O DIREITO À LIVRE ASSOCIAÇÃO E AUTO-ORGANIZAÇÃO DAS TORCIDAS ORGANIZADAS SOB A ÓTICA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS – CIDH

THE RIGHT TO THE FREE ASSOCIATION AND SELF-ORGANIZATION OF ORGANIZED FAN CLUBS UNDER THE VIEW OF THE INTER-AMERICAN COURT OF HUMAN RIGHTS - IACHR

Hélio das Chagas Leitão Neto

Advogado, Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR.

Martonio Mont’Alverne Barreto Lima

Doutorado em Direito (Rechtswissenschaft) -pela Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt am Main. Professor Titular da Universidade de Fortaleza. E-mail: barreto@unifor.br

Resumo: Pretende-se através deste artigo fazer o estudo de sentença que dissolveu compulsoriamente um conjunto de torcidas organizadas cearenses, sob o argumento de que as torcidas teriam responsabilidade direta por atos de violência praticados por seus membros e simpatizantes. Aponta-se a sua desconformidade em relação ao sistema internacional de proteção de direitos humanos e a possibilidade do controle de convencionalidade dos atos jurisdicionais que, ao aplicar a normatividade interna, e pode ofender a garantia à livre associação e auto-organização das entidades de torcedores. No que pese a necessidade de imposição a limites sobre comportamentos na esfera pública, especialmente em ambientes de massa, deve ser ponderado que palavras de ódio, de qualquer forma de racismo ou ofensa pessoal ensejam a ação do Estado democrático a fim de garantir a democracia. A decisão de dissolução de agrupamentos deve se submeter também ao devido e democrático processo legal.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Controle de convencionalidade. Torcidas organizadas. Discurso de ódio e racismo.

Abstract: The purpose of this article is to make a study of the sentence that compulsorily dissolved a group of Ceará's organized supporters, under the argument that the fans would have direct responsibility for acts of violence committed by their members and supporters. Their disagreement with the international system of protection of human rights and the possibility of controlling the conventionality of jurisdictional acts are pointed out, which, by applying internal norms, may offend the guarantee of free association and self-organization of fan entities. In spite of the need to impose limits on behavior in the public sphere, especially in mass environments, it must be considered that words of hatred, any form of racism or personal offense give rise to the action of the democratic State in order to guarantee democracy. The decision to dissolve groupings must also be submitted to the due and democratic legal process.

Keywords: Human Rights. Inter-American Court of Human Rights. Control of conventionality. Organized fan clubs. Hate speeches and racism.

1. Introdução

Em 01 de junho de 2016 o juízo da 36ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza, em sentença exarada na Ação Civil Pública n° 0157143-56.2013.8.06.0001, proposta pelo Ministério Público do Estado do Ceará, publicada no Diário da Justiça n° 1456, do dia 10/06/2016, página 326-336, dissolveu compulsoriamente a TORCIDA UNIFORMIZADA DO FORTALEZA - TUF, a ARS TORCIDA ORGANIZADA JOVEM GARRA TRICOLOR - JGT e a ASSOCIAÇÃO TORCIDA ORGANIZADA CEARAMOR, em razão da alegada ilicitude de suas finalidades, dado que as diretorias das referidas agremiações teriam participação na coordenação de atos de violência e vandalismo, afastando-se de seus objetivos estatuários. A decisão foi proferida, resumidamente, nos seguintes termos:

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ, por seus representantes, ajuizou a presente Ação Civil Pública em face da TORCIDA UNIFORMIZADA DO FORTALEZA - TUF, ARS TORCIDA ORGANIZADA JOVEM GARRA TRICOLOR - JGT e ASSOCIAÇÃO TORCIDA ORGANIZADA CEARAMOR. [...] Conforme relatado na inicial e não desconstituído pelas promovidas, condutas graves de crimes, contravenções e atos contrários ao direito e aos bons costumes têm sido a praxe dos integrantes das demandadas, em um período de uma década, 2003 a 2013.

Não se trata de condutas isoladas, episódios esporádicos durante a existência jurídica das demandadas, mas de uma forma reiterada de se portar, como se fosse um estilo de ser e proceder, em nome daquilo que sou - torcida organizada, uniformizada - estou autorizada a realizar toda espécie de barbárie que meus piores instintos me conduzirem.

Ressalta-se que já foi firmado Termo de Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público do Estado do Ceará, Polícia Militar do Estado do Ceará, Secretaria de Esporte e Lazer do Município de Fortaleza, Federação Cearense de Futebol e as Torcidas Organizadas ora demandadas, documento de fls. 94/105, datado de 26 de abril de 2012, constando na Cláusula Quarta o compromisso das demandadas de evitarem violência, tumultos, brigas, incitação á violência etc., compromisso não cumprido, com aplicação das sanções ali previstas.

Acrescente-se que este juízo realizou várias audiências no presente feito, na tentativa de compor a lide, inclusive suspendendo os efeitos da decisão que antecipou os efeitos da tutela, fls. 1276, na expectativa de uma resposta afirmativa das demandas, contudo, mais uma vez a conduta foi de violência, depredação do patrimônio público, total desrespeito a ordem pública, conforme documentalmente comprovado fls. 1361 e 1381/1416.

Importa dizer que as instituições tentaram de todas as formas manter o funcionamento das demandadas, que, mais uma vez se diga, agem à margem da legalidade, demonstrando que, na prática, se organizam para fins ilícitos, não se encontrando abrigadas, destarte, pela proteção constitucional.

Ao se debruçarem sobre o problema da violência entre torcidas organizadas, os tribunais nacionais ora se posicionam a favor do direito à liberdade de associação de torcedores, eximindo-as, de consequência, de responsabilidade por atos de terceiros, em observância ao princípio da responsabilização penal subjetiva, ora dissolvem compulsoriamente as agremiações em razão de condutas ilícitas praticadas por seus membros, privilegiando a manutenção da paz e segurança pública, em detrimento do direito à liberdade de associação.

Como exemplo desse dissenso jurisprudencial os precedentes exarados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - TJ/SP, no julgamento da Apelação Cível n° 27.381-4/0, de relatoria do Desembargador Ruy Camilo, que entendeu que a diretoria da  torcida organizada Mancha Verde teria contribuído para a perpetração de atos de violência ocorridos na década de 90, desviando-se de suas finalidades estatutárias (j. 17/03/1998), e pelo Tribunal de Justiça de Alagoas - TJ/AL no julgamento da Apelação Cível n° 2009.003291-81, da relatoria do Desembargador Tutmés Airan de Albuquerque Melo, sede processual em que se discutia a extinção das torcidas Comando Vermelho e Mancha Azul, em que se entendeu impossível atribuir às torcidas organizadas responsabilidade por condutas criminosas praticadas por seus membros, em razão, como já dito linhas acima, do respeito ao princípio da responsabilização pessoal (j. 09/04/2018).

O caso em questão trata da extinção de três das maiores torcidas organizadas do Estado do Ceará, cujos fins estatuários seriam incentivar a boa prática esportiva e a promoção do caráter lúdico e festivo do espetáculo esportivo.

Buscar-se-á, através do presente estudo, proceder-se à análise crítica da decisão supra, apontando a sua desconformidade com a normativa internacional e a possibilidade de submetê-la ao controle jurisdicional de convencionalidade, de acordo com a jurisprudência das cortes e organismos internacionais de direitos humanos.

O texto resulta de pesquisa jurisprudencial, nacional e estrangeira. O método da pesquisa foi o indutivo, onde se procurou encontrar o núcleo da argumentação judicial em favor da dissolução das torcidas, ao mesmo tempo em que se enfrentou tal decisão sob o prisma da teoria da democracia discursiva, onde o comportamento na esfera pública por grupos sociais, organizados ou não, deve obstacularizar falas de ódio e racistas.

2. As torcidas organizadas como expressão do direito à livre organização popular

Apesar do conceito de torcida organizada somente ter sido introduzido no ordenamento jurídico brasileiro em 2010, pela Lei n° 12.299, que incluiu o art. 2° - A no Estatuto do Torcedor (Lei n° 10.671/2003), trata-se de fenômeno que remonta ao regime de exceção civil-militar de 1964 a 1985.

Durante o regime civil-militar as classes trabalhadoras tiveram cerceados os direitos de organização partidária e sindical, encontrando nos grandes estádios um espaço alternativo de expressão e sociabilidade. Não somente as direções dos clubes e federações esportivas eram alvo de contestações das multidões como também o regime de exceção passou a ser alvo do descontentamento de torcedores nas grandes arenas erguidas nas capitais do território nacional a partir de 1964. Ainda em 1969, unidos para "combater" o então presidente do Corinthians - e também político do regime militar - Wadih Helu, torcedores fundaram o que viria se tornar a maior torcida organizada do país, os Gaviões da Fiel. Nesse período, informa Luís Temóteo, "nas arquibancadas dos estádios, as torcidas organizadas cresciam, seja em volume de associados, seja em número de grupos que ia surgindo" (TEMÓTEO, 2015, p. 27).

Esta fase de proliferação das associações de torcedores é acompanhada do surgimento de uma característica de confronto com outros agrupamentos rivais. E é por essa característica que comumente são as torcidas organizadas reconhecidas, a despeito de sua relevante atuação política, social, cultural e desportiva.  Desde a década de 1990, quando o Ministério Público do Estado de São Paulo propôs Ação Civil Pública requerendo a extinção das torcidas organizadas Mancha Verde, da Sociedade Esportiva Palmeiras, e Independente, do São Paulo Futebol Clube, a extinção das torcidas organizadas e a proibição de suas manifestações coletivas, como forma de se combater atos de violência nos estádios e arredores, são objeto de ações e decisões judiciais.

Essas iniciativas, no entanto, possuem pouca ou nenhuma efetividade. Exemplo é o próprio caso da Mancha Verde que extinta em 1996, ressurgiu no ano seguinte sob o nome Mancha Alviverde, com personalidade jurídica distinta, mas composta pelos mesmos membros. No Brasil, a formação das torcidas é um fenômeno que aglutina setores da juventude majoritariamente oriundos das periferias sociais, em sua maioria excluídos dos grandes circuitos de consumo das metrópoles brasileiras. O agrupamento de torcedores unidos pelo comum objetivo de incentivar uma agremiação esportiva torna-se um mecanismo de inserção na comunidade do consumo, além de proporcionar “respeitabilidade” na linguagem de populações periféricas urbanas brasileiras. Os torcedores querem ser participantes e de algum modo protagonistas dos espetáculos esportivos. Este protagonismo corresponde ao preenchimento do vazio que a maior parte dos integrantes das torcidas organizadas encontra na sociedade de consumo. Incapacitados de se impor como cidadãos aceito por disporem de recursos financeiros, a imposição e respeito passa a ser encontrada no seu comportamento agressivo – ou “corajoso”, “ousado” – praticado nas atividades das torcidas, o que torna este membro protagonista, agora noutra esfera de sociabilidade. Há ainda o torcedor comum, aquele que aprecia, apoia e se associa à entidade de prática desportiva, e tem o direito de se organizar de forma coletiva, com o fim de garantir o seu direito à cultura, ao esporte, ao lazer e ao estádio. Considera o caput do art. 2 - A da Lei 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor) como torcida organizada a "pessoa jurídica de direito privado ou existente de fato, que se organize para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade". A leitura do dispositivo normativo acima permite concluir que a associação de torcedores de determinada agremiação esportiva encontra-se albergada pelo ordenamento jurídico brasileiro.

As torcidas organizadas são agrupamentos sociais com finalidade própria e legítima (art. 2° - A do Estatuto do Torcedor) que congregam em torno de si um grande número de indivíduos, de distintas características socioeconômicas.

Para José Afonso da Silva, "associação é toda coligação voluntária de algumas ou muitas pessoas físicas, por tempo longo, com o intuito de alcançar algum fim (lícito), sob direção unificante" (SILVA, 2007, P.266). A Constituição Federal garante a plena liberdade de associação para fins lícitos e a liberdade de auto-organização das associações, vedada a interferência estatal em seu funcionamento (art. 5°, XVII e XVIII). A liberdade de associação é direito individual de exercício coletivo que, por meio da conjugação de esforços, busca alcançar uma finalidade comum e edificante. O direito de associação retroage desde a Constituição de 1891. Chama a atenção a consolidação da liberdade de associação nesta Constituição, uma vez, em defesa deste direito, originou-se a conhecida e original Doutrina Brasileira do Habeas Corpus[1]; momento jurisprudencial onde o Supremo Tribunal Federal ampliou o sentido do habeas corpus, contido no art. 72, § 22 da Constituição de 1891. Em outras palavras, o acúmulo jurisprudencial histórico em defesa do direito d elivre associação orienta a tradição jurídica nacional.

Assim, se o movimento de torcedores se destina a torcer e incentivar alguma agremiação esportiva, será considerado "organizada", mesmo que alguns de seus membros venham a se desviar dos fins lícitos do coletivo.

Negar a torcedores o direito à livre associação e auto-organização, dissolvendo compulsoriamente as "organizadas" sob o fundamento de que são estas responsáveis pelos ilícitos praticados por seus membros, ofenderia não somente o princípio da responsabilidade penal subjetiva como também estabelece reprovável hipótese de intervenção estatal no funcionamento dessas entidades. A questão ganha mais em complexidade quando se trata de crimes - ou injúrias - raciais e outros tipos de delitos relativos às falas de ódio. Em primeiro lugar, porque não há como deixar impune tais delitos, especificamente quando a jurisprudência de diversas cortes constitucionais do mundo[2], assimiladas por legislações no nível nacional, já resolveram a questão no sentido de não se tolerar a intolerância. Num segundo instante, se a impossibilidade de identificação do agente de tais crimes, ante os integrantes das torcidas, representa obstáculo à normal persecução pena, com observância da ampla defesa e devido processo legal, por outro lado não há que remanescer impune conduta tão frequente. Tampouco se deve admitir como normal, ou extravasamento de tensões, tais manifestações, que, na verdade, estão presentes na vida social, como afirmam suas vítimas: profissionais negros, de origem modesta. Não há notícia de tal extravasamento, ou bom humor, a atingir profissionais brancos, de estatura elevada.

De qualquer modo, abre-se, além do clássico controle de constitucionalidade, a via do controle de convencionalidade da aplicação da normatividade interna, pois, apesar de albergado no texto constitucional, é o direito à livre associação e auto-organização das torcidas organizadas também protegido pelo corpus juris internacional, conforme se verá a seguir.

3. O controle jurisdicional de convencionalidade

Em termos de proteção internacional dos direitos humanos é a liberdade de associação prevista na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), de 1948, que em seu art. 20 estabelece que "toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas".

Também está garantida no art. 22 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto n° 592, de 6 de julho de 1992, em que afirma que "toda pessoa terá o direito de associar-se livremente a outras, inclusive o direito de construir sindicatos e de a eles filiar-se, para a proteção de seus interesses".

Mas é no âmbito da Convenção Americana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), ratificada pelo Brasil, pelo decreto n° 678, de 6 de novembro de 1992, no seu art. 16, que a garantia da liberdade de associação é mais claramente tratada, conforme se vê do trecho a seguir transcrito:

Artigo 16 - Liberdade de associação

1. Todas as pessoas têm o direito de associar-se livremente com fins ideológicos, religiosos, políticos, econômicos, trabalhistas, sociais, culturais, desportivos ou de qualquer outra natureza.

2. O exercício desse direito só pode estar sujeito às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional, da segurança e da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

3. O presente artigo não impede a imposição de restrições legais, e mesmo a privação do exercício do direito de associação, aos membros das forças armadas e da polícia.

Esses tratados internacionais são reconhecidos também como direitos fundamentais, conforme art. 5°, §2°, da Constituição Federal ao estabelecer que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". Para Ana Maria D'Ávila Lopes (2009, p. 48):

No Brasil, a defesa da existência de um bloco de constitucionalidade está ancorada no §2° do art. 5° da Constituição Federal de 1988, no qual se estabelece que os direitos e garantias expressos na Lei Fundamental não excluem outros decorrentes dos princípios ou do regime por ela adotados, assim como os previstos em tratados internacionais sobre direitos humanos dos quais o Brasil faça parte. Essa norma evidencia o reconhecimento da força expansiva da dignidade humana e dos direitos fundamentais no sistema jurídico pátrio (PIOVESAN, 1995, P. 160) Deve, desse modo, entender que os direitos e as garantias fundamentais não são apenas os que se encontram expressos na Constituição, mas também aqueles que possam hermeneuticamente decorrer do regime democrático adotado e dos princípios constitucionais previstos, além dos que se encontrem em documentos internacionais, desde que versem sobre direitos humanos.

Há ainda a possibilidade instituída pela Emenda Constitucional n° 45, de 30 de dezembro de 2004, de que tais tratados internacionais sobre direitos humanos, se aprovados por maioria qualificada, possuam equivalência a emendas constitucionais, como estabelece o art. 5°, §3°, da Constituição Federal.

Assim, como afirma Valério de Oliveira Mazzuoli (2018, p. 323):

À medida que os tratados de direitos humanos ou são materialmente constitucionais (art. 5°, §2° ou material e formalmente constitucionais (art. 5°, §3°), é lícito entender que o clássico 'controle de constitucionalidade' deve agora dividir espaço com esse novo tipo de controle ('de convencionalidade') da produção e aplicação da normatividade interna.

O controle de convencionalidade consiste em aplicar, ao controle da produção e aplicação da normatividade interna, parâmetros dados por tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos do qual o país seja signatário.

No sistema interamericano de direitos humanos a primeira menção a uma espécie de controle de convencionalidade entre normas jurídicas internas ocorreu no julgamento do Caso Almonacid Arellano e outros VS Chile, onde se firmou que o Poder Judiciário dos Estados signatários "deve ter em conta não somente o tratado [de direitos humanos], senão também a interpretação que do mesmo tem feito a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana".

No Brasil, a proteção dos Direitos Humanos ganhou fôlego a partir de julgamentos recentes do Supremo Tribunal Federal (Recursos Extraordinários ns. 349.703 e 466.343 e Habeas Corpus n. 87.585), quando foi introduzido o mecanismo de controle de convencionalidade na jurisprudência da Suprema Corte.

Segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos (2011, p. 193):

Quando um Estado é parte em um tratado internacional como a Convenção Americana, todos os seus órgãos, incluídos seus juízes, estão a ele submetidos, o qual os obriga a velar a que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam diminuídos pela aplicação de normas contrárias a seu objeto e fim, pelo que os juízes e órgãos vinculados à administração da Justiça em todos os níveis têm a obrigação de exerce ex officio um 'controle de constitucionalidade entre as normas internas e a Convenção Americana.

O controle de convencionalidade a ser efetivado pelo juiz doméstico tem como paradigma todo o corpus juris internacional de proteção.

Viu-se acima que a garantia da liberdade de associação e auto-organização das torcidas organizadas encontra-se albergada tanto pela Constituição Federal (art. 5°, XVII e XVIII) quanto pelo sistema normativo internacional de proteção de direitos humanos, notadamente o art. 20 da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), o art. 22 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto n° 592, de 6 de julho de 1992, e o art. 16 da Convenção Americana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), ratificada pelo Brasil, pelo decreto n° 678, de 6 de novembro de 1992.

Desses, o art. 16 da Convenção Americana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) é o que melhor se adequa à situação em análise. Sobre referido dispositivo normativo, comenta Mazzuoli (2010, p. 163):

Para além do direito de se reunir (art. 15), todas as pessoas têm o direito de livremente associar-se (art. 16). O conceito de liberdade de associação vem do Direito Constitucional e conota o direito que homens e mulheres têm de se unirem mutuamente par ao cumprimento de uma determinada finalidade, sem a interferência do Estado. Os textos constitucionais contemporâneos garantem o direito de associação livre entre pessoas, impendido compelir-se alguém a associar-se ou a permanecer associado (CF, art. 5°, XX), somente impedindo as associações de caráter paramilitar. As associações legalmente autorizadas têm legitimidade para representar seus filiados, judicial ou extrajudicialmente. São várias as finalidades de uma associação de pessoas. Dentre outras, citam-se os motivos ideológicos, religiosos, políticos, econômicos, trabalhistas, sociais, culturais, desportivos etc. (grifo nosso)

A propósito a Corte Interamericana de Direitos Humanos no julgamento do Caso Cantoral Huamaní e Garcia Santa Cruz vs. Peru decidiu que "o direito à liberdade de associação estabelecido pelo art. 16 da Convenção Americana é garantido a todas as pessoas sem a intervenção de autoridades públicas que limitem ou impeçam o seu exercício" (2007, p. 144).

Antonio Moreira Mendes informa que "tanto os 'direitos fundamentais', reconhecidos em Constituição, quanto os 'direitos humanos', reconhecidos em um tratado internacional, possuem o mesmo propósito: limitar o poder coercitivo do Estado" (2013, p. 43).

No que diz respeito à legalidade nacional sobre o tema das torcidas e suas organizações e participação nos eventos esportivos, o Brasil tem produzido atos normativos que são reveladores da atenção desta manifestação coletiva, desde sempre presente, porém, que chamou a atenção, e forma especial, quando dos preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, que ocorreram no Brasil. Nestes eventos internacionais de grande porte, o País deteve sua atenção quanto ao estabelecimento dos marcos legais para a participação da sociedade. Assim, é que o Estatuto de Defesa do Torcedor, aprovado pela Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003, prevê em seu art. 2°-A (incluído pela Lei nº 12.299, de 27 de julho de 2010) a instituição denominada torcida organizada:

Art. 2° - A. Considera torcida organizada, para os efeitos desta Lei, a pessoa jurídica de direito privado ou existente de fato, que se organize para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade.

Há de se reconhecer, portanto, que a associação de pessoas em pleno gozo de seus direitos civis para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade é pelo Estado protegida, no âmbito da liberdade de associação.

A prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do poder público, das confederações, federações, ligas, clubes, associações esportivas, entidades recreativas e associações de torcedores, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos, conforme prescreve o art. 1°-A (igualmente incluído pela Lei nº 12.299, de 27 de julho de 2010) do Estatuto de Defesa do Torcedor, não sendo possível atribuir responsabilidade única às torcidas organizadas pelos atos de violência ocorridos nos estádios e arredores.

É inquestionável que a alta concentração de pessoas pode ensejar situações e efeitos nocivos à convivência comunitária, principalmente em ambientes permeados de fortes emoções como os espetáculos esportivos. A omissão ou a deficiência do poder público, seja em atuação preventiva ou coercitiva, seja ele governamental ou de entidades responsáveis pela organização desportiva, poderá ser o fator decisivo para ocorrência de conflitos. Estudo realizado por Reis (2005, p. 9) aponta questões culturais e estruturais dentre as principais causas da violência em estádios no Brasil. Dentre estas causas está a falta de condições estruturais de segurança nos estádios brasileiros.

Por outro lado não há como deixar de reconhecer que a omissão, ou passividade, das torcidas organizadas ante comportamentos abusivos ou  agressivos de seus membros é elemento objetivamente responsável pelos excessos em festas esportivas. Toda e qualquer associação devidamente legalizada, com personalidade jurídica formalmente organizada ganha vida através de seus estatutos, de sua organização interna. As exigências legais estatutárias de formas de filiação, de permanência e de exclusão dos membros deveria funcionar de maneira efetiva, a fim de que fossem excluídos aqueles membros que ignoram as regras internas estatutárias, ou que rompem com o salutar sentido do direito de associação e com os propósitos da torcida organizada. Atitudes como esta, efetivadas pela própria torcida, e com estrita observação do direito de defesa, por seu momento quanto esfera pública de compromisso coma legalidade democrática, funcionaria como a contribuição da torcida contra a violência, racismo, falas de ódio.

Pode ser criticada a decisão pelo fato de a sentença em exame foi equivocada, pois não aponta em que medida os quadros diretores das torcidas organizadas teriam efetiva participação na coordenação dos atos de violência denunciados pelo parquet, não sendo possível atribuir à pessoa jurídica responsabilidade pelos ilícitos praticados pelos indivíduos que a constituem. A imputação às pessoas jurídicas de atos de associados ou de torcedores simpatizantes, salvo quando comprovadamente incentivados ou coordenados pelas entidades, revela-se descabida. Não podem os movimentos ser penalizados, ainda que alguns de seus membros pratiquem delitos.

Por outro lado, a falha das diretorias das torcidas em não provar sinceros esforços  na busca de identificação dos membros responsáveis pelos acontecimentos não há como ser aceita, se se considera a torcida como organização social da esfera pública.

Há precedentes no sentido contrário do que fora decidido no Estado do Ceará. Merece menção trecho do voto do Desembargador Tutmés Airan de Albuquerque Melo, do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, relator da Apelação Cível n. 2009.003291-8[3], que negou o pedido de extinção das torcidas organizadas Comando Vermelho e Mancha Azul:

Ora, se um ou outro torcedor, ainda que se agrupando com outros, comete atos de violência, incentiva práticas delitivas ou insulta pessoas, não pode a agremiação ser responsabilidade. Se assim não fosse, era só algum indivíduo mal intencionado trajar as vestimentas da torcida e praticar crimes para, logo em seguida, prejudicar a torcida e os demais associados de boa-fé. Se o raciocínio do MP fosse absoluto e idôneo para a solução de problemas deste jaez, então não só as associações civis como também vários órgãos públicos ou até mesmo Poderes instituídos teriam que ser extintos ou dissolvidos, em virtude da constante prática de irregularidades por alguns de seus membros. Cabe, assim, aos próprios órgãos de segurança pública do Estado, que possuem o dever de zelar pela segurança, ao invés de questionar a existência das torcidas e tentar incessantemente extingui-las, firmar parcerias para identificar quem são os indivíduos infiltrados nelas com o fim exclusivo de praticar crimes.

As torcidas organizadas possuem finalidade compatível com o dispositivo constitucional doméstico (art. 5°, XVII e XVIII, da Constituição Federal) e com as normas de proteção internacional dos direitos humanos, notadamente, o art. 16 da Convenção Americana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), o que garante a essas entidades proteção frente à indevidas intervenções estatais em seu funcionamento.

Para Valério de Oliveira Mazzuoli (2018, p. 231), "para que haja o controle pela via de exceção (controle difuso) basta sejam esses tratados ratificados e estarem em vigor no plano interno", servindo estes de paradigmas ao controle de convencionalidade dos atos de aplicação da normatividade interna.

Revela-se possível e necessário o controle de convencionalidade do referido ato jurisdicional, pois ao não fundamentar adequadamente a dissolução compulsória das torcidas organizadas acima mencionadas, ofendeu diretamente tanto o art. 5°, XVII e XVIII da Constituição Federal, quanto os arts. o art. 20 da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), o art. 22 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto n° 592, de 6 de julho de 1992, e o art. 16 da Convenção Americana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), ratificada pelo Brasil, pelo decreto n° 678, de 6 de novembro de 1992, consubstanciando-se a referida decisão indevida intervenção estatal no funcionamento das entidades.

4. Conclusão

Têm as torcidas organizadas origem como movimentos organizados no fim do regime civil-militar, quando as classes trabalhadoras, cerceados seus direitos de organização partidária e sindical, encontraram nos grandes estádios um espaço alternativo de expressão e sociabilidade. Nesse período, nas arquibancadas dos grandes estádios construídos pelo Estado brasileiro a partir de 1964, as torcidas organizadas cresciam, seja em volume de associados, seja no número de grupos que ia surgindo.

Majoritariamente formada por setores da juventude oriundos das periferias sociais, encontram seus integrantes nas organizações um mecanismo de inserção na comunidade do consumo. Esta fase de proliferação das associações de torcedores, no entanto, é acompanhada do surgimento de uma característica de confronto com outros agrupamentos rivais.

A notoriedade do quadro de violência presente nos espetáculos esportivos envolvendo membros das torcidas organizadas não autoriza concluir serem ilícitas todas as organizações esportivas. Tais episódios merecem punição, sempre com o responsável identificado, e a ele garantidos ampla defesa e devido processo legal. Sustentar-se-ia somente tal punição quando se comprovasse a inércia ou má vontade da associação quanto à busca de identificação de seus associados envolvidos na prática de ilícitos, e a demora ou recusa consequente aplicação das penalidades estatutárias.

O torcedor que aprecia, apoia e se associa à entidade de prática desportiva, tem o direito de se organizar de forma coletiva, com o fim de garantir o seu direito à cultura, ao esporte, ao lazer e ao estádio. Têm as “organizadas” o direito de se manterem em funcionamento pelo prazo e nas condições constantes de seus estatutos ou contratos, só cabendo a dissolução compulsória ou a suspensão de suas atividades por decisão judicial, constatada a ilicitude de suas atividades em juízo, o que não ocorreu. Conforme expõe o Estatuto de Defesa do Torcedor, a associação de pessoas em pleno gozo de seus direitos civis para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade é pelo Estado protegida, no âmbito da liberdade de associação.

A garantia da liberdade de associação e auto-organização das torcidas encontra-se albergada tanto pela Constituição Federal (art. 5°, XVII e XVIII) quanto pelo sistema normativo internacional de proteção de direitos humanos, notadamente o art. 16 da Convenção Americana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), ratificada pelo Brasil, pelo decreto n° 678, de 6 de novembro de 1992.

Referido dispositivo normativo presume lícita a associação de pessoas com fins desportivos. Assim, possuem as torcidas organizadas finalidade compatível com a norma internacional de proteção de direitos humanos, o que garante a essas entidades salvaguarda frente à indevidas intervenções estatais em seu funcionamento.

A sentença expedida pelo Juízo da 36ª Vara Cível da Comarca de nos autos da Ação Civil Pública n° 0157143-56.2013.8.06.0001, ao não apontar em que medida os quadros diretores das "organizadas" teriam efetiva participação na coordenação dos atos de violência denunciados pelo parquet, consubstancia-se em ilegítimo exercício do poder coercitivo do Estado, pois, não sendo possível atribuir à pessoa jurídica responsabilidade pelos ilícitos praticados pelos indivíduos que a constituem, não podem ser as torcidas organizadas dissolvidas compulsoriamente por atos de terceiros. Abre-se, assim, além do clássico controle de constitucionalidade do ato jurisdicional acima (art. 5°, XVII e XVII, da Constituição Federal), a via do controle de convencionalidade da aplicação da normatividade interna, pois o direito à livre associação e auto-organização das torcidas organizadas encontra-se também protegido pelo corpus juris internacional.

Poderá esse tipo de controle ocorrer por meio difuso, inclusive, ex officio, impondo-se apenas que esses tratados de direitos humanos sejam ratificados e estejam em vigor no plano interno, servindo como paradigmas ao controle de convencionalidade dos atos de aplicação da normatividade interna.

Deverá também o Poder Judiciário dos Estados signatários " ter em conta não somente o tratado, senão também a interpretação que do mesmo tem feito a Corte Interamericana", conforme entendimento firmado no julgamento do Caso Almonacid Arellano e outros VS Chile pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A mesma Corte Interamericana de Direitos Humanos no julgamento do Caso Cantoral Huamaní e Garcia Santa Cruz vs. Peru já decidiu que "o direito à liberdade de associação estabelecido pelo art. 16 da Convenção Americana é garantido a todas as pessoas sem a intervenção de autoridades públicas que limitem ou impeçam o seu exercício".

Revela-se necessário o controle de convencionalidade do referido ato jurisdicional, pois ao não fundamentar adequadamente a dissolução compulsória das torcidas organizadas acima mencionadas, ofendeu diretamente tanto o art. 5°, XVII e XVIII da Constituição Federal, quanto os arts. o art. 20 da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), o art. 22 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto n° 592, de 6 de julho de 1992, e o art. 16 da Convenção Americana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), ratificada pelo Brasil, pelo decreto n° 678, de 6 de novembro de 1992, e também a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, interprete última desta Convenção, consubstanciando-se o referido ato jurisdicional em indevida intervenção estatal no funcionamento das entidades.

Referências

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITO HUMANOS - CIDH. Caso Cantoral Huamaní e Garcia Santa Cruz vs Peru. Sentença de 10 de julho de 2007, Mérito, Reparações e Custas, Série C, n. 167.

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITO HUMANOS - CIDH. Caso Gelman VS Uruguai, Fundo e Reparações, sentença de 24 de fevereiro de 2011, Série C, n° 221.

REIS, Heloisa Helena Baldy dos. La relación entre fútbol, violencia y sociedad: un análisis histórico a partir de la teoría del proceso civilizador. Sevilla: [s.n.], 2005.

GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Convenção sobre Direitos Humanos: pacto de San José da Costa Rica. 3. ed. São Paulo: 2010.

LOPES, Ana Maria D’Ávila. Bloco de constitucionalidade e princípios constitucionais: desafios do poder judiciário. Revista Sequência. N° 59, dez. 2009, p. 43-60.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

MENDES, Antonio Moreira. Supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos e interpretação Constitucional. Revista Internacional de Direitos Humanos. N° 18, 2013, p. 215-235.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

TEMÓTEO, Luís Eduardo de Salles. Análise comparada dos instrumentos jurídicos de repressão ao 'Hooliganismo' e de prevenção de conflitos em estádios de futebol no Brasil e no Reino Unido. Monografia. Universidade Federal do Ceará. Faculdade de Direito. Fortaleza, 2015.



[1] Há amplo material bibliográfico sobre a Constituição de 1891, o habeas corpus e a Doutrina Brasileira do Habeas Corpus: FREIRE, Felisberto Firmo de Oliveira. As Constituições dos Estados e a Constituição Federal, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1898; LEAL, Aurelino. Teoria e Prática da Constituição Federal Brasileira – Parte Primeira: Da Organização Federal, do Poder Legislativo (arts. 1 a 40). Rio de Janeiro: F. Briguet e Cia., 1925; MENDONÇA DE AZEVEDO, José Afonso. A Constituição Federal Interpretada pelo Supremo Tribunal Federal (1891-1924). Rio: 1925; MILTON, Aristides Augusto. A Constituição Brasileira; Notícia Histórica, Texto e Comentário. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1898; RODRIGUES, Leda Boechat. História do Supremo Tribunal Federal, t. III: Doutrina Brasileira do Habeas-Corpus. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1991. ROURE, Agenor de. A Constituinte Republicana. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918-1920.

[2] É o caso do Habeas Corpus nº 82.424, com publicação do julgamento em 19 de março de 204. Neste caso, , conhecido como “antissemitismo”, o Supremo Tribunal Federal entendeu da seguinte maneira: “Escrever, editar, divulgar e comerciar livros “fazendo apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias” contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). 2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa. 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4.Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. 5.  Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País. 6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, “negrofobia”, “islamafobia” e o anti-semitismo. 7. A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática. 8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma. 9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo. http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=54&dataPublicacaoDj=19/03 /2004&incidente=2052452&codCapitulo=5&numMateria=7&codMateria=1. Acesso em 20 out 2019.

[3] Disponível em: http://www.destutmesairan.tjal.jus.br/juris/78b7802f9c661f96a90b6e8158961472.pdf. Acesso em 07 nov. 2019.