PARECER Nº 024/2018-PROURMA-PGM

PROCESSO:               P616670/2017 Anexo 13698/2012

INTERESSADA:       Analiana Alencar Arrais de Souza

ASSUNTO:                 Demolição de Obra Irregular

EMENTA: Obra irregular. Demolição pelo Poder Público. Possibilidade de reavaliação frente apresentação de adequação válida do projeto inicial. Atos administrativos. Interpretação condizente com os princípios constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade e eficiência. Possibilidade jurídica do pedido.

A Procuradoria do Município de Fortaleza, instada a se manifestar nos autos do processo em prelúdio, com supedâneo no art. 3º, VII, da Lei Complementar Municipal nº 006, de 29 de maio de 1992, profere seu juízo de valor.

Sinopse dos fatos

Cuida-se de processo administrativo encaminhado pela SEUMA, em que solicita as providências cabíveis aplicadas ao caso de construção efetivada em descumprimento do projeto inicial aprovado. A resposta inicial em casos parelhos seria a interposição de Ação de Interdição ou Ação Demolitória.

É dizer. Segundo nos dá conta os autos, a interessada construiu em seu imóvel, desobedecendo o Alvará de Construção autorizado.

A pedra de toque reside na impossibilidade da construção das vagas de garagem previstas inicialmente, que, segundo a interessada, através de um estudo do solo, este não seria compatível com a edificação das garagens no sub solo.

Em razão disso, a interessada atravessou documentos que comprovam a compra de um terreno lindeiro, e neste construirá as garagens previstas inicialmente, a seu ver, cumprindo o projeto inicial, apenas com uma adequação construtiva.

Ao que parece, existe juridicidade ao pleito da interessada, sendo medida extrema e desproporcional a interposição de Ação Demolitória no presente caso.

Diante disso, passemos a analisar as implicações jurídicas desses fatos.

Do Direito

A questão trazida a cognição resume-se, em traços gerais, a determinar que medidas pode e deve adotar a Administração, em face da possibilidade do particular em reavaliar um projeto de obra, detectado momentaneamente irregular. Tal indagação, encontra fácil solução nos princípios reitores da atividade administrativa, especificamente, naquele que confere aos órgãos públicos o que conceitualmente se conhece como princípio da razoabilidade concreta.

Pois Bem. Nos casos em que se exige uma tomada de decisão administrativa e que haja a contraposição de interesses, a escolha deve ser baseada não só nos dispositivos legais devidamente positivados, mas nos princípios atinentes à eficiência, à economicidade, à razoabilidade, à proporcionalidade, à finalidade e ao interesse público.

Considerando que a Administração só pode fazer aquilo que está previsto em lei, a solução tem se tornado cada vez mais delicada e distante de uma unanimidade doutrinária e jurisprudencial. No entanto, ao ponderar o princípio da legalidade em face aos demais princípios norteadores da atividade administrativa previstos constitucionalmente e legalmente, o Administrador Público pode inferir soluções razoáveis e proporcionais para a finalidade a qual a sociedade legitimou a sua atuação estatal.

Como consequência de tal discussão é que tem ocorrido a ascendência da teoria da proporcionalidade ou da razoabilidade, objetivando evitar a aplicação muito rígida do princípio da legalidade previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal, quando a necessidade se justificar pela proteção de valor maior, também garantido constitucionalmente, no caso a eficiência e o bom uso dos recursos públicos.

Ressalte-se que tudo o que foi dito até aqui não tem o escopo de admitir a mitigação do princípio da legalidade, mas a sua convivência harmônica em face da possibilidade de atendimento ou tutela de um bem maior, qual seja o interesse público.

Não resta dúvida sobre a extrema complexidade do tema. Assim, somente no plano constitucional é que pode auferir uma solução momentânea, isso porque a matéria requer o aval do legislador originário, que talvez possa ser alcançado com a aprovação do Projeto de Lei nº 32/07, em tramitação no Congresso Nacional.

O que se busca é decidir a questão através da ponderação entre os princípios de maior expressão constitucional para o tema: o princípio da legalidade, do resguardo ao interesse público, da eficiência administrativa e da economicidade. Para tanto, o meio mais apropriado para a solução da colisão dos referidos princípios, é o princípio da proporcionalidade, por ser este considerado o axioma do Direito Constitucional.

A lei, per se, não pode ser objeto de restrição ou compressão total dos demais princípios, mormente os constitucionais. As restrições que lhes sejam produzidas devem ser proporcionais e só se justificam pelo resguardo ao interesse público e ao atendimento do critério da razoabilidade. O princípio da proporcionalidade busca legitimar os objetivos ou fins perseguidos pelo legislador para o atendimento do espírito público que sustenta o ordenamento jurídico, no caso, o ordenamento jurídico administrativo.

Desse modo, para que o Administrador possa harmonizar os princípios em choque haverá a necessidade de buscar a aplicação do princípio da proporcionalidade voltado para a finalidade da legislação de regência da matéria. A decisão adotada pelo Administrador deverá perpassar a análise do arcabouço jurídico e principiológico, oportunizando o alcance da finalidade perseguida pelo interesse público.

A medida adotada quando da colisão dos princípios deverá ser a mais apropriada para atingir o fim perseguido pela sociedade, tanto no que diz respeito à consagração de um princípio quanto à restrição de outro. Deve-se ter a certeza de que o ato, além de legal, passou pelo crivo da ponderação dos princípios constitucionais/administrativos. Essa conduta traz confiança aos administrados da boa e regular conduta do gestor na aplicação dos recursos públicos.

É extremamente importante registrar que não se trata de afastar o poder normativo ou desviar-se desse no sentido de justificar um procedimento pela observância de um ou outro princípio de forma isolada. A observância do princípio da legalidade é necessária, uma vez que foi constituído visceralmente a partir dos ditames e princípios constitucionais para dar transparência, credibilidade e confiança aos Administrados. Todavia, a harmonização com os demais princípios que norteiam a atividade administrativa é imprescindível, uma vez que só por meio dela se estará garantindo a estabilização dos procedimentos conduzidos pelos dos administradores públicos.

Para que o ato administrativo se aperfeiçoe e tenha a chancela social de cumprimento dos ditames públicos a que o Administrador está vinculado, há necessariamente a necessidade de comprovação do cumprimento da lei, entretanto, não basta ao Administrador agir somente dentro da legalidade. Sua conduta deve ser compatível com a finalidade e o interesse público, indissociavelmente.

Dessa forma, há que se considerar que o princípio da legalidade não pode estar dissociado dos demais princípios, de onde se conclui que um princípio não subsiste sem os outros.

Em resumo, deve-se analisar cada princípio em questão, de forma globalizada, ou seja, associar a cada um deles todos os demais princípios constitucionais, utilizando a proporcionalidade e a razoabilidade, com o intuito de dimensioná-los como valor a ser atribuído à situação concreta. Nesse sentido sobressai-se na Constituição os direitos que envolvem a preservação do interesse público, posto que é notório o seu empenho para garantir a melhor atuação estatal para a sociedade.

Ocorre que, conforme se verifica do caderno administrativo, apenas a localização das vagas de garagens serão alteradas, o que não implica no indeferimento de plano do pedido de regularização.

Vale ressaltar que, diante do pedido de regularização, 03 resultados principais podem ocorrer: o deferimento, mediante o pagamento de compensatórias; manifestação favorável condicionada a adaptações da edificação, e, por fim, o indeferimento, quando as irregularidades forem de tal relevância que torne inviável medidas de correção, sendo a única alternativa a propositura de ação demolitória.

Tomando de empréstimo o entendimento da Dra, Fernanda Diógenes, afirma-se que: “De modo que se faz necessária uma análise mais acurada, caso a caso, pela Célula de Licenciamento para Construção-CECON/SEUMA, buscando o sentido e alcance da norma, haja vista sua finalidade maior, que é a legalização das edificações.

Segundo o doutrinador André F. Montoro, a norma jurídica é produto social e cultural, sendo assim, é imprescindível que, ao interpretar se busque o real significado, sentido ou finalidade da norma para a vida real, competindo ao intérprete buscar, dentro dos pensamentos possíveis, o mais apropriado, correto e jurídico, ou seja, cabe ao intérprete fixar o sentido da norma. (MONTORO, in Introdução à ciência do Direito, 25ª ed. ,São Paulo/SP: Revista dos Tribunais, 2000, p.370).

Para o exercício de interpretação das normas, aplicam-se os métodos gramatical, lógico, sistemático, histórico/sociológico e teológico/axiológico, dependendo da questão interpretativa a ser enfrentada, se léxica (busca a coerência entre o sentido da lei e o significado das palavras), sintática (visa descobrir o sentido da lei, mediante a aplicação dos princípios científicos da lógica), questões sistemáticas (onde a norma é vista como parte de um todo), semântica (busca-se o significado das palavras e das sentenças) e pragmática (quando se atribui um propósito à norma).

A questão interpretativa que se nos coloca no momento é pragmática. Diz respeito à busca do propósito da norma, que, no caso, é bem clara, como já referido neste Parecer, que é a regularização das edificações¨.

É lógico que não se deve buscar essa regularização de modo tempestuoso e sem obediência aos critérios e parâmetros mínimos exigidos na mesma Lei. No entanto, como já disse, deve-se analisar caso a caso, buscando-se os fins sociais a que a Lei se destina.

Conclusão

Do exposto, entendo pela continuidade de análise do pleito de regularização da edificação ,considerando a localização das garagens no terreno apresentado pela interessada, e se outro motivo não houver, seja deferido o pleito.

Repita-se, concluída a análise técnica, caso não exista nenhum outro óbice impeditivo a regularização, manifestamo-nos pela POSSIBILIDADE DA MESMA, CONDICIONADA A CONSTUÇÃO DAS GARANGENS ,MESMO EM POUTRO LOCAL,SEGUINDO NOS TERMOS DO PROJETO INICIAL, suprindo a restrição imposta, tornando o imóvel passível de regularização.

Caso o interessado se proponha a realizar a obra, a SEUMA deve novamente vistoriar o local, ao final da obra, a fim de atestar o cumprimento exigido.

Caso o presente parecer seja aprovado pelas instâncias superiores, o processo deve ser remetido a SEUMA, para continuação da análise do pedido de regularização e a orientação aqui inserta deve pautar a análise da equipe técnica, em especial, da Célula de Licenciamento para Construção-CECON/SEUMA.

Salvo melhor juízo, é o Parecer que ora submeto à douta apreciação superior.

Fortaleza, 15 de fevereiro de 2018.

Antônio Osmídio T.Alencar

Procurador

OAB/CE 7.386

Mat. 16.400-1