A PROPRIEDADE PRIVADA À LUZ DA FUNDAMENTAÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SOBRE POVOS INDÍGENAS

PRIVATE PROPERTY IN THE LIGHT OF THE RATIONALE FOR THE INTER-AMERICAN COURT OF HUMAN RIGHTS DECISIONS ON INDIGENOUS PEOPLES

Natália Mascarenhas Simões Bentes

Doutoranda em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Portugal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Pará. Professora do Centro Universitário do Estado do Pará, da Universidade Federal do Estado do Pará e da Escola Superior da Magistratura do Estado do Pará. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Internacional Público, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito Internacional dos Direitos Humanos, Direito Internacional Público e Privado. Membro da Clínica de Direitos Humanos do CESUPA. Coordenadora Adjunta do Curso de Direito do Centro Universitário do Estado do Pará. Advogada.

Caroline Figueiredo Lima

Advogada, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PA e membro do grupo de pesquisa em Direito Internacional dos Direitos Humanos. Advogada Voluntária na Defensoria Pública da União- DPU. Integra grupos de trabalho referentes à Educação e Povos Indígenas da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PA. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais/UFPA e do Grupo de pesquisa “Derechos Humanos. Una plataforma necesaria/Argentina-México”. Participa anualmente como Juíza Ad Honorem do “Concurso Internacional de Derechos Humanos- Colômbia”, organizado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos- CIDH, Instituto Colombiano de Direitos Humanos- ICDH e Universidad Antonio-Nariño. Integra o quadro de Juíza do “Inter-American Human Rights Moot Court Competition- Estados Unidos” realizado pela American University Washington College of Law e Juíza da “Competencia Universitaria sobre Derechos Humanos Sergio García Ramírez- México” da Facultad de Derecho de la Universidad Nacional Autónoma de México, organizado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos- CIDH, dentre outras instituições. Email: carolinelimaa@live.com.

Resumo: Analisar a questão do Direito à Propriedade Privada dos povos indígenas, requer um estudo de elementos básicos e previamente abordados por uma série de mecanismos internacionais de proteção dos Direitos Humanos. Situações como a cosmovisão indígena, terras ancestrais e vulnerabilidade étnica são capazes de ampliar as situações fáticas de territorialidade. A Corte Interamericana de Direitos Humanos expõe como estes fatores podem influenciar na posse e propriedade indígena. Desta forma, o presente trabalho tem o objetivo de promover o conhecimento acerca do entendimento internacional sobre questões ainda controversas no âmbito brasileiro, visto que em solo nacional, por hora ainda não é reconhecida a propriedade dos Povos Indígenas, viés que é contrário às determinações estabelecidas internacionalmente. Para tanto, no presente estudo foram utilizados casos julgados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, bem como os documentos internacionais aplicáveis. Além disso, as doutrinas nacionais e internacionais foram aplicadas, a fim de garantir uma abrangência na abordagem proposta ao longo do trabalho, bem como alguns precedentes do Superior Tribunal Justiça do Brasil e Tribunal Regional Federal, ampliando ainda mais a discussão sobre o tema. É possível concluir ao final do trabalho, que os parâmetros culturais e espirituais de ligação do povo com seu território, são fundamentais para garantir a plena propriedade destes indivíduos às terras ancestrais que ocupam, e possuem forte acervo protetivo em âmbito internacional, demandando uma urgente aplicação pela legislação brasileira.

Palavras-chave: Direito à Propriedade Privada. Mecanismos internacionais. Direitos Humanos. Cosmovisão. Terras ancestrais.

Abstract: Analyzing the issue of the Right to Private Property of indigenous peoples, requires a study of elements that are basic and that have been previously dealt with by a series of international mechanisms for protecting Human Rights. Situations such as the indigenous worldview, ancestral lands and ethnic vulnerability are capable of expanding factual situations of territoriality. The Inter-American Court of Human Rights sets forth how these factors can influence indigenous possession and ownership. Thus, this paper has the objective of promoting knowledge regarding the international understanding regarding issues that are still controversial in the Brazilian environment, given that in Brazil, so far, the ownership of indigenous peoples has not yet been recognized, a view that runs counter to internationally established decisions. To that end, this paper presents the results of cases decided by the Inter-American Court of Human Rights, as well as the applicable international documents. In addition, national and international principles were applied, in order to guarantee comprehensiveness for the approach presented by this paper, as well as some precedents from the Federal Supreme Court of Brazil, so as to expand further expand the discussion of this issue. It is possible to conclude at the end of this study that the cultural and spiritual parameters of the connection of a people to their territory are vital for guaranteeing full ownership by those individuals over the ancestral lands that they occupy. This reality has strong protective support at the international level, which demands an urgent application in Brazilian legislation.

Keywords: Right to Private Property. International mechanisms. Human Rights. Worldview. Ancestral lands.

1.  Introdução

Com as atrocidades constatadas durante as duas grandes guerras mundiais, os organismos internacionais passaram por um processo de amadurecimento institucional, no sentido de estabelecer novos parâmetros de atuação (WOLKMER, 2013, p. 130). Com isso, foram fixados diversos mecanismos a fim de garantir a dignidade da pessoa humana e a “expansão da lista de direitos fundamentais e princípios substantivos” (COURTIS, 2009, p. 55). Em outras palavras, o Estado existe para ser humano, e não o contrário (CANÇADO TRINDADE, 2008, p. 188).

Neste ínterim, o Brasil ratificou o Pacto de San José da Costa Rica em 1992 (Convenção Americana de Direitos Humanos CADH), e reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH em 1998. A partir deste momento, o país passou a receber uma série de recomendações e condenações à nível internacional, à fim de que estabelecesse um controle de convencionalidade à legislação interna (MAZZUOLI, 2009, p. 113).

Dentre as incompatibilidades com as leis brasileiras e os acordos/tratados internacionais, está a questão do reconhecimento ao Direito de Propriedade às terras ocupadas por povos indígenas e populações tradicionais. Por esta razão, é necessário um estudo aprofundado e conhecimentos específicos dos conceitos utilizados pela Corte IDH, para que possamos garantir uma maior aplicabilidade destes embasamentos.

Neste diapasão, o problema central do artigo está no seguinte questionamento: Quais fundamentos que a Corte Interamericana de Direitos Humanos e as Convenções Internacionais têm utilizado para garantir o Direito à Propriedade de terras pelos povos indígenas?

A questão indígena no Brasil, bem como dos demais povos e populações tradicionais, é extremamente debatida em âmbito nacional e internacional. Ocorre que, a partir de uma análise minuciosa dos aspectos e elementos que constituem o direito à propriedade privada, é possível verificar que vários avanços ainda precisam ser feitos, apesar da interferência do Direito Internacional nesta área não ser bem vista pelo Estado (CALSING, 2010, p. 7).

Destarte, o objetivo geral deste artigo é de analisar os principais casos julgados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, bem como identificar os conceitos aplicáveis pelos documentos internacionais pertinentes à determinação da propriedade privada às terras ancestralmente ocupadas por estes indivíduos. A partir desta análise, também foram utilizados precedentes do Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal e doutrina nacional e internacional, a fim de garantir maior fundamentação dos pontos delimitados.

O texto é estruturado inicialmente com um breve estudo dos conceitos que serão trabalhados ao longo do artigo. Após, será feita a análise de alguns precedentes emblemáticos da Corte IDH, bem como alguns casos que chegaram até o STJ e TRF. Por fim, serão apresentados os resultados da pesquisa desenvolvida.

2.  Elementos da propriedade privada no contexto internacional

A Convenção Americana de Direitos Humanos em seu artigo 21 (direito à propriedade privada) traz disposições amplas e genéricas sobre o tema. De acordo com este artigo, “Toda pessoa tem direito ao uso e gozo de seus bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social.". Ocorre que, conforme será analisado posteriormente, este interesse social sobrepuja aspectos peculiares à tradição e cultura indígena, fato que dificulta a aplicação do dispositivo. Tais características são de extremo valor para os indígenas; como, por exemplo, a questão de que a terra e a espiritualidade estão intrinsecamente interligadas (RINALDI, 2012, p. 252).

Dois dos principais documentos que têm por objetivo esclarecer, em âmbito internacional, a conceituação e delimitação de território são: a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT e a Declaração das Nações Unidas sobre os Povos Indígenas. Esses instrumentos tratam do que consiste o direito à propriedade pelos indígenas de forma detalhada e específica.

De acordo com a Convenção, o termo "terras", presente no mesmo documento, abrange todo o ambiente das áreas que esses povos ocupam ou usam para outros fins (artigo 13, §2). Além disso, os povos indígenas têm direito a propriedade e a posse sobre as terras tradicionalmente ocupadas (artigo 14, §1), com a devida proteção à cultura (ABRAMOVICH, 2005, p. 193) e aos valores espirituais (artigo 13, §1).

Nos termos da Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, esses indivíduos têm o direto a posse por ocupação tradicional das terras com respeito aos costumes, assim como o direito a desenvolver e controlar as suas terras (artigo 26).

Flávia Piovesan trabalha os aspectos que entende como os principais desafios dos Direitos Humanos na contemporaneidade. Dentre esses, cabe destacar a questão do desenvolvimento e assimetrias globais. É possível constatar, na Corte Interamericana, casos paradigmáticos em que usinas hidrelétricas se instalaram em territórios indígenas e causaram grandes problemas físicos, psicológicos e sociais a estes indivíduos.

Usinas deste porte representam grande risco para além da população que habita em seu entorno. Essas indústrias, sobretudo, causam sérios danos ambientais, que atingem a população tradicional e os demais setores da sociedade civil. Neste sentido, Piovesan (2012, p. 52) afirma que:

No que se refere à temática ambiental, a Cruz Vermelha estima que há atualmente no mundo mais pessoas deslocadas por desastres ambientais do que por guerras. Até 2010 a ONU contabilizava 50 milhões de “refugiados ambientais”. Qualquer situação de refúgio é por si só reflexo de um grave padrão de violação aos direitos humanos. Os danos ambientais tem gerado um crescente fluxo migratório, devido ao deslocamento forçado de pessoas compelidas a lutar por novas condições de vida.

Quando uma usina hidrelétrica é instalada em um território indígena sem as devidas precauções, é inevitável a situação de deslocados internos à que a doutrinadora faz menção. Esses deslocados são aqueles que foram forçosamente retirados de suas terras. A pobreza, a miséria e a segregação são fatores fatais, que de forma constante afetam as populações tradicionais[1].

A Corte Interamericana trata deste aspecto de modo mais incisivo nos casos Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicarágua , Yakye Axa Vs. Paraguai, Saramaka Vs. Suriname, Povo Indígena Kichwa de Sarayaku Vs. Equador, Sawhoyamaxa Vs. Paraguai, Comunidade Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguai e Povos Indígenas Kuna de Madungandí e Emberá de Bayano e seus membros Vs. Panamá.

Nos termos dos precedentes suscitados, estes foram de fundamental importância para o conceito e a definição do âmbito de proteção do direito de propriedade privada. A relevância e completude dos julgados anteriores é ponto essencial, visto que a lógica interpretativa da Corte entende que os povos indígenas possuem peculiaridades que os tornam uma unidade comunal dotada de personalidade jurídica, e, portanto, com obrigações e direitos perante a sociedade[2].

Em informe oficial[3], a comissão interamericana de direitos humanos transmite a ideia de que tanto a extração legal quanto a ilegal dos recursos naturais localizados nos territórios indígenas ferem gravemente a integridade física e cultural dessas pessoas. Dessa forma, garantir a sobrevivência física e cultural deste povo representa uma preocupação do Direito Internacional e dos Direitos Humanos[4].

3.  O entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos

A disposição legal prevista no art. 21 do pacto de San José da Costa Rica dispõe que:

1. Toda pessoa tem direito ao uso e gozo de seus bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social.

2. Nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens, salvo mediante o pagamento de indenização justa, por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei.

3. Tanto a usura, como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem, devem ser reprimidas pela lei.

Dessa forma, serão analisadas algumas sentenças da Corte Interamericana que tratam da violação deste dispositivo legal, tal como aprofundam os parâmetros de aplicação do referido texto convencional.

3.1.    Caso Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicarágua[5]

Este é o primeiro caso em que a Corte Interamericana de Direitos Humanos se aprofundou na questão da cosmovisão indígena[6].

Os Mayagna (ou Sumo) são uma etnia pertencente à comunidade Awas Tingni, e habitam um conjunto de ilhas localizadas na Costa Atlântica da Nicarágua, também chamadas de “Região Autônoma do Atlântico Norte”. Essas ilhas possuem uma legislação própria na constituição da Nicarágua.

A problemática destes nativos versa sobre o fato de que as terras ocupadas pelos Mayagna são reclamadas tanto por outras comunidades (com relação à mesma área), quanto pelo próprio Estado (uma vez que a comunidade não possui título real da região que ocupa).

Alguns contratos para a utilização da área reivindicada pelos indígenas foram assinados, figurando como partes os indígenas, o Estado e empresas privadas. A concessão ao uso das terras prejudicou grandemente o convívio humano e cultural na região, assim como acabou por viabilizar a prática de cortes ilegais de madeira realizados pela empresa que comprou parte das terras.

A Corte suscita a alegação do Estado da Nicarágua, quando esta nega a ancestralidade da terra[7]. Tal país afirma a necessidade de titulação da terra em questão, uma vez que considerar a ancestralidade em termos legais ocasiona certa desproporcionalidade da área ocupada pelas tribos, o que dificulta a utilização por outras comunidades.

Essa "desproporcionalidade" indicada pelo Estado pode ser conceituada em termos práticos, como a própria ideia de segurança jurídica. Em outras palavras, assegurar a ancestralidade de terras não seria, segundo o demandado, um método seguro para a demarcação de terras, visto que uma mesma terra poderia ser alvo de conflito entre comunidades diferentes.

Apesar de o Estado alegar que há, no ordenamento interno, meios de formalizar a propriedade em que os Mayagna residem, a maioria dos magistrados entenderam que não basta apenas existir o recurso de legalização das terras [8], mas eles precisam, acima de tudo, ser efetivos[9].

A Corte IDH considerou que não existia, nesse caso, um procedimento próprio de titulação de terras indígenas pelo qual a tribo poderia efetivar o seu Direito[10]. Esse fato central foi gerador de incerteza pela comunidade, no que tange a qual mecanismo poderia ser utilizado por ela a fim de atingir a sua pretensão jurídica.

Baseando-se na ineficácia da legislação interna, no desrespeito à razoável duração do processo e na desconsideração do Direito Consuetudinário (valores, costumes e usos da tribo), os juízes consideraram o art. 25 da convenção americana de Direitos Humanos violado, em 7 votos contra 1.

Em suma, para que o art. 25 (proteção judicial) da Convenção Interamericana de Direitos Humanos fosse considerado violado, a ratio dos fundamentos utilizados foi a nítida ineficácia dos mecanismos processuais internos. Além de prever no ordenamento jurídico, o Estado deve viabilizar o alcance da pretensão ao direito indígena.

Ao analisar a questão da violação ao Direito à propriedade privada (art. 21/CADH), a discussão é traçada de uma forma abrangente, com interpretação ampla. A Corte IDH considera como bens:

(...) essas coisas materiais, bem como qualquer direito que possa ser parte dos ativos de uma pessoa. Este conceito inclui todos os elementos móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos e qualquer outro objeto imaterial capaz de ter valor (tradução livre) [11].

A inovação na jurisprudência interamericana ocorre a partir do momento em que a maioria dos juízes passa a considerar a tradição comunitária[12] da terra, afirmando que possuem o direito de transitar livremente por seu território (LOUREIRO, 2012, p.384). O Direito à Propriedade indígena deve ser analisado à luz de sua vida espiritual, integridade e vida econômica. São resguardados os Direitos de gozar plenamente da área habitada, a fim de transmitir sua história às futuras gerações.

Ao ter como base o Direito Consuetudinário internacional sob o ponto de vista

afirmado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, a posse per si deveria bastar, para que as comunidades indígenas que careçam de um título formal para a aquisição da propriedade efetivem seus direitos. De acordo com Mazzuoli (2013, p. 130):

Dois são os elementos necessários à formação do costume internacional: o material e o psicológico (também chamados, respectivamente, de elementos objetivo e subjetivo). Nenhuma outra condição de existência, além desses dois elementos de integração, é necessária para que a norma costumeira se constitua enquanto tal.

Em outras palavras, ao decidir um caso que verse questões indígenas, a Corte IDH utiliza das normas internacionais positivadas e não positivadas, ampliando o âmbito de proteção dessa comunidade tribal. Analisa, portanto, aspectos fáticos e transcendentes, como por exemplo, a questão da ancestralidade.

Baseando-se nos costumes e na tradição, esses devem ser suficientes para sanar qualquer carência processual de direito interno. Tanto o registro quanto a demarcação de terras não se manifestam como elementos determinantes, ou até mesmo necessários, para a definição da propriedade dos povos indígenas, de acordo com o decidido neste caso.

Na Apelação Cível nº 2001.33.01.001589-7/BA, o Juiz Federal relator Rodrigo Navarro de Oliveira prolatou voto no sentido de que no caso de demarcação de terras indígenas, se "restar comprovado que o imóvel dos autores situa-se em terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, não terá o registro imobiliário nenhum efeito jurídico, nos termos do art. 231, § 6º da Constituição Federal".

Em outras palavras, julgou o magistrado no sentido de garantir a prevalência dos Direitos Indígenas em desfavor de meros tecnicismos processuais, conforme dispõe a ementa do referido julgamento:

ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. TERRAS TRADICIONALMENTE OCUPADAS PELOS ÍNDIOS. CF, ART. 231, § 1º. POSSE INDÍGENA. NECESSIDADE DE LAUDO ANTROPOLÓGICO. PROTEÇÃO POSSESSÓRIA A OUTROS POSSUIDORES. IMPOSSIBILIDADE.

1. Em exame apelação interposta pelo Ministério Público Federal e pela União em face de sentença que julgou procedente pedido reintegração de posse de imóvel rural situado no Município de Pau Brasil/BA.

2. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são aquelas por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (CF, art. 231, § 1º).

3. A posse indígena, por suas peculiaridades, não pode ser analisada à luz dos conceitos civilistas de posse e propriedade. Embora não se tenha notícia nos autos de que já houve a demarcação da área, resta incontroverso que o Município de Pau Brasil integra a reserva dos índios Pataxós e Tupinambás. Precedentes.

4. Na hipótese dos autos, não foi elaborado laudo antropológico, necessário para aferir se o imóvel rural encontra-se localizado na área indígena da aludida reserva. Se tal hipótese for confirmada, essa circunstância basta para desfigurar o pretendido direito à reintegração de posse.

5. Deve ser anulada a sentença e determinado o retorno dos autos à Vara Federal de origem para realização de prova pericial.

6. Dá-se provimento aos recursos de apelação.

Insta acrescentar que o Brasil, em sede do Superior Tribunal de Justiça STJ, aplicou a mesma linha de decisão da Corte Interamericana ao garantir o direito à posse de comunidade remanescente quilombola, localizada no Estado do Rio de Janeiro, mais especificadamente em terreno de marinha. O relator Sr. Min. Benedito Gonçalves fundamentou o RE nº 931.060-RJ (2007/0047429-5) com base em aspectos da tradição cultural para a tomada de decisão.

De acordo com o Ministro do STJ:

A ratio do mencionado dispositivo constitucional visa assegurar o respeito às comunidades de quilombolas, para que possam continuar vivendo segundo suas próprias tradições culturais, assegurando, igualmente, a efetiva participação em uma sociedade pluralista.

Além disso, o Min. Benedito Gonçalves afirma que a reintegração de posse da comunidade quilombola representa uma "medida reparatória" que visa, principalmente, a compensação de uma dívida histórica do país para com esses povos tradicionais.

A Corte Interamericana conclui, no caso Mayagna, que a responsabilidade pela demarcação continua sendo do Estado, pois quando esta não é realizada, gera situações de incerteza e insegurança dos nativos[13].

O Juiz Montiel Argüello, em seu voto dissidente, adotou uma visão formalista sobre a questão dos mecanismos de proteção da propriedade indígena. De acordo com Argüello, o fato de que o procedimento de demarcação de terras é ineficaz não significa que, por este fato, exista violação à proteção judicial[14]. Em suas palavras: “Por mais que seja possível melhorar a legislação vigente, não significa que ela não exista." [15].

Afirma, ainda, que a falta de concessão de títulos não significa que o procedimento para alcançar esta pretensão não exista. Dessa forma, à luz da interpretação de Argüello, a comunidade conseguiu pleitear o seu Direito, e não houve violação às garantias judiciais e à proteção judicial.

Concluindo seu voto, de forma minoritária fundamenta o voto contrário no sentido de que, neste caso, não é passível a garantia de indenização por danos morais nem materiais, uma vez que o dano material nunca existiu de fato, e o dano moral não cabe, pois a “vida tradicional” dos membros da comunidade não foi afetada[16].

O voto conjunto dos juízes Cançado Trindade, Pacheco Gómez e Abreu Burelli inaugura os julgados que têm nos povos indígenas a sua principal base de raciocínio. O voto representa, neste caso, um momento paradigmático nas decisões da Corte Interamericana. Seja pelas conceituações aplicadas, seja pela interpretação antropológica dos povos indígenas.

A Dimensão intemporal[17], conceito apresentado pelos juízes, consiste na consideração de que o ambiente habitado pelos povos indígenas representa a sua história enquanto indivíduo. São esses os territórios em que seus ancestrais foram enterrados, e será neles onde as gerações do porvir irão habitar.

De acordo com Charly Webster Mclean Cornelio, um dos membros da comunidade Mayagna Awas Tingni[18]:

(...) O Cerro Urus Asang é uma colina sagrada desde nossos ancestrais porque ali temos enterrados nossos avós e, por isso, o chamamos sagrado. Logo, Kiamak também é uma colina sagrada porque ali temos (...) as flechas de nossos avós. Logo vem Caño Kuru Was, é um povoado velho. Todo nome que mencionamos neste quadro é sagrado. (tradução livre)[19]

Além da Dimensão intemporal, conceito esse utilizado a fim de demonstrar a condição da terra como propriedade da coletividade, história e tradição de um povo, a sacralidade é analisada sob um viés de desenvolvimento econômico e familiar. Retirar a posse de indivíduos interligados complexamente a essa propriedade, de acordo com os juízes, é uma afronta à saúde mental, autopercepção social e autoidentificação cultura[20].

Os elementos supracitados são fundamentados no estudo científico realizado pelo antropólogo Rodolfo Gruenbaum (responsável pela análise criteriosa da comunidade). De acordo com o pesquisador, a autopercepção e a autoidentificação são conceitos que advêm da livre prática religiosa aliada à relação dos povos indígenas com a terra que habitam.

A Corte Interamericana faz referência a outros casos julgados que se relacionam à perspectiva cultural[21]. Neste sentido, os Juízes consideram como requisito importante, nos julgados entre sociedades multiculturais, o respeito à diversidade cultural. Essa, por sua vez, é tida como “formas de manifestação cultural e auto-organização social e na jurisprudência, no plano tanto internacional quanto nacional."[22].

Desse modo, foram considerados como violados os artigos 25 (proteção judicial) e 21 (propriedade privada) da Convenção Americana de Direitos Humanos.

3.2.    Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs. Paraguai [23]

A comunidade Yakye Axa ocupava, tradicionalmente, a região do Chaco Paraguaio. À época de ocorrência dos fatos, sobreviviam basicamente da caça, pesca, coleta de hortifrúti em geral, cultivavam chácaras e criavam gado bovino, ovino e caprino.

A problemática no caso versa sobre a venda de grandes extensões de terra do Chaco Paraguaio através da Bolsa de Valores de Londres, final do séc. XIX. Nesse território, habitavam algumas tribos que foram deslocadas forçosamente devido à alienação da região. Com isto, alguns nativos foram empregados de forma escrava nas referidas terras, marginalizados e até mortos por ocasião de fome e desabrigo.

Neste sentido, a Corte considerou a questão da memória histórica para decidir sobre a violação do direito à propriedade privada. Esta condiz com lugares dentro da região ocupada tidos como sagrados ou que, simplesmente, possuem um nome tradicional indígena, atribuídos a deuses pertencentes a esta cultura. Desse modo, a ligação dos povos indígenas com a terra adentra em valores religiosos fortemente guerreados por esta comunidade.

De acordo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos na análise de mérito do caso:

(...) às graves condições de vida que enfrentavam (...) os homens não recebiam salários ou estes eram muito baixos, as mulheres eram exploradas sexualmente por trabalhadores paraguaios e não contavam com serviço de saúde ou alimentação suficiente (tradução livre)[24].

Cumulada às situações supracitadas, a comunidade Yakye Axa foi retirada da região onde costumava conviver por séculos. Esta retirada de seu habitat natural concorreu para a marginalização e o impedimento da celebração das práticas culturais e familiares. Na atual área sob a qual foram remanejados, lhes é proibido o cultivo de hortifrúti, fato este que os obriga a realizarem viagens longas para obterem o seu sustento natural.

Ao considerar as condições precárias sofridas pela comunidade, a comissão alega que alguns nativos, além de sofrerem um processo de dispersão social, acabam por falecer, a maioria deles idosos, de saúde debilitada. Com isto, a “preservação da cultura” sofreu transtornos, considerando que a raiz da tradição indígena é transmitida às futuras gerações de forma imaterial.

Com relação ao primeiro caso julgado pela corte, o caso comunidade Mayagna (Sumo) Vs. Nicarágua (2001), o direito a vida começa a tomar uma dimensão ainda maior, uma vez que este artigo ainda não havia sido suscitado pela comissão para fins de violação.

A Corte Interamericana utiliza como um dos fundamentos para a análise do caso a questão de que os indígenas representam um grupo em situação especial de vulnerabilidade[25]. Em decorrência deste fato, resta configurada a questão de que o direito consuetudinário tribal e a própria cultura desse povo foram prejudicados, em virtude de medidas externas ao consentimento desses indivíduos.

Sydney Guerra (2013, p.260) apresenta como um marco decisivo, em prol dos direitos das minorias, a Declaração sobre Direitos dos Povos Indígenas. De acordo com o doutrinador, por meio desse documento internacional, foi possível tanger "enfrentamentos para a manutenção de suas culturas, tradições, língua, crenças, espiritualidade (...)".

Em voto parcialmente dissidente, o juiz Abreu Burelli conceitua a cultura indígena de uma forma inovadora para os precedentes da Corte. De acordo com o magistrado[26]:

A este respeito, das múltiplas definições que foram dadas sobre a cultura, ressalta, a meu critério, aquela que a qualifica como o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos de uma sociedade, um grupo social ou uma pessoa e que inclui, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças. (tradução livre).[27]

Em outras palavras, é possível identificar a força e a relevância cultural apresentada dentro do contexto tribal. Ao vender as terras que eram habitadas tradicionalmente pelos Yakye Axa, sem consentimento ou aviso prévio, o Estado do Paraguai não considerou, para os devidos fins, o grau de relevância cultural que este povo tinha com o antigo território.

De acordo com Salvador Herrencia Carrasco (2015, p. 210), a Corte IDH estabeleceu critérios para que se aplicasse o Direito Consuetudinário. Em suas palavras:

Neste caso, o Tribunal concluiu que os direitos comunais podem ser limitados quando eles são ( i) estabelecidos pela lei; (ii) necessários; ( iii ) proporcionais, e ( iv ) a sua finalidade é atingir um objetivo legítimo em uma sociedade democrática. Devido ao fato de que não havia nenhum acordo entre os membros da comunidade e do Estado a respeito do uso de a terra, ele não conseguiu garantir o uso e gozo efetivo pelos membros da comunidade Yakye Axa. O Tribunal ordenou a restituição do comum terra e ao pagamento de uma indenização devido (tradução livre).[28]

Acrescenta o juiz Burelli que, no que tange ao Direito Internacional, quando se fala em identidade cultural, esta se encontra em permanente construção, dependendo dos Direitos Culturais. A partir dessa afirmação, é proposta pelo magistrado uma interpretação evolutiva ao direito à identidade cultural. Apesar desse direito não estar presente no pacto de San José, encontra respaldo nos artigos 1,1, 5, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 21, 23 e 24 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Dessa forma, sempre que um Estado deixar de observar uma tribo indígena ou omitir a ela quaisquer dos direitos elencados acima, esse estará violando gravemente o direito à identidade cultural destes povos.

No sistema global de Direitos Humanos, o conselho permanente da ONU, em Assembleia Geral, aprovou[29] a Resolução 61/178. Esse documento dispõe que "o respeito aos conhecimentos, às culturas e às práticas tradicionais indígenas contribui para o desenvolvimento sustentável e equitativo e para a gestão adequada do meio ambiente (sic).".

Os juízes Cançado Trindade e Ventura Robles decidem em voto dissidente, no caso Yakye Axa, que a questão da identidade cultural não depende apenas de aspectos biológicos, mas também abrange o patrimônio "cultural, histórico, religioso, ideológico, político, profissional, social e familiar de uma pessoa".

Nestes termos, é possível apreender da análise de decisão da Corte que, no Caso Yakye Axa Vs. Paraguai, fora adotado um posicionamento no sentido de atender aos Direitos e às peculiaridades dos Direitos das Minorias étnicas.

Dessa forma, a Corte considerou como violados os artigos 4.1 (direito à vida), 8 (garantias judiciais), 21 (propriedade privada) e 25 (proteção judicial) da Convenção Americana de Direitos Humanos.

3.3.    Caso Povo Saramaka Vs. Suriname [30]

Este caso representa atualmente um grande significado para o contexto brasileiro. Trata-se de danos ambientais, psicológicos e físicos causados ao povo Saramaka em decorrência da construção de uma Usina hidrelétrica em 1960, na região em que as tribos habitavam e exerciam suas atividades cotidianas, tais como: caça, pesca e culto aos ancestrais[31].

Nos termos da sentença, o povo Saramaka é tribal e não indígena[32]. Contudo, em razão de suas peculiaridades e semelhança com o povo indígena, a jurisprudência relativa ao direito de propriedade indígena é aplicável também àquela classe[33].

O dano, ocorrido de modo efetivo no território tradicionalmente ocupado, se refere aos impactos ambientais provenientes da construção da Usina Afobaka (como, por exemplo, inundações[34]). Na fundamentação da decisão prolatada, a Corte levanta três precedentes de que medidas judiciais especiais devem ser adotadas no sentido de garantir o direito de propriedade e a sobrevivência física e cultural da tribo. São eles: Caso Yakye Axa Vs. Paraguai, Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingn Vs. Nicarágua e Comunidade Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguai.

Nos termos dos precedentes por ora suscitados, esses foram de fundamental importância para o conceito e a definição do âmbito de proteção dos direitos em evidência. A relevância e a completude dos julgados anteriores são pontos essenciais, visto que a lógica interpretativa da Corte entende que os povos indígenas possuem peculiaridades que os tornam uma unidade comunal dotada de personalidade jurídica, e, portanto, com obrigações e direitos perante a sociedade.

O Estado do Suriname não ratificou a Convenção n. 169 da OIT, tampouco previu na Constituição o direito à propriedade comunal dos povos e populações tradicionais à terra. Contudo, a Corte Interamericana afirma expressamente, no §96 da sentença de mérito, que o Estado violou o direito à propriedade comunal dos Saramaka, uma vez que este povo ocupa o território há séculos e sobrevive, basicamente, dos recursos naturais advindos da terra em que estavam alocados.

Para decidir na questão da proteção disposta do art. 21 (propriedade privada) da Convenção Americana de Direitos Humanos, a Corte considerou como pontos essenciais[35] a aplicação dos conceitos de propriedade comunal e das práticas consuetudinárias de uso da terra. Dessa forma, fora aberto importante precedente para os julgados na esfera interamericana, uma vez que tais conceitos podem ser aplicados tanto para povos indígenas quanto para comunidades tradicionais, a exemplo das comunidades quilombolas no Brasil.

Além da questão territorial, cabe ressaltar a importância de ser discutida a realização de consulta prévia aos indivíduos que serão afetados pelo impacto ambiental. A construção deve respeitar os trâmites legais e estar de acordo o desenvolvimento cultural e social dos indígenas. De acordo com o disposto do art. 6º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho- OIT:

1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:

a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;

b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes; (...)

2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas.

De acordo com o texto convencional, as consultas devem ter a participação dos indígenas e seus representantes legais sempre que estiverem na eminência de ser afetados por qualquer tipo de medida. Neste sentido é a Declaração das Nações Unidas, artigos 5, 18, 19 e 23.

Desse modo, a Corte Interamericana decidiu que foram violados os artigos 3 (personalidade jurídica), 21 (propriedade privada) e 25 (proteção judicial) da Convenção Americana de Direitos Humanos.

3.4.    Caso Comunidade indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguai [36]

O contexto político do Estado do Paraguai à época dos acontecimentos era de ruptura com o Estado de exceção. O país estava saindo de uma ditadura de quase 50 anos, que culminou na deposição do então presidente Alfredo Stroessner em 1989. Somente em 1991 fora inaugurado o processo de redemocratização.

O caso está relacionado com a violação de direitos da Comunidade indígena Xákmok Kásek, devido à impossibilidade de a Comunidade ter acesso à propriedade e à posse de seu território. Por este motivo, "a comunidade se encontrava em um estado de vulnerabilidade alimentar, médica e sanitária, que ameaçam de forma contínua a sobrevivência dos membros da Comunidade e a integridade da mesma" [37].

Assim como no caso Yakye Axa, a comunidade indígena Xákmok ocupava a região do Chaco Paraguaio, quando o Estado vendeu, no final do século XIX, vários lotes de terra para empresas privadas com o total desconhecimento daqueles que já habitavam este local.

Primeiramente, um dos pontos mais importantes da sentença é o pronunciamento da Corte IDH sobre a autodeterminação. Conforme o entendimento constante no §37, não compete nem ao Estado nem à Corte definir o nome ou o pertencimento étnico das comunidades indígenas. Tais elementos constituem um fato histórico-social, que diz respeito tão somente à identificação desses indivíduos como pertencentes a um determinado grupo.

Neste sentido, acrescenta Antonio Carlos Wolkmer (2006, p.1): “Toda cultura tem um aspecto normativo, cabendo-lhe delimitar a existencialidade de padrões, regras e valores que institucionalizam modelos de conduta”.

A autodeterminação dos povos está prevista na Convenção 169 da OIT, segundo a qual dispõe no artigo 1º, §2, que: "A autoidentificação como indígena ou tribal deverá ser considerada um critério fundamental para a definição dos grupos aos quais se aplicam as disposições da presente Convenção.".

Neste sentido, a Comissão Interamericana emitiu parecer no sentido de que a comunidade indígena Xákmok tem direito ao restabelecimento ou ao fornecimento de igual extensão e qualidade do território anteriormente ocupado, como uma forma de manter a identidade cultural[38].

Os parâmetros gerais utilizados pela Corte IDH , para a declaração da violação do artigo 21, permeiam basicamente sobre o exame dos seguintes pontos: I) Caráter tradicional das terras reclamadas (que compreende estudos técnicos e análise antropológica da idoneidade da ocupação indígena); II) posse das terras reclamadas e sua exigência para o reconhecimento da propriedade comunitária; III) vigência do direito a reclamar as terras tradicionais; e IV) alegada satisfação do direito dos membros da Comunidade a seu território tradicional com terras alternativas.

O Tribunal tece ponderações sobre a responsabilidade da concessão de documentos referentes ao título da terra entregue aos indígenas. Além disso, afirma que por mais que inexista a posse, o direito à propriedade persiste. Desse modo, conclui a matéria ao afirmar que[39]:

1) a posse tradicional dos indígenas sobre suas terras tem efeitos equivalentes ao título de pleno domínio concedida pelo Estado; 2) a posse tradicional concede aos indígenas o direito a exigir o reconhecimento oficial de propriedade e seu registro; 3) o Estado deve delimitar, demarcar e conceder título coletivo das terras aos membros das comunidades indígenas; 4) os membros dos povos indígenas que, por causas alheias à sua vontade, tenham saído ou perdido a posse de suas terras tradicionais mantêm o direito de propriedade sobre as mesmas, ainda na falta de título legal, salvo quando as terras tenham sido legitimamente trasladadas a terceiros de boa fé, e 5) os membros dos povos indígenas que involuntariamente tenham perdido a posse de suas terras, e estas tenham sido trasladadas legitimamente a terceiros inocentes, têm o direito de recuperá-las ou de obter outras terras de igual extensão e qualidade (tradução livre)[40].

Portanto, a Corte considerou como violados os artigos 3 (personalidade jurídica), 4.1 (direito à vida), 5.1 (integridade pessoal), 8.1 (garantias judiciais), 21.1 (propriedade privada), e 25.1 (proteção judicial) da Convenção Americana de Direitos Humanos.

3.5.    Caso Povos Indígenas Kuna de Madungandí e Emberá de Bayano e seus membros Vs. Panamá [41]

Este é o caso mais recente sobre povos indígenas julgado, até o presente momento. A Corte reafirma, na sentença, o fato de que o artigo 21 da convenção protege tanto elementos corpóreos como incorpóreos; materiais e imateriais[42]:

(...) O artigo 21 da Convenção Americana protege a estreita relação que os povos indígenas têm para suas terras e recursos naturais do mesmo e os elementos incorpóreos deles derivados. Entre os povos indígenas existe uma tradição comunitária sobre uma forma comunal da propriedade coletiva da terra, o que significa que a propriedade da terra não está centrada no indivíduo, mas no grupo e sua Comunidade (tradução livre).[43]

O caso Povos Indígenas Kuna de Madungandí e Emberá de Bayano e seus membros Vs. Panamá, da mesma forma que no caso Saramaka, trata da instalação de uma Usina hidrelétrica (Usina Bayano entre 1972 e 1976) em uma região tradicionalmente ocupada por indígenas da etnia Kuna e etnia Emberá.

Os representantes das vítimas alegaram questões que apresentam como foco principal a proteção da propriedade privada. A população indígena, no presente caso, sofre grandes problemas em virtude da falta de demarcação e titulação de terras.

O Tribunal reitera que o território habitado pelos nativos indígenas deve ser visto como parte integrante da cultura e dos valores espirituais deles com a terra em que habitam. O art. 13 da Convenção 169 da OIT indica que todas as disposições estabelecidas neste documento precisam respeitar, principalmente, estes dois aspectos : cultura e valores espirituais.

A OIT acrescenta que o território é a base da economia e das estratégias de sustento destes indivíduos (2009, p. 91). Desse modo, a terra está intrinsecamente ligada aos indivíduos que fazem a ocupação tradicional da região.

Além disso, a Declaração das Nações Unidas sobre Povos indígenas indica que os indivíduos têm o direito de participar e elaborar prioridades para o seu próprio desenvolvimento (art. 23). Com base nestes e em outros documentos internacionais, é possível afirmar que o direito à propriedade indígena vai desde a demarcação de terras até a observância aos mecanismos de consulta prévia e participação.

O povo Kuna e Emberá não recebeu qualquer tipo de indenização pela remoção forçada das suas terras. O voto do juiz Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot considera que o não pagamento de indenização constitui em violação continuada[44], em relação ao artigo 21 da convenção. Isso se justifica pelo fato de violar, expressamente, o dispositivo e o artigo 1º do Protocolo n. 1. Este protocolo considera que existe um direito implícito de receber uma indenização pela privação da propriedade e que os Estados estão obrigados a respeitar.

Os representantes alegam que as vítimas sofreram discriminação devido à aplicação diferenciada da lei para indígenas e não indígenas. De acordo com o caso Xákmok Kásek, a Corte afirmou que o direito de não discriminação constitui em norma jus cogens[45]. Nos termos da sentença:

O princípio da proteção igualitária e efetiva da lei e da não discriminação constitui um dado sobressalente no sistema tutelar dos direitos humanos consagrado em vários instrumentos internacionais e desenvolvido pela doutrina e pela jurisprudência. Na atual etapa da evolução do Direito Internacional, o princípio fundamental de igualdade e não discriminação ingressou no domínio do jus cogens. Sobre ele descansa o arcabouço jurídico da ordem pública nacional e internacional e permeia todo o ordenamento jurídico (tradução livre)[46].

A discriminação pode conter vários aspectos. Dentre eles, vale ressaltar a discriminação sistêmica[47]. Essa ocorre quando organizações da sociedade, normas legais, políticas, práticas e atitudes do setor público ou privado atuam no sentido de conceder privilégios ou desvantagens a um determinado grupo minoritário.

De acordo com o Protocolo de San Salvador, artigo 3º, “Os Estados Partes neste Protocolo comprometem-se a garantir o exercício dos direitos nele enunciados, sem discriminação alguma (...)”. Contudo, o Tribunal não considerou que o tratamento dado pelo Estado no presente caso fora discriminatório por insuficiência de provas.

Por fim, a proteção da propriedade privada é um paradigma não apenas no âmbito internacional, mas também no contexto nacional, surtindo reflexos na resolução de conflitos no Brasil. Questões como demarcação de terras, instalação de indústrias extrativistas em áreas de reserva legal, dentre outros, são problemas recorrentes em toda América e a comunicação entre o direito interno e externo tende a enriquecer ainda mais a solução para estes casos.

A Corte considerou como violados os artigos 8 (garantias judiciais), 21 (propriedade privada) e 25 (proteção judicial) da Convenção Americana de Direitos Humanos.

4.  Conclusão

A Corte Interamericana através dos seus julgados tem delimitado e apresentado vários parâmetros que precisam ser observados para a garantia do direito à propriedade privada. Dentre esses parâmetros, em todos os casos indígenas é necessário que haja um parecer técnico e antropológico a fim de que estas comunidades tenham efetivadas as medidas especiais para povos indígenas.

Este parecer, conforme relatado no caso Xákmok Kásek, não tem por objetivo a definição da etnia dos indivíduos, mas tão somente busca identificar os elementos espirituais e culturais que relacionam a terra e os sujeitos que nela habitam.

De acordo com o caso Saramaka, a Corte entendeu que como medida de reparação e de garantia de não repetição, o Estado do Suriname deveria realizar audiências públicas e consultas prévias em respeito às disposições internacionais [48]. Essas reuniões entre indústria, Estado e comunidade devem objetivar o consentimento e os devidos esclarecimentos sobre a questão extrativista e impactos ambientais para ambas as partes.

Ainda como medida de reparação, o Estado deve, dentre outras determinações, demarcar o território tradicionalmente ocupado pela comunidade e identificar os indígenas deslocados. Além disso, precisa prestar serviços básicos para a subsistência dos indivíduos afetados e implementar um programa de desenvolvimento comunitário.

A Convenção 169 da OIT disponibiliza uma série de medidas especiais de proteção para os indígenas, em seus artigos 14, 17, 18 e 19. Tais mecanismos consistem em sempre consultar os nativos, previsão de sansão no direito interno para possíveis intrusos no território, proteção da propriedade e posse, etc. Nos termos do artigo 19:

Os programas agrários nacionais garantirão aos povos interessados o mesmo tratamento concedido aos demais segmentos da população por meio das seguintes medidas:

a)  disponibilizando mais terras a esses povos quando as áreas que ocupam não forem suficientes para lhes garantir meios essenciais para uma existência normal ou acomodar seu crescimento demográfico;

b)  disponibilizando os meios necessários para promover o desenvolvimento das terras que esses povos já possuem.

Desse modo, é possível concluir que os parâmetros utilizados pela Corte Interamericana para a aplicação do artigo 21, contemplado na Convenção Americana de Direitos Humanos, são amplos e tendem a explorar ainda mais as questões culturais e espirituais dos povos indígenas. Com relação à territorialidade, a importância dos estudos técnicos e antropológicos não retira o grau de utilização e apego aos critérios intrínsecos ao indivíduo.

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Submetido em: 3 out. 2017.

Aceito em: 17 out. 2017.



[1]   De acordo com os Princípios orientadores dos deslocados internos, encontra-se nesta condição todo aquele que “os deslocados internos são pessoas, ou grupos de pessoas, forçadas ou obrigadas a fugir ou abandonar as suas casas ou seus locais de residência habituais, particularmente em consequência de, ou com vista a evitar, os efeitos dos conflitos armados, situações de violência generalizada, violações dos direitos humanos ou calamidades humanas ou naturais, e que não tenham atravessado uma fronteira internacionalmente reconhecida de um Estado.”.

[2]   §§ 249 e 250; Sentença de Mérito, reparação e custas. Série C, 214.

[3]   OEA/Ser.L/V/II. Doc. 47/13. 30 dezembro.

[4]   Corte IDH. §96, sentença de Exceções preliminares, mérito, reparação e custas, série C, n. 172.

[5]   Corte IDH. Sentença de mérito, reparação e custas. Série C, nº79. Julgado em 2001.

[6]   Corte IDH. Sentença de mérito, reparação e custas. Série C nº79,§13. Texto original: “por primera vez, profundiza en el análisis de la materia, en una aproximación a una interpretación integral de la cosmovisión indígena, como punto central de la presente Sentencia.”.

[7]   Corte IDH. §110, Sentença de mérito, reparação e custas. Série C nº79.

[8]   Corte IDH. §114, Sentença de mérito, reparação e custas. Série C nº79.

[9]   A questão da efetividade dos recursos internos relacionados ao processo de legalização de terras também é analisada no Caso do Tribunal Constitucional, §90, nota 10; Caso Bámaca Velásquez, § 191, nota 47; e Caso Cesti Hurtado. Corte IDH. Sentença de 29 de Setembro de 1999. Série C Nº56, §125.

[10]  Corte IDH. §124, Sentença de mérito, reparação e custas. Série C nº79.

[11]  Corte IDH. §144, Sentença de mérito, reparação e custas. Série C nº79. Texto original: aquellas cosas materiales apropiables, así como todo derecho que pueda formar parte del patrimonio de una persona; dicho concepto comprende todos los muebles e inmuebles, los elementos corporales e incorporales y cualquier otro objeto inmaterial susceptible de tener un valor.”.

[12]  Corte IDH. §149, Sentença de mérito, reparação e custas. Série C nº79. A “tradição comunitária da terra” tem relação direta com a questão da ancestralidade e transmissão da cultura indígena de geração em geração.

[13]  Corte IDH. §153, Sentença de mérito, reparação e custas. Série C, nº79.

[14]  A proteção judicial a que se faz referência neste caso é a prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos, art.25º, que dispõe: " 1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. 2. Os Estados-partes comprometem-se: a) a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso; b) a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e c) a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso."

[15]  Texto Original: " El que sea posible mejorar la legislación existente no significa que esa legislación no exista". Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicarágua.Voto dissidente do Juiz Montiel Argüello, item 4.

[16]  Corte IDH. §9 da sentença de mérito, reparação e custas. Série C nº79.

[17]  Corte IDH. Sentença de mérito, reparação e custas. Série C nº 79, §8.

[18]  Testemunho de Charly Webster Mclean Cornelio, in: Corte Interamericana de Direitos Humanos, Análise de mérito; Voto fundamentado conjunto dos Juízes Cançado Trindade, Pacheco Gómez e Abreu Burelli, §3º. Série C nº 79.

[19]  Texto original: "Cerro Urus Asang es un cerro sagrado desde nuestros ancestros porque allí tenemos enterrados a nuestros abuelos y por eso llamamos sagrado. Luego, Kiamak también es un cerro sagrado porque allí tenemos (...) las flechas de nuestros abuelos. Luego viene Caño Kuru Was, es un pueblo viejo. Todo nombre que hemos mencionado en este cuadro es sagrado."

[20]  Corte IDH. Voto fundamentado conjunto dos Juízes Cançado Trindade, Pacheco Gómez e Abreu Burelli, §5.

[21]  Corte IDH. Caso Aloebotoe e outros Vs. Suriname, Caso Bámaca Velasquez Vs.Guatemala.

[22]  Texto original: “formas de manifestación cultural y auto-organización social se han, de ese modo, concretado, a lo largo del tiempo, en normas jurídicas y en jurisprudencia, en los planos tanto internacional como nacional”, §12 do voto fundamentado conjunto dos Juízes Cançado Trindade, Pacheco Gómez e Abreu Burelli. Com relação a este voto, são feitas ressalvas entre o embate sobre relativismo cultural e o universalismo. Os juízes negam a aplicação do relativismo cultural, aplicando a universalidade dos direitos humanos concomitantemente à diversidade de culturas e tradições.

[23]  Corte IDH. Sentença de mérito, reparação e custas. Série C, nº125. Julgado em 2005.

[24]  Texto original: “(...) a las graves condiciones de vida que tenían (...) no recibían sueldos o estos eran muy bajos, las mujeres eran explotadas sexualmente por obreros paraguayos y no contaban con servicios de salud ni alimentación suficiente.”. Caso Yakye Axa Vs. Paraguai in: Corte Interamericana de Direitos Humanos, Análise de mérito; Fatos comprovados, §50.13.

[25]  Corte IDH. §63, Sentença de mérito, reparação e custas. Série C nº125.

[26]  Corte IDH. §20, voto parcialmente dissidente do juiz A. Abreu Burelli. Sentença de mérito, reparação e custas. Série C nº125.

[27]  Texto original: "Al respecto, de las múltiples definiciones que se han dado sobre la cultura, resalta, a mi criterio, aquella que la califica como el conjunto de los rasgos distintivos espirituales y materiales, intelectuales y afectivos de una sociedad, un grupo social o una persona y que abarca, además de las letras, los modos de vida, las maneras de vivir juntos, los sistemas de valores, las tradiciones y las creencias"

[28]  Texto original: "In this case, the Court concluded that communal rights can be limited when they are (i) established by law; (ii) necessary; (iii) proportional, and (iv) their purpose is to attain a legitimate goal in a democratic society. Due to the fact that there was no agreement between the members of the community and the State regarding use of the land, it failed to ensure effective use and enjoyment by the members of the Yakye Axa community of their land. The Court ordered the restitution of the communal land and the payment of due compensation.”

[29]  107ª Sessão plenária, em 13 de setembro de 2007.

[30]  Corte IDH. Sentença de Exceções preliminares, mérito, reparação e custas. Série C, n. 172. Julgado em 2007.

[31]  Corte IDH. §4, sentença de Exceções preliminares, mérito, reparação e custas, série C, n. 172.

[32]  Corte IDH. §§ 78 e 79, sentença de Exceções preliminares, mérito, reparação e custas, série C, n. 172.

[33]  Corte IDH. §86, sentença de Exceções preliminares, mérito, reparação e custas, série C, n. 172.

[34]  Corte IDH. §11, sentença de Exceções preliminares, mérito, reparação e custas, série C, n. 172.

 

[35]  Corte IDH. §191, sentença de Exceções preliminares, mérito, reparação e custas, série C, n. 172.

[36]  Corte IDH. Sentença de Mérito, reparação e custas. Série C, 214. Julgado em 24 de agosto de 2010.

[37]  Corte IDH. §2, Sentença de Mérito, reparação e custas. Série C, 214.

[38]  Corte IDH. §51, Sentença de Mérito, reparação e custas. Série C, 214.

[39]  Corte IDH. §109, Sentença de Mérito, reparação e custas. Série C, 214.

[40]  Texto original: 1) la posesión tradicional de los indígenas sobre sus tierras tiene efectos equivalentes al título de pleno dominio que otorga el Estado; 2) la posesión tradicional otorga a los indígenas el derecho a exigir el reconocimiento oficial de propiedad y su registro; 3) el Estado debe delimitar, demarcar y otorgar título colectivo de las tierras a los miembros de las comunidades indígenas; 4) los miembros de los pueblos indígenas que por causas ajenas a su voluntad han salido o perdido la posesión de sus tierras tradicionales mantienen el derecho de propiedad sobre las mismas, aún a falta de título legal, salvo cuando las tierras hayan sido legítimamente trasladadas a terceros de buena fe, y 5) los miembros de los pueblos indígenas que involuntariamente han perdido la posesión de sus tierras, y éstas han sido trasladadas legítimamente a terceros inocentes, tienen el derecho de recuperarlas o a obtener otras tierras de igual extensión y calidad.

[41]  Corte IDH. Sentença de Exceções preliminares, mérito, reparação e custas. Série C, n.284. Julgado em 14 de outubro de 2014.

[42]  Corte IDH. §111, Sentença de Exceções preliminares, mérito, reparação e custas. Série C, n.284.

[43]  Texto original: (...) artículo 21 de la Convención Americana protege la vinculación estrecha que los pueblos indígenas guardan con sus tierras, así como con los recursos naturales de las mismas y los elementos incorporales que se desprendan de ellos. Entre los pueblos indígenas existe una tradición comunitaria sobre una forma comunal de la propiedad colectiva de la tierra, en el sentido de que la pertenencia de ésta no se centra en un individuo sino en el grupo y su comunidade.

[44]  Corte IDH. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparação e custas. Capítulo IV do voto. Série C, n.284.

[45]  Corte IDH. §269, sentença de Mérito, reparação e custas. Série C, 214.

[46]  Texto original: "El principio de la protección igualitaria y efectiva de la ley y de la no discriminación constituye un dato sobresaliente en el sistema tutelar de los derechos humanos consagrado en varios instrumentos internacionales y desarrollado por la doctrina y jurisprudencia. En la actual etapa de la evolución del derecho internacional, el principio fundamental de igualdad y no discriminación ha ingresado en el dominio del jus cogens. Sobre él descansa el andamiaje jurídico del orden público nacional e internacional y permean todo el ordenamiento jurídico.".

[47]  Item 12, E/C.12/GC/20.

[48]  Neste sentido é o Capítulo I, §20 da Declaração e Programa de ação de Viena, adotada na Conferência Mundial de Direitos Humanos.