efetivamente dialoga e garante que os jurisdicionados tenham a real chance de influenciar as decisões judiciais. Portanto, um efetivo contraditório é garantia de aplicação de um modelo de processo democrático, levando a uma legitimação da atividade jurisdicional pelo procedimento, já que o Poder Judiciário, diferentemente dos outros poderes estatais, não possui legitimação prévia.

A intensificação da participação das partes no procedimento judicial é fator de pacificação social, fim da jurisdição, na medida em que aquele que sente que teve a real oportunidade de influenciar no resultado do processo provavelmente aceitará mais facilmente o resultado, ainda que desfavorável. Conforme ressalta Julio Guilherme Müller (2014, p. 158):

Quanto maior o envolvimento e comprometimento das partes no procedimento, maiores serão as chances de aceitação (e legitimação) da decisão. As pessoas são mais suscetíveis a aceitar decisões de cujo procedimento participaram ativamente do que aquelas decorrentes de processos das quais não tiveram maiores chances de participar.

É que a parte, caso não tivesse sido solicitada pelo juiz para prestar esclarecimentos, poderia surpreender-se com decisão judicial desconectada com a realidade dos fatos e com a real intenção das partes (muitas vezes citra, ultra ou extra petita). Além disso, provavelmente sentir-se-ia injustiçada, por não ter tido a real oportunidade de influenciar na decisão.

A pacificação decorre da circunstância de que o jurisdicionado, ainda que vencido, sentirá que teve efetivamente a oportunidade de influenciar o magistrado. Neste sentido, assevera Gustavo Martins de Freitas (2006, online):

Sem deixar de mencionar que a cooperação dos litigantes, na formação da decisão judicial, serve de ‘válvula de escape’ de ressentimentos e críticas, o que permite que o resultado do processo seja influenciado pelos seus participantes, facilitando assim a sua assimilação e aceitação pela sociedade.

Não havia no CPC/73, norma que obrigasse o juiz a conversar com as partes. Tinha o juiz, neste sistema, apenas o dever ouvi-las, sem necessidade de verdadeiro diálogo. E, em se tratando de questões que lhe caibam conhecer de ofício, o magistrado estaria autorizado a julgá-las sem prévio contraditório. Ou seja, o juiz não dialogava efetivamente com as partes, mas apenas colhia as informações que lhe são prestadas para solitariamente, tomar suas decisões.

No modelo cooperativo, adotado pelo CPC/15, o contraditório passa a ser visto como uma garantia de não-surpresa, consistente na impossibilidade de aplicação da tutela, ordinariamente, sem o prévio debate com os sujeitos processuais, a fim de evitar que estes sejam surpreendidos por decisão judicial de conteúdo inesperado. Segundo Arlete Aurelli (2014, p. 125):

[...] o projeto pugna por determinar que se evite a prolação de “decisões-surpresa”. Ora, o princípio da cooperação/colaboração se dá entre os sujeitos do processo, como se afirmou acima, pelo que também o magistrado deve colaborar para a busca da realização da justiça. Assim, mesmo nas questões que poderia conhecer de ofício, deve dar o direito das partes se manifestarem antes.

Dierle Nunes (2010, p. 230) assevera que o contraditório aglomera um feixe de direitos dele decorrentes, sendo de destacar-se “o direito de ser ouvido e julgado por um juiz imune à ciência privada (private informazioni), que decida a causa unicamente com base em provas e elementos adquiridos no debate contraditório”. Na verdade, o dever de consulta visa não apenas evitar que as partes não sejam surpreendidas (contraditório como garantia de não-surpresa), mas também garantir-lhes o direito de efetivamente influenciar na decisão judicial (contraditório como garantia de influência).

3.  Realidade judiciária brasileira e um novo modelo de juiz com o fim do protagonismo judicial

O princípio da cooperação implica um redimensionamento do contraditório. Trata-se da ideia de que as partes e o juiz têm o direito e o dever de participar ativamente da relação jurídica, sem protagonismos (DIDIER JR., 2010a).

A ausência de protagonismos no modelo cooperativo exige do juiz uma nova postura e a assunção de alguns deveres. Tem o magistrado, nesse novo modelo, o dever de diálogo, que evitaria que o jurisdicionado fosse surpreendido pela decisão judicial sem que tivesse a real oportunidade de influenciar no seu conteúdo (contraditório como garantia de influência e de não-surpresa). O juiz tem ainda o dever de esclarecer-se com as partes sobre as questões fáticas constantes dos autos (dever de esclarecimento), de auxiliar as partes no desempenho de seus ônus processuais (dever de auxílio) e de advertir as partes do risco de prejuízo ao direito material discutido em juízo em decorrência do inadequado uso do processo (dever de prevenção) (MITIDIERO, 2009, online).

A inclusão do órgão jurisdicional no rol dos sujeitos do diálogo processual o impede de ocupar o ultrapassado papel de mero coletor das alegações das partes, de espectador do diálogo apenas entre elas travado. O modelo cooperativo de processo, em linhas gerais, consiste na aplicação do modelo de Estado Democrático Constitucional ao processo judicial. Prescreve uma relação de colaboração intersubjetiva, ou seja, entre as partes e o juiz.

Por constituir-se em um novo modelo de processo, inédito no sistema brasileiro, o modelo cooperativo exigirá, para sua plena aplicabilidade, uma ruptura com a cultura conservadora e autoritária então vigente no sistema brasileiro de acesso à justiça. Conforme assevera Mitidiero (2009, online):

O modelo de cooperação no processo civil constitui, antes de qualquer coisa, uma mudança de mentalidade. Implica alteração da cultura processual. Se o Estado não é mais o inimigo público número um, como era compreendido no ciclo constitucional francês do sempre lembrado final do século XVIII, e se hoje tem por imperativo promover a tutela dos direitos, então não tem mais sentido, pelo menos em termos de processo civil, não convocá-lo para organização de um processo voltado para efetiva realização dos direitos e que pretende se estruturar a partir de princípios de justiça processual.

Exatamente por ser o modelo cooperativo mais democrático, a sua aplicação no seio do Poder Judiciário brasileiro não ocorrerá de forma tranquila. É que a mera previsão legal de procedimentos de democratização do processo não será suficiente, mesmo com a vigência do novo código, à concretização da cooperação em âmbito processual.

O princípio democrático, decorrência do Estado Democrático de Direito, deve guiar a atuação estatal, em especial as funções estatais típicas, dentre as quais a jurisdição. Segundo Lênio Streck (2003, p. 261), “[...] a noção de Estado Democrático de Direito pressupõe uma valorização do jurídico, e, fundamentalmente, exige a (re)discussão do papel destinado ao Poder Judiciário [...]”.

O Poder Judiciário não tem tradição democrática, e isso se revela em vários aspectos, como a forma de acesso de seus membros aos tribunais (critérios subjetivos, não debatidos com os interessados) e a postura autoritária, muito distante da desejável postura conciliatória, que os juízes adotam no pouco contato que têm com as partes durante a audiência de instrução. A falta de uma cultura democrática é apontada por Martônio Mont’Alverne Barreto Lima (2003, online), com um dos principais obstáculos à democratização do Poder Judiciário:

Talvez aqui resida um dos principais obstáculos à democratização do Poder Judiciário: a falta de uma cultura democrática, transfigurada também na ausência de apreço à democracia e à transparência de atos internos e julgamentos do Poder Judiciário. O apreço à democracia possui, no meu entender, dois vetores: primeiro, o convencimento de que a aplicação do ordenamento jurídico brasileiro deve se guiar pela realidade constitucional instalada a partir de 1988, portanto, deve ser aplicada segundo os parâmetros de um Estado Democrático de Direito. Esta determinação, em razão de sua força histórica normatizada e de sua posição logo no art. 1º da Constituição Federal, impõe-se como princípio dos princípios. Assim, deve o magistrado recorrer à teoria da democracia para identificar os valores que coincidem com a perspectiva da democracia [...].

Portanto, não é a alteração do texto legal suficiente para a mudança de uma mentalidade antidemocrática tão arraigada. Certamente, deverá haver o esforço dos órgãos de cúpula do Poder Judiciário, em especial o Conselho Nacional de Justiça, para uma profunda reformulação do exercício da magistratura, com incentivos à participação de seus membros em cursos sobre técnicas de democratização da atividade jurisdicional e modelo cooperativo, com pontuação para fins de promoção por merecimento, por exemplo. Se os órgãos de cúpula não tomarem a iniciativa de formar os juízes para esse novo momento, o tempo e o desgaste das novas atribuições assumidas pela Magistratura talvez levem-na a reclamar providências, num protesto “de baixo para cima”. José Eduardo Faria (2010, p. 60-61) aponta que:

[...] é cada vez maior o número de juízes conscientes de que não estão preparados técnica e intelectualmente para lidar com o inédito; de que não dispõem de uma formação profissional multidisciplinar apta a permitir-lhes entender, formular e explicitar tanto a novidade quanto as próprias transformações na ordem jurídica [...].

A importância de uma cultura democrática no seio no Poder Judiciário torna-se ainda mais evidente quando se analisa que a jurisdição é a única atividade estatal típica em que aqueles que a exercem não foram eleitos pelo voto popular. A legitimação do magistrado não é prévia, como a dos demais membros de poder. É posterior, e ocorre pelo procedimento. Quanto mais debate, mais efetivo será o contraditório, e mais legítima será a decisão judicial. A maior participação do jurisdicionado no resultado final do processo, com reais condições de influenciar o julgador, torna o processo judicial mais democrático.

Todavia, não é somente o julgador quem precisa reciclar-se. Todos os atores do processo judicial precisam estar imbuídos do mesmo espírito democrático. A alteração legislativa não trará bons frutos sem a participação de todos os sujeitos de transformação, ou seja, sem que todos os operadores do direito estejam na mesma sintonia, agindo pró-ativamente em busca de, democraticamente, alcançar o resultado mais justo (SANTANA, 2014).

4.  A razoável duração do processo como direito fundamental

A razoável duração do processo, princípio introduzido pela Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, e previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988, é fundada na ideia de que o processo deve durar o tempo necessário para que haja uma justa decisão, sem dilações desnecessárias. Ou seja, não se preza, aqui, por um processo veloz, mas em que há supressão de fases ou que não seja oportunizada aos litigantes a possibilidade de exercer o contraditório.

Conforme Araken de Assis (2006), citando Barbosa Moreira, a abreviação do tempo de tramitação deve ser feita com o intuito de tornar o processo mais justo e adequado, não para piorá-lo, sonegando outros direitos fundamentais.

É uma garantia dos jurisdicionados contra o Estado, sendo cláusula que visa proteger o indivíduo contra a ação abusiva daquele e combater a ineficiência da prestação do serviço público judicial (MEIRELES, 2012).

Origina-se do art. 8º, inciso 1, do Pacto de San José da Costa Rica, celebrado em 22 de novembro de 1969, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao qual o Brasil aderiu e incorporou ao seu ordenamento jurídico por meio do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, com força hierárquica de norma supralegal. Tal artigo prevê:

[...]. Toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem os seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. [...].

Desse modo, observa-se que tal previsão refere-se tanto ao processo civil quanto aos procedimentos penal, do trabalho, tributário ou qualquer outro.

É, também, considerado um direito fundamental de todos os litigantes. Consequentemente, possui as seguintes características, conforme mencionam Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2013): é universal, absoluto, histórico, indisponível e possui aplicabilidade imediata.

Essa razoabilidade, no entanto, varia de caso a caso. Não há uma duração mínima nem máxima que possa ser considerada para calcular quanto tempo dura um processo razoável. Tal aspecto só pode ser constatado em uma situação concreta. Conclui Luiz Guilherme Marinoni (2006, p. 215-226): “[...] acaso fosse fixado prazo de validade para o processo, ao invés de direito subjetivo a duração razoável, ter-se-ia o direito subjetivo à duração legal do processo”.

Como critérios para verificar, na prática, quanto deve durar o processo, pode-se elencar a complexidade da causa, o comportamento das partes e de seus procuradores e a estruturação do órgão jurisdicional respectivo. São fundamentos objetivos, utilizados para permitir que se possa ter uma noção melhor de duração razoável dentro de cada processo individualmente considerado. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos vem utilizando tais parâmetros para aferir a razoabilidade do prazo de duração de seus processos.

Primeiramente, é óbvio que, quanto mais complexa uma lide, mais tempo levará para que ela seja julgada. Segundo André Luiz Nicolitt (2006), as complicações podem ser fáticas, jurídicas ou procedimentais. Como exemplo, pode-se citar causas que necessitem de extensa dilação probatória (fatos com dificuldade de elucidação) ou em que haja litisconsórcio multitudinário passivo, pois, se não houver desmembramento do feito, deverão ser citados todos os réus até que se possa prosseguir para a próxima fase processual (complicação concernente ao procedimento).

Já o comportamento das partes e procuradores está intimamente ligado aos princípios de lealdade e boa-fé processual, a qual está prevista expressamente no CPC/15, em seu art. 5º[3] . Conforme o ensinamento de Humberto Dalla e Tatiana Machado Alves (2013, p. 299):

Esses dois princípios que tiveram sua incidência inicial no direito privado já tem a sua inserção nos ramos do direito público como certa, pois o que se espera de qualquer litigante, em qualquer esfera é que atue de maneira a não frustrar a confiança da outra parte.

Quando os litigantes e/ou os demais sujeitos processuais comportam-se de modo a ignorar tais princípios, frustrando a confiança dos outros atores do processo, este tende a ficar mais lento. À guisa de exemplificação, menciona-se a propositura de embargos meramente protelatórios por uma das partes ou quando alguma delas emula conduta do art. 80 do atual CPC/15, cujos incisos elencam comportamentos que implicam litigância de má-fé. Vale ressaltar que, além de princípios, a boa-fé e a lealdade são deveres inerentes a todos aqueles que participam do processo (art. 5º, CPC/15).

Finalmente, é essencial analisar a estrutura e do Judiciário e comportamento do Estado-juiz. Há juízes suficientes para apreciar o contingente de processos do estado respectivo? Além dos magistrados, existem auxiliares da justiça em número satisfatório para analisar os feitos? Tais indagações são importantes para a o problema da celeridade do processo, já que, nesse âmbito, o material humano se faz extremamente necessário.

Ademais, hodiernamente, no Brasil, há uma sobrecarga do Poder Judiciário, que não obstante ter de suportar o excesso de demandas, fá-lo com uma certa inconsistência, principalmente no interior dos estados, levando muitos juízes a trabalhar em condições inconciliáveis com a responsabilidade social da magistratura (DALLARI, 1996).

Quanto ao comportamento dos magistrados, Nara Benedetti Nicolau (2011) divide as dilações funcionais em duas: as paralisações procedimentais injustificadas e a hiperatividade inútil. Segundo referida autora, os atrasos não são apenas fruto da paralisação do processo em razão da inatividade da autoridade, mas também (e não raro) decorrem da excessiva concentração da atividade em aspectos secundários da causa.

Portanto, um processo que atenta a este princípio é aquele em que todas as fases do procedimento ocorrem de forma regular e em que as partes exercitam o contraditório substancial, a ampla defesa e todos os outros princípios constitucionais processuais devidamente, de modo célere, para que possa ser proferida uma decisão justa. Sendo assim, de nada adianta a celeridade, se não forem observados tais parâmetros, pois, sem eles, torna-se impossível alcançar um provimento jurisdicional verdadeiramente justo.

4.1.    Efetividade, não-surpresa e celeridade

Desde antes da inclusão do inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição Federal de 1988, pela Emenda Constitucional nº 45/2004, o Supremo Tribunal Federal (STF) já fazia alusão a imprescindibilidade de acelerar a prestação jurisdicional, sendo dever dos magistrados e Tribunais neutralizar retardamentos abusivos ou dilações indevidas na resolução de litígios. É possível verificar tal fato no seguinte acórdão prolatado pelo STF quando do julgamento do Habeas Corpus nº 80.379, de São Paulo:

O JULGAMENTO SEM DILAÇÕES INDEVIDAS CONSTITUI PROJEÇÃO DO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

- O direito ao julgamento, sem dilações indevidas qualifica-se como prerrogativa fundamental que decorre da garantia constitucional do due process of law. O réu [...] tem o direito público subjetivo de ser julgado, pelo Poder Público, dentro de prazo razoável, sem demora excessiva nem dilações indevidas. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência.

- O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário [...], traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução de um litígio, sem dilações indevidas e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional. [...]. (STF – HC: 80.379 SP, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJ 25-05-2001)

Além disso, aduz Marcelo Novelino (2014), que o direito a uma prestação jurisdicional tempestiva, justa e adequada já estava implícito na cláusula do “devido processo legal substantivo”, prevista no art. 5º, inciso LIV, da CF/88, reiterando que a edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, que adicionou o inciso LXXVIII ao art. 5º da referida Constituição, foi apenas uma positivação de um conceito que decorre do devido processo legal.

Vê-se, então, que a duração razoável é essencial para a efetividade do processo. Fredie Didier Jr. (2014) colaciona que processo efetivo é aquele que realiza o direito afirmado e reconhecido judicialmente, ou seja, o direito adquirido em juízo é realmente praticado após o exercício da jurisdição. Efetividade é atingir tal resultado de modo satisfatório, no âmbito processual.

Assim, a celeridade advinda do princípio da razoável duração do processo ajuda a tornar efetivos os provimentos jurisdicionais, já que, quanto antes findar o processo, mais rápido o bem da vida obtido na via judicial será aproveitado, havendo a real efetivação de tal direito. Um direito reconhecido judicialmente e não realizado no plano factual é reflexo da falta de efetividade do processo.

Seria possível, à vista disso, considerar a necessidade de o juiz ouvir as partes antes de conhecer das questões de ofício como uma dilação necessária à efetividade do processo?

Questão, para Fredie Didier Jr. (2014, p. 299), é “qualquer ponto de fato ou de direito controvertido de que dependa o pronunciamento judicial”. Uma questão considerada de oficio, portanto, é aquele ponto controvertido que não precisa de provocação alguma para ser conhecido pelo julgador. Por exemplo, a existência das condições da ação ou se a pretensão da parte funda-se ou não em direito prescrito. Podem ser apreciados a qualquer tempo e grau de jurisdição.

Essa falta de necessidade de provocação, no entanto, não quer dizer que seja permitido ao juiz decidir sobre tais questões sem antes dar as partes a oportunidade de exercer o contraditório. O que pode ocorrer ex officio é o exame da questão, e não a sua resolução.

Reiterando tal posicionamento, o autor baiano assevera que o juiz pode conhecer fatos que não tenham sido alegados, sendo possível que o magistrado aporte novos fatos ao processo, mas o Estado-juiz não pode levar em consideração estes aspectos sem antes dar as partes oportunidade de se manifestar quanto a eles. Agir de ofício é fazê-lo sem provocação. Tal prerrogativa é garantida ao juiz. Difere, entretanto, de agir sem provocar as partes, o que lhe é vedado, sob pena de desrespeitar o princípio do contraditório. Tal pensamento foi positivado no art. 10 do CPC/15[4].

Desse modo, o juiz não poderia decidir a respeito de qualquer questão sem antes requerer a manifestação das partes, mesmo que, como no caso em tela, ele não precise ser incentivado por nenhuma delas para poder julgar tais matérias.

É o princípio da não-surpresa, que visa dar às partes um maior conhecimento acerca do que se passa durante o processo, mitigando as possibilidades de sobressalto perante atos judiciais. Segundo Dierle Nunes et al. (2011, p. 83), tal princípio:

[...] impõe ao juiz o dever de provocar o debate acerca de todas as questões, inclusive as de conhecimento oficioso, impedindo que em “solitária onipotência” aplique normas ou embase a decisão sobre fatos completamente estranhos à dialética defensiva de uma ou de ambas as partes.

De tais passagens, extrai-se que o juiz estaria impossibilitado de decidir sobre questão que ainda não foi suscitada, mesmo sendo ela de ofício, sem antes pedir a manifestação das partes. Este pronunciamento dá aos litigantes a possibilidade de debater previamente sobre tais questões, sendo a eles dada a oportunidade de arguir elementos comprobatórios ou de refutá-los.

Essas atividades demonstram a realização concreta do contraditório em sua dimensão substancial, no qual as partes exercem poder de influência (MARINONI, 2000), sendo ouvidas em condições que as possibilitem influenciar a decisão do magistrado (DIDIER JR., 2014).

Vale ressaltar, ainda, que apesar do exercício do princípio da não-surpresa parecer uma inovação espetacular no que tange a participação efetiva das partes no processo, sendo considerado uma novidade no ordenamento processual brasileiro, alguns tribunais já o reconhecem atualmente, referindo-se a ele como a “garantia da não-surpresa”. Por exemplo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em 2013:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA CUMULADA COM EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS – EXPURGOS INFLACIONÁRIOS – INDÍCIOS DE EXISTÊNCIA DA CONTA – PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA E COLABORAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA CUMULADA COM EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS – EXPURGOS INFLACIONÁRIOS – INDÍCIOS DE EXISTÊNCIA DA CONTA – PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA E COLABORAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA CUMULADA COM EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS – EXPURGOS INFLACIONÁRIOS – INDÍCIOS DE EXISTÊNCIA DA CONTA -PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA E COLABORAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA CUMULADA COM EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS – EXPURGOS INFLACIONÁRIOS – INDÍCIOS DE EXISTÊNCIA DA CONTA --PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA E COLABORAÇÃO. Incumbe à parte autora a demonstração do indício de prova da existência de relação jurídica entre as partes, todavia, a parte deve ser intimada a comprovar a titularidade das contas, para que não ocorra ofensa ao princípio do contraditório e ampla defesa. Em todo e qualquer caso deve-se observar o princípio da não surpresa, já previsto no anteprojeto do novo CPC, segundo o qual o magistrado deve sempre dar ciência às partes de sua intenção, de modo a garantir a higidez do contraditório. (TJ-MG – AC: 10702110074680001 MG, Rel. Estevão Lucchesi, Câmaras Cíveis Isoladas, 14ª C. Cível, DJ. 01-03-2013) (grifos nossos)

Nota-se, no caso em tela, uma antecipação do conceito de não-surpresa para a realidade atual deste Tribunal, o qual o trata como um desdobramento do princípio do contraditório.

Voltando à indagação, considera-se, sim, que há uma real necessidade do magistrado de ouvir as partes antes de decidir acerca das questões de ofício, em virtude do dever de esclarecimento, intrínseco ao princípio cooperativo. Este múnus, segundo o CPC português (cfr. art. 266º, nº 2), consiste na obrigação do Estado-juiz de esclarecer-se junto às partes quanto às dúvidas que tenha sobre as suas alegações, pedidos ou posições em juízo. (GOUVEIA, 2012).

O exercício de tal dever busca propiciar ao magistrado um julgamento adequado do processo, de acordo com os esclarecimentos dados pelas partes. Aqui, nota-se a situação inversa, com o Estado-juiz informando às partes sobre a questão de oficio, dando a estas um maior conhecimento acerca do que está ocorrendo no processo.

Espera-se que, com tal ciência pelas partes, chegue-se a uma efetividade do processo no que tange a função precípua da jurisdição: a pacificação social. Isso ocorreria, pois, com uma maior satisfação das partes acerca da condução do processo, crê-se que diminuiriam os recursos, os quais, quando recebidos em efeito suspensivo, constituem entraves para a execução da sentença.

Para Dierle Nunes et al. (2011, p. 84), “com o contraditório dinâmico, diminui-se o tempo do processo, eis que se diminuem os recursos, ou se reduz consideravelmente a chance de seu acatamento, viabilizando-se a utilização de decisões com executividade imediata”. Essa afirmação coaduna também com o pensamento de Dinamarco (2013, p. 359) o qual entende que o processo é instrumento para fazer as partes mais felizes ou menos infelizes, pela eliminação do conflito trazido à jurisdição.

Desse modo, partindo da premissa de que a função primordial do processo é a resolução dos conflitos, entende-se que, para a real efetividade deste, as partes devem ter ciência e poder de tentar modificar o entendimento do juiz acerca de uma questão cognoscível de ofício, já que, caso contrário, o sentimento de não ter capacidade de influenciar no processo pode ensejar a necessidade de interpor recurso, adiando a prestação jurisdicional. Assim, arremata José Carlos Barbosa Moreira (2000, p. 6-15):

Se uma Justiça lenta demais é decerto uma Justiça má, daí não se segue que uma Justiça rápida seja necessariamente uma Justiça boa. O que todos devemos querer é que a prestação jurisdicional venha a ser melhor do que é. Se para torná-la melhor é preciso acelerá-la, muito bem. Mas não a qualquer preço.

Esse procedimento, portanto, não pode ser considerado um entrave à celeridade, mas sim uma condição essencial para uma melhora na entrega da prestação jurisdicional, que não pode ter sua efetividade tolhida por uma necessidade de agilização desmedida.

5.  Considerações finais

Após análise de tais questões, evidencia-se que há no CPC/15 uma atenção especial ao aspecto principiológico, com a previsão expressa de uma série de princípios antes implícitos no ordenamento – por exemplo a boa-fé processual –, e a inclusão de novidades, como os princípios cooperativo e da não-surpresa.

A interpretação de tais princípios deve ser feita sempre buscando o escopo
principal da Jurisdição, que é a pacificação social. Entende-se, portanto, que a cooperação intersubjetiva e a não-surpresa geram uma maior satisfação das partes – até mesmo da que é vencida, pois houve real exercício do contraditório substancial e da ampla defesa – com o provimento judicial. Tal contentamento, presume-se, sobrepõe-se a vontade de recorrer da decisão, pois a parte sucumbente tem a oportunidade de assimilar e aceitar a sentença em virtude do diálogo excessivamente praticado dentro do processo.

Com a diminuição dos recursos devido à satisfação mútua das partes, haverá maior efetividade, pois os provimentos serão executados tão logo da sentença, sem sofrer o efeito suspensivo que emana automaticamente da apelação e judicialmente de alguns recursos.

Além disso, é possível considerar que eficiência é a razão de ser do princípio da razoável duração do processo, introduzido justamente para que a atividade jurisdicional não se alongasse indefinidamente no tempo, de modo a tornar inútil o provimento jurisdicional que dela resultaria.

Isto posto, o novo CPC vem para conciliar esses quatro princípios: cooperação, não-surpresa, eficiência e razoável duração, os quais são institutos essenciais para a concretização de um devido processo legal.

Finalmente, é importante ressaltar que é imprescindível uma mudança de mentalidade dos magistrados, os quais, em grande parte, ainda não estão acostumados a informar previamente os litigantes acerca das decisões tomadas de ofício nem a ouvir as partes de modo a permitir que elas efetivamente influenciem no conteúdo da sentença a ser prolatada.

A não-surpresa e a cooperação, nesses casos, se fazem importantes na promoção da igualdade entre as partes e o juiz, que são colocados em patamares semelhantes dentro do processo, o qual com o advento da cooperação mútua entre tais sujeitos, tornar-se-á muito mais eficiente e justo.

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Submetido em: 13 jan. 2017.

Aceito em: 27 jan. 2017.



[1]  É o caso da regra do julgamento dos processos na ordem cronológica de conclusão ao juiz e o incidente de demandas repetitivas.

[2]   “Art. 1º. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme as normas da Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se, ainda, as disposições deste Código.” (BRASIL, 2010).

[3]  “Art. 5º. Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.” (BRASIL, 2010).

[4]  Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício