THE CALL FOR PROCESS IN BRAZILIAN LAW AND
THE REFLECTIONS OF THE NEW CPC
Bruno Novaes Bezerra Cavalcanti
Especialista em Direito Processual Civil pela UFPE com MBA em
Direito Empresarial pela FGV, Mestre em Direito Privado pela UFPE e Doutorando
em Direito Processual Civil pela UNICAP-Universidade Católica de Pernambuco.
Advogado Sócio-Diretor no Queiroz Cavalcanti Advocacia –Unidade Pernambuco/PE.
E-mail: brunocavalcanti@queirozcavalcanti.adv.br.
Hugo Novaes
Especialista em Direito Contratual pela UFPE, mestrando em Direito Privado pela UFPE, e advogado Sócio-Gestor no Queiroz Cavalcanti Advocacia – Unidade Pernambuco/PE. E-mail: hugonovaes@queirozcavalcanti.adv.br.
Resumo: O presente
artigo tem por objeto a figura do chamamento ao processo no Direito brasileiro,
e nosso objetivo é investigar até que ponto o referido instituto pode ter
sofrido alterações com a entrega em vigor do novo CPC. Partimos da origem do instituto para se
chegar à sua definição e finalidade. Na sequência, detalhamos o regramento do
chamamento ao processo no NCPC, analisando-se as hipóteses de cabimento, seu
procedimento, bem como as relações entre o CC e o NCPC. Por fim, de forma
breve, abordamos as figuras do chamamento no CDC e o chamamento anômalo do
art.1698 do CC. Concluímos, ao final, que o art. 130 do NCPC manteve basicamente as mesmas hipóteses de chamamento
do código anterior. São basicamente aquelas que envolvem fiança e solidariedade
passiva; e que o CDC prevê uma hipótese diferenciada de chamamento para as
ações que envolvem relações de consumo.
Palavras-chave: Chamamento. Processo. NCPC
Abstract: The purpose of
this article is to call the process in Brazilian law, and our objective is to
investigate the extent to which this institute may have undergone changes with
the delivery of the new CPC. We start from the origin of the institute to reach
its definition and purpose. In the sequence, we detail the process call rule in
the NCPC, analyzing the hypotheses of fit, its procedure, as well as the
relations between the CC and the NCPC. Finally, briefly, we address the figures
of the call in the CDC and the anomalous call of art.1698 of the CC. We
conclude, in the end, that art. 130 of the NCPC basically
maintained the same hypothesis of calling the previous code. They are basically those involving bail and passive solidarity;
And that the CDC foresees a differentiated hypothesis of calls for actions that
involve consumer relations.
Keywords: Call. Procedure.
NCPC
Segundo Ovídio Baptista, o chamamento ao processo não existia no direito brasileiro anterior ao Código de 73 e sua fonte estaria no direito português que o tratava como chamamento à demanda.
Citando Pedro Soarez Muñoz, Ovídio Baptista (2000, p.206) explica que a inserção do Chamamento ao Processo no Brasil ocasionou sensível alteração na doutrina sobre a solidariedade passiva, que não admitia que o devedor solidário, quando citado individualmente para a causa, pudesse exigir a presença dos demais coobrigados.
Lopes da Costa (1982, pp. 109 e 110) esclarece que o chamamento ao processo foi uma das inovações introduzidas pelo Código de 1973 e que:
... não só encontrou fundadas restrições como também tem ensejado divergências de interpretação na doutrina e na jurisprudência. É uma modalidade de intervenção provocada através da qual o réu convoca ao processo outros co-obrigados, sujeitando-os ao resultado da decisão.
O referido autor deixa claro ainda que somente o réu tem legitimidade para requerer o chamamento, que é uma modalidade obrigatório de intervenção de terceiro, já que este é forçado a compor a triangulação processual.
O chamamento ao processo, no direito alemão e no direito austríaco, é feito através de um chamamento em garantia, com a forma de uma intervenção provocada, muito próxima do instituto da denunciação à lide vista no direito brasileiro.
Analisando, por exemplo, como este fenômeno se dá no Direito Austríaco, o professor Willard de Castro Villar (abril-junho/76, p. 12) ensina que:
Na ordenação jurídica austríaca, o devedor principal e o fiador podem ser réus juntos, na mesma ação, desde que a natureza da garantia prestada não seja obstáculo ao litisconsórcio (Soweit nicht die Beschaffenheit der eingegangenen Bürgschaft im Wege steht, kônnen der Hauptschuldner und der bürge gemeinschaftlich geklagt werden - § 12)
Já no direito italiano, o instituto está previsto no artigo 106 do CPC daquele país, o qual prescreve: “Ciauscuna parte puó chamare el processo un terzo al quale retiene comune la causa o dal quale pretende essere garantia”.
Na realidade, o que se pode perceber é que no direito italiano o chamamento assume duas formas ou funções, uma de mera expansão dos efeitos da sentença para o terceiro, e outra de garantia, de modo que esta última forma ou função se assemelha à denunciação à lide no direito brasileiro.
Nas palavras de Cândido Dinamarco (1975, p. 169):
O Código de Processo Civil italiano cuidou, sob a rubrica intervento, sua istanza di parte, de duas hipóteses distintas de chamamento: a) chamamento do terceiro a qual a parte entende ser comum a causa pendente; b) chamamento do terceiro pelo qual a parte pretende ser garantida (art. 106). A segunda hipótese (chiamata in garanzia) assimila-se à nossa denunciação da lide. Já o primeiro guarda semelhança com o instituto do chamamento ao processo. Os autores italianos que escreveram na vigência do código de 1940, analisaram o referido art. 106 sob dois ângulos: do chamamento em garantia e do chamamento do terceiro por comunicação na causa.
Esse chamamento do terceiro, por comunhão da causa, é previsto assim amplamente pela lei italiana (sempre que a parte entender que o termo está com ela em estado de comunhão), ao contrário da lei brasileira, que, a exemplo da portuguesa, dá taxativamente os casos específicos dessa comunhão (CPC, art. 77), evitando certas dúvidas que houve na Itália para caracterização desta.
Sobre esse tema, ressaltamos as palavras do professor italiano Virgilio Andrioli (1957, p. 169):
La chiamata in garantia differisce dall
intervento coatto, per ció che il garantito non solo
chiama in quidizio el
garante affianché a quest
ultimo si estedamo ghi
effetti della pronuncia, ma esercita nei confronti di lui anche l’anziore de regresso, il garante é
parte nel quidizo principale, mentre l’attore é estraneo alla causa vertente frail
garantia ed il garantio.
Como já foi dito acima, no direito brasileiro, o instituto ingressou pela primeira vez por meio do Código de Processo Civil de 1973 influenciado pelos contornos dados pelos artigos 330 e 334 do antigo Código de Processo Civil Português, inclusive no que diz respeito à colocação topográfica do instituto dentro do diploma legal: na parte em que trará das intervenções de terceiro.
Não há discussão acerca do entendimento de que o chamamento é uma espécie de intervenção de terceiro no direito processual brasileiro.
Sobre a intervenção de terceiro, Liebman (2005, p.149) ensina:
A intervenção é o ingresso de um terceiro em processo pendente. Ela pode ser consequência de um ato do terceiro, que por sua espontânea vontade intervém no processo pendente entre outras pessoas (intervenção voluntária), e pode também ser provocada pelo chamamento do terceiro por ato de uma das partes (intervenção coata), a qual assim procede por entender que tem um interesse nesse sentido ou para cumprir uma ordem do juiz.
Carreira Alvim (2016, p.180) expõe o tema do seguinte modo:
A intervenção de terceiros é uma modalidade de ingresso de um terceiro num processo entre duas partes, com o propósito de extrair dele uma utilidade adicional; sendo uma modalidade de interventiva ligada ao tema da extensão subjetiva da sentença, na medida em que amplia a relação jurídica deduzida no processo ou produz uma modificação subjetiva das partes.
Explica, ainda, este último doutrinador que a intervenção de terceiros pode ser voluntária ou provocada, sendo a intervenção provocada quando o terceiro é forçado a participar do processo de outrem como acontece no chamamento ao processo e na denunciação da lide.
Na mesma linha, vão Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Dinamarco (2015, p.390) ao explicarem que a denunciação e o chamamento ao processo são meios pelos quais uma das partes traz o terceiro ao processo com vista a obter uma sentença que o responsabilize.
Dando mais contorno a figura, pode-se conceituar o chamamento ao processo como:
A modalidade de intervenção de terceiros na qual o réu chama
outrem para compor o polo passivo, juntamente com ele. É um meio, portanto, de
provocar a formação de litisconsórcio ulterior. Chama-se quem é obrigado tanto
quanto o réu originário ou mais. Imagine-se que o réu “B” era sujeito passivo
de uma determinada obrigação, juntamente com “C”, “D” e “E”, em caráter
solidário. O autor “A”, porém, resolve promover a demanda apenas em face de “B”
(art.275, CC). O instituto do chamamento ao processo permite a “B” provocar a
integração de “C”, “D” e “E” no polo passivo da demanda, juntamente com ele. (SOUZA, 2016, p.333)
Luiz Dellore e Fernando Gajardoni (2015, p.427) detalha que aceito o chamamento pelo juiz, é porque se está diante de uma situação de solidariedade entre chamante e o chamado (CC, art.275: a solidariedade permite ao credor comum exigir de um ou algum dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum).
E lembra ainda que admitido o chamamento:
... deverá o juiz determinar que isso seja anotado na distribuição (art.286, parágrafo único), para fins de que a informação seja pública e apareça em eventuais pesquisas a respeito de litígios envolvendo as pessoas (no caso de expedição de certidão negativa de distribuição de feitos cíveis)”. (GAJARDONI, 2015, p.430)
Jorge Augusto Pais de Amaral (2016, pp.122 e 123), analisando a legislação portuguesa, faz considerações interessantes, também aplicáveis ao nosso Direito, ao asseverar que:
Quando o interesse respeitar a uma pluralidade de partes principais que se unam no mesmo processo para discutirem uma só relação jurídica material, estamos perante a figura do litisconsórcio. O termo litisconsórcio serve para exprimir a imagem de várias pessoas que, no mesmo processo civil, correm a mesma sorte, associadas que estão no lado do ataque ou da defesa. Nem sempre a intervenção de terceiros pode dar origem a litisconsórcio. Para haver litisconsórcio é necessária a formação de uma pluralidade de partes principais.
Retomando o que já foi dito num ponto anterior, ao se analisar o instituto à luz do direito comparado, vale citar aqui Chiovenda (2010, pp.297 e 298), quando este narra a existência na Itália da chamada em garantia, que em alguns momentos se assemelha à denunciação à lide e em outros ao nosso chamamento ao processo. Explica o Professor Italiano:
Quando ao chamamento do terceiro, contra quem a parte que chama dispõe de ação de regresso, se alia a propositura in eventum de tal ação na mesma lide, temos a chamada em garantia (arts.193 e segs., CPC), como já reiteradamente assinalamos, é de origem germânica, se bem que a lei germânica hodierna a não conheça. A exemplo da lei francesa, insere a nossa esse instituto, em homenagem ao princípio da economia dos processos e à conveniência em decidir uma só vez e de uma só forma os pontos porventura comuns à ação principal e à ação de regresso(...) Quais os casos em que se responde pela derrota de outrem, é questão de direito substancial. Seria, contudo, arbitrário, restringir o campo da chamada em garantia a alguns desses casos de responsabilidade, como a transmissão de direitos e a coobrigação especialmente solidária: qualquer que, por fato seu, expõe outros a uma ação e responde por sua derrota na lide, pode ser chamado a responder na lide mesma; a razão do instituto autoriza-o por igual em todos os casos. (...) Qualifica-se de simples a chamada em garantia nos casos em que aquele que chama se acha em causa por uma obrigação para com o seu adversário, à qual corresponde uma obrigação de regresso do chamado em relação a ele. Por exemplo, o fiador, réu citado em juízo pelo credor, chama em garantia o devedor principal.
José Freitas e Isabel Alexandre (2014, p.615), tecendo comentários ao Código de Processo Civil Português, cita a interessante redação do art.316 do revogado CPC português de 39:
(...) 2 – Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do art.39.º. 3 – O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este: a) mostre interesse passível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida; b) pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.
Ovídio Baptista e Fábio Gomes (2000, pp. 204 e 205) complementam dizendo que ocorre a figura do chamamento ao processo quando, sendo citados apenas um ou alguns dos devedores solidários, peçam eles a citação do outro, ou dos outros devedores, de modo a decidir-se, no mesmo processo, sobre a responsabilidade de todos.
Dizem ainda os referidos professores que a finalidade do chamamento ao processo é ampliar o objeto do processo, trazendo para a causa os demais obrigados solidariamente responsáveis perante o credor.
A rigor, o que o chamamento amplia não é o objeto do processo, já que a discussão na demanda judicial estará pautada na mesma relação material que não muda, independentemente de haver chamamento ou não. O que o chamamento amplia é o aspecto subjetivo do processo, já que acresce ao polo passivo o terceiro (coobrigado).
Fredie Didier Jr. (2016, p. 516) ensina que:
Só cabe o chamamento ao processo se, em face da relação material deduzida em juízo, o pagamento da dívida pelo chamante dê a este o direito de reembolso total, ou parcial, contra o chamado. Isso não quer dizer que o chamamento ao processo implique demanda regressiva (para buscar o quinhão que cabe a cada um na solidariedade passiva), à semelhança do que ocorre com a denunciação da lide. O chamado, codevedor que é, pode, ao final, pagar a dívida (com expropriação de bens que compõem o seu patrimônio) e, então, é ele que se voltará, regressivamente, só que contra o chamante. O objetivo da lei é a inclusão de todos (chamante e chamados) na mesma condenação, porque o título que se forma é judicial e sua execução só pode ser dirigida em face dos que participaram do seu processo de formação.
O chamamento ao processo é uma faculdade dos réus para que eles chamem ao feito como litisconsortes passivos os outros coobrigados junto ao credor comum. A doutrina é unânime ao reconhecer o cabimento do chamamento em todas as formas de processo de conhecimento.
Quanto ao processo de execução, doutrina e jurisprudência se firmaram no sentido da sua impossibilidade. Sobre este ponto específico, Ovídio Baptista (2000, p. 206), mais uma vez, leciona:
Uma coisa é poder o fiador valer-se do mesmo processo para executar o afiançado; outra, diferente, é dar-se a faculdade de chamá-lo ao processo executório, de modo a estender-lhe a eficácia da sentença que rejeitar os embargos. Neste caso, o coobrigado solidário teria contra si a sentença de rejeição dos embargos, ficando, portanto, limitada a área da futura controvérsia.
Luiz Guilherme Marinoni (2016, p. 266) destaca que existindo o chamamento, forma-se um litisconsórcio facultativo simples entre o chamante e o chamado. Havendo procuradores diferentes, há prazo em dobro (art.229, CPC).
Carlos Augusto de Assis e André Pagani de Souza (2016, p.334) colocam que o chamamento ao processo, assim como outras modalidades de intervenção de terceiro, tem forte ligação com a economia processual. No caso de uma ação apenas contra um dos devedores solidários, caso o chamamento não fosse possível, haveria a necessidade do ajuizamento de uma nova ação para que se obtivesse a condenação dos coobrigados, mas com o chamamento(...) essas pessoas já teriam se tornado parte no processo e estariam sujeitos aos seus efeitos, e a sentença as abrangeria.
Pensamos que o estudo de um instituto jurídico não se faz apenas pela sua definição ou pela sua análise histórica, já que a sua delimitação conceitual ou ontológica pode ser feita, ainda, pelo complemento de um estudo comparativo com outros institutos jurídicos semelhantes ou do mesmo gênero.
Conforme dito, a chamamento ao processo é uma espécie do gênero intervenção de terceiro, no processo civil brasileiro. A intervenção de terceiros pode ser conceituada como oportunidade legalmente concedida à pessoa não participante de determinada relação jurídica processual para nela atuar ou ser convocado a atuar, na defesa de interesses jurídicos próprios e/ou de outrem.
O antigo Código de Processo Civil brasileiro (CPC/73) trazia as seguintes modalidades de intervenção de terceiro: assistência, oposição, nomeação à autoria, denunciação da lide, e chamamento ao processo. Com o advento do novo CPC, não se tem mais a menção à oposição e nem à nomeação à autoria, tendo sido incluídos no lugar desses o incidente de desconsideração da personalidade jurídica e o amicus curiae.
Vejamos, agora, algumas dessas espécies de intervenção de terceiro.
A assistência,
nas lições de Arruda Alvim (2000, p. 116):
(...) ocorre o ingresso de um terceiro em processo alheio – embora venha a assistência disciplinada fora do capítulo atinente à intervenção de terceiros – com a finalidade de colaborar vistas a melhorar o resultado a ser dado nesse litígio, tenho em vista a parte a que passa a assistir, seja porque tenha interesse próprio (art. 50), ou seja porque o seu próprio direito possa ser afetado (art. 54)
A assistência pode ser entendida como a modalidade de
intervenção de terceiros espontânea, porque requerida através da iniciativa do
próprio terceiro, cuja finalidade é que um terceiro estranho a relação
processual auxilie a parte em uma causa em
que tenha interesse jurídico. Portanto, esta é uma modalidade de intervenção de
terceiro que se distingue do chamamento na medida em que este não é espontâneo,
mas provocado, já que o terceiro é forçado a compor a triangulação processual
para a formação necessariamente de um litisconsórcio passivo geral.
Já a oposição autoriza
um terceiro, o qual será denominado de opoente, a ingressar, antes da prolação
de sentença, em processo alheio já em transcurso, em que exercerá seu direito
de ação simultaneamente em face do autor e do réu (agora chamados de opostos),
passando estes a figurarem no polo passivo da relação processual.
Segundo o
professor Moacyr Amaral Santos (1983, p. 42), o terceiro (opoente):
Não precisaria intervir. A sentença na causa entre as partes não o atingiria nos seus efeitos, porquanto a sentença faz coisa julgada entre as partes, não em relação a terceiros: res inter alios iudicata aliis nec prodest, nec nocet. Ao terceiro faculta-se intervir na causa entre as partes, por se considerar com direito ao objeto da lide destas. Assim, a oposição é intervenção voluntária e facultativa de terceiro na lide.
O terceiro poderá intervir por se julgar com direito, “no
todo ou em parte”, sobre “a coisa ou o direito” em que controvertem autor e
réu.
Observa-se, portanto, que na oposição o terceiro intervém de forma voluntária e o conflito de interesse não se forma apenas entre o terceiro e o autor do processo já existente, tendo em vista que o terceiro reclama a coisa ou o direito tanto do autor quanto do réu. Já na própria definição em si, é fácil notar algumas distinções entre a oposição e o chamamento ao processo.
Na realidade, entre as diversas espécies de intervenção de terceiro fixadas hoje pelo NCPC, a que mais se aproxima, conceitualmente, do instituto processual do chamamento é a denunciação da lide que já existia no CPC de 1973 e foi mantida pelo Lei nº 13.105/2015 (NCPC).
A denunciação da lide ou litisdenunciação, assim como o chamamento, é uma espécie de intervenção de terceiro forçada, pois o terceiro é coagido a integrar a triangulação processual, o qual vem a se tornar parte do processo ainda que assim não queira. Sendo o terceiro citado a respeito do primeiro litígio, ele se torna assistente da parte que lhe haja denunciado a lide e, cumulativamente, réu na segunda demanda formada a partir da denunciação (demanda secundária). Ou seja, teremos em um mesmo processo duas relações jurídicas processuais, mas apenas uma única instrução e, ao final, um único provimento sentencial que desatará todo o imbróglio.
A primeira demanda é prejudicial em relação à segunda, que somente poderá ser julgada procedente se houver necessidade de recomposição do patrimônio do denunciante, pela qual o terceiro seja responsável, conforme ensina Arruda Alvim (2000, p. 169):
Sendo feita a denunciação, teremos duas ações tramitando simultaneamente. Uma, a principal, movida pelo autor contra o réu; outra, eventual, movida pelo litisdenunciante contra o litisdenunciado. Diz-se que a segunda ação é eventual, porque somente terá resultado prático, se e quando o julgamento for desfavorável ao denunciante na primeira ação. Aí, então, é que se apreciará a sua procedência ou improcedência (art. 76) em si mesma: existe, ou não, o pretendido direito de regresso.
A diferença entre denunciação à lide e chamamento ao processo foi acertadamente colocada por José Roberto dos Santos Bedoque (2011, p. 131):
A distinção entre chamamento e denunciação é feita à luz da relação material. Enquanto na primeira hipótese de intervenção os chamados passam a ocupar a posição de réus, visto que todos integram a mesma situação da vida e o pedido, embora formulado a um deles, diz respeito a todos, na denunciação existe vínculo apenas entre denunciante, que exerce o direito de regresso, e denunciado, obrigado pela garantia.
Raciocinando desta forma, podemos dizer, então, que, no chamamento, diante da existência de um vínculo jurídico material, seria possível ao autor propor a ação não apenas em face do réu, mas também daquele que, se não for colocado no polo passivo, poderá ser chamando pelo requerido. Já na denunciação, o denunciado, exceto no caso de seguro de responsabilidade civil (considerada como estipulação em favor de terceiro – art. 787 do Código Civil vigente), não pode ser demandado pelo adversário daquele com quem mantém vinculo jurídico no plano material.
As demais modalidades de intervenção de terceiro citadas acima já trazem, no bojo de suas próprias definições, características que, de plano, apontam para claras distinções em relação ao chamamento ao processo, de modo que não nos preocuparemos em tecer, aqui, quaisquer notas distintivas, bastando apenas que os interessados façam uma breve leitura dos dispositivos do novo Código de Processo Civil.
O art. 130 do NCPC manteve basicamente as mesmas hipóteses de chamamento do código anterior. São basicamente aquelas que envolvem fiança e solidariedade passiva. Nas palavras de André Pagani (2016, pp. 334 e 335):
O art. 130 do CPC discrimina em que é cabível o chamamento ao processo. Trata-se de modalidade facultativa. O réu, nos casos ali compendiados, pode pedir a integração de outrem ao processo, no polo passivo, porque isso lhe facilitaria o exercício de eventuais direitos contra o(s) outro(s) obrigado(s). Novamente, é a relação de direito material que determina seu cabimento. Vejamos as situações previstas no mencionado artigo:
a) inciso I permite ao fiador chamar o afiançado. Fiador é aquele que se obriga a pagar a dívida de outrem, caso ele não pague (art. 818, CC). A fiança, em princípio, tem caráter subsidiário, admitindo que o fiador invoque o chamado benefício de ordem, i.e., ele pode exigir que primeiro sejam executados os bens do devedor (art. 827, CC). O benefício de ordem, porém, é renunciável e a prática negocial revela que normalmente o fiador, a pedido do credor, efetua essa renúncia, tornando-se devedor solidário (art. 828, CC). Note-se que é o fiador quem podem chamar o devedor e não o contrário. Isso porque se o fiador tiver que pagar algum valor terá direito de obter o ressarcimento do devedor principal, mas este, evidentemente, nada poderá obrar do fiador se vier a pagar a dívida.
b) O inciso II prevê o chamamento dos demais fiadores, quando o credor tiver proposto a ação apenas em face de um ou alguns deles. Havendo pluralidade de fiadores, salvo convenção em contrário, ocorre solidariedade entre eles (art. 829, CC). Assim, o credor pode resolver cobrar toda dívida de apenas um deles. Se tal vier a ocorrer, o fiador-réu pode utilizar-se desse instituto para que os demais integrem o polo passivo. Caso venha a pagar a dívida, a condenação de todos lhe facilitará o exercício do direito previsto no art. 831 do Código Civil, de exigir dos demais o pagamento da respectiva quota.
c) Finalmente o inciso III, que figura a situação em que
vários devedores solidários e a ação é proposta em face de um ou alguns deles.
A solidariedade decorre da lei o da vontade das partes (art. 265, CC) e
significa que, em relação a uma mesma obrigação, mais de uma pessoa é credora
ou obrigada pela dívida toda (art. 264, CC). No caso, trata-se de solidariedade
passiva, em que há mais de um obrigado pela dívida toda. O devedor que venha a
satisfazer a dívida por inteiro poderá exigir dos demais a quota de cada um
(art. 283, CC). Em todos esses casos nota-se que se trata de uma mesma dívida:
as pessoas envolvidas – chamador e chamado (s) – são todas coobrigadas. Todos
os que ocupam, ou passarão a ocupar, o polo passivo da demanda têm relação
obrigacional com o autor.
Ao tratar do chamamento ao processo, Humberto Theodoro Junior (2016, p.395) faz uma interessante distinção entre a situação das obrigações solidárias e dos coobrigados cambiários porque:
(...) diversamente da solidariedade civil, não há entre os diversos vinculados à mesma cambial unidade de causa nem de responsabilidade. Os diversos coobrigados, no direito cambiário, só aparentemente são solidários (no que toca a responder cada um, por inteiro, pela dívida), pois, na realidade, a obrigação de cada um deles é autônoma, independente e abstrata, contando com causa própria.
Nesse sentido já se posicionou o STJ ao julgar o REsp 2.763/RJ, segundo demonstrou Arthur Souza (2015, p.722).
Sobre o procedimento do chamamento são esclarecedoras as lições de Marcelo Abelha (2016, pp. 278 e 279):
O momento para ser ajuizada a ação condenatória de chamamento
ao processo é o da contestação (rectius, resposta),
como lembra o artigo 131 do CPC, que assim diz: “a citação daqueles que devem
figurar em litisconsórcio passivo será requerida pelo réu na contestação e deve
ser promovida no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de ficar sem efeito o chamamento”.
O legislador fixou prazo para a efetivação do chamamento ao processo justamente
para evitar que este litisconsórcio passivo imposto pelo réu ao qual se submete
o autor seja um fator de comprometimento da tutela jurisdicional. Ao que nos
parece, inclusive, que não se admite o chamamento sucessivo, ou seja, o devedor
que foi chamado para integrar a lide em sua contestação não poderá fazer um
novo chamamento e por aí em diante. No parágrafo único o legislador determinou
que “se o chamado residir em outra comarca, seção ou subseção judiciárias, ou
em lugar incerto, o prazo será de 2 (dois) meses”. Assim, feita a citação, os
réus chamados têm prazo para oferecer resposta contra o autor da demanda. Não
feita a citação, ficará sem efeito o chamamento, seguindo o processo o seu rumo
normal. Já pela regra do artigo 132 do CPC está determinado que a sentença que
julgar procedente a ação condenatória de chamamento ao processo valerá como título executivo em favor do réu chamante,
que, tendo satisfeito a dívida por inteiro, poderá exigi-la integralmente do
devedor principal ou de cada um dos codevedores a sua quota, na proporção que
lhes tocar.
Lecionando sobre o assunto, Andre Pagani (2016, pp. 335 e 336) afirma que:
O chamamento ao processo deve ser requerido na contestação
(art.131), e quem exercita o chamamento deve
providenciar a citação em 30 dias (ou dois meses, se o chamado residir fora da
comarca ou em lugar incerto – parágrafo único do art. 131). Segundo o mesmo
art. 131, os chamados assumirão a posição de litisconsortes. O novo código
também não prevê suspensão do processo para esse incidente. Finalmente, a
situação peculiar da sentença no processo em que ocorre o chamamento. Em caso
de procedência, serão condenados todos os co-obrigados,
que estarão figurando como litisconsortes passivos. Nesse ponto, nenhuma
novidade em relação ao que ocorre normalmente. Essa mesma sentença formará,
porém, título executivo em favor do que vier a satisfazer a dívida, conforme
art. 132 do CPC. As possibilidades aqui são ditadas pelo direito material, mas
é o instituto do chamamento que viabiliza a imediata exigência pela via
executiva. Vejamos. O fiador paga a
sentença já lhe habilita a exigir por inteiro, através de execução (rectius, cumprimento de sentença) do devedor
principal. Ou o codevedor paga toda a dívida e exige de cada um dos devedores
solidários a parte que lhe compete, amparado justamente naquela sentença
(título executivo judicial a seu favor).
Marcelo Abelha (2016, pp. 277 e 278), tratando das despesas processuais nos casos de chamamento ao processo, faz considerações interessantes:
Por não ser o autor o responsável pela ampliação do polo
passivo da demanda – e, tal condição sustentar ao longo do feito, nas
oportunidades que tiver de se manifestar como na réplica – não poderá sofrer os
ônus financeiros dessa ampliação imposta pelo réu, caso a demanda seja
rejeitada com ou sem julgamento de mérito contra os chamados para integrar a
lide. Assim, por ser um litisconsórcio facultativo simples imposto ao autor no
polo passivo, pode acontecer de a sentença ser de improcedência ou de
ilegitimidade em relação a algum dos corréus chamados pelo réu originário. Não
seria justo que o ônus financeiro desta derrota fosse imputado ao autor da
demanda, pois não foi este que demandou contra o réu vitorioso que foi chamado
pelo réu originário a compor a lide.
Sendo assim, não há grandes divergências doutrinárias acerca do procedimento de chamamento a partir das regras do NCPC. O momento processual adequado para sua realização é na apresentação da contestação e sua natureza também guarda um caráter de ônus processual, já que o réu, se este tiver o interesse de que uma eventual sentença condenatória possa servir de título executivo em face do coobrigado, terá de lançar mão do referido instituto.
No Direito Português atual, parece não existir figura similar ao nosso chamamento ao processo, pois ao tratar das obrigações solidárias, a doutrina portuguesa de Jorge Amaral (2016, p.124) explica:
Nas obrigações solidárias, o credor pode, em vez de propor a
ação apenas contra um, demandar conjuntamente os devedores – art.517, nº1 do
Código Civil. Existe vantagem em demandar os vários devedores quando se
pretende obter um título executivo (a sentença) contra todos eles. Não ficará
abrangido pelo efeito do caso julgado aquele que não tenha sido parte na ação,
como é obvio. Servindo-nos do exemplo referido, o credor da obrigação solidária
não poderá obter uma decisão valida relativamente a todos os devedores, se
optar por demandar apenas um dos devedores pela totalidade do crédito –
art.522, conjugado com os artigos 512, nº 1 e 518, todos do Código Civil. No
entanto, mesmo que demandado apenas um dos devedores, não deixa de estar
assegurada a legitimidade, por força do disposto no art.32, nº2.
Na mesma linha vai o Direito Espanhol, como se vê na lição de Juan Montero Aroca (2016, p. 291 e 292):
Respecto,
pues, de la chamada hecha por el demandado, que es la que realmente importa, e
artículo 14.2 parece entender que se trata de que tiene que existir uma norma material(“la ley permita
al demandado llamar a um terceiro”)
que autorice esa llamada, mientras que en la LEC, en este artículo 14.2, se
regula solo el como de la llamada. Dicho de otra
manera, si no existe prevision material concreta que
permita la intervencion no e
posible acceder a la peticion, lo que deja de fuera
de la institucion a supuestos taes
como el del articulo 1145CC para las obligaciones solidarias, el de la llamada
del deudor principal por el fiador de los artículos 1830 y 1843 CC(...).
Luiz Rodrigues Wambier (2016, p. 369) deixa bem claro que:
Nos casos em que há solidariedade passiva, o credor pode demandar todos ou apenas um ou alguns dos devedores solidários (art.275 do CC). De mesmo modo, quando há fiança, o credor é livre para promover a ação contra o fiador ou o devedor principal (afiançado) ou ainda contra ambos. Ou seja, nesses casos, o litisconsórcio passivo é facultativo. Pelo chamamento ao processo, o devedor solidário que foi demandado pode trazer para o processo, como litisconsortes, os demais devedores. O mesmo pode ser feito pelo fiador, relativamente ao afiançado, quando apenas aquele primeiro figurou como réu na ação.
José Miguel Medina (2015, p. 240), escrevendo sobre o chamamento ao processo, coloca com percuciência: trata-se de exceção à regra segundo a qual ninguém pode ser obrigado a litigar contra quem não deseje, já que, no caso, o litisconsórcio passivo facultativo forma-se por vontade do réu.
Marcelo Abelha (2016, p. 278) ainda complementa que:
O chamamento ao processo é espécie de intervenção de
terceiros provocada por inserção do
terceiro na relação jurídica processual
já existente, implica limitar o regime de
solidariedade previsto nos artigos 264 e 275 do CC, que assegura ser possível a
cobrança da totalidade da dívida contra apenas um dos codevedores. Se o autor
desejasse litigar contra todos os codevedores, teria, de plano, proposto ação
contra todos eles. Haveria, assim, uma ação condenatória, em que o polo passivo
seria preenchido pelos réus, que formariam um litisconsórcio facultativo
simples, por opção do autor. O litisconsórcio seria simples e não unitário,
pelo fato de que poderia haver decisões distintas contra cada um dos
coobrigados, e seria simples, porque existem tantas lides quantos forem os réus
coobrigados, situação, pois, diametralmente oposta quando existe pluralidade
subjetiva, mas apenas uma lide em jogo (como no caso de reivindicatória de
copropriedade, com relação aos coproprietários). Mas como se disse, o instituto
do chamamento ao processo existe a priori
para favorecimento do réu, e, mostra-se como técnica processual legítima, porém
limitadora do art. 113, I, do CPC. O acúmulo subjetivo e objetivo superveniente
imposto pelo réu tem por finalidade permitir que ao final todos os supostos
devedores solidários sejam condenados na mesma sentença, valendo a decisão como
título executivo contra todos.
Acreditamos, na realidade, que o chamamento não é propriamente uma exceção aos artigos 264 e 275 do nosso Código Civil. Acaso o chamamento obrigasse o autor a demandar contra todos os coobrigados nas hipóteses por ele elencados, ou acaso obrigasse o réu a requer a intervenção de todos os coobrigados, poderíamos falar propriamente em exceção. Ora, nem mesmo o réu está obrigado a chamar o terceiro para compor a triangulação processual (ônus). Aceitamos, no máximo, que o chamamento pode ser uma regra que vulnera, parcialmente, as regras de solidariedade dos artigos 264 e 275, somente na medida em que obrigará, na hipótese de aceitação do chamamento, o autor a litigar contra quem, inicialmente, não tinha vontade, embora o terceiro também fosse coobrigado.
No estudo do chamamento nas ações judiciais envolvendo relação de consumo, o CPC deve ser analisado e interpretado de forma sistemática com o CDC, sem perder de vista, ainda, os Princípios norteadores da Política Nacional de Relações de Consumo.
Com efeito, o CDC fornece um esquema próprio de regulação da intervenção de terceiros nas demandas judiciais envolvendo relações de consumo, notadamente no que diz respeito ao chamamento e à denunciação à lide.
Nas palavras de Fernando Gajardoni (2015, pp. 336 e 337):
Por primeiro, devemos observar o Código de Defesa do Consumidor, no seu art. 101, II. Nele está previsto que no caso de ação de responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços, se ele estiver garantido por contrato de seguro de responsabilidade, poderá pedir a intervenção da seguradora no processo. Só que, ao contrário do que seria o comum em situações como essa, de seguro, o fornecedor-réu não irá denunciar a lide à seguradora, para exercício de direito de regresso (art. 125, II, CPC), mas sim chamá-la ao processo, com todas as consequências da aplicação desse instituto. A intenção do legislador é clara. Aumenta-se o número de responsáveis diretos, facilitando o recebimento da indenização por parte do consumidor. Houve, assim, por força de tal dispositivo, uma ampliação das hipóteses de chamamento ao processo, conforme explica Kazuo Watanabe. Na vigência do CPC de 1973 isso representava uma diferença bastante relevante, mas à luz do disposto no art. 128, parágrafo único, do NCPC, já abordado anteriormente, conduz, a nosso ver, ao mesmo resultado prático.
Portanto, uma situação processual que tipicamente poderia – deveria, na verdade - ser caracterizada como denunciação à lide pelo CPC, passa a ser mais uma modalidade de chamamento ao processo, modalidade essa criada pelo CDC com o escopo maior de proteção do consumidor pela garantia de um maior número de responsáveis diretos pelas perdas e danos eventualmente vindicadas em Juízo.
Sobre o tema, Fredie Didier (2016, pp. 518 e 519) assim leciona:
Em primeiro lugar, cumpre observar se a situação prevista no
art. 88 do CDC enseja realmente denunciação da lide. É que, por força do
parágrafo único do art. 7° do CDC, há responsabilidade solidaria de todos
aqueles que tenham participação da cadeia produtiva (produto importador,
distribuidor etc.). Ora, como hipótese de responsabilidade solidaria, a
modalidade interventiva cabível é o chamamento ao processo (art. 130 do CPC), e
não a denunciação da lide. De fato, o caso seria de chamamento ao processo. Na
verdade, não obstante a letra da lei, a proibição, não diz respeito a
denunciação da lide, mas, sim, ao chamamento ao processo. A razão da proibição,
aliás, é muito simples. O chamamento ao processo é modalidade interventiva, que
beneficia, unicamente, o devedor solidário demandado, em detrimento do
credor-autor, que terá de demandar contra quem, a princípio, embora pudesse
fazê-lo, não quis promover a demanda. Além disso, a cadeia produtiva por vezes
é muito comprida; admitir-se o chamamento ao processo, nesses casos, poderia
implicar a possibilidade, ao menos teórica, de formação de um litisconsórcio
facultativo passivo muito grande, também aqui em detrimento, obviamente, do
consumidor-autor. O legislador antecipou-se ao aplicador da norma: procedeu à
adequação subjetiva do regramento processual das causas de consumo, impedindo a
utilização desta modalidade de intervenção de terceiro. Outra dúvida, é quando
à extensão da proibição: o art 88 do CDC somente faz referência às demandas que
versam sobre responsabilidade por fato do produto; não menciona aquelas
relacionadas à responsabilidade por fato do serviço (art. 14 do CDC), por vício
do produto ou do serviço (arts. 18 e segs. Do CDC). Fica a dúvida, então:
proíbe-se de forma generalizada a “denunciação da lide” [sic] ou a vedação se
dá apenas nas restritas situações previstas no dispositivo do art. 88? Já se
observou que a redação do art. 88 do CDC não é muito feliz, ao referir-se à
denunciação da lide quando era caso de chamamento ao processo. A remissão
apenas aos casos de responsabilidade por fato do produto, e não aos demais,
contudo, não se justifica. É que também nas outras hipóteses de responsabilidade
podem existir vários responsáveis – fornecedores que compõem a cadeia de
consumo -, cuja permissão de ingresso em juízo, contra a vontade do
consumidor-autor (que não os escolheu como réus, embora pudesse fazê-lo,
repita-se em razão da solidariedade), poderia ser-lhe bastante prejudicial. A
analogia, aqui, se impõe. Ainda sobre o chamamento ao processo nas causas de
consumo, cabem algumas palavras sobre o art. 101, II, CDC.
Nas palavras de Humberto Theodoro Junior (2016, p.398):
O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990, art. 88)
veda a denunciação da lide nas demandas derivadas das relações por ele
disciplinadas para simplificar o atendimento das pretensões do consumidor. No
entanto, o seu art. 101, II, autoriza, expressamente, o chamamento ao processo
da seguradora, quando o fornecedor tiver contrato que acoberte o dano discutido
da demanda. Esse tipo de responsabilidade de terceiro seria típico de
denunciação da lide e não de chamamento ao processo, já que esta última
modalidade de intervenção de terceiro pressupõe solidariedade passiva entre os
responsáveis pela reparação, o que não haveria entre segurador e segurado, em
face do autor da ação de indenização. A Lei 8.078/1990, no entanto desviou o
chamamento ao processo de sua natural destinação, como o fito evidente de
ampliar a área de garantia para o consumidor. Isso porque, nos primórdios da
aplicação do Código anterior, se entendia que a seguradora, permanecendo no
regime de denunciação da lide, não se sujeitaria à execução direta da sentença
pelo consumidor. Apenas o fornecedor, depois de cumprida a condenação, teria
direito de regresso para voltar-se contra a seguradora. A lei especial,
autorizando o chamamento da seguradora, transformou-a em litisconsorte do
fornecedor, de maneira que, havendo condenação, o consumidor teria como
executar a sentença tanto contra este como contra aquela. Com essa inovação,
evidentemente, ampliou-se a garantia de efetividade do processo em benefício do
consumidor. Essa diferença entre os efeitos da denunciação da lide e do
chamamento ao processo tornou-se de menor relevância no regime do Código novo.
Tanto numa como noutra intervenção de terceiro, passou-se a admitir ao credor a
execução direta da condenação seja contra a parte primitiva, seja contra o
interveniente (arts. 128, parágrafo único, e 132). Tanto faz, portanto, que se
use a denunciação da lide como o chamamento ao processo nas ações que envolvam
em regresso responsabilidade da seguradora, o resultado será o mesmo.
Relativamente à discussão acerca da aplicação ou não do art. 88 do CDC nas relações que envolvam fato do serviço, tal debate somente se sustenta, ainda, no campo estritamente doutrinário, porque Jurisprudencialmente o STJ já definiu que o referido artigo se estende para todas as hipóteses de responsabilidade civil por acidentes de consumo, a exemplo do que foi decidido no EDcl no Ag 1249523 RJ 2009/0221203-8.
Questionamo-nos se o Legislador, ao tentar proteger o consumidor, com a vedação à denunciação à lide e a previsão de uma única possibilidade de chamamento a partir do art. 101, II do CDC, teria sido rigoroso demais, teria exagerado a ponto de, em certos casos concretos, manietar a efetivação da reparação dos acidentes de consumo em ações judiciais. Ora, se, por um lado, pretende-se resguardar a efetividade e celeridade da demanda judicial sem ampliações do polo passivo que possam embaraçar a prestação jurisdicional; por outro lado, imagine-se o quanto seria interessante para o consumidor que demanda apenas o comerciante (que possui, a priori, responsabilidade solidária) por ignorar o fabricante, passar a conhecer o responsável principal e ampliar a capacidade de solvência do polo passivo para fins de execução do seu eventual título.
Há, ainda, em nosso ordenamento jurídico, uma hipótese diferenciada de chamamento - que não se confunde com as hipóteses do art.130 do NCPC – prevista no art.1698 do CC, dispondo que, se o parente, o qual deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.
Para Luiz Marinoni (2016, pp. 266 e 267):
Neste caso, a possibilidade de o demandante chamar ao processo os demais coobrigados por alimentos devem ser oportunizada logo após restar evidenciada a impossibilidade de o parente acionado suportar totalmente o encargo. Exigir nova ação e novo processo para este novo direcionamento da causa é contrário à economia processual e ao caráter instrumental do processo com relação à tutela do direito material. Contestado o pedido, dá-se a preclusão da faculdade de chamar ao processo.
É de se destacar, sobre esse assunto, a observação de Felipe Augusto de Toledo Moreira (2016, p.130), quando este relata que:
No projeto da câmara dos deputados, houve a proposta de que
se incluísse um inc. IV nesse dispositivo com uma hipótese genérica, a
abranger, por exemplo, a hipótese de chamamento ao processo do parente de grau
imediato nas ações de alimentos, quando o demandado (alimentante) não tiver
condições de arcar com a totalidade da prestação de alimentos (art.1698, 1ª
parte, do CC/2002).
Sobre o tema, são certeiras as palavras de Carlos Augusto de Assis e André Pagani de Souza (2016, pp. 337 e 338):
Outra situação não prevista no CPC, mas já bem mais polêmica, refere-se ao disposto no art. 1.698 do Código Civil. Nele se prevê que o parente que deve alimentos em primeiro lugar não tiver condições de suportar o encargo na sua totalidade, serão chamados os de grau de imediato, para que cada um colabore na proporção de seus recursos. Se a ação tiver sido proposta em face de apenas uma delas, “poderão as demais ser chamadas a integrar a lide”. O legislador não é muito explícito em relação ao mecanismo a ser utilizado para se efetivar tal integração. Da mesma forma, não esclarece quem teria legitimidade para pleitear essa integração. Cabe, pois, examinar, dentre as modalidades de intervenção de terceiros existentes, qual delas poderia instrumentalizar a figura prevista no Código Civil. Dentre as figuras existentes, as únicas que talvez pudessem servir a tal papel seriam a denunciação da lide e o chamamento ao processo. Parece-nos que devemos excluir de plano a denunciação da lide, pois não há no caso qualquer direito de regresso. Já o chamamento ao processo tem mais pertinência, pois a pessoa a ser chamada a integrar o processo possui vínculo com o autor, tanto que poderia já ter figurado no polo passivo desde logo. Fredie Didier Jr., porém, defende tratar-se de modalidade nova de intervenção. Nesse sentido, aponta uma série de pontos em que a figura do Código Civil não encaixaria com precisão no chamamento ao processo, tal qual expresso no Código de Processo Civil. Entre eles destaca-se: a situação prevista no art. 1.698 visa a beneficiar o credor, ao contrário do que ocorre no chamamento, que é instituto que favorece o réu; a obrigação alimentar de cada um deles é autônoma, de modo que cada devedor de alimentos paga a parte que lhe cabe, sendo que no chamamento regulado no Código de Processo Civil, o réu, ao pedir a integração do outro coobrigado vislumbra hipótese de vir a obter ressarcimento do devedor principal ou pelo menos da quota-parte do devedor solidário. Entende, portanto, que seria uma forma de intervenção litisconsorcial ulterior, por pedido do autor. As observações do processualista são, sem dúvida alguma, pertinentes. Porém, mesmo reconhecendo as diferenças entre a figura do Código Civil e a modalidade, vamos dizer, “tradicional” do chamamento ao processo, Cassio Scarpinella Bueno entende ser essa a figura processual mais adequada para resolver a situação de direito material. Para ele, uma intervenção litisconsorcial ulterior deveria respeitar os limites derivados das regras de estabilização da demanda, impedindo a sua ocorrência após à citação, o que se traduziria em menor efetividade para o exercício dos direitos do autor alimentando. A questão é delicada e cremos que mereceria tratamento legislativo mais detalhado. Na falta desse detalhamento, porém, estamos mais inclinados a admitir o uso, ainda que anômalo, do chamamento ao processo. O ideal seria, realmente, uma nova lei processual para tratar adequadamente do tema. O NCPC perdeu uma boa oportunidade para tratar da matéria. Registre-se, finalmente, que o STJ já se manifestou pela utilização do chamamento ao processo em hipóteses como essa.
Conforme visto acima, embora existam doutrinadores de renome os quais defendam que a previsão do art. 1.698 do CC/2002 inaugura uma nova modalidade de intervenção de terceiro, como por exemplo, Fredie Didier, mas preferimos ficar com o posicionamento de que a chamamento é o tipo processual mais adequado para resolver, na prática, o procedimento de integração do polo passivo previsto naquele artigo do Código Civil.
Pelo exposto, podemos chegar às seguintes conclusões sobre o chamamento ao processo:
1) Foi inserido no Direito brasileiro pelo CPC de 1973, mantendo-se com a mesma estrutura no NCPC;
2) O art. 130 do NCPC manteve basicamente as mesmas hipóteses de chamamento do código anterior. São basicamente aquelas que envolvem fiança e solidariedade passiva;
3) O chamamento, embora seja um instituto criado para beneficiar o réu, é reflexo do princípio da economia processual, objetivando a resolução, numa mesma ação de lides diversas;
4) É uma modalidade de intervenção de terceiro provocada, facultativa e requerida pelo réu em contestação;
5) Não é modalidade de intervenção de terceiros exclusiva do ordenamento jurídico brasileiro, podendo ser encontrada em países como Espanha, Itália e Portugal;
6) A possibilidade de chamar ao processo um devedor solidário, limita o regramento da solidariedade previsto no CC;
7) O CDC prevê uma hipótese diferenciada de chamamento para as ações que envolvem relações de consumo;
8) O CC no art.1698 descreve uma espécie anômala de “chamamento” que não se confunde o chamamento ao processo previsto no NCPC.
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