MUNICIPAL
COUNCIL FOR URBAN DEVELOPMENT - CMDU AND RIGHT OF PARTICIPATION
Lucíola Maria de Aquino Cabral
Graduação em Direito
pela Universidade de Fortaleza (1983), Mestrado em Direito Constitucional pela
Universidade de Fortaleza (2008), Doutorado em Direito Constitucional pela
Universidade de Fortaleza (2013). Doutora em Ciências Juridicas
y Sociales - Universidad
Del Museo Social Argentino - UMSA (2006).
Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará - UFC
(1997). Procuradora do Município de Fortaleza desde 1992.
Submetido em: 7 nov. 2018.
Aceito em: 27 mar. 2019.
Resumo: Este artigo
analisa a minuta do Projeto de Lei que regulamenta o Conselho Municipal de Desenvolvimento
Urbano – CMDU, previsto no art. 321, da Lei Complementar nº 062/2009, Plano
Diretor Participativo – PDP, que substituirá o atual Conselho Permanente do
Plano Diretor – CPPD. Trata-se de legislação municipal visando a regulamentação
e funcionamento do referido conselho. No entanto, o projeto de lei em comento
não observou as regras de participação popular previstas no Estatuto da Cidade
e na legislação municipal. O PDPFOR – Plano Diretor Participativo de Fortaleza,
prevê a participação da sociedade no processo de elaboração do projeto de lei,
por conseguinte, a ausência de tal requisito legal acarreta vício insanável.
Palavras-chave:
Conselho Municipal. Plano Diretor. Gestão Participativa.
Abstract: This article analyzes the draft of the bill that
regulates the Municipal Council of Urban Development - CMDU, foreseen in art.
321, of Complementary Law No. 062/2009, Participatory Master Plan - PDP, which
will replace the current Permanent Council of the Master Plan - CPPD. These are
municipal legislation aimed at regulating and operating said council. However,
the bill in question did not observe the rules of popular participation
provided for in the City Statute and in municipal legislation. The PDPFOR -
Participative Master Plan of Fortaleza, provides for the participation of
society in the process of drafting the bill, therefore, the absence of such a
legal requirement entails an unsolvable vice.
Keywords: Municipal Council. Master plan. Participative management.
Este artigo
aborda tema relacionado a criação e ao funcionamento Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano – CMDU, órgão colegiado previsto na Lei Orgânica do
Município. Dada a importância dos conselhos enquanto órgãos de controle social,
será analisada a proposta de projeto de lei encaminhada a Procuradoria Geral do
Município, visando evidenciar as desconformidades com a legislação de regência.
Este trabalho
será realizado a partir de consulta a legislação municipal e federal que trata
do planejamento urbano e do direito de participação. Será examinada, ainda,
decisão judicial proferida no RE 718326 / SP - SÃO PAULO - RECURSO
EXTRAORDINÁRIO – Relatoria da Min. CÁRMEN LÚCIA, que trata do tema participação
popular.
A análise do art.
43, da legislação federal, Lei nº 10.257/2001, permite concluir que é dever do
gestor municipal observar as regras relacionadas a participação popular,
considerando-se que se trata de uma lei nacional que disciplina a política
urbana, com base no que estabelecem os arts. 182/183 da Constituição de 1988.
O instrumento de
gestão democrática da cidade encontra-se previsto no art. 43, I, da Lei nº
10.257/2001, conforme abaixo:
Art. 43. Para garantir a gestão democrática da
cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos:
I
– órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e
municipal;
Considerando-se
que o Estatuto da Cidade regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição de
1988, que tratam da política urbana, entende-se que suas regras são
impositivas, não podendo os gestores municipais deixar de observá-las e
aplicá-las. Contudo, a minuta do projeto de lei que trata da criação do
Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano – CMDU, não observou as regras
impostas pelo Estatuto da Cidade e pela legislação municipal, no caso,
disposições da Lei Orgânica e do Plano Diretor.
Como é possível
observar adiante, são estas as regras dispostas nos dispositivos aplicáveis a
matéria: arts. 12, 13, 95 e 203 da Lei
Orgânica do Município de Fortaleza:
Art. 12°- O Poder Municipal criará, por lei, Conselhos compostos de
representantes eleitos ou designados, a fim de assegurar a adequada
participação de todos os cidadãos em suas decisões.
Art. 13°- A lei disporá sobre:
I - o modo de participação dos Conselhos, bem como das associações
representativas, no processo de planejamento municipal e, em especial, na
elaboração do Plano Diretor, do Plano Plurianual, das diretrizes orçamentárias
e do orçamento anual;
II - a fiscalização popular dos atos e decisões do Poder Municipal e das
obras e serviços públicos;
III - a participação popular nas audiências públicas promovidas pelo
Legislativo ou pelo Executivo.
Art. 95 - A administração pública direta, indireta e fundacional do Município
observará os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
economicidade, indivisibilidade e indisponibilidade do interesse público,
participação popular, transparência, finalidade, eficiência, razoabilidade,
motivação, bem como os demais princípios constantes das Constituições Federal e
Estadual e desta Lei Orgânica.
Parágrafo único - O Município, para atender, na sua
atuação, ao princípio da democracia participativa, definido no parágrafo único
do art. 1º da Constituição Federal, disporá, disciplinado por leis
complementares, sobre:
I – a criação de um Conselho Geral do Município, órgão de colaboração do
chefe do Poder Executivo, destinado a zelar pelo cumprimento dos princípios
fundamentais desta Lei Orgânica, devendo, para tanto, ter representação
paritária entre o poder público e a sociedade civil.
II – a criação de Conselhos Municipais de Participação Popular nas diversas
áreas, integrados por representantes populares usuários dos serviços públicos.
Art. 203 - O Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano é um órgão colegiado,
autônomo e de composição paritária entre o poder público municipal e a
sociedade. (Redação dada pela Emenda à LOM n. 012/2014) – DOM n. 15.261, de
16/04/2014, pg. 40.
Parágrafo único- Lei específica disporá sobre a composição,
atribuições, organizações e funcionamento do Conselho a que se refere o
caput deste artigo.
Além de não
observar as regras da Lei Orgânica, o aludido projeto de lei também não
observou as regras dos seguintes dispositivos do Plano Diretor Participativo –
PDPFOR, Lei Complementar nº 062/2009.
Seção I
Do Conselho Municipal de Desenvolvimento
Urbano
Art. 290 - O Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU), vinculado ao
órgão ou entidade responsável pelo planejamento territorial e urbano, será
composto de forma paritária entre representantes do Poder Público e a sociedade
civil, de acordo com lei específica, que definirá suas competências.
Parágrafo Único - O processo de elaboração do projeto de
lei do CMDU deverá garantir a participação popular, com a realização de
audiências e debates públicos.
Observa-se que o aludido projeto de lei padece de vício
de inconstitucionalidade material, haja vista que não obedece as formalidades impostas pela Constituição do
Estado do Ceará e pela própria legislação municipal.
Analisando-se o
texto da Constituição do Estado do Ceará, verifica-se que o direito de
participação restou assegurado em seu art. 5º, assim como em outros
dispositivos (arts. 306, 307 e 308).[1]
Ademais, o Plano
Diretor Participativo – PDPFOR, Lei Complementar nº 062/2009 exige a
comprovação de que houve participação popular no processo de elaboração do
projeto de lei que disciplina o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano
(CMDU).
No caso em
comento, não houve a necessária comprovação, por meio de documentos, da
realização das audiências e debates públicos exigidos pela legislação para fins
de elaboração da lei que regulamentará o Conselho Municipal de Desenvolvimento
Urbano – CMDU. As informações solicitadas ao órgão municipal competente, no
caso, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, permitem concluir que não foram
atendidas as exigências da legislação. Vale dizer que a administração municipal
não realizou as audiências públicas necessárias e, portanto, não assegurou a
participação popular neste processo de elaboração da referida minuta de projeto
de lei que iria regulamentar o CMDU.
Em resposta às
indagações encaminhadas, obteve-se a seguinte resposta:
A proposta de
regulamentação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano – CMDU
apresentada as folhas inicial deste processo se deu antes da Emenda nº 012/2014
que alterou o art. 203 da Lei Orgânica do Município – LOM que trata do CMDU e
da Lei nº 10.232, de 07 de julho de 2014, que dispõe sobre a criação do
Conselho da Cidade de Fortaleza.
O referido
projeto de lei deixou de atender as exigências da legislação estadual e
municipal, haja vista que não promoveu as audiências públicas necessárias,
inviabilizando, por conseguinte a participação popular. Nesse sentido,
entende-se que esta violação ao texto da Constituição estadual configura vício
de inconstitucionalidade material, vez que inexistente a participação popular.
O direito de
participação popular foi assegurado pela Constituição de 1988. Não se trata de
mera diretriz ou orientação extraída do ordenamento jurídico, mas sim de direito
fundamental assegurado aos cidadãos.
A legislação
municipal citada – Lei Orgânica do Município e o Plano Diretor Participativo -
deixa clara a necessidade de participação da sociedade no processo de
elaboração do projeto de lei que regulamenta o Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano – CMDU. Esta participação deverá ocorrer por meio de
audiências e debates públicos. Assim, incorre em grave violação ao direito de
participação, o gestor municipal que deixa de cumprir o que determina a
legislação de seu município.
De outra parte,
proceder a regulamentação de um Conselho tão importante para a cidade sem
observar as exigências da própria Lei Orgânica do Município e do Plano Diretor
significa deixar de dar cumprimento ao que determina a lei, configurando ofensa
ao princípio da legalidade, nos termos do art. 11, da Lei nº 8.429, de 02 de
junho de 1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos por
atos de improbidade administrativa.[2]
Isto porque a Gestão Democrática da Cidade rompe com a visão
administrativista superada de disciplinar as cidades a partir de regramentos
impostos tão somente pelo Poder Público.
Trata-se de instituto com fundamento constitucional, amparado nos
princípios da dignidade da pessoa humana e da cidadania, visando conferir maior
efetividade a tutela do meio ambiente artificial por meio da participação
direta da população e de mecanismos postos a sua disposição (audiências
públicas, conferências e iniciativa popular de projeto de lei), fortemente
influenciados por documentos internacionais.[3]
Oportuno salientar que, as principais recomendações da Conferência das Nações Unidas sobre os Assentamentos Humanos – Habitat II que constaram da agenda básica foram as seguintes: a) moradia adequada para todos; b) desenvolvimento sustentável para as cidades. Ademais, a Declaração final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20) afirma o direito de participação da comunidade nos processos decisórios em seu Princípio 13, estabelecendo o seguinte:
13. Reconhecemos como fundamental para o desenvolvimento sustentável as oportunidades dos povos em serem atores de suas vidas e de seu futuro, de participarem das tomadas de decisões e de expressarem suas preocupações. Ressaltamos que o desenvolvimento sustentável exige ações concretas e urgentes. Ele só pode ser alcançado com uma ampla aliança de pessoas, governos, sociedade civil e setor privado, todos trabalhando juntos para garantir o futuro que queremos para as gerações presentes e futuras.
Portanto, a
Gestão Democrática da cidade cumpre uma relevante finalidade, na medida em que
difunde a ideia de que a res publica é comum a todos e insusceptível de
apropriação privada.
Destaca-se que a
garantia da participação popular, a par de conferir legitimidade à gestão das
cidades, funciona como eficaz aparato de fiscalização dos atos da administração
e do legislativo municipal.
A participação popular está prevista em vários outros dispositivos do
Estatuto da Cidade, a saber: §3º do art. 4º; §4º do art. 40, para citar apenas
alguns.
Portanto, a ausência de participação popular constitui vício insanável
ensejando, inclusive, o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade. A
minuta do projeto de lei da forma como foi apresentada fere, ainda, o princípio
da democracia participativa, sendo tais razões suficientes para sua rejeição.
O Estado
Democrático de Direito brasileiro prestigiou os direitos fundamentais e o
direito de participação dos cidadãos no processo político, visando a consolidar
a democracia, resultando daí não apenas o direito de votar e ser votado, mas,
também, o direito de decidir sobre questões relacionadas à destinação e à
aplicação dos recursos públicos e ao planejamento urbano, constituindo um
verdadeiro exercício de cidadania e uma vertente da educação política
assegurada ao cidadão.
Se tais razões
não são suficientes para formar o convencimento sobre a matéria, destaco o
posicionamento do e. STF ao julgar o Recurso Extraordinário 718326:
RE 718326 / SP - SÃO PAULO
RECURSO
EXTRAORDINÁRIO
DECISÃO
RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO: ALTERAÇÃO.
PARTICIPAÇÃO POPULAR. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO AO
QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.
Relatório
1. Recurso extraordinário interposto com base nas alíneas b e c do inc.
III do art. 102 da Constituição da República contra julgado do Tribunal de
Justiça de São Paulo, que decidiu:
“Ação direta de inconstitucionalidade – Lei municipal que altera substancialmente
a lei que dispõe sobre o Plano Diretor do Município – Necessidade de ser o
processo legislativo – tanto o referente à elaboração da Lei do Plano Diretor
como daquela que a altera – integrado por estudos técnicos e manifestação das
entidades comunitárias, fato que não ocorreu – Audiência do Conselho Municipal
de Política Urbana que não supre a exigência da participação popular,
caracterizadora de uma democracia participativa – Ação procedente” (fl. 145).
2. O Recorrente alega que o Tribunal a quo teria contrariado os arts. 29,
inc. XII, e 182, caput e § 1º, da Constituição da República.
Argumenta que “a
inconstitucionalidade verificada na edição da lei complementar municipal
239/2010 se deu em razão da inobservância da participação popular, infringindo
os artigos 180, incisos I, II, III e V, e artigo 191 da Constituição Paulista e
consequentemente os artigos 29, inciso XII, e 182 da CF, artigo 2º, incisos II
e II [III], artigos 40 e 45 do Estatuto das Cidades, bem como o artigo 1º,
parágrafo único, da CF.
Entretanto, tal
argumentação encontra-se equivocada, conforme será demonstrado a seguir.
O Plano Diretor
torna-se uma diretriz do Poder Público e da própria sociedade. Em função disso,
a idéia da participação popular deve ser introduzida
de maneira a garantir eficácia em seus objetivos e, por outro lado, o papel do
Poder Público não há de ser outro senão o de incentivar e potencializar essa
participação.
[...]
O Plano Diretor do
Município de Mogi Mirim, que, diga-se de passagem, foi objeto de apreciação
popular, estabeleceu a consulta ao Conselho Municipal de Política Urbana –
órgão representativo do Poder Público e da sociedade civil, como um mecanismo
de participação das entidades populares.
Portanto, a oitiva
do Conselho, formado de acordo com o Plano Diretor, com a participação de
representantes do Poder Público e das entidades sociais dá plena eficácia ao
exercício popular.
[...]
Assim, a Lei
Complementar municipal n. 239/2010 não infringiu os dispositivos da
Constituição Paulista, previstos nos artigos 180, II, e 191, e sequer os
dispositivos constitucionais do artigo 29, inciso XII, e 182, pois houve a
prévia consulta à comunidade, de forma a respeitar aos princípios da
legalidade, da moralidade e da supremacia do interesse público que devem nortear
a Administração Pública, na medida em que se sujeitou aos mandamentos da lei e
às exigências do bem comum e está em conformidade com a moral e a ética, tendo
como finalidade sempre o bem comum e o interesse público, qual seja, a melhoria
das condições socioeconômicas da população, com o desenvolvimento urbano, a
geração de empregos, o incentivo à industrialização.
Portanto, ao
contrário do afirmado, houve perfeito acatamento ao contido no art. 180, II, da
Constituição do Estadual e CF. Ademais, o Conselho Municipal de Política e
Desenvolvimento Urbano, órgão composto pelos representantes do Poder Público e
da sociedade civil não se opôs à criação da Lei Complementar municipal n.
239/2010, o que legitima ainda mais a participação popular.
[...]
Conclui-se infundada
a afirmação de que a Lei municipal teria infringido os artigos 180 e 191 da
Constituição Estadual, posto que todo o seu trâmite seguiu o quanto exigido,
não só pela Lei Complementar municipal n. 210/2007, mas também as exigências
inerentes à proteção ambiental.
Mais uma vez,
afirma-se que o Projeto de Lei que gerou a norma em debate foi precedido de
todos os cuidados e seguiu todas as exigências contidas não somente no Plano Diretor,
mas também nos princípios constitucionais contidos no artigo 37 da Carta Magna
e que regem a Administração Pública” (fls. 174-178).
Apreciada a matéria trazida na espécie,
DECIDO.
3. Razão jurídica não assiste ao Recorrente.
Registre-se,
inicialmente, que a controvérsia posta nestes autos não guarda pertinência com
a questão constitucional trazida no Recurso Extraordinário n. 607.940-RG,
Relator o Ministro Ayres Britto, cuja repercussão geral foi reconhecida por
este Supremo Tribunal.
Naqueles autos, a
discussão versa sobre a obrigatoriedade do plano diretor como instrumento
necessário à política de ordenamento urbano, o que não se dá na espécie
vertente, no qual se trata da verificação em concreto do cumprimento do requisito da gestão democrática para
alteração do plano diretor, com a participação popular e de associações
representativas.
4. O Desembargador Relator do caso no Órgão Especial do Tribunal de
Justiça de São Paulo observou:
“Eis a precípua
determinação da lei, que é a questão central envolvida na ação direta de
inconstitucionalidade em apreço: gestão democrática da cidade por meio da
população e de associações representativas.
Não basta, portanto,
ouvir o Conselho Municipal de Política Urbana para atendimento do ditame
constitucional e legal da participação popular. A composição do citado órgão
(fls. 58/59) em absoluto autoriza vislumbrar a participação popular.
Relatou o Prefeito
Municipal que a lei que instituiu o Plano Diretor de Mogi Mirim foi objeto de
apreciação popular. Não se observa, contudo, essa participação das Atas de
Audiência Pública (fls. 109/114), que foram juntadas, diga-se de passagem, pelo
Presidente da Câmara Municipal. Seria preciso, para demonstrá-la, um mínimo de
informação a respeito de quem foram efetivamente os participantes da audiência,
quem representavam, que associações estavam presentes. A propósito, como posto
na inicial, ‘não se pode falar em participação das entidades comunitárias o
estudo da alteração aprovada pela lei em situação em que o Prefeito Municipal
informa à Procuradoria-Geral de Justiça que houve participação popular, pois
sua origem se deu por solicitações de empresas que queriam regularizar suas
instalações ou se instalarem ao longo das rodovias estaduais e ou municipais’.
Ademais, mencionadas
Atas referem-se a audiências públicas ‘para discussão do Projeto de Lei
Complementar n. 08/2006, que dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento de
Mogi Mirim’.
Ora, o diploma legal
que dispõe sobre dito Plano Diretor é a Lei Complementar n. 210/2007. A lei sob
foco altera a Lei Complementar n. 210/2007. Assim, dada a sua natureza, vista a
importância da modificação que procedia, deveria, também, é intuitivo, ter sido
precedida de discussão com a representação da população de Mogi Mirim.
Mas, além da ausência
de demonstração da participação popular no debate acerca das alterações de lei
do Plano Diretor da cidade, também não restou comprovado que estudos técnicos
foram realizados para sua elaboração.
Como afirmado por
este Órgão Especial, ‘em matéria de extrema relevância, como esta que envolve a
ocupação racional das cidades – urbanismo – exige-se que qualquer alteração
normativa seja precedida de estudos técnicos profundos detalhados, com a
especificação dos benefícios e prejuízos que possam advir dessa iniciativa, só
se justificando mudanças quando estas efetivamente atendam ao interesse
coletivo – e principalmente, sejam voltadas à garantia da qualidade de vida da
população, cuja participação no processo de planejamento municipal é
absolutamente indispensável (CF, arts. 29, inciso XII, e 182, CE, art. 180,
inciso II)’ (ADIN 0408539 41.2010.8.26.0000).
Realmente, é trabalhoso planejar o
desenvolvimento urbano. É custosa a elaboração de lei que institui o plano
diretor da cidade.
Porém, é preciso a realização desse esforço,
com a efetiva participação da população, sem o que as cidades brasileiras
continuarão a se desenvolver de forma desordenada, tornando-se incapazes de
cumprir seu desiderato, que é o de nos permitir nelas viver e buscar a
felicidade” (fls. 153-155 – grifos nossos).
Concluir de forma
diversa do que decidido pelas instâncias originárias demandaria o reexame de
prova constante dos autos, inviável em recurso extraordinário, nos termos do
que dispõe a Súmula n. 279 deste Supremo Tribunal.
Nesse sentido:
“AGRAVO REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DA QUESTÃO
CONSTITUCIONAL INVOCADA NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SÚMULAS N. 282 E 356 DO STF.
REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 279 DESTE TRIBUNAL. Para se chegar a conclusão
diversa daquela a que chegou o Tribunal de origem, seria necessário o reexame
de provas, o que é vedado em recurso extraordinário, nos termos da Súmula n.
279 do STF. Agravo regimental a que se nega provimento” (ARE 662.104-AgR, Rel.
Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 17.9.2012).
Nada há a prover
quanto às alegações do Recorrente.
5. Pelo exposto, nego seguimento a este
recurso extraordinário
(art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal).
A decisão do
Supremo Tribunal Federal é clara e não deixa dúvida quanto a
necessidade de observância das regras do Estatuto da Cidade no que concerne a
gestão democrática da cidade e, por conseguinte, do direito assegurado a todos
os cidadãos de participar da gestão de sua cidade.
Por conseguinte,
outro não poderia ser o entendimento quanto ao não atendimento das exigências
da legislação municipal consubstanciada no Plano Diretor Participativo e na
própria Lei Orgânica do Município. Não existe possibilidade legal de dar
prosseguimento ao aludido projeto de lei, vez que não se pode considerar
atendidas as exigências constantes da Lei Orgânica do Município e do próprio
Plano Diretor Participativo de Fortaleza, com base tão somente nas informações
prestadas pelo órgão interno da Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente
(COURB), sob a pálida alegativa de que as exigências
da LOM e do PDP ocorreram somente depois de encaminhada a aludida proposta de
projeto de lei para regulamentação do CMDU.
Ora, tal justificativa não se sustenta sob nenhum
aspecto. Em primeiro porque as leis urbanísticas são de ordem pública,
aplicam-se desde sua publicação; em segundo, são cogentes, impositivas. E
exatamente por terem tais características é que modificam o ordenamento
jurídico desde sua publicação.
Entendo que, em
eventual questionamento junto aos tribunais superiores, tal justificativa não
se sustentaria.
A análise do
projeto de lei que regulamenta a criação do Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano - CMDU evidencia que a administração municipal não
observou o cumprimento de suas próprias normas, a saber: arts. 12, 13 e 95, da
Lei Orgânica do Município de Fortaleza e do art. 290 e seu Parágrafo Único, da
Lei Complementar nº 062/2009, Plano Diretor Participativo – PDP.
Restou evidente
também, ofensa ao princípio da participação popular previsto no art. 5º e
artigos 306, 307 e 308, todos da Constituição do Estado do Ceará, configurando
vício de inconstitucionalidade material.
A participação
popular é um direito assegurado pela Constituição Federal de 1988 e, ao mesmo
tempo, um princípio, impondo-se sua observância.
As regras
constantes do Estatuto da Cidade são claras quanto a obrigatoriedade da
participação popular no tocante a construção da política urbana. Contudo, é de ressaltar
que o projeto de lei para criação do Conselho Municipal de Desenvolvimento
Urbano – CMDU deixou de observar as regras impostas pela Constituição do Estado
do Ceará, pelo Estatuto da Cidade, mais
especificamente a regra contida em seu art. 43 e pela legislação
municipal.
Por último, entende-se que a elaboração de projeto de lei em desacordo
com as disposições da Lei Orgânica do Município e do Plano Diretor, no que se
refere a exigência de participação popular por meio de debates e audiências
públicas tem como escopo burlar as normas do ordenamento jurídico.
[1] Art. 306. Na elaboração do plano de uso e ocupação do solo e do de transporte, bem como na gestão dos serviços públicos, o Poder Municipal deverá buscar a aprovação do Legislativo e a participação da comunidade, através de suas entidades representativas. Art. 307. O não cumprimento das normas estabelecidas neste capítulo implicará na imputação de responsabilidade civil e penal da autoridade omissa. Art. 308. Fica assegurado o amplo acesso da população às informações sobre planos de uso e ocupação do solo, de transporte e gestão dos serviços públicos.
[2] Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
[3]
DECLARAÇÃO
UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM, de 10 de dezembro de 1948, considera a participação política um direito fundamental de todas as pessoas. Em
seu art. XXI está dito que: “todo homem tem o direito de tomar parte no governo
de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente
escolhidos” e, ainda, que “a vontade do povo será a base da autoridade do
Governo”.
CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS
SOBRE OS ASSENTAMENTOS HUMANOS – HABITAT II, realizada em Istambul em 1996 já previa o
processo de institucionalização da participação social na gestão como fator
fundamental na construção da democracia e do desenvolvimento sustentável.