análise econômica do direito e o direito consumerista: o dano eficiente nos juizados especiais

ECONOMIC ANALYSIS OF LAW AND CONSUMERIST LAW: THE EFFICIENT DAMAGE IN SPECIAL JUDGMENTS

Henrique Avelino Lana

Doutor, Mestre, Especialista e Graduado em direito pela PUC/MG. Cursou o Mestrado e Doutorado como bolsista CAPES PROSUP, modalidade I. Advogado militante, sócio do escritório MP&AL - Moreira do Patrocínio & Avelino Lana Advogados. Foi professor nos cursos de graduação em direito, administração, economia e contabilidade da UFMG. Professor dos cursos de direito, administração, contabilidade e ciências atuariais da PUC/MG. Foi professor nos cursos de direito da Faculdade Pitágoras de BH/MG e FEAD. Professor dos cursos de direito, administração, contabilidade, economia, gestão financeira, logística, gestão pública, gestão da qualidade, processos gerenciais, gestão comercial e marketing do Centro Universitário UNA. Professor na Pós-Graduação em Direito do CEDIN - Centro de Estudos em Direito Internacional, na Pós-Graduação da Faculdade Estácio de Sá em BH/MG, na Pós Graduação da Universidade de Vila Velha / ES e na Pós Graduação da Faculdade de Ciências Jurídicas / FEVALE - MG. É diretor e orientador do Instituto de Investigação Científica, Constituição e Processo - IICCP, vinculado à PUC MINAS. Membro da Comissão Especial de Direito Societário da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB/MG. Membro Associado da ABDE - Associação Brasileira de Direito e Economia. Associado ao CONPEDI - Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Pesquisador e Orientador do Grupo de Pesquisa Empresa, Direito e Desenvolvimento Social, vinculado ao Centro Universitário UNA. Membro do NAP - Núcleo Acadêmico de Pesquisa da PUC/MG.
E-mail: henrique@mpaladvogados.com.br

Submetido em: 26 dez. 2018.

Aceito em: 27 mar. 2019.

Resumo: Inicialmente, serão feitas considerações sobre os Juizados Especiais Cíveis e as relações consumeristas nele em trâmite. Em seguida, abordar-se-á o instituto da Análise Econômica do Direito e seu aspecto histórico evolutivo. Posteriormente, serão invocadas premissas e ferramentas metodológicas afetas à Análise Econômica do Direito, essenciais à presente reflexão. O tema problema trata sobre a existência ou não do Dano Eficiente nos juizados especiais. Para chegar-se a hipótese de resposta ao problema, a metodologia a ser utilizada é a da finalidade de pesquisa aplicada, com pesquisa exploratória, por método indutivo, mediante pesquisa bibliográfica, toda ela especializada sobre o tema. Ao final, concluir-se-á que, de fato, surge a figura do dano eficiente, pois mostra-se mais vantajoso, em termos econômicos, ao produtor e fornecedor de serviços, sofrer o dano, do que investir em prevenção do defeito ou vício de seu produto ou serviço.

Palavras-chave: Análise Econômica do Direito – AED. Direito do Consumidor. Dano Eficiente. Juizados Especiais Cíveis.

Summary: Initially, considerations will be made about the Special Civil Courts and the consumer relations in the process. Next, the Institute of Economic Analysis of Law and its evolutionary historical aspect will be discussed. Subsequently, premises and methodological tools related to the Economic Analysis of Law will be invoked, essential to the present reflection. The problem theme deals with the existence or not of Efficient Damage in special courts. In order to arrive at the hypothesis of answer to the problem, the methodology to be used is that of the purpose of applied research, with exploratory research, by inductive method, through research bibliographical, all specialized on the subject. In the end, it will be concluded that, in fact, the figure of efficient damage arises, since it is more economically advantageous to the producer and service provider to suffer harm than to invest in defect prevention or addiction to your product or service.

Keywords: Economic Analysis of Law - AED. Consumer Law. Efficient Damage. Special Civil Courts.

 

1. Introdução

Fabricantes e fornecedores de bens e serviços, nas relações com consumidores, devem tomar decisões eficientes, em busca da maximização de seus resultados superavitários, impondo-se, portanto, para que se mantenham ativos em mercados competitivos, sejam considerados os custos necessários ao aperfeiçoamento de seus processos produtivos.

Neste contexto, podem surgir algumas indagações. Afinal, na prestação de serviços ou produção e venda de bens em favor de um grande número de consumidores, constatada a falha no processo produtivo, quais fatores e circunstâncias devem ser sopesados em busca da decisão mais adequada? Como a preocupação com a reputação que o empresário possui perante o mercado pode interferir nesta tomada de decisão? A condição de consumidor impede, de fato, que pessoas consideradas sempre hipossuficientes adotem condutas oportunistas que violem a boa-fé contratual e ocasionem vantagens desproporcionais?

Sem pretender esgotar o tema, mas sim contribuir para a problematização e consequente reflexão sobre a matéria, foram abordados neste texto os efeitos das decisões judiciais e a eficiência da atividade econômica envolvendo as relações de consumo. Após o enfrentamento das principais características dos procedimentos instaurados nos juizados especiais, foi examinada a evolução da Análise Econômica do Direito, seus critérios de eficiência alocativa de recursos, bem como a ideia de dano eficiente.

Deste modo, inicialmente serão feitas considerações sobre os Juizados Especiais Cíveis e as relações consumeristas nele em trâmite. Após, abordar-se-á o instituto da Análise Econômica do Direito e seu aspecto histórico evolutivo. Em seguida, serão invocadas premissas e ferramentas metodológicas afetas à Análise Econômica do Direito, essenciais à presente reflexão.

O tema problema trata sobre a existência ou não do Dano Eficiente nos juizados especiais. E, para chegar-se a hipótese de resposta ao problema, a metodologia a ser utilizada é a da finalidade de pesquisa aplicada, com pesquisa exploratória, por método indutivo, mediante pesquisa bibliográfica, toda ela especializada sobre o tema. Consequentemente, ao final, concluir-se-á que, de fato, surge a figura do dano eficiente, pois mostra-se mais vantajoso, em termos econômicos, ao produtor e fornecedor de serviços, sofrer o dano, do que investir em prevenção do defeito ou vício de seu produto ou serviço.

Logo, buscou-se identificar a parcela de contribuição que cada agente do mercado, consumidores e o Judiciário podem trazer para o aperfeiçoamento das relações consumeristas, sempre pela ótica jurídica e de suas repercussões econômicas. Vejamos.

2. Um pouco sobre os juizados especiais cíveis.

É pacifica a discussão quanto ao fato de que, hodiernamente, incumbe ao poder estatal assegurar a observância do ordenamento jurídico, visto que no direito moderno, o Estado é quem monopoliza a força (Wambier; Almeida; Talamini, 1999, p. 27). Deste modo, estabeleceu-se a jurisdição, como o poder que toca ao Estado de elaborar as normas e aplicar, no mundo dos fatos, a regra jurídica abstrata (Liebman, 1968, p. 10) quando houver violação do ordenamento, sendo vedada a autotutela enquanto regra.

É notório que clama a sociedade brasileira em geral por maior efetividade processual e maior acesso à justiça. Buscam os brasileiros, cada vez mais, crer que a justiça está, de fato, ao seu lado, lhes protegendo.

Neste sentido, como leciona Dinamarco (1999, p. 103), o sistema, ao final e se necessário for, deve atuar substituindo a vontade das partes que não cumpriram sua obrigação, pela dos agentes do poder estatal, que com sua atividade devem proporcionar situação social ou econômica equivalente àquela que teria sido alcançada mediante o cumprimento voluntário da obrigação.

Sabe-se que os debates sobre a efetividade processual e o acesso à justiça tem sido tema de relevantes reflexões nos tempos atuais. Diante disso, visando-se irrestrito acesso à justiça, emanou a idéia de criação dos Juizados Especiais. Estes se revelam tribunais especiais destinados às pessoas comuns para garantir direitos de baixo caráter econômico-monetário.

Na realidade, a Lei 9.099/95 foi antecedida pela Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984, que instituiu os juizados especiais de pequenas causas, inspirados na experiência de outros países, particularmente nas Small Claims Courts do sistema norte- -americano, adaptada à realidade brasileira. A partir dessa experiência positiva, o constituinte de 1988 previu, no art. 98, a criação obrigatória, pelos Estados e Distrito Federal, de juizados especiais cíveis e criminais com competência para processar, julgar e executar causas cíveis de menor complexidade e infrações de menor potencial ofensivo (art. 98, I), o que significou o prenúncio de uma nova mentalidade que se vem implantando aos poucos. (BULOS, 2011, p. 1369).

Objetiva-se, com os Juizados Especiais, superar os obstáculos opostos ao pleno e igual acesso de todos os brasileiros à justiça, decorrentes do alto valor das custas processuais, despesas com honorários advocatícios, condenação em sucumbência, existência de vários recursos e, também, a morosidade afeta ao procedimento ordinário da justiça comum. Nesse panorama, surgem os Juizados Especiais Cíveis, criados pela Lei n. 9.099, de 26/09/1995. Trata-se de uma justiça especial, por ser diferente da dita Justiça Comum regida pelo hodierno Código de Processo Civil. É facultativa, pois o Autor pode "optar" por ela, desde que se sujeite às suas regras e princípios, tais como a oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade e limitação quanto a recursos.

A norma expressamente instituída na Constituição Federal denota o compromisso e a preocupação do legislador constitucional com a universalização do acesso à tutela jurisdicional, obrigando o legislador infraconstitucional a criar órgãos e procedimentos jurisdicionais diferenciados para permitir o acesso dos economicamente menos favorecidos à justiça. (MARINONI, 2008, p. 79).

Conforme enumera o art. 3º da Lei 9.099/95, o Juizado Especial tem competência para: a) causas que não excedam 40 salários-mínimos; b) as enumeradas no art. 275, II, do CPC, que correspondem a: b.1) arrendamento rural e de parceria agrícola; b.2) cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio; b.3) ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico; b.4) ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre; b.5) cobrança de seguro, quanto aos danos causados em acidente de veículo, exceto os casos de execução; b.6) cobrança de honorários de profissionais liberais, salvo o disposto em legislação especial; b.7) todos os demais casos previstos em lei; c) ação de despejo para uso próprio; d) ações possessórias sobre bens imóveis até o limite de 40 salários-mínimos.

Como se vê, o leque de opções que se abre ao cidadão demonstra claramente o propósito desta lei: atender às lides em que o valor econômico discutido seja menor, de forma célere e para se “desafogar” a Justiça Comum.

Quis o legislador criar uma via alternativa de acesso à jurisdição, sem o rigor formal e os trâmites burocráticos do processo comum, sendo errôneo pensar que a finalidade dos juizados é simplesmente dar maior agilização aos processos. A agilização da distribuição da justiça não pode constituir a razão de ser dos Juizados. A filosofia dos Juizados é tocada pelo tema da demora do processo apenas porque o hipossuficiente é aquele que mais sofre com o retardo na entrega da prestação jurisdicional. Assim, é necessário deixar claro, para que não ocorram distorções, que a finalidade dos Juizados não é simplesmente propiciar uma justiça mais célere, mas sim garantir maior e mais efetivo acesso à justiça. (MARINONI, 2008)

Estas particularidades transformam o Juizado Especial em uma espécie de protetor dos mais humildes, depositários de sua confiança.  Certo é que, para que este objetivo fosse alcançado com a profundidade e a eficiência necessária, não bastaria a criação dos Juizados Especiais dotando-lhes de competência específica, mas, sim, dotá-los de agilidade e rapidez, conjuntamente com a seriedade que nosso Poder Judiciário merece. Nesse sentido, como sabemos, os Juizados Especiais são regidos pelos princípios basilares da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade, tendo como meta, sempre, a conciliação ou a transação.

Imperiosa a lição de Capelletti e Garth, (1988) ao discorrerem que não adianta permitir-se às partes o acesso aos órgãos judiciários se não existirem mecanismos que tornem seus direitos exequíveis, para que primordialmente se alcance a justiça social.

É neste contexto que, na busca da efetividade e do verdadeiro acesso à Justiça, nasce a Lei 9.099/95, substituindo a antiga Lei 7.244/841, buscando o legislador, por meio da nova norma, criar mecanismos capazes de desafogar a Justiça Comum de seus infindáveis autos sem solução, a fim de que toda a sociedade comungue de uma Justiça rápida e eficaz.

Os Juizados Especiais Cíveis, vieram acabar com algumas distorções sociais, facilitando a vida daqueles que tinham dificuldades financeiras para buscar a prestação jurisdicional e que hoje podem ter acesso a essa prestação, sem o ônus das custas processuais e sucumbência em honorários advocatícios, permitindo-se-lhes propor e contestar as reclamações sem a necessidade de assistência de advogado quando o valor atribuído à causa não for superior a 20 salários mínimos. (SILVA, 1998).

Por ora, não possuímos como intenção máxima abordar percuncientemente os princípios, normas e procedimentos que regem os Juizados Especiais. Todavia, para melhor compreensão do raciocínio que pretendemos expor ao longo deste trabalho, faremos observações acerca dos princípios que regem os Juizados Especiais. Avancemos nesse sentido.

Pelo princípio da oralidade busca-se a simplificação e celeridade dos procedimentos, desde a apresentação do pedido inicial até a fase de execução dos julgados. São reduzidos à forma escrita apenas os atos essenciais, como exemplo, a própria audiência para tentativa de conciliação, a qual é reduzida a termo (forma escrita).

Pelos princípios da simplicidade e informalidade pretende-se solucionar o litígio não importando a forma adotada para a prática dos atos processuais, desde que este atinja a sua finalidade e não gerem qualquer tipo de prejuízo. Exemplo: é válida a citação postal da pessoa jurídica, pela simples entrega da correspondência ao funcionário da recepção, enquanto pela regra comum do Código do Processo Civil – CPC, a princípio, esta somente seria válida quando entregue à pessoa, específica, com poderes de gerência ou administração da pessoa jurídica.

Busca o princípio da economia processual obter o máximo de rendimento e eficácia da lei, mediante o mínimo de atos processuais. Relaciona-se diretamente ao princípio da celeridade. Exemplo de tal contexto é a possibilidade de acumulação de pretensões conexas em um só processo, ou até mesmo a antecipação do julgamento de mérito, quando não houver a necessidade de provas orais em audiência.

Cabe frisar que o princípio da celeridade, a nosso sentir, é, de fato, o desafio maior dos Juizados Especiais, eis que surgiram exatamente para aproximar a Justiça da população e desafogar as varas cíveis comuns, apreciando-se as pretensões com rapidez, seriedade e, acima de tudo, preservando as garantias constitucionais do devido processo legal. Por fim, insta mencionar que há a meta de que ocorra, num primeiro momento, a conciliação ou transação. Estas são oportunidades oferecidas às partes litigantes para tentarem resolver suas pretensões antes da sentença judicial final, em geral através de concessões mútuas. Nesse contexto, obviamente, estão inseridos os milhares de processos judiciais, em trâmite perante os Juizados Especiais Cíveis, que tratam das relações de consumo, pelos quais se reclamam indenizações por danos morais, materiais ou reexecução de serviços defeituosos.

Verifica-se que a imensa maioria das reclamações consumeristas existentes, tratam de processos cujo valor monetário envolvido não ultrapassa os 40 salários mínimos previstos no artigo 3º, inciso I, da Lei 9.099/90. Tratam-se também, via de regra, de rotineiras reclamações judiciais, já sabidamente conhecidas, tais como, serviços de telefonia mal prestados, inscrições indevidas dos nomes dos consumidores nos órgãos de restrição de crédito (SPC e SERASA), não reconhecimento do fabricante / fornecedor de seu dever de reparar os serviços ou produtos, extravios de bagagem aérea, etc.

De fato, por isso, há maior proliferação de conhecimento pela população acerca de seus direitos do consumidor, pois, comumente, os leigos passam a ter ciência de algum parente, vizinho, colega de trabalho, etc. que, ao ingressar no Juizado Especial Cível (Relações de Consumo), em razão das rotineiras reclamações acima ditas (telefonia, negativação indevida, inexistência de reparo / reexecução, extravios de bagagem aérea), tiveram seu direito efetivamente reconhecido pela Justiça.

Outros fatores contribuem, em muito, para que cada vez mais os cidadãos ingressem com seus pedidos nos Juizados Especiais, tais como inexistência (a princípio, salvo interposição de recurso) de condenação de sucumbência; não pagamento (a principio, salvo interposição de recurso) de custas processuais caso derrotado; inversão do ônus da prova e desnecessidade de constituição de advogado (nas demandas até 20 salários mínimos).

Ou seja, em claras e simplórias palavras: prolifera-se a idéia, entre os cidadãos consumidores de que, caso usufruam do Juizado Especial e venham a perder a demanda, não terão que pagar nada, nem mesmo honorários de advogado e, que, cabe ao fabricante / fornecedor provar que o consumidor é que está errado. Assim, mostra-se relevante o presente trabalho, tendo em vista que tal contexto aplica-se a todos os cidadãos leigos em geral e, inclusive, aos operadores do direito que, a todo momento, no seu dia a dia, também refletem sobre o que contratar, como contratar, quando contratar e qual o benefício esperado da contratação de um produto ou serviço.

Portanto, considerando-se que cada vez mais os Juizados Especiais, especialmente os de Relações de Consumo, estão presentes no cotidiano dos empresários, advogados, juízes, seus auxiliares e toda a sociedade consumerista comum, torna-se imperioso que adiante façamos ponderações técnicas sobre o assunto, calcadas na Análise Econômica do Direito - Law and Economics.

3. Algumas reflexões sobre as relações de consumo.

Antes de adentramos, especificamente, na seara afeta à Análise Econômica do Direito e, posteriormente, a relacionarmos com as relações de consumo, é imprescindível que antes tenhamos claro em nosso conhecimento o que seja propriamente uma relação de consumo. Passemos, portanto, a uma objetiva ponderação sobre estas relações.

Sabe-se que as relações de consumo possuem sua origem nas transações de natureza comercial. Mediante a difusão, cada vez maior, do comércio, as relações de consumo experimentaram um processo de aprimoramento, progresso e desenvolvimento, auferindo notável relevância, conhecida por todos nós. Como é notório, as relações de consumo são reguladas pela Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que tutela a relação consumidor / fornecedor, revestindo-a de caráter público, resguardando-se também os interesses da coletividade.

Maria A. Zanardo Donato (1993:70) conceitua a relação de consumo como “a relação que o direito do consumidor estabelece entre o consumidor e o fornecedor, conferindo ao primeiro um poder e ao segundo um vínculo correspondente, tendo como objeto um produto ou serviço”. Assim, pode-se afirmar que são elementos da relação de consumo: a) Elementos subjetivos: o consumidor e o fornecedor; b) Elementos objetivos: o produto ou o serviço.

As relações de consumo regem-se, basicamente, mediante dois conceitos elementares: Consumidor e Fornecedor. Consumidor, de acordo com o artigo 2º da Lei n. 8.078/90, é considerado toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços na condição de destinatário final.

O primeiro conceito de consumidor encontra-se disposto no caput do art. 2º e, segundo Maria A. Zanardo Donato (1993), trata-se de conceito padrão ou standard. Os demais conceitos são mais amplos e genéricos, pois foram estabelecidos por equiparação.

É o exemplo do parágrafo único do mesmo art. 2º, em que a coletividade de pessoas, desde que intervenha nas relações de consumo, é equiparada ao consumidor; do art. 17, cujo efeito é de tornar consumidoras todas as vítimas do evento, isto é, do acidente de consumo e, por fim; do art. 29, segundo o qual também são consumidoras todas as pessoas, determináveis ou não, as quais estejam expostas às praticas comerciais previstas no capítulo V do CDC.

Já o Fornecedor, é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, assim como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços, nos termos do art. 4º da Lei n. 8.078/90.

Sílvio Luís Ferreira da Rocha (2000) classifica os fornecedores em três tipos: fornecedor real é aquele que participa do processo de fabricação ou produção do produto acabado, de uma parte componente ou de matéria-prima; fornecedor aparente é aquele que coloca o produto no mercado com o seu próprio nome, forma, ou marca apesar de não ter participado do processo de produção ou fabricação do produto. Ou seja, o fornecedor aparente é quem se apresenta no mercado como se fosse o fornecedor real e; fornecedor presumido é o importador de produtos, ou o que os comercializa sem a identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador (art. 13, inc. II).

Como se nota acerca das figuras de consumidor e fornecedor, é imprescindível que os tenhamos como entes formadores da relação de consumo, em polos distintos. Logo, deve o consumidor figurar em um polo da relação e, de outro lado, o fornecedor.

Vejamos também que os conceitos de consumidor e fornecedor são muito amplos e levantam muitas dúvidas sobre sua definição e utilização. Por exemplo, no que diz respeito ao consumidor, com relação à palavra “destinatário final”.

Entendemos que destinatário final é aquela pessoa, física ou jurídica, que adquire ou se utiliza de produtos ou serviços em seu benefício próprio. Assim, destinatário final é aquele que pretende a satisfação de suas necessidades pessoais, através de um produto ou serviço, sem que possua o interesse de repassar este serviço ou esse produto para terceiros. Desta feita, na hipótese de ser o produto ou serviço repassado a terceiros, mediante remuneração, inexistiria a figura do consumidor e, então, surgiria a figura de outro fornecedor. Saliente-se que as pessoas jurídicas também podem se enquadrar na condição de consumidores, desde que, assim como as pessoas naturais, adquiram / contratem o produto ou serviços na condição de destinatário final. Para se configurar uma relação de consumo, após identificados os dois polos essenciais, cabe aferir se existe, ou não, essencialmente, uma relação entre essas partes. Assim, em sendo verificada uma relação jurídica entre as partes e existindo o fornecedor de um lado e consumidor do outro, estaremos diante de uma relação de consumo, regida pela Lei n. 8.078/90.

Segundo Tupinambá Miguel Castro Do Nascimento (1991) ao conceito de produto, interessa saber que é um bem com determinado conteúdo finalístico. É um bem porque, no sentido genérico, tem aptidão para satisfazer necessidades humanas e, mais do que isto, tem valor econômico e pode ser objeto de uma relação jurídica entre pessoas. 

Ao nosso modesto sentir, são direitos básicos do consumidor, de acordo com o artigo 6º da Lei n. 8.078/90: proteção da vida, saúde e segurança; educação para o consumo; informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços; proteção contra publicidade enganosa e abusiva; proteção contratual; indenização; acesso à Justiça; facilitação de defesa de seus direitos e qualidade dos serviços públicos.

Não se duvida, de forma alguma, que vivemos, atualmente, em uma sociedade consumista, na qual muitas vezes prevalece “o que se tem”, e não “o que se é”. A todo momento somos induzidos a consumir cada vez mais, mediante imposição de campanhas publicitárias, ou até mesmo, por exigência de “etiqueta” imposta pelas pessoas que convivem em nosso meio social.

Frequentemente, somos levados a, por exemplo, comprar um novo celular, comprar uma nova vestimenta, realizar uma viagem aérea, etc. Fato é, também, que dada a dinâmica da vida tecnológica moderna, nosso “consumismo” tende a aumentar, veementemente. Reconhecemos que, por um lado, isso possui um caráter positivo. Afinal, quanto mais consumo e produção de bens / serviços, maior será o progresso e avanço econômico de um país.

Portanto, o que se nota é que cada vez mais nos depararemos com invocações feitas pelos consumidores, calcadas no Código de Defesa do Consumidor, com fincas a tutelar seus direitos. Afinal, quanto mais produtos, serviços e consumo destes, será natural que a quantidade de reclamações aumente. Razões pelas quais, mostram-se relevantes as reflexões a seguir feitas. Diante deste contexto, imperioso se faz que abordemos nossa reflexão em conjunto com a metodologia da Análise Econômica do Direito (AED). Avancemos.

4. Da Análise Econômica do Direito – AED (Law and Economics)

Pode-se definir a Análise Econômica do Direito (AED) ou Law and Economics como sendo o método pelo qual se estuda a teoria econômica relativamente à formação, estruturação, impacto e, sobretudo, as consequências de eventual aplicação de instituições jurídicas e/ou textos normativos, sejam eles públicos ou privados.

Aplica-se a AED diretamente ao Direito Civil Brasileiro, em todas as suas relações, sejam elas obrigacionais, familiares ou patrimoniais. A origem da AED deu-se em decorrência da ploriferação e desenvolvimento das doutrinas econômicas e, também, mediante dedicação dos economistas no que se refere a assuntos essencialmente jurídicos, sendo que, posteriormente, também acarretou a atenção por parte dos juristas em prol deste novo enfoque: Direito e Economia.

Todavia, a preferência apenas de um título para este movimento doutrinário não expressa com toda exatidão e fidelidade as diferentes linhas de argumentação do tema. De fato, aqueles que se dedicam à AED compõem uma mesma classificação, pertencente a uma mesma denominação, pois detém demasiado consenso em relação aos conceitos e institutos essenciais.

As bases do movimento da AED encontram-se nos economistas da Escola Clássica, mormente, Adam Smith, com sua obra “An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations”, também conhecida no vernáculo como “Riqueza das Nações”, em que defendeu ser a liberdade de concorrência a melhor solução para a alocação dos recursos, pois os preços, naturalmente, seriam decorrentes do mercado e, consequentemente, com isso, poderia se chegar ao equilíbrio desejado. Surge, assim, a lendária expressão “mão invisível”, ao se tratar dos efeitos de um mercado livre, no qual não haveria intervencionismo, o que seria, para Adam Smith, suficiente para regular os preços em favor de uma justa concorrência.

A maioria dos estudiosos da AED anuem que o movimento originou-se na Universidade de Chicago. Ronald Coase, no ano de 1937, época em que era professor da Universidade de Chicago, publicou o seu artigo denominado “The Nature of the Firm”. Nesse importante trabalho afirmou-se que as sociedades empresárias deveriam ser reconhecidas como entidades que pertenceriam ao sistema econômico em si, de modo que, a sua própria existência, apenas se justificaria em razão da presença dos “custos de transação”.

Ensejou-se, assim, uma abordagem econômica das instituições, o que acarretou na posterior criação do movimento conhecido como “Nova Economia Institucional”.

Nesse panorama, Aaron Director conduzia o Departamento de Economia da Universidade de Chicago, à época também apoiado por Milton Friedman, Frank Kinght, George Stigler. Aaron Director pretendeu focar as atenções dos juristas em relação aos benefícios e vantagens de uma interpretação do direito, partindo-se de premissas econômicas. De início, valeu-se de estudos referentes à existência de benefícios e/ou vantagens nas hipóteses de ocorrência de intervencionismos por parte do Estado perante os mercados.  Vale dizer, que à época, ocorria relevante depressão econômica sofrida pelos Estados Unidos.

Aaron Director também baseou seus estudos em matérias afetas à regulação de bens imobiliários, receitas fiscais, leis das corporações, legislação trabalhista, dentre outros vários temas de cunho essencialmente jurídico que denotavam nítidos efeitos econômicos.

Para divulgar a existência inicial do movimento a Universidade de Chicago criou o “Journal of Law and Economics”. A controladoria da edição foi assumida, posteriormente, por Ronald Coase. Tal jornal é, ainda hoje, publicado quadrimensalmente, contando, inclusive, com a versão eletrônica.[1]

Apesar dos importantes estudos realizados anteriormente, é a partir da década de 1960 que o movimento da Análise Econômica do Direito consolida-se. Há estudiosos que dividem o movimento em “New Law and Economics” e “Old Law and Economics”, sendo que, a referência temporal seria o conhecido artigo de Ronald Coase, denominado “The Problem of the Social Cost”. Esta famosa obra de R. Coase calcava-se em temas  econômicos como, por exemplo, o custo social e os efeitos externos ocasionados pelo exercício das atividades econômicas, o que deu causa à inteiração entre o campo jurídico e o econômico. Dentre os doutrinadores clássico-econômicos, o que mais contribuiu à ideologia defendida por Ronald Coase foi, justamente, Adam Smith.

R. Coase abordou suas palavras na compreensão das “instituições”, sendo integrante da “Nova Economia Institucional”. Em 1991, foi ganhador do Prêmio Nobel de Economia. Mister se faz também aduzir acerca do trabalho de Guido Calabresi, então professor da Universidade de Yale, na obra denominada “Somes thoughs on risk distribution and law of torts”. Nela demonstrou-se a relevância de se analisar os impactos e consequências econômicas quando da alocação de recursos em busca da regulação da responsabilidade civil, no âmbito legislativo ou judicial. Inseriu-se a análise econômica em questões jurídicas.

O movimento da AED mantêm-se em contínua expansão, adquirindo aceitação cada vez mais de juristas e economistas. Relevante obra de aceitação pela Análise Econômica do Direito é a de Thomas Ulen e Robert Cooter, chamada “Law and Economics”, cuja primeira edição é de 1987. Atualmente, ainda prevalecem várias publicações em diversos periódicos, tal qual o “Journal of Law, Economics, and Organization” da Universidade de Yale, o “Journal of Legal Studies” e o “Journal of Law and Economics”, ambos da Universidade de Chicago e o “International Review of Law and Economics”, da Universidade Inglesa de New Castle.

Fato é que, cada vez mais, clama a sociedade por métodos técnicos, jurídicos e econômicos que sejam razoáveis e possibilitem enfrentar temas jurídicos para obter, efetivamente, melhor bem-estar possível, menor prejuízo à sociedade como um todo, maximização de suas riquezas, maximização de seus interesses, além da mais eficiente alocação dos recursos escassos existentes.

Dentre duas possíveis decisões, aquela que causar o maior bem-estar é a que deve ser aplicada, devendo ser observado se as partes envolvidas estão em uma situação inicial relativamente homogênea. A escola de Law & Economics, para todos os efeitos, tem por foco a busca do melhor bem-estar, da melhor alocação possível de bens, conduzindo ao bem-estar dentro dos limites morais. (RIBEIRO; GALESKI, 2009, p. 89.)

Razão pela qual, somos levados a compreendermos o método da Análise Econômica do Direito e sua aplicação nas diferentes searas jurídicas, dentre elas, obviamente, o Direito do Consumidor, tão presente no dia-a-dia da comunidade jurídica e leiga em geral.

5. Contratos de consumo e a Análise Econômica.

Imperiosa inteiração da AED se dá também em relação aos contratos que regem as relações de consumo. Como sabemos, estes implicam limitações nas ações das partes que contratam, prevendo imposição de deveres e aquisição de direitos.

Pela AED, ressalta-se que os contratantes se submetem a essas condições tendo em vista que as pretensões individuais, sozinhas, em regra, não levam a um bom resultado coletivo. Afinal, quando as partes contratantes fixam, previamente, seus deveres e direitos, o resultado para a coletividade, usualmente, será maior e mais eficiente.         

Busca a AED estudar além da própria elaboração, ensejo e formação dos contratos em geral, seus impactos, consequências que dão causa à sua proteção e, também, apreciar as consequências econômicas de eventual descumprimento de um contrato civil, dentre eles, os contratos que regem as relações de consumo. A todo instante, fazemos “escolhas racionais” acerca do que contratar, com quem contratar, quando contratar e como contratar um produto ou serviço, decidindo, sempre, da forma que nos ocasione um menor “custo de oportunidade” e maior “utilidade” possível em uma relação de consumo. O eminente professor da PUC Minas, Dr. Eduardo Goulart Pimenta, pondera:

O que pressupõe a análise econômica do Direito é que a conduta legal ou ilegal de uma pessoa é decidida a partir de seus interesses e dos incentivos que encontra para efetuá-la ou não. (...) Como já salientamos, a Economia estuda as escolhas, os custos, riscos e benefícios que os agentes econômicos (sujeitos de direito) encontram na busca pela maximização de seus próprios interesses. (PIMENTA, 2006, p. 29.)

A incerteza ou o não conhecimento acerca do real cumprimento dos contratos enseja aumento do risco nas atividades econômicas. Prolifera-se a idéia de que se pode cumprir ou não cumprir um contrato, ganhar ou perder, ter ou não os serviços bem prestados, adquirir um produto com vicio ou não. Não se sabe, ao certo, o resultado final da atividade de se contratar. Aumenta-se o receio de se realizar um mau negócio, mediante uma má contratação de um produto ou serviço.

Sabe-se que os contratos são instrumentos adequados e indicados para se compor os riscos da própria atividade econômica, com intuito de minorar eventual perda, dano ou prejuízo acarretado ao agente contratante, possibilitando um contexto mais eficiente, inclusive nas relações de consumo.

Sabe-se também que o cumprimento dos contratos em geral é premissa elementar, básica e fundamental para o desenvolvimento econômico de um país e, exatamente por isso, é uma das searas em que a Análise Econômica do Direito deve ser aplicada.

Assim, quanto mais segurança tiverem os consumidores ao contratar nas relações de consumo um produto ou serviço, maior será a sua qualidade de vida, maior será o avanço tecnológico, maior será o número de celebrações de novos contratos, haverá maior “maximização de interesses,” maior será o “acúmulo de riquezas”, maior o “bem-estar” e, finalmente, maior será a dinamicidade da economia de um país. Contribui-se com, “incentivos positivos” em favor da economia de um país. Neste ponto, mostram-se adequadas as ponderações do professor da Universidade de Chicago, Richard Posner:

Con “maximización de la riqueza” quiero indicar la política de intentar maximizar el valor agregado de todos los bienes y servicios, ya sea que se comercien en mercados formales (los bienes y servicios “econômicos” usuales) o (en el caso de bienes y servicios “no-económicos”, como la vida, la recreación, la família y la libertad de dolor y sufrimiento) que no se comercien em tales mercados. El “valor” es determinado por lo que el dueño de los bienes o el servicio exigiría para separarse de él o por lo que um no-dueño estaria dispuesto a pagar para obtenerlo – cualquiera de los sea mayor. La “riqueza” es el valor total de todos los bienes y servicios “económicos” e “no-económicos” y ésta es maximizada cuando todos los bienes y servicios, en la medida en que esto sea posible, sean asignados a sus usos más rentables. (POSNER. Richard A. Maximización de la Riqueza y Tort Law. Una Investigación Filosófica.)

Por sua vez, o Professor Eduardo Pimenta destaca que a análise e interpretação do direito a partir de institutos próprios das ciências econômicas contribui para a concretização de objetivos pretendidos por nossa Carta Magna:

O direito é, então, um importante elemento na conformação da sociedade e sua orientação à maximização da riqueza e otimização de sua distribuição. Analisar o Direito conforme critérios e métodos econômicos nada mais é do que procurar elaborá-lo, interpretá-lo e aplicá-lo de modo a alcançar a eficiência econômica, entendida esta como a maximização na geração e distribuição dos recursos materiais disponíveis em uma dada comunidade, (...) Assim, a análise e aplicação do Direito de forma economicamente eficiente (ou seja, com o objetivo de maximização da riqueza) é não apenas possível, mas é também uma exigência  da Constituição Federa de 1988, que a elevou, como se vê, à posição de um dos objetivos fundamentais da República. (PIMENTA, 2006, pp. 24-25)

Ou seja, a maior crença e convicção de que os contratos nas relações de consumo serão cumpridos, em sua qualidade, quantidade e execução, gera maior eficiência e dinamicidade econômica. Afinal, certo é que a cooperação entre os contratantes nas relações de consumo é incentivada, de forma positiva, quando há efetiva proteção legal e judicial. Verifica-se que ao longo de nossas relações pessoais diárias, celebramos diversas contratações de produtos ou serviços, junto aos produtores e consumidores, relativamente a serviços de telefonia, luz, água, aquisição de presentes, utensílios pessoais, serviços de transporte aéreo, dentre vários outros, ensejando, inclusive, a denominação “sociedade consumista”.

Por outro lado, há interesse, também, por parte dos produtores e fornecedores de produtos e serviços que o número de contratos consumeristas aumente cada vez mais, de modo que na mesma proporção os consumidores contratem mais, e serviços e produtos sejam colocados no mercado, etc. Afinal, eis o objetivo maior destes: auferir o maior lucro.

Portanto, entendemos que, para a AED, há que se dar amparo em relação aos pactos que regem as relações consumeristas, através dos quais os agentes contratantes inicialmente desejavam que as condições prévias sejam todas devidamente honradas, independentemente do risco da atividade, de modo a se valorizar os atos que ensejem condutas mais eficientes e que visem mais, melhor e maior alocação possível dos bens escassos existentes. Há que se “incentivar”, positivamente, o cumprimento dos contratos afetos às relações de consumo, o que certamente, contribui para a maior dinamicidade e evolução econômica de nosso país.

A eficiência, conforme lecionam os professores Márcia Carla Pereira Ribeiro e Irineu Júnior Galeski, “é uma das preocupações basilares da ciência econômica e, por conseguinte, da Análise Econômica do Direito, partindo do princípio de que as demandas são maiores que a existência de bens apreciáveis, dada sua escassez” (RIBEIRO; GALESKI, 2009, p. 85). Desta forma, afigura-se necessário identificar a melhor maneira para alocação dos bens, a fim de que seja possível atender a maior quantidade possível das demandas.

Bem, mas como institutos próprios das Ciências Econômicas podem ser utilizados para se analisar decisões judiciais ou normas contidas em nosso ordenamento jurídico? Afinal, se, de forma metafórica, considerarmos a riqueza de nossa sociedade como um bolo, pode-se dizer que o Direito preocupa-se com a forma pela qual ele será dividido (equidade, justiça), enquanto os economistas dedicam-se à investigação de mecanismos que possam contribuir para o crescimento do bolo (eficiência). Neste ponto, afiguram-se adequadas as palavras do professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, Dr. Bruno Salama, acerca da relevância da AED:

A questão, portanto, não é tanto se eficiência pode ser igualada à justiça, mas sim como a construção da justiça pode se beneficiar da discussão de prós e contras, custos e benefícios. Noções de justiça que não levem em conta as prováveis consequências de suas articulações práticas são, em termos práticos, incompletas. Num certo sentido, o que a Escola de Direito e Economia de New Haven buscou é congregar a ética consequencialista da Economia com a deontologia da discussão do justo. O resultado é, em primeiro lugar, a abertura de uma nova janela do pensar, que integra novas metodologias (inclusive levantamentos empíricos e estatísticos) ao estudo das instituições jurídico-políticas, de forma que o Direito possa responder de modo mais eficaz às necessidades da sociedade. E, em segundo lugar, o enriquecimento da gramática do discurso jurídico tradicional, com uma nova terminologia que auxilia o formulador, o aplicador, e o formulador da lei na tarefa de usar o Direito como instrumento do bem-comum. (SALAMA, 2008, p. 35.)

Desta forma, é possível constatar que a AED pode contribuir para o aperfeiçoamento de institutos jurídicos, incentivando ou sancionando condutas que viabilizem ou, contrariamente, violem o interesse o social ou a satisfação do bem-estar de nossa sociedade. Mas como aferir a eficiência em uma determinada alocação de recursos? Neste caso, há dois critérios que costumam ser utilizados: o denominado Ótimo de Pareto e o critério Kaldor-Hicks.

Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi explicam que uma alocação de recursos será Pareto eficiente quando “não há mudança que melhore a situação de um agente sem piorar a situação de pelo menos um outro agente” (PINHEIRO; SADDI, 2005, p. 120). Portanto, conforme ponderam os mencionados autores, não será eficiente uma dada situação, de acordo com o critério Paretiano, caso haja algo que possa ser feito com o objetivo de beneficiar alguém, sem implicar em prejuízos para outras pessoas.

Por outro lado, de acordo com o critério de Kaldor-Hicks, o resultado de uma disputa pela alocação de recursos será eficiente se ocasionar uma situação na qual os ganhos auferidos pelos ganhadores sejam superiores às perdas imposta aos vencidos. (RIBEIRO; GALESKI, 2009. p. 88). Haverá, neste caso, um ganho líquido para a sociedade, correspondente à diferença entre ganhos e perdas. Assim, ao contrário do que ocorre no Ótimo de Pareto, neste caso admite-se a imposição de uma situação mais desvantajosa para um grupo de pessoas, desde que os benefícios auferidos por outro grupo, em razão de determinada mudança, sejam superiores.

SALAMA (2008, p. 24) destaca que o critério de Kaldor-Hicks objetiva superar a restrição imposta pelo ótimo de Pareto, segundo o qual as mudanças somente serão consideradas eficientes caso nenhum indivíduo fique em posição pior. Segundo o critério de Kaldor-Hicks, mostra-se relevante o fato de que os ganhadores sejam capazes de compensar os perdedores, ainda que, de fato, esta compensação não ocorra.

Os professores Décio Zylbersztajn e Rachel Sztajn destacam que o modelo de eficiência proposto por Kaldor-Hicks corresponde ao melhor critério para a identificação de opções eficientes, na alocação de recursos, nos seguintes termos:

Outro critério proposto para avaliação da eficiência é desenvolvido por Kaldor e Hicks que, partindo de modelos de utilidade, tais como preconizados por Bentham, sugerem que as normas devem ser desenhadas de maneira a gerarem o máximo de bem-estar para o maior número de pessoas. O problema está na necessidade de maximizar duas variáveis e na dificuldade de estabelecer alguma forma de compensação entre elas. Todavia, refinando o modelo, Kaldor-Hicks chegam à proposta de compensações teóricas entre os que se beneficiam e os que são prejudicados. Comparando agregados entre as várias opções, escolhe-se aquele que resulte na possibilidade de compensação. Ainda uma vez que se refina o esquema reconhecendo haver redes de inter-relações nas sociedades e que a utilidade marginal de cada pessoa é decrescente. Este, parece, ser o melhor critério para as escolhas no que diz respeito à distribuição dos benefícios: o de dar mais a quem tem maior utilidade marginal. (ZYLBERSZTAJN; SZTAJN, 2005, p. 76)

Ora, é evidente que os agentes econômicos, no exercício de suas atividades, buscarão maximizar os resultados financeiros através de várias formas, inclusive, mitigando os custos envolvidos em demandas judiciais relativas à qualidade dos serviços por eles prestados ou dos bens fabricados e comercializados. Diante deste fato, a partir da premissa de que o Direito pode (e deve) incentivar condutas que possam contribuir para o aumento do bem estar dos cidadãos, vejamos se o Poder Judiciário, no que se refere às demandas concernentes às relações de consumo, tem agido de forma eficiente, analisando-se a questão pelo critério de Kaldor-Hicks acima mencionado.

6. Dano eficiente

O exercício da atividade negocial empresarial, em determinados setores de nossa economia, pressupõe produção em grande escala de produtos ou mercadorias, bem como a prestação de serviços em favor de um grande número de consumidores, milhares e, em alguns casos, milhões (v.g., serviços de telefonia, bancários, transporte aéreo de pessoas, provedor de internet ou TV por assinatura). Nestas hipóteses, a relevância que o empresário atribui aos processos produtivos pode ser decisiva para o sucesso do empreendimento, em especial, se consideramos os dispêndios que foram suportados para identificar quem são seus possíveis clientes, suas preferências, características ou qualidades dos produtos ou serviços oferecidos por seus concorrentes, dentre outros custos de transação.

De fato, no exercício deste tipo de atividade, existe o risco de que o serviço ou o produto, por uma inconsistência de determinado processo de produção, atendimento ou mesmo logística seja executado ou produzido de forma inadequada, diversa da que fora contratada pelo consumidor. Assim, pode ocorrer a completa inexecução da obrigação assumida pelo prestador, pelo fabricante ou fornecedor, ou mesmo a entrega viciada em favor do consumidor.

Sem dúvida, o empresário objetiva o aperfeiçoamento constante não apenas de seus meios produtivos em busca da eficiência, mas, ciente de que atua em mercados competitivos, não desejando perder espaço para seus concorrentes, pretende o constante aprimoramento da qualidade dos bens e serviços ofertados. Afinal, os mecanismos de seleção daqueles agentes que permanecerão atuantes não admitem vacilos ou tomada de decisões que não contribuam para a conquista de novos mercados (e não apenas a manutenção da atual clientela).

Neste contexto, surge a matéria que se refere ao ponto central do presente trabalho: constatado o defeito na execução da atividade empresarial (v.g., negativações indevidas dos nomes dos clientes, constante extravio de bagagens, falta de qualidade do sinal das transmissões televisivas ou lentidão ou descontinuação do serviço do provedor de internet) a partir de que momento, ou em face de qual fato o empresário, obrigado a tomada de decisões eficientes, envidará esforços para a modificação de seus processos produtivos? Que papel os juizados especiais cíveis podem ocupar neste cenário como instituições que contribuem para a estabilização da paz social, mediante a composição de conflitos, mas também como geradores de decisões que incentivam ou inibem a conduta dos agentes econômicos? Vamos por partes.

Nosso eminente professor da PUC Minas, Dr. César Fiuza, nos traz a definição de dano eficiente, cuja ideia perpassa pelo sopesamento que seu causador deve fazer entre o custo indenizatório e o corretivo da imperfeição que ocasionou a conduta lesiva:

Fala-se, outrossim, em dano eficiente e dano ineficiente. Ocorre dano eficiente, quando for mais compensador para o agente pagar eventuais indenizações do que prevenir o dano. Se uma montadora verificar que uma série de automóveis foi produzida com defeito que pode causar danos aos consumidores, e se esta mesma empresa, após alguns cálculos, concluir ser preferível pagar eventuais indenizações pelos danos ocorridos, do que proceder a um recall para consertar o defeito de todos os carros vendidos que lhe forem apresentados, estaremos diante de dano eficiente. O dano ineficiente, por seu turno, é o dano eficiente tornado ineficiente pela ação dos órgãos administrativos do Estado e/ou do Judiciário. Na medida em que o juiz condenar a montadora a uma altíssima indenização, ao atuar em ação indenizatória proposta por um dono de automóvel, vitimado pelo dano causado pelo defeito de produção, estará transformando o dano eficiente em dano ineficiente. As eventuais indenizações que a montadora terá que pagar serão tão altas, que será preferível o recall, por ser mais barato.

A questão relativa ao dano ineficiente é equacionar duas questões. Por um lado, o valor da condenação há de ser alto, para que o dano seja de fato ineficiente para seu causador. Por outro lado, deve-se ter em conta que indenização não deve ser fonte de enriquecimento, mas de reparação de danos. O problema é de difícil solução, exigindo do juiz um enorme exercício de bom senso e, às vezes, de coragem. O legislador poderia pôr fim ao dilema, editando norma, segundo a qual parte do valor da condenação iria para a vítima, a título de reparação pelos danos sofridos, enquanto a outra parte reverteria aos cofres públicos, sendo afetada à utilização em programas sociais. (FIUZA, 2008, p. 720.)

É bem verdade que o empresário almeja, como regra, a alta qualidade de seus produtos e de seus serviços além de, diante do princípio da boa-fé objetiva que impregnou a interpretação dos institutos do Direito Privado, busca agir de forma ética, de forma leal perante sua clientela. Contudo, os custos de transação que lhe são impostos pelo mercado competitivo estabelecem que as decisões acerca de investimentos na modificação de processos produtivos sejam sempre analisadas em função de sua efetiva necessidade. Não estamos, aqui, falando, obviamente, de questões que possam resultar na ausência de segurança para o usuário do bem ou serviço comercializado, não se trata de hipótese em que a imperfeição possa ocasionar risco de incolumidade física ao consumidor. Afinal, neste caso, não se pode falar em margem de discricionariedade para que o empresário opte ou não por sanar o defeito ou vício existente em seus processos produtivos. Estamos tratando de hipótese diversa.

Ora, a análise econômica realizada por uma instituição financeira relativa ao ajuste ou não de determinada cláusula contida em contrato de cheque especial, tida como abusiva em virtude de algumas demandas judiciais, certamente, levará em conta o custo atual com estas demandas (honorários advocatícios, custas, indenizações e eventual desgaste da imagem perante o mercado) e o benefício econômico decorrente de sua manutenção. Em hipóteses como esta, como o Poder Judiciário, em especial, em face do escopo reduzido deste trabalho, os juizados especiais poderão, em prol de toda a sociedade interferir neste tipo de situação? Aliás, deve o Judiciário considerar a repercussão econômica de suas decisões?

7. Repercussão econômica das decisões nas relações de consumo.

Nas relações de consumo, como regra, afigura-se evidente a assimetria de informações existente entre as partes, ou seja, costuma-se verificar uma grande diferença entre o conhecimento que o fabricante e o fornecedor possuem quanto às qualidades de um determinado produto ou serviço e as informações detidas pelo consumidor. É bem verdade que o Código de Defesa do Consumidor,[2] dentre os diversos princípios que elenca, estabelece como dever do agente econômico a prestação de todas as informações[3] que permitam ao consumidor tomar a melhor decisão para a satisfação de suas necessidades. Contudo, ainda sim, este desequilíbrio informacional se verifica nas relações jurídicas constituídas em nosso mercado. Ribeiro e Galeski (2009, p. 95) asseveram que a assimetria de informação se constitui em verdadeiro entrave à obtenção de relações econômicas mais eficientes. Os mencionados professores lecionam que esse obstáculo é mais visível nas relações de consumo, quando é da essência da negociação que haja a profissionalidade (domínio da técnica) de um lado (fabricante ou fornecedor) e a ausência de conhecimento, de outro (por parte do consumidor):

Como bem ilustra Castellano, partindo da premissa de que a informação nunca é perfeita no mercado e se reconhece que o consumidor não conhece exatamente a qualidade do produto que irá comprar no momento de tomar a decisão de adquiri-lo, admite-se a possibilidade de que o consumidor não receba a qualidade que imaginava, e mais que isso correrá o risco de sofrer danos ao utilizar o produto adquirido nessas condições, danos esses que não foram previstos no momento de tomar a decisão de comprar. (RIBEIRO; GALESKI, 2009. p. 95)

A assimetria informacional se constitui em uma falha de mercado, pois diante de sua existência não se mostra possível que apenas as interações estabelecidas entre empresas e consumidores sejam capazes de gerar um equilíbrio em que o bem-estar é maximizado. Acerca da inclusão da assimetria de informações dentre as denominadas falhas do mercado se mostra obrigatória a transcrição dos ensinamentos da ilustre professora da Universidade de São Paulo, Dra. Rachel Sztajn:

Na medida em que se entenda mercado como uma instituição que vise a criar incentivos, reduzir incertezas, facilitar operações entre pessoas, fica clara a ideia de que mercados aumentam a prosperidade e, portanto, o bem-estar geral. Intervenções em mercados podem ser tanto reguladoras quando moderadoras do conjunto de operações neles realizadas. Aquelas são intervenções disciplinadoras de certos mercados, estas as destinadas a corrigir desvios que comprometem o funcionamento do mercado.

Se, entretanto, o mercado não for do tipo concorrência perfeita, as falhas devem ser corrigidas. Muitas são as possibilidades de falhas de mercado, como, por exemplo, assimetria de informação, externalidades, displicência, ações culposas. Mas, dizem os economistas, antes mesmo de se pensar em falhas de mercado, ou até mesmo falar-se em mercados, sem normas que os modelem, faltam parâmetros ou paradigmas que permitam perceber tais desvios. (SZTAJN, 2004, pp. 34-35)

Pois bem, partindo da premissa de que a assimetria de informações, tida como uma falha de mercado, impede que transações consumeristas sejam realizadas de forma eficiente, resta saber qual seria o papel do Direito neste cenário. Ribeiro e Galeski (2009, p. 92) ponderam que, nestes casos, pode-se identificar três posicionamentos acerca da intervenção do Estado no mercado: a) uma corrente que defende a completa regulação da atividade econômica; b) outra que condena todo e qualquer tipo de intervencionismo; c) e, por fim, aquele que sustenta a necessidade de “uma intervenção moderada, apenas quando se verifica que as relações econômicas não promovem a melhor eficiência, a melhor alocação de bens”. Mankiw (2009, pp. 11-12), por sua vez, sustenta que há dois motivos genéricos que podem justificar a intervenção estatal na atividade econômica: “promover a eficiência e promover a equidade. Ou seja, a maioria das políticas tem por objetivo ou aumentar o bolo econômico ou mudar a maneira como o bolo é dividido.” Mankiw adverte que a “mão invisível” costuma permitir que os mercados aloquem os recursos de forma eficiente, mas que isto nem sempre acontece, em especial, em razão de falhas de mercado.

Ora, sem dúvida, o Judiciário não pode desconsiderar os efeitos econômicos produzidos por suas decisões, em especial, no que se refere às demandas consumeristas. A existência de evidente falha de mercado, decorrente da assimetria informacional exige que o Estado, no caso em análise, através dos Juizados Especiais de Consumo, intervenha de forma a contribuir para o aumento do bolo econômico (eficiência) e para sua melhor divisão (equidade). O estabelecimento de condenações impostas aos fabricantes e fornecedores, nas hipóteses em que o bem vendido ou o serviço prestado não correspondam, exatamente às características apresentadas quando da contratação, contribuem para o aperfeiçoamento dos processos produtivos.

Acerca dos impactos econômicos das decisões judiciais, vale destacar o posicionamento de um magistrado sobre o tema, Demócrito Reinaldo Filho:[4]

Se um dos objetivos da nossa república é a erradicação da pobreza, isso só se faz com desenvolvimento econômico, para suprir as necessidades coletivas de emprego, alimentação, saúde, saneamento e outros serviços públicos essenciais. Se o cumprimento das promessas constitucionais depende do desenvolvimento econômico, o Juiz tem o dever de examinar se sua decisão pode de qualquer forma afetá-lo. Por isso, o magistrado, no momento de decidir um caso, deve estar atento às múltiplas variáveis que o compõem, não podendo se cingir a apenas um único interesse envolvido. Como adverte o Desembargador Rogério Gesta Leal, "é preciso haver uma sensibilização da magistratura brasileira para a complexidade das relações sociais, marcadas hoje por variados fatores. Um tema que aparentemente é jurídico, no sentido de ser tratado e regulado por lei, tem implicações de natureza econômica, social e política. Essas dimensões extra-normativas precisam ser consideradas pelo julgador"

[...] Uma avaliação legal completamente neutra, que desconsidere o fator econômico, é que significa um retrocesso. O que se quer é que o Juiz ou intérprete desperte para a extrema importância que as decisões judiciais representam para o desenvolvimento sócio-econômico do país. O que se pretende é que, para propiciar previsibilidade, estabilidade e integridade (em relação ao sistema normativo), o Juiz tenha também uma perspectiva de análise econômica do direito. Se fatores econômicos estão envolvidos desde a criação e elaboração das leis, porque não se levá-los também em consideração quando se trata de reduzir o texto legal à norma do caso concreto? Não se trata, portanto, "de substituir critérios de justiça por critérios econômicos, mas de perceber que os agentes econômicos mudam as estratégias à medida que a justiça se demonstra ineficiente e a economia injusta"

Assim, conformamos nosso raciocínio no sentido de que a atuação dos magistrados, no âmbito dos Juizados Especiais, em especial no que se refere às lides consumeristas, é decisiva para que sejam superadas falhas de mercado, permitindo um resultado mais eficiente de nossa atividade econômica. Evidentemente, a insignificância das condenações impostas aos fabricantes ou prestadores de serviços, nas atividades de massa (direcionadas a um grande número de consumidores) implicará no simples provisionamento deste custo nos balanços das grandes corporações. A fração reduzida de consumidores que resolvem demandar judicialmente associado ao pequeno impacto econômico das condenações impostas nas sentenças judiciais não contribui para que haja, de fato, uma melhoria na qualidade dos serviços prestados ou dos bens produzidos. Afinal, o custo do aperfeiçoamento dos processos produtivos será maior do que aquele decorrente do pagamento das condenações determinadas pelos Juizados.

Note-se que, decisões judiciais que imponham aos agentes econômicos a melhoria de seus processos produtivos e, por consequência, o oferecimento de bens e serviços de melhor qualidade, resultam em uma mudança eficiente segundo o critério Kaldor-Hicks, na medida em que o benefício auferido por todos os consumidores será maior do que o custo, inicialmente suportado pelos fabricantes, fornecedores e prestadores de serviços.

8. As relações de consumo e suas novas perspectivas.

O Judiciário tem por função precípua o estabelecimento de uma norma in concreto para a solução de uma determinada lide que é levada ao seu conhecimento, provocado que foi pelo exercício do direito de ação. É bem verdade, que modernamente, seja através do efeito erga omnes de algumas decisões, em especial nos casos envolvendo controle concentrado de constitucionalidade, ou através das denominadas súmulas vinculantes, a decisão judicial produzirá efeitos em relação a pessoas estranhas àquela relação jurídica processual específica. Por outro lado, ainda que se tratem de decisões que, de forma imediata, produzam efeitos apenas inter partes, não se pode desconsiderar o efeito indutor de condutas que a jurisprudência, assim entendida como a reiteração de decisões judiciais em um determinado sentido, possui. Não é diferente a situação no que concerne às demandas consumeristas. Afinal, será mesmo que os agentes econômicos, na tomada decisões estratégicas acerca do exercício de suas atividades negociais, não considerarão a jurisprudência que a eles diga respeito (v.g., sobre inclusão indevida do nome do consumidor nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito)?

Evidente, neste caso, a existência de uma externalidade positiva. Afinal, a decisão judicial proferida em um determinado caso envolvendo direito do consumidor poderá beneficiar outros consumidores, diversos daquele que figura no processo, pois esta sentença contribuirá para que fabricantes, fornecedores ou prestadores de serviços envidem esforços para a melhoria dos meios produtivos. Acerca da ideia de externalidade, vejamos as lições Mankiw:

Uma externalidade surge quando uma pessoa se dedica a uma ação que provoca impacto no bem-estar de um terceiro que não participa dessa ação, sem pagar nem receber nenhuma compensação por esse impacto. Se o impacto sobre o terceiro é adverso, é chamado de externalidade negativa; se é benéfico, é chamado de externalidade positiva. Quando há externalidades, o interesse da sociedade em um resultado de mercado vai além do bem-estar dos compradores e vendedores que participam do mercado; passa a incluir também o bem-estar de terceiros que são indiretamente afetados. Como os compradores e vendedores desconsideram os efeitos externos de suas ações quando decidem quanto demandar ou ofertar, o equilíbrio de mercado não é eficiente quando há externalidades. Ou seja, o equilíbrio não maximiza o benefício total para a sociedade como um todo. (MANKIW, 2009, p. 204)

Sztajn (2005, p. 252) pondera que, para os economistas, muitas externalidades decorrem de elevados custos de transação, os quais decorrem da organização das operações em mercados, o que pode ocasionar uma alteração nos mecanismos de alocação de recursos, por consequência, aumentando os custos sociais. A professora da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, partindo da ideia de externalidade, explica que cada ato ou ação, mesmo individual, pode se encontrar em uma cadeia de causa e efeito com repercussões externas ao agente. Destaca SZTAJN que, diante de uma externalidade negativa, deve-se impor ao agente “o custo correspondente ao valor das utilidades ou recursos de terceiros que sejam por ele atingidos ou consumidos”. Por fim, arremata:

A escolha dos meios de imposição do ônus deve ser determinada mediante critérios específicos de forma a não ampliar custos de transação que se transformem em custos sociais. Oportunidades de ganhos extraordinários em virtude da percepção de externalidades quando não afetam terceiros podem ser aceitas. (SZTAJN, 2005, p. 252)

Carl J. Dahlman, professor da Universidade de Georgetown, a partir dos ensinamentos de Coase, pondera que a identificação do emitente e do receptor de uma externalidade mostra-se irrelevante. Assim, importante afiguram-se os critérios utilizados para a imposição dos riscos e custos – internalização – a uma das partes envolvidas:

It is notable how completely the Coase approach bypasses both the problem of deciding who is the emittor and who is the recipient of an externality and the rather shady distinction between pecuniary and technological externalities so central to the Pigovian tax rules. Perhaps the real significance of the court cases cited by Coase is that the distinction between emitter and recipient of an externality is irrelevant: what matters is whether we achieve a higher-valued output by putting the liability on one or the other of the parties involved, and not who is the “source” of the externality. Since at least two parties are necessarily involved, either may be considered the source. It is note worthy how the legal profession and the courts have come to grips with this point well before economists. The legal cases referred to by Coase show how courts in the presence of transaction costs have placed the liability sometimes with the “emittor” and sometimes with the “recipient” as these would be identified by an economist trained in modern welfare theory. Nor is the distinction between pecuniary and technological externalities in any way relevant for Coase’s arguments: what matters is the role of transaction costs, and how such costs affect the allocation of resources. (DAHLMAN, 1979, p. 159)

Especialmente no que se refere às relações de consumo, o professor da Universidade de Harvard, Lucian Bebchuk, e Richard Posner lecionam que, mesmo diante de assimetrias informacionais, o vendedor pode ser dissuadido da ideia de agir de forma oportunista, pois se preocupa com sua reputação perante o mercado. Por outro lado, o consumidor não está constrangido por esta situação, já que não tem uma reputação a perder (desde que também não seja um agente do mercado, produtor de bens ou prestador de serviços), podendo desenvolver um comportamento oportunista em uma transação em particular que não será conhecido pelo mercado:

We focus on the following asymmetry between seller and buyer in cases in which the latter is a consumer rather than another business or comparable entity: The seller in such a case may be deterred from behaving opportunistically by considerations of reputation; the consumer is not constrained by such considerations, because he has no reputation to lose, assuming that his opportunistic behavior in a particular transaction will not become known to the market as a whole. This difference is important whenever it is difficult to specify contractual terms to cover every important contingency that courts could accurately and easily enforce. In such circumstances, opportunistic buyers might try to use “balanced” terms to press for benefits and advantages beyond those that the terms were actually intended to provide. (BEBCHUK; POSNER, 2005, pp. 1-2)

Assim, quando as empresas são influenciadas por considerações reputacionais, contratos que possam parecer draconianos (one-sided contracts) contra os consumidores tendem a ser implementados de uma forma balanceada. Desta maneira, se o prestador do serviço é um jogador atuante no mercado, suas expectativas em realizar novas operações com outros consumidores podem afastá-lo da ideia de se valer de determinadas cláusulas contratuais, ainda que não haja expectativas de realizar negócios com este mesmo consumidor. (BEBCHUK; POSNER, 2005, pp. 1-2).[5] Interessante notar como este tipo de análise bem se adequa à cultura capitalista norte-americana, na qual a reputação empresarial se constitui em um importante patrimônio.

BEBCHUK e POSNER (2005, pp. 7-8) ponderam que, por outro lado, em determinados mercados, compradores podem não ser indiferentes a sua reputação. Eles podem ser empresas que atuam de forma repetitiva no mercado, enquanto os vendedores são indivíduos que não transacionam com frequência. Como exemplo, citam o caso dos contratos entre editoras de universidades e novos autores.[6] Embora estes contratos possam estabelecer uma data limite para que o trabalho a ser publicado seja entregue, as editoras costumam dilatar este prazo, a fim de que seus autores tenham condições de revisar o trabalho. Afinal, as editoras atuam em um mercado competitivo e sua reputação no trato com produtores de conhecimento é relevante.

Pode-se perceber, destarte, que o aperfeiçoamento das relações de consumo depende de esforço e comprometimento não só dos fabricantes e prestadores de serviços, que devem primar pela melhoria da qualidade de seus processos produtivos, mas também do Judiciário que pode agir como indutor de condutas eficientes, menos nocivas aos consumidores, mas observando as regras de mercado. Por sua vez, os consumidores devem identificar fornecedores que de forma reiterada adotam condutas oportunistas, privilegiando por consequência a contratação com agentes econômicos que prezam a boa-fé nas relações contratuais, o que contribuirá para atitudes que privilegiem condutas destinadas a valorizar a preocupação da reputação empresarial.

Em nosso país e diante do perfil sócio-econômico da maior parte da massa de consumidores, evidente se mostra a circunstância de que uma das partes na relação consumerista se afigura em condição evidentemente hipossuficiente, em especial no que se refere à assimetria informacional, o que exige a interferência estatal. Por outro lado, é preciso que se tenha em mente que sempre que o Estado interfere no mercado adotando medidas protetivas, favorecendo uma das partes nas relações de consumo, há certamente uma mitigação da autonomia privada, a qual corresponde a uma liberdade de contratar própria do regime do direito privado.

O Poder Judiciário não pode ser considerado como a única (e final) solução para a resolução de conflitos havidos entre fabricantes, fornecedores, prestadores de serviços e consumidores. O Código de Defesa do Consumidor não pode ser uma solução perpétua para a busca do justo equilíbrio entre as partes que participam do mercado. É preciso, portanto, que os agentes econômicos e a massa consumidora vislumbrem a possibilidade de, sem a interferência estatal, adotarem condutas que contribuam para a justa distribuição de riqueza, mediante a implementação de medidas eficientes.  

9. Conclusão

Os Juizados Especiais Cíveis podem desempenhar papel decisivo no aperfeiçoamento dos processos produtivos adotados por fabricantes e fornecedores de bens e serviços, na medida em que a reiteração de decisões acerca de determinada falha se constitui em verdadeiro instrumento que desestimula posturas oportunistas, desleais existentes nas relações consumeristas. É preciso notar que a apreciação judicial das lides desta natureza não pode desconsiderar a possibilidade de que os consumidores, despreocupados com sua reputação perante o mercado, podem também adotar condutas oportunistas, sob o pretexto exclusivo de que as contratações tenham sido realizadas sem que houvesse abertura para discussão das cláusulas contratuais.

Evidente que os empresários que atendem uma grande clientela, no exercício da atividade negocial, podem identificar que a implementação de modificações no processo produtivo poderá ocasionar dispêndios bem maiores do que os custos com o pagamento de honorários advocatícios, custas judiciais e indenizações em favor de seus consumidores. Decisivo, neste ponto, o caráter pedagógico que devem conter as decisões judiciais proferidas no âmbito dos juizados de consumo, seja em favor ou mesmo contra os consumidores, punindo (de certa forma) condutas meramente oportunistas, que assegurem vantagens desleais e desproporcionais para uma das partes.

Desta forma, a eficiência do dano se constitui em um tênue limite entre (i) o somatório dos custos de transação ocasionados pela atuação em mercados competitivos (de um lado), e (ii) a incapacidade de os próprios agentes econômicos de internalizar suas externalidades negativas. Assim, não pode o juiz desconsiderar a repercussão econômica de suas decisões, que no caso do direito do consumo, exercem relevante papel indutor de condutas que podem contribuir para a alocação eficiente de recursos, maximizando o bem-estar social.

Contudo, o aperfeiçoamento que se pretende alcançar não pode ter como impulsionador, apenas, o Poder Judiciário e as legislações consumeristas, que em diversas passagens tratam o consumidor como pessoa incapaz de tomar decisões e de assumir riscos. É preciso que todos os agentes econômicos, bem como a massa consumista se conscientizem de sua capacidade para superação de falhas de mercado, reprimindo condutas simplesmente oportunistas, contribuindo, desta forma, para a busca de meios de produção mais eficientes. 

Referências

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[2] Como o próprio nome desta lei bem destaca, seu objetivo primordial, além de simplesmente regular as relações jurídicas nas quais o consumidor figura como parte, é o de proteger (defender) os direitos e interesses da parte tida por hipossuficiente, sendo a assimetria informacional característica marcante deste desnível de posições.

[3] CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;”

[4] REINALDO FILHO, Demócrito. A preocupação do juiz com os impactos econômicos das decisões. Uma análise conciliatória com as teorias hermenêuticas pós-positivistas. Jus Navigandi. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13707.

[5] When firms are influenced by reputational considerations, contracts that appear on paper to be one-sided against the consumer may in reality be implemented in a balanced way. The distinction between contracts on paper and their actual implementation is one that has received much attention from the literature on relational contracts between businesses. As our analysis highlights, however, the distinction is also relevant to contracts that businesses enter into with consumers who are not repeat players. As long as the business is a repeat player with the consumer side of the market, its expectation of doing business with other consumers in the future may dissuade it from enforcing a one sided-contract to the hilt even though the business does not expect to have further dealings with this consumer. (BEBCHUK, Lucian A.; POSNER, Richard A. One-Sided Contracts in Competitive Consumer Markets. John M. Olin Law & Economics Working Paper, n. 270, Chicago, Estado Unidos, dezembro de 2005, pp. 1-2.).

[6] In some markets, of course, buyers are not indifferent to their reputation. They may be firms that are repeat players with powerful incentives to protect their reputation, while the sellers may be individuals that transact infrequently. An example is the agreements that university presses have with new authors. Our analysis applies to such markets as well. It can explain, for example, why the agreements that those presses have with their authors include provisions that seem one-sided against the author even though authors are likely to read the terms of these agreements and there is competition among the publishers. (BEBCHUK, Lucian A.; POSNER, Richard A. op. cit., pp. 7-8).