EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA VICE-PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ

Processo originário nº: 0148161-48.2016.8.06.0001

(Agravo de Instrumento nº 0010195-41.2018.8.06.9000)

Requerente: Município de Fortaleza

Interessado: Érico Rocha Barbosa Costa e outro

O MUNICÍPIO DE FORTALEZA, pessoa jurídica de direito público interno, por intermédio dos procuradores signatários, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fundamento nos arts. 976 e ss. do CPC/15 e art. 149 e ss. do Regimento Interno/TJCE, propor

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

pelas razões a seguir expostas.

1. Sinopse fática

No processo nº 0148161-48.2016.8.06.0001 que tramita perante a 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza-CE (doc. 1), durante a fase de cumprimento de sentença que reconhece a obrigação do Município de Fortaleza de pagar quantia certa, o exequente requereu, de forma incidental, a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 10.562/17.

A supracitada lei, regulamentando o disposto no art. 100, §§3º e 4º, da CF/88, define, no âmbito do Município de Fortaleza, como obrigações de pequeno valor (RPV), os créditos oriundos de decisão judicial transitada em julgado, cujo montante total atualizado não exceda o valor do maior benefício do Regime Geral de Previdência Social – RGPS (doc. 2).

O magistrado de primeiro grau, Dr. Paulo de Tarso Pires Nogueira, proferiu decisão interlocutória (fls. 308/3012 – processo originário) para declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 10.562/17 e determinar o pagamento imediato do crédito exequendo mediante Requisição de Pequeno Valor, considerando vigente o teto de 30 (trinta) salários mínimos, previsto no art. 97, §12, II, do ADCT.

O principal fundamento utilizado pelo magistrado é que o Município de Fortaleza teria violado os princípios da proporcionalidade e razoabilidade no exercício do poder de legislar, pois o valor fixado como teto para pagamento de RPVs estaria aquém da real capacidade econômica do ente público, inobservando o critério definido no art. 100, §4º, da CF/88[1].

Contra essa decisão, o Município de Fortaleza interpôs agravo de instrumento perante a Turma Recursal (AI nº 0010195-41.2018.8.06.9000), que não foi conhecido por decisão monocrática. Em face de tal decisão, foi interposto agravo interno que se encontra pendente de julgamento.

Os juízes da 1ª Vara da Fazenda Pública (Dr. Hortênsio Augusto Pires Nogueira) e da 2ª Vara da Fazenda Pública (Dr. Francisco Chagas Barreto Alves) também têm prolatado decisões no mesmo sentido, declarando a inconstitucionalidade da referida lei municipal (doc. 3).

Essa controvérsia tem se proliferado em diversas ações que tramitam no Juizado Especial da Fazenda Pública, bem como em alguns processos das varas comuns da Fazenda Pública.

Inconformado, o Município de Fortaleza, na tentativa de reformar as decisões oriundas do Juizado Especial Fazendário, utilizou-se de diferentes instrumentos processuais nas ações individuais, mas que não foram conhecidos:

·   Agravo de instrumento perante a Terceira Turma Recursal (proc. nº 0010195-41.2018.8.06.9000 – relacionado a este IRDR) não conhecido por decisão monocrática. Interposto Agravo Interno, ainda não apreciado. Outros AIs também foram interpostos: nºs 0010218-84.2018.8.06.9000, 0010221-39.2018.8.06.9000, 0010187-64.2018.8.06.9000, 0010112-25.2018.8.06.9000, 0010116-62.2018.8.06.9000, 0010117-47.2018.8.06.9000, 010124-39.2018.8.06.9000.

·   Mandado de Segurança impetrado na Terceira Turma Recursal (proc. nº 0010148-67.2018.8.06.9000 – doc. 4) não conhecido por decisão monocrática. Interposto Agravo Interno, ainda não apreciado.

·   Pedido de Suspensão direcionado ao Presidente do E. TJ-CE (proc. nº 0625346-32.2018.8.06.0000 – doc. 5) não conhecido por decisão monocrática. Após interposição do Agravo Interno, o Órgão Especial negou-lhe provimento em acórdão datado de 24/01/2019.

A barreira processual que impede o conhecimento da controvérsia por instância superior aos juízes de primeiro grau do Juizado Especial acaba tornando praticamente irreversível o prejuízo aos cofres públicos. Em diversos casos[2], as RPVs já foram pagas pelo Município (doc. 6), em valores que exorbitam o teto fixado pela Lei Municipal nº 10.562/17, prejudicando a programação orçamentária do ente público.

Registre-se que os Juízos das Varas Comuns da Fazenda Pública[3], nas condenações impostas ao Município de Fortaleza, têm determinado a expedição de precatório quando a obrigação de pagar supera o valor do teto do RGPS, presumindo a constitucionalidade da Lei Municipal nº 10.562/17 (doc. 7). Nas ações que tramitam na justiça ordinária em que foi arguida a inconstitucionalidade da citada lei municipal (ex. proc. nºs 0011085-60.2008.8.06.0001 – 14ª Vara da Fazenda Pública; 0072855-54.2008.8.06.0001 – 8ª Vara da Fazenda Pública), ainda não houve decisão.

Portanto, no intuito de combater o evidente risco à isonomia e à segurança jurídica nos diferentes processos que versam sobre a mesma matéria jurídica, o Município de Fortaleza vem propor o presente Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.

2. Do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas

O legislador processual, diante do incremento da litigância de massa, tem se preocupado em criar procedimentos para resolver litígios idênticos, conferindo maior eficiência ao sistema judicial. Nessa toada, o Novo Código de Processo Civil instituiu um microssistema de resolução de demandas repetitivas, dentro do qual está inserido o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e os recursos especiais e extraordinários repetitivos, consoante o disposto no art. 928 do CPC/15[4].

O IRDR está previsto no art. 976 e seguintes do CPC/15, trazendo o art. 976 os requisitos para a sua admissibilidade:

Art. 976.  É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:

I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;

II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

A partir da leitura do Novo CPC, depreende-se que o objetivo do instituto é conferir tratamento isonômico à resolução de diferentes processos que versam sobre a mesma questão jurídica. Assim, evita-se a formação de decisões contraditórias e da chamada “jurisprudência lotérica”, em que a parte é lançada à sorte do ato de distribuição da sua demanda.

A doutrina de Antônio do Passo Cabral[5] leciona que:

 “Por um lado, na esteira de um ordenamento processual que preza a igualdade e coerência, emprestar a casos similares decisões idênticas é fator que confere isonomia de tratamento aos jurisdicionados pelo Estado, ao mesmo tempo em que assegura consistência sistêmica, evitando contradições internas (FUX, 2011, p. 22-23). De outra senda, são mecanismos que falam em nome da eficiência. Com efeito, não apenas porque permitem julgamentos em bloco, mas também por decidirem um mesmo aspecto da controvérsia, os procedimentos de julgamentos de casos repetitivos, ainda que não solucionem o litígio integralmente, reduzem os custos e o tempo necessário para o julgamento de cada caso (onde as partes e o juiz não precisarão perder energia com aquele estrato da discussão) e, numa visão global, diminuem a dispersão de atividade jurisdicional inútil ou repetida.” (Grifos nossos)

A tese firmada no IRDR se apresenta como precedente vinculante, devendo ser observada em todos os processos que tramitam na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive no âmbito dos juizados especiais, bem como nos casos futuros (art. 985 c/c art. 927, III, CPC/15). Caso não observada a tese jurídica adotada, caberá reclamação ao tribunal (art. 985, §1º, CPC/15).

3. Da legitimidade

O art. 977 do CPC/15 estabelece o rol de legitimados para instaurar o IRDR:

Art. 977. O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal:

I - pelo juiz ou relator, por ofício;

II - pelas partes, por petição;

III - pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição.

Parágrafo único.  O ofício ou a petição será instruído com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente.

O Município de Fortaleza possui legitimidade para propor o IRDR, uma vez que figura como parte ré no processo nº 0148161-48.2016.8.06.0001 em curso na 6ª Vara da Fazenda Pública, cujo cumprimento de sentença trata acerca da controvérsia da (in)constitucionalidade da Lei Municipal nº 10.562/17.

4. Dos requisitos de admissibilidade

O art. 976, caput, I e II e § 4º, do CPC/15 estabelece os requisitos cumulativos para admissibilidade do IRDR: repetição de processos que contenham idêntica controvérsia, sobre questão unicamente de direito, com risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, sem que exista recurso repetitivo afetado no âmbito dos tribunais superiores para definição de tese sobre a matéria jurídica.

4.1. Efetiva repetição de processos

A controvérsia sobre a (in)constitucionalidade da Lei Municipal nº 10.562/17, está sendo discutida em diversos processos que tramitam tanto nos Juizados Especiais como também nas varas comuns da Fazenda Pública, conforme documentação anexa.

A planilha colacionada a seguir está dividida em duas listas: na primeira, constam os processos em que foi declarada a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 10.562/17; e na segunda, constam os processos em que o Município de Fortaleza foi intimado a se manifestar sobre a questão, que fora arguida pela parte autora ou suscitada de ofício pelo magistrado, mas ainda sem decisão.

 

Processos sobre a (in)constitucionalidade da Lei Municipal nº 10.562/17

Com decisão pela inconstitucionalidade

Parte ré

Juízo prolator da decisão

1

0180644-68.2015.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

2

0885173.26.2014.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

3

0157456-12.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

4

0130631-31.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

2ª Vara da Fazenda Pública

5

0176724-18.2017.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

6

0170670-36.2017.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazen da Pública

7

0167621-84.2017.8.06.0001/01

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

8

0133194-95.2016.8.06.0001/01

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

9

0132296-82.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

10

0104056-49.2017.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

11

0145116-36.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

12

0100745-84.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

13

0189827-29.2016.8.06.0001

Instituto de Previdência do Município (IPM)

1ª Vara da Fazenda Pública

14

0189382-11.2016.8.06.0001

IPM

1ª Vara da Fazenda Pública

15

0131948-64.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

16

0148161-48.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

17

0152554-16.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

18

0171614-38.2017.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

19

0189834-21.2016.8.06.0001

IPM

1ª Vara da Fazenda Pública

20

0115794-34.2017.8.06.0001

IPM

1ª Vara da Fazenda Pública

21

0151016-97.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

22

0133442-61.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

23

0120108-23.2017.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

24

0192098-11.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

25

0920716-90.2014.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

26

0162595-08.2017.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

Processos sobre a (in)constitucionalidade da Lei Municipal nº 10.562/17

Sem decisão

Parte ré

Órgão que está tramitando

1

0132283-83.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

2

0151121-74.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

1ª Vara da Fazenda Pública

3

0155527-41.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

1ª Vara da Fazenda Pública

4

0106797-96.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

1ª Vara da Fazenda Pública

5

0011085-60.2008.8.06.0001

Município de Fortaleza

14ª Vara da Fazenda Pública

6

0159600-22.2017.8.06.0001

Município de Fortaleza

1ª Vara da Fazenda Pública

7

0164804-13.2018.8.06.0001

IPM

1ª Vara da Fazenda Pública

8

0072855-54.2008.8.06.0001

Município de Fortaleza

8ª Vara da Fazenda Pública

9

0039427-42.2012.8.06.0001

Município de Fortaleza

10ª Vara da Fazenda Pública

10

0889854-39.2014.8.06.0001

Município de Fortaleza

1ª Vara da Fazenda Pública

11

0039675-08.2012.8.06.0001

Município de Fortaleza

12ª Vara da Fazenda Pública

12

0163313-05.2017.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

13

0170287-92.2016.8.06.0001

IPM

1ª Vara da Fazenda Pública

14

0133005-20.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

1ª Vara da Fazenda Pública

15

0181765-97.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

16

0105734-65.2018.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

17

0117376-35.2018.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

18

0162575-17.2017.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

19

0162609-89.2017.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

20

0197238-89.2017.8.06.0001

Município de Fortaleza

1ª Vara da Fazenda Pública

21

0105352-09.2017.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

22

0152262-94.2017.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

23

0158925-59.2017.8.06.0001

Município de Fortaleza

1ª Vara da Fazenda Pública

24

0154877-57.2017.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

25

0181029-79.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

11ª Vara da Fazenda Pública

26

0166421-42.2017.8.06.0001

Município de Fortaleza

1ª Vara da Fazenda Pública

27

0188027-63.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

11ª Vara da Fazenda Pública

28

0105390-55.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

1ª Vara da Fazenda Pública

29

0039427-42.2012.8.06.0001

Município de Fortaleza

1ª Vara da Fazenda Pública

30

0162200-16.2017.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

31

0153987-55.2016.8.06.0001

Município de Fortaleza

6ª Vara da Fazenda Pública

 

Nos termos do Enunciado 87 do Fórum Permanente de Processualistas Civis “A instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas não pressupõe a existência de grande quantidade de processos versando sobre a mesma questão, mas preponderantemente o risco de quebra da isonomia e de ofensa à segurança jurídica”.

Vale salientar que a matéria controvertida (valor do teto de RPV previsto na Lei Municipal nº 10.562/17) pode ser questionada em qualquer processo judicial que visa à condenação do Município de Fortaleza em obrigação de pagar, havendo um risco potencial de multiplicação de inúmeras demandas.

4.2. Risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica

A efetiva repetição de processos sobre questões idênticas, unicamente de direito, já produz, em tese, o risco à isonomia e à segurança jurídica. O NCPC não exige que o requerente comprove a existência de decisões conflitantes sobre o tema. Nesse sentido, confira-se o magistério de Marcos de Araújo Cavalcanti[6]:

“Vale ressaltar, todavia, que o art. 976 do NCPC não exigiu como pressuposto para a instauração do IRDR a prévia existência de decisões conflitantes em processos repetitivos que versem sobre questões unicamente de direito.” (Grifos nossos)

Com efeito, as decisões divergentes apenas REFORÇAM o risco à isonomia, mas não constituem condição necessária (sine qua non) para a admissibilidade do IRDR.

Desse modo, restou atendido o presente requisito, porquanto demonstrada a existência de processos repetitivos em que se questiona a constitucionalidade da Lei Municipal nº 10.562/17.

A título de reforço argumentativo, comprova-se que há entendimentos conflitantes acerca do tema.

Os juízos da 1ª, 2ª e 6ª Varas do Juizado Especial da Fazenda Pública proferiram decisões no sentido de declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 10.562/17, determinando a expedição de RPVs até o limite de 30 (trinta) salários mínimos, com base no art. 97, §12, II, do ADCT. Em sentido oposto, o juízo da 8ª Vara da Fazenda Pública (e outros das varas comuns) presumiu a constitucionalidade da citada lei, determinando a expedição dos requisitórios com base nos limites ali fixados. Confiram-se, como exemplo, duas decisões de cada posição:

·   Pela inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 10.562/2017:

“À luz do exposto, entendo por DECLARAR a inconstitucionalidade, incidenter tantum, da Lei Municipal 10.562/2017, e, por consequência, considerar vigente o teto constitucional de 30 (trinta) salários mínimos como limite para pagamento das obrigações de pequeno valor, no âmbito do ente político municipal, razão pela qual hei por bem HOMOLOGAR a planilha de cálculo constante dos autos, e, em face do disposto no art. 13 da Lei 12.153/2009, determinar a expedição da competente ordem de pagamento judicial (Requisição de Pequeno Valor – RPV) em favor da parte requerente - LOURENÇO DACOSTA LEITÃO FEITOSA no valor de R$ 12.884,05 (doze mil, oitocentos e oitenta e quatro reais e cinco centavos), cujo depósito deverá ser realizado em agência da Caixa Econômica Federal no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contado da entrega da requisição do juiz ao executado, sob pena de sequestro de numerário suficiente ao cumprimento da decisão.”

(Processo nº 0171614-38.2017.8.06.0001, 6ª Vara da Fazenda Pública, Juiz Paulo de Tarso Pires Nogueira, decisão registrada em 25/07/2018)

“Diante das razões expostas, DEFIRO a petição de fls. 191/212, para declarar incidenter tantum a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 10.562/2017 e, consequentemente, determinar a expedição da Requisição de Pequeno Valor em favor da parte exequente, conforme requerido, obedecendo-se o teto de 30(trinta)salários mínimos.

(...)”

(Processo nº 0115794-34.2017.8.06.0001, 1ª Vara da Fazenda Pública, Juiz Hortênsio Augusto Pires Nogueira, decisão registrada em 21/09/2018)

·   Pela constitucionalidade da Lei Municipal nº 10.562/2017:

“No mais, tendo transitado a decisão judicial exequenda em 26-4-2018, ou seja, quando já em vigor a Lei municipal nº 10.562, publicada no DOM de 15-3-2017, deverá a expedição das competentes requisições de pagamento observar o que nela disposto, o que se determina conforme orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal1, como se vê:

(...)

Expeçam-se, pois, o competente precatório em favor de cada um dos exequentes, em sede dos quais deverá restar informado o valor, incidente sobre o crédito respectivamente a eles pertencente, sobre o qual deverá incidir o percentual devido a título de honorários contratuais, o que se determina tendo o patrono das partes observado, como se vê às págs. 13, 20, 25 e 28, o disposto no art. 22, § 4º, do EOAB”.

(Processo nº 0426493-07.2000.8.06.0001, 8ª Vara da Fazenda Pública, Juiz Francisco Eduardo Fontenele Batista, decisão registrada em 11/02/2019)

“De resto, verifico que transitou em julgado a decisão judicial exequenda em 3/4/2018, ou seja, quando já em vigor a Lei municipal nº 10.562, publicada no DOM de 15-3-2017. Por essa razão, deverá a expedição da competente requisição de pagamento observar o que nela disposto, conforme orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, como se vê:

(...)

Elabore-se, pois, o ofício eletrônico de precatório, devendo sobre seu teor, no prazo de 5 dias, dizerem ambas as partes.

(...)”

(Processo nº 0025680-64.2008.8.06.0001, 8ª Vara da Fazenda Pública, Juiz Francisco Eduardo Fontenele Batista, decisão registrada em 25/02/2019)

Diante desse cenário, observa-se que há exequentes que recebem quantias similares por diferentes modalidades de pagamento (uns por RPV e outros por precatório), em clara ofensa à isonomia entre os credores da Fazenda Pública e à programação orçamentária do Município de Fortaleza.

4.3. Controvérsia sobre questão unicamente de direito

Nos termos da parte final do inciso I do art. 976 do CPC/2015, é necessário que a controvérsia sobre a qual versa o procedimento do IRDR envolva questão unicamente de direito.

A previsão legal em questão objetiva excluir a possibilidade de utilização do procedimento para a apreciação concentrada de questões de fato, deixando claro que o objeto do IRDR é a decisão sobre questão jurídica, relegando a cada processo, de modo individualizado, as discussões de ordem probatória[7].

Nesse sentido, “o objetivo do legislador foi ressaltar que apenas questões de direito poderão ser definidas no incidente”[8].

Ademais, além de poder versar sobre questão de direito material ou processual (art. 976, § 4º do CPC/2015), é possível que a questão a ser apreciada seja uma questão prejudicial ao mérito, inclusive para a aferição de constitucionalidade, ou mesmo uma questão posterior à apreciação do mérito, atinente à fase de cumprimento de sentença[9].

Destaque-se que, de acordo com o Enunciado nº 88 do FPPC, “Não existe limitação de matérias de direito passíveis de gerar a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas e, por isso, não é admissível qualquer interpretação que, por tal fundamento, restrinja seu cabimento”.

Sendo assim, a discussão sobre a constitucionalidade material da Lei Municipal nº 10.562/17 pode ser objeto do IRDR, por se tratar de questão de direito a ser definida na fase de cumprimento de sentença. A discussão central que o Tribunal deve se debruçar é saber se a lei municipal que reduziu o valor do teto do RPV para o limite do RGPS observou (ou não) o critério da capacidade econômica do ente, previsto no art. 100, §4º, da CF/88, o que perpassa, também, o princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88).

4.4.  Inexistência de afetação do mesmo tema em sede de recurso repetitivo no âmbito dos Tribunais Superiores

Trata-se de requisito negativo que impede a instauração do IRDR, nos termos do art. 976, §4º, do CPC[10]. No caso, a questão jurídica ora em debate não está afetada em recurso repetitivo, o que pode ser comprovado mediante simples consulta no sítio eletrônico do STF e STJ.

5. Da competência do TJCE para julgamento do IRDR – possibilidade de instauração do incidente a partir de demanda oriunda do juizado especial em matéria concorrente com a justiça ordinária

O presente IRDR está sendo suscitado a partir de processo que tramita no Juizado Especial da Fazenda Pública.

É imperioso destacar que o CPC/15 não prevê a instauração e o julgamento do IRDR no âmbito dos Juizados Especiais. Nos termos do art. 977, “o pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal[11]. Todavia, o art. 985, inciso I, preconiza que a tese jurídica definida no IRDR também deverá ser aplicada aos processos que tramitem nos juizados especiais:

Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:

I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;

II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986. (Grifos nossos)

Por outro lado, o parágrafo único do art. 978 do CPC/15 dispõe que o órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese também julgará o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente:

Art. 978, CPC/15.  O julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal.

Parágrafo único.  O órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente.

Em uma interpretação literal e apressada, poder-se-ia concluir que o IRDR somente pode ser admitido quando existir um processo pendente no tribunal a respeito do tema controvertido.

Todavia, essa não parece ser a melhor exegese. É preciso uma interpretação sistemática para compatibilizar os supracitados dispositivos do CPC/15.

Boa parte da doutrina processualista entende que o parágrafo único do art. 978 do CPC/15 é uma regra de prevenção. Nos IRDRs suscitados a partir de processos em tramitação no tribunal, o órgão competente julgará a tese e o caso concreto, o que não exclui a possibilidade de instauração a partir de processos em tramitação na primeira instância, até porque um dos legitimados para propor o IRDR é o juiz (art. 977, I, CPC/15). Nesse sentido, a doutrina de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, Desembargador Federal do TRF-2:

“Parece ser evidente que se trata de uma norma de prevenção, provavelmente motivada pelo desejo de que a aplicação da tese em concreto seja realizada com a devida fidelidade, o que seria garantido, ou mais provável, se o mesmo órgão judicial realizar também o julgamento, em sede de competência recursal ou originária, do(s) processo(s) de onde se origicou o IRDR. (...)

O importante, contudo, parece ser que a existência eventual de uma regra de prevenção, no caso, não teria o condão de levar à conclusão de que apenas os processos em tramitação no tribunal poderiam ensejar a instauração do IRDR.” (Grifos nossos)

Também entendendo ser desnecessária a existência de causa pendente no tribunal, destaca-se a abalizada doutrina de Humberto Theodoro Junior[12], Cassio Scarpinella Bueno[13], Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero[14] e Sofia Temer[15].

No mesmo sentido, o Enunciado n. 22 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM:

Enunciado 22. A instauração do IRDR não pressupõe a existência de processo pendente no respectivo tribunal.

Vale destacar que o objeto do incidente é a questão jurídica com a formulação de uma tese. O §1º do art. 976 do CPC/15 corrobora essa conclusão ao prever que “a desistência ou o abandono do processo não impede o exame de mérito do incidente”, o qual passará a tramitar sem um caso concreto a ele subjacente.

O STJ já se pronunciou sobre a natureza jurídica do IRDR, definindo que se trata de procedimento-modelo (quando o órgão julgador fixa apenas a tese jurídica) e não de causa-piloto (quando o órgão julgador fixa a tese e soluciona o caso específico, como ocorre no RE e REsp repetitivos):

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM CONFLITO DE COMPETÊNCIA. (...) MÉRITO: O AGRAVO INTERNO MERECE GUARIDA, PORQUANTO, NA FORMA DO ART. 1.036 CÓDIGO FUX DE PROCESSO CIVIL, INEXISTE HIPÓTESE LEGAL DE PROCESSAMENTO DE CONFLITO DE COMPETÊNCIA COMO EMBLEMÁTICO DE CONTROVÉRSIA. O IRDR TEM INSPIRAÇÃO EM INSTITUTO DO DIREITO ALEMÃO, ISTO É, UM PROCEDIMENTO-MODELO, DESTINADO A PRODUZIR EFICÁCIA PACIFICADORA DE MÚLTIPLOS LITÍGIOS, RAZÃO PELA QUAL NÃO PRESSUPÕE A ADOÇÃO DE CASOS-PILOTO, CONFORME PRETENDE O EMINENTE MINISTRO RELATOR. LIÇÃO ADVINDA DA DOUTRINA DO PROFESSOR HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL. VOLUME III. RIO DE JANEIRO: FORENSE, 2017, PP. 922-923). PARECER DO MPF PELA APLICAÇÃO DA SISTEMÁTICA DOS RECURSOS REPETITIVOS, CONHECENDO-SE DO CONFLITO. AGRAVO INTERNO DA CONFEDERAÇÃO INTERESSADA PROVIDO PARA DETERMINAR-SE A DESAFETAÇÃO DO CONFLITO DE COMPETÊNCIA.

(STJ - AgInt no CC: 148519 MT 2016/0229268-2, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 25/10/2017, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 02/02/2018)

Há julgados do TJ-RJ e TJ-MG no sentido da desnecessidade de processos pendentes no tribunal para admissão do IRDR:

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. ART. 981 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. QUESTÕES DE DIREITO: LEGALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO Nº 45.506/2015, ALIÁS, JÁ ALTERADO PELO DE Nº 45.593/2016, E DA REALIZAÇÃO DE ARRESTO DE VERBAS PÚBLICAS ESTADUAIS PARA GARANTIR, EM DEMANDA INDIVIDUALMENTE AJUIZADA, O PAGAMENTO DE SERVIDOR PÚBLICO, APOSENTADO OU PENSIONISTA, NA DATA DETERMINADA PELO DECRETO Nº 42.495/2010. SATISFEITOS OS PRESSUPOSTOS DO ART. 976 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ADMITE-SE O INCIDENTE POR UNANIMIDADE.

Trechos do inteiro teor:

“É que uma leitura apressada do parágrafo único do art. 978, do Código de Processo Civil, poderia levar à conclusão, a meu ver, equivocada, de que o incidente só seria cabível se suscitado em recurso, remessa necessária ou em processo de competência originária do Tribunal. Ocorre que, segundo penso, não faz sentido restringir o seu cabimento a feitos em trâmite no Tribunal, pois seria um estímulo à desnecessária proliferação de ações marcadas pela mesma controvérsia. No entanto, a meu pensar, naquele parágrafo único estão expressos os casos em que o próprio colegiado competente para decidir o incidente julgará a questão constitutiva do mérito dos processos originários, o que não acarretará supressão de instância, nem significa dizer que o incidente não seja cabível se suscitado em caso como este. Aliás, o art. 977, I, prevê expressamente a legitimidade do juiz para provocar instauração do incidente ao Presidente do Tribunal e, neste caso, a todas as luzes, feito o pedido por Juíza de Direito em ação de obrigação de fazer em fase de citação, sem que tenha sido nela interposto qualquer recurso, é de se afirmar, desde já, que não poderá ocorrer a avocação) do parágrafo único do art. 978 do Código de Processo Civil, porque o incidente se originou de processo que tramita em primeira instância, a qual não pode ser suprimida e, por isso, excluída fica a competência para julgar o feito originário. Então, segundo penso, já que o Código de Processo Civil prevê a possibilidade de juiz pedir a instauração do incidente, é desnecessária a existência prévia de recurso ou ação originária no tribunal, que, neste caso, julgará apenas o incidente, fixando a tese jurídica. Em outros termos, dar-se-á aqui uma cisão cognitiva, pois compete a este Órgão julgar apenas o incidente e ao primeiro grau julgar a causa contida no feito originário.”

(TJRJ, IRDR no 0023205-97.2016.8.19.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Nildson Araujo da Cruz, julg. 16.5.2016).

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDA REPETITIVA. MATÉRIA DE DIREITO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL QUANTO A LEGITIMIDADE PASSIVA NAS AÇÕES QUE SE DISCUTEM A LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS DE EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS À MARGEM PERMITIDA. JULGADOS EM QUE SE APRESENTAM COMO LEGITIMADO PASSIVO AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS OU BANCÁRIAS, BEM COMO JULGADOS EM QUE SE IDENTIFICA COMO LEGITIMADA PASSIVA A FONTE PAGADORA. PRETENSÃO DE FIXAÇÃO DE TESE JURÍDICA A RESPEITO DA LEGITIMIDADE (SE DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, SE DA FONTE PAGADORA OU DE AMBAS). PRESENTES OS REQUISITOS DO ART. 976 DO CPC, DE 2015. RISCO EFETIVO DE COEXISTÊNCIA DE DECISÕES CONFLITANTES QUE POSSAM ACARRETAR OFENSA À ISONOMIA E À SEGURANÇA JURÍDICA. DEMANDAS REPETITIVAS EM CURSO. INCIDENTE ADMITIDO.

Trechos do inteiro teor:

“Preliminarmente, tenho que deve ser afastada a tese de não ser possível a admissão do incidente, arguída por juiz de primeiro grau, por não estar o feito que originou o incidente em trâmite recursal. Esta questão foi intensamente debatida nos meios jurídicos, notadamente pelo Prof. Aluisio Gonçalves de Castro Neves, que aponta a função específica do IRDR, de DEFINIR TESE JURÍDICA, com origem no direito alemão (Mustervenfahren), prevenindo insegurança jurídica. Das discussões travadas, onde inclusive se apreciou a tese trazida pela Ilustre Procuradora de Justiça, a conclusão da ENFAM foi a da não necessidade de haver processo em curso no Tribunal para que o juiz de primeiro grau possa suscitar o incidente, posto que tal inclusive desvirtuaria o objetivo de uniformizar as teses a serem aplicadas, evitando a dilatação de julgamentos contraditórios. Buscando a mens legis verifica-se neste sentido o Parecer 956/2014 do Senado Federal”

(TJRJ, IRDR nº. 32321-30.2016.8.19.0000, Seção Cível Especializada, Rel. Des. Natacha Nascimento Gomes Tostes Gonçalves de Oliveira, julg. 22.9.2016).

EMENTA: INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - INSTAURAÇÃO PELO JUIZ - ARTIGO 978, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPC - EXISTÊNCIA DE CAUSA PENDENTE NO TRIBUNAL - DESNECESSIDADE - REGRA DE PREVENÇÃO - REQUISITOS POSITIVOS: EXISTÊNCIA DE DECISÕES CONFLITANTES SOBRE O MESMO TEMA E MULTIPLICIDADE DE PROCESSOS - DEMONSTRAÇÃO - REQUISITO NEGATIVO: AFETAÇÃO DE RECURSO PARA DEFINIÇÃO DE TESE PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES - AUSÊNCIA - INCIDENTE ADMITIDO. 1. O parágrafo único do artigo 978 do CPC não condiciona a admissibilidade do IRDR à existência de causa pendente de apreciação no Tribunal, de competência originária ou recursal, eis que aludido dispositivo constitui mera regra de prevenção a ser observada para os casos em que o incidente é instaurado a partir de processo já em curso na segunda instância, situação em que o mesmo órgão encarregado do julgamento do incidente também apreciará o recurso, a remessa necessária ou o processo originário, de modo a resguardar a aplicação da tese firmada ao caso concreto. 2. Demonstrada a existência de decisões conflitantes na primeira instância, bem a multiplicidade de processos dispondo sobre a mesma matéria de direito e, ainda, a ausência de afetação do tema pelos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, revela-se impositiva a instauração do IRDR, a fim de que a Seção Cível delibere sobre a matéria, elegendo tese única a ser adotada no âmbito do Poder Judiciário Estadual nas demandas envolvendo a mesma temática.

(TJMG-IRDR - Cv  1.0000.18.015868-5/001, Relator(a): Des.(a) Afrânio Vilela, 1ª Seção Cível, julgamento em 05/10/2018, publicação da súmula em 07/11/2018)

No tocante aos juizados especiais, a doutrina defende que o inciso I do art. 985 do CPC/15 não afronta o art. 98, I, da CF/88[16], que prevê o microssistema dos juizados para causas de menor complexidade, com procedimento próprio e julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

Nesse sentido, Fredie Didier Jr.[17] leciona que:

“A tese fixada no IRDR aplica-se aos processos dos Juizados Especiais, conforme estabelece o inciso I do art. 985 do CPC. Não parece haver inconstitucionalidade nisso. Se é verdade que não há hierarquia jurisdicional entre os juízes dos juizados e os tribunais, não é inusitado haver medidas judicias em tribunais que controlam atos de juízos a eles não vinculados. (...) Ao TRF da respectiva região compete decidir os conflitos de competência entre juizado especial federal e juízo federal da mesma seção judiciária, conforme entendimento explicitado no enunciado 428 da Súmula do STJ. Os juízes dos juizados federais não estão vinculados ao TRF, mas este julga conflitos de competência que os envolvem. Os juízes dos juizados não estão hierarquicamente vinculados ao STJ; não cabe recurso especial de decisões proferidas dos juizados (Súmula STJ, n. 203), mas é evidente que devem seguir o entendimento manifestado pelo STJ em recurso repetitivo e em enunciado de súmula em matéria infraconstitucional (art. 927, III e IV, CPC)”.

Em busca da mens legis, é interessante destacar a justificativa da inclusão dos juizados especiais no alcance da tese jurídica fixada no IRDR, no parecer final do relator do Projeto de Lei do NCPC no Senado Federal[18]:

“Quanto ao art. 995 do SCD, que estende o alcance da tese jurídica fixada pelo pertinente Tribunal a toda área de sua jurisdição, com inclusão dos juizados especiais do respectivo estado ou região, é preciso reconhecer a sua adequação.

(...)

Em primeiro lugar, recorda-se que, no arranjo de competência desenhado pela Constituição Federal, com posterior esclarecimentos trazidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pela legislação ordinária, o Superior Tribunal de Justiça (STF) assumiu o papel de, em última instância, pacificar a interpretação da legislação infraconstitucional, ao passo que o STF, o de uniformizar a interpretação da Carta Magna. Causas provenientes dos juizados especiais desaguarão no STJ ou no STF para uniformização de teses jurídicas, seja por conta da reclamação (admitida pelo STF para os Juizados Especiais Estaduais), seja na forma da Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001 (para os Juizados Especiais Federais).

Esse fato demonstra que a intenção do legislador é a de garantir, ao máximo, que todos os brasileiros tenham acesso a uma resposta jurisdicional uniforme. O incidente de resolução de resolução de demandas repetitivas segue essa orientação constitucional.

Em segundo lugar, os Juizados Especiais e os Tribunais locais e regionais costumeiramente apreciam matérias jurídicas idênticas. Por exemplo, demandas de revisão de contratos bancários, com alegação de abusividade de taxa de juros, frequentam os Juizados Especiais e os Tribunais. A diferença é que, no âmbito dos Juizados, há valor de alçada. Nesses casos, diante de demandas multidinárias, a Constituição Federal, prestigiando o princípio da duração razoável do processo, sediada no art. 5º, e reconhecendo a competência dos Tribunais para pacificar o Direito no Estado ou na Região, empresta seu irrestrito beneplácito a que os Tribunais possam, em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas, garantir a solução de milhares de milhares de processos com teses idênticas de modo uniforme, com possibilidade de eventual provocação futura do STJ, corte incumbida da unificação nacional da interpretação da legislação infraconstitucional (...)” (Grifos nossos)

Observa-se que a intenção do legislador é que os Tribunais resolvam, de modo uniforme, demandas repetitivas sobre a mesma questão jurídica, inclusive para processos que tramitam nos juizados, pacificando o Direito no Estado ou na Região, até porque os Juizados Especiais e os Tribunais locais e regionais costumeiramente apreciam matérias jurídicas idênticas.

Nesse contexto, há um amplo espectro de competências materiais concorrentes entre juizados especiais e justiça ordinária, como, por exemplo, a matéria objeto deste IRDR.

A doutrina sustenta a possibilidade de instauração do IRDR nos tribunais nas hipóteses de competência concorrente entre a justiça ordinária e os juizados especiais. Por outro lado, nas matérias exclusivas do juizado, seria vedado o IRDR no Tribunal, em respeito ao microssistema dos juizados especiais. Confira-se, a propósito, as lições de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes[19]:

“havendo competência concorrente, a consecução da efetivação do princípio da isonomia e da segurança jurídica, com a realização da uniformização da jurisprudência, deve ser perseguida já no âmbito estadual e regional, para que se logre também, a desejada economia processual e, consequentemente, a prestação jurisdicional em tempo razoável e de modo mais efetivo.

(...)

diante de hipótese de competência concorrente entre a justiça ordinária e os juizados especiais, a suspensão e a vinculação estabelecidas a partir do IRDR possam produzir efeitos em relação aos processos em tramitação nos juizados especiais, a partir de incidentes instaurados nos tribunais, estaduais ou federais”

No mesmo sentido, o artigo intitulado “Os Juizados Especiais Estaduais e o IRDR – por uma busca harmônica dos mesmos objetivos”[20]:

Quando a matéria for compartilhada entre o Sistema de Juizados e o juízo comum, a Corte se manifestará pela via do IRDR, respeitando a cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição da República) e os requisitos do incidente. Como a questão seria passível de exame pelo juízo comum, portanto, dentro da estrutura hierárquica do Tribunal de Justiça, não há que se falar em qualquer incompatibilidade com o Juizado.

Se, entretanto, a matéria debatida for tão somente objeto das demandas tipicamente levadas ao Juizado Especial Estadual, portanto, ínsita ao sistema de Juizados Especiais, é preciso respeitar a autonomia e todas as peculiaridades deste órgão jurisdicional, acima abordadas. Com isso, preservamos a especialidade e a separação dos sistemas recursais concebidos na Lei nº 9.099/95. Não existe razão para não submeter o tema ao juízo especializado, reforçando a premissa de preservação sistêmica dos Juizados Especiais.

Portanto, em homenagem ao seu microssistema, o Tribunal não se manifestará em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas nas questões exclusivamente, reiteramos, exclusivamente pertinentes ao sistema de Juizados Especiais.” (Grifos nossos)

O juizado especial é o locus propício à multiplicação de demandas repetitivas e, portanto, não poderia ser excluído do âmbito de conformação do IRDR, incidente criado justamente para conferir solução isonômica às causas repetitivas. Não teria sentido pensar em enfrentamento de processos de massa com um instrumento tão eficaz como o IRDR e não aplicá-lo aos juizados.

Portanto, defende-se o cabimento do presente IRDR no TJCE a partir de demanda oriunda do Juizado Especial da Fazenda Pública, pois a questão jurídica veiculada constitui matéria de competência concorrente com a justiça ordinária, tanto que a discussão sobre (in)constitucionalidade da Lei Municipal nº 10.562/17 que fixa o teto para pagamento de RPV também chegou às varas comuns da Fazenda Pública.

Repita-se que o CPC/15 fixou a competência dos tribunais de segundo grau para julgamento do IRDR, não prevendo a instauração do incidente perante o juizado especial. Embora exista uma corrente em sentido contrário, defendendo o cabimento do IRDR perante órgão colegiado dos Juizados (Enunciados 21 e 44 da ENFAM[21]), o novo Regimento Interno das Turmas Recursais dos Juizados Especiais do Estado do Ceará, publicado na Resolução nº 01/2019 do TJCE, em janeiro/2019, não traz qualquer previsão sobre IRDR, do que se conclui que o incidente será cabível apenas no TJCE.

O fato de o Tribunal de Justiça não possuir competência recursal para apreciar os processos que tramitam nos juizados especiais não impede a análise, em abstrato, da questão jurídica lá debatida. O Tribunal julgará apenas a tese jurídica no IRDR (procedimento-modelo), ficando a decisão de cada caso concreto para o juízo do processo originário.

Nessa mesma linha de raciocínio, há julgados do TRF-4 e do TJ-MG que admitiram IRDRs instaurados no respectivo Tribunal a partir de demanda originária do Juizado Especial. O principal fundamento é a interpretação sistemática dos dispositivos do CPC/15 que, ao conferir ao Tribunal a competência para decidir o IRDR com aplicação explícita da tese jurídica a todos os processos que tramitem na sua área de jurisdição, inclusive àqueles que tramitem nos Juizados Especiais do respectivo Estado ou Região, no mínimo implicitamente, admitiu que os incidentes sejam instaurados a partir de processos oriundos dos juizados especiais. Os julgados a seguir colacionados também destacam que o IRDR tem por escopo alcançar a segurança jurídica e a isonomia de modo abrangente e irrestrito. Confiram-se:

IRDR. DEMANDAS ORIGINÁRIAS DO JUIZADO ESPECIAL. SUSCITAÇÃO POSSÍVEL. ADMISSIBILIDADE. REQUISITOS PRESENTES. SUSPENSÃO DAS DEMANDAS AFETADAS. Para que o incidente de resolução de demandas repetitivas seja admitido, devem ser atendidos os requisitos elencados no Código de Processo Civil, art. 976 e ssss. A efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e que represente risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, mesmo que em trâmite no Juizado Especial, pode ensejar a instauração do IRDR. A admissão do incidente de resolução de demandas repetitivas importa na suspensão dos processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado e que versem sobre a matéria objeto da tese a ser fixada.

(TJ-MG - IRDR - Cv: 10105160005622001 MG, Relator: Amauri Pinto Ferreira, Data de Julgamento: 03/05/2017, Seção Cível-URG / 2ª Seção Cível, Data de Publicação: 16/05/2017)

Trechos do inteiro teor:

“Outro requisito a ser analisado trata-se de elemento que não se aplica ao caso em estudo, pois se consubstancia na exigência de haver, pelo ao menos, um recurso em tramite no Tribunal que verse sobre a matéria a ser discutida, o que jamais se operará na presente situação e em outras similares, pois o IRDR é alusivo a Ações que tramitam no Juizado, sendo sua instância revisora as Turmas Recursais e não o Tribunal de Justiça.

(...)

E que não se diga que, por ser a tese a ser fixada referente ao Juizado Especial, tal fato revela-se como impedimento para a instauração do presente incidente, pois sua finalidade precípua nele, também, é alcançada, qual seja, elidir a existência de decisões conflitantes quanto a hipóteses idênticas ou semelhantes, revelando-se a situação em análise como prova inequívoca disso. O IRDR tem por escopo alcançar à segurança jurídica e à isonomia de modo abrangente e irrestrito, pelo que não se pode limitar sua aplicação em razão de requisito que fora estabelecido, claramente, tendo em vista a tramitação dos processos na Justiça Comum.

Diferente não poderia ser o entendimento, já que, uma vez instaurado o IRDR, mesmo que não seja originário do JEsp, os processos que nele fluam e que versem sobre seu objeto, também, serão sobrestados. O entendimento em comento restou cristalizado pelos enunciados 45 e 47 do presente Sodalício, in verbis: (...)” (Grifos nossos)

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. TRF4. IRDR 12. PROCESSO EM TRAMITE NOS JEFs. IRRELEVÊNCIA. ADOÇÃO DA TÉCNICA DO PROCESSO-MODELO E NÃO CAUSA-PILOTO. ART. 20, § 3º, DA LEI 8.742/93. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE MISERABILIDADE. 1. É possível a admissão, nos Tribunais Regionais Federais, de IRDR suscitado em processo que tramita nos Juizados Especiais Federais. 2. Empregada a técnica do julgamento do procedimento-modelo e não da causa-piloto, limitando-se o TRF a fixar a tese jurídica, sobretudo porque o processo tramita no sistema dos JEFs. 3. Tese jurídica: o limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade.

(TRF-4 - INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (SEÇÃO): 50130367920174040000 5013036-79.2017.4.04.0000, Relator: PAULO AFONSO BRUM VAZ, Data de Julgamento: 21/02/2018, TERCEIRA SEÇÃO) (Grifos nossos)

PROCESSO CIVIL. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS EM RELAÇÃO A PROCESSO ORIUNDO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL. CONHECIMENTO DO INCIDENTE. INDENIZAÇÃO POR EXERCÍCIO EM UNIDADES SITUADAS EM LOCALIDADES ESTRATÉGICAS VINCULADAS AO COMBATE DE DELITOS TRANSFRONTEIRIÇOS. LEI 12.855, DE 02/09/2013. DEFINIÇÃO DA TESE A SER APRECIADA. - Consoante entendimento majoritário da Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n.º 5033207-91.2016.4.04.0000), aos dispositivos do CPC que versam sobre o IRDR, em especial os artigos 976, 977, 978 e 985, deve ser conferida interpretação ampliativa. Segundo a posição da douta maioria, o novo Código de Processo Civil, ao valorizar os precedentes, privilegia a segurança jurídica e estimula a uniformização da interpretação acerca das questões jurídicas. - Nessa linha, ao conferir ao Tribunal de apelação a competência para decidir o IRDR, com aplicação explícita do resultado do julgamento a todos os processos que tramitem na sua área de jurisdição, inclusive àqueles que tramitem nos Juizados Especiais do respectivo Estado ou Região, o CPC, no mínimo implicitamente, admitiu que os incidentes sejam instaurados a partir de processos que tramitam nos juizados especiais. - Assim, demonstrada a efetiva repetição de processos que contêm controvérsia sobre a mesma questão, que é unicamente de direito, e presente risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, deve o incidente ser conhecido. - Conhecido o incidente, define-se que a questão jurídica a ser apreciada é a seguinte: o pagamento da indenização por exercício nas unidades situadas em localidades estratégicas vinculadas à prevenção, controle, fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços, instituída pela Lei 12.855, de 02/09/2013, às carreiras relacionadas no respectivo artigo 1º, está condicionado à definição de critérios por ato do Poder Executivo, ou a norma é autoaplicável?

(TRF-4 - INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (SEÇÃO): 50169854820164040000 5016985-48.2016.404.0000, Relator: RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Data de Julgamento: 01/12/2016, SEGUNDA SEÇÃO) (Grifos nossos)

O STJ ainda não se manifestou explicitamente sobre a possibilidade de instauração do IRDR a partir de demanda oriunda do juizado especial, mas já sinalizou nesse sentido, conforme será demonstrado a seguir.

Na Suspensão em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 9/SC que tramita no STJ, alusiva ao supracitado IRDR admitido pelo TRF-4 em processo que tramita no juizado especial (IRDR nº 5016985-48.2016.404.0000), o Ministro Relator Paulo de Tarso Sanseverino, presidente da comissão gestora de precedentes, em decisão proferida em 17/08/2018, reconhece a possibilidade de o IRDR ser admitido de forma desvinculada do processo subjetivo que ensejou a sua instauração, bem como que seria possível o julgamento de recurso especial contra acórdão que fixa apenas a tese jurídica, com base em precedente do STF sobre o recurso extraordinário.

Assim, o ministro do STJ reconsiderou anterior decisão que havia indeferido o pedido formulado pela União para suspender todos os processos em tramitação no país sobre a mesma controvérsia debatida no IRDR. Confiram-se trechos do inteiro teor:

“Trata-se de agravo interno interposto pela União contra decisão em que indeferi o pedido de suspensão de todos os processos em tramitação no País que veiculem a mesma controvérsia debatida no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 5033207-91.2016.4.04.0000/SC admitido pela Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

(...)

Cheguei a essa conclusão, porque o IRDR fora admitido pela Corte Especial do TRF da 4ª Região com base no requerimento da parte autora de processo em tramitação no âmbito dos juizados especiais federais, identificando, assim, a impossibilidade de o colegiado na origem julgar o processo subjetivo juntamente com o incidente.

(...) observo que, no julgamento de 25 de outubro de 2017, a Primeira Seção do STJ – colegiado competente para o julgamento do eventual recurso especial a ser interposto no TRF da 4ª Região contra o julgamento de mérito do IRDR objeto deste pedido – pronunciou-se sobre a natureza jurídica do incidente ao inadmitir o processamento nesta Corte de tramitação sob o rito dos repetitivos de conflitos de competência (AgInt no CC n. 147.784/PR, relator para acórdão Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, DJe de 2/2/2018).

Na assentada, concluiu a Primeira Seção que o rito do IRDR "não pressupõe a adoção de casos-piloto, tratando-se simplesmente de procedimento modelar", reconhecendo, dessa maneira, a possibilidade de o IRDR ser admitido de forma desvinculada do processo subjetivo que ensejou a sua instauração.

(...)

Por outro lado, em relação ao segundo obstáculo – inviabilidade de recurso especial contra acórdão que se limita a definir tese jurídica e não a decidir o caso concreto – o Plenário do STF, analisando disposições do CPC/2015, concluiu pela possibilidade do julgamento de recurso extraordinário, mesmo diante da perda superveniente do interesse de agir, em superação ao entendimento consolidado no enunciado n. 513 de sua Súmula. Pinço do inteiro teor do acórdão proferido no RE 647.827/PR (Tema n. 571/RG), relator Ministro Gilmar Mendes, DJe de 1/2/2018, (...)

Diante o exposto, reconsidero a decisão de e-STJ, fls. 224-233. (...)”

(STJ – SIRDR nº 9, Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, decisão monocrática de 17/08/2018)

Com efeito, em uma interpretação sistemática do NCPC, não há razão para que se exclua a possibilidade de instauração do IRDR a partir de processos que tramitem nos juizados especiais.

Não parece racional e adequado entender que o IRDR deveria ser admitido apenas quando subir ao tribunal um processo da vara comum da Fazenda Pública, sob o argumento de que a matéria controvertida é de competência concorrente entre juizados e justiça ordinária, a fim de atender ao disposto no art. 978, parágrafo único, do CPC/15. Tal posicionamento iria apenas retardar a solução das demandas repetitivas e, consequentemente, ampliar o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica que o IRDR visa combater.

Na espécie, conforme relatado, diversas RPVs já estão sendo pagas pelo Município de Fortaleza em valores superiores ao teto fixado pela Lei Municipal nº 10.562/2017 (doc. 4), gerando prejuízos aos cofres públicos e à programação orçamentária. Ademais, exequentes que entrariam na fila dos precatórios acabam recebendo seus créditos por RPV em flagrante violação à ordem cronológica que deveria existir para pagamento desses valores.

Portanto, atendidos todos os requisitos de admissibilidade, o IRDR deve ser processado pelo TJCE a fim de que seja dada uma solução uniforme para os jurisdicionados sobre a questão em debate.

6. Do tema de direito controvertido

Consoante já demonstrado nesta petição, a questão jurídica ora submetida à apreciação do E. TJCE se reporta à constitucionalidade material dos arts. 1º[22] e 4º[23] da Lei Municipal nº 10.562/2017, no que se refere ao montante fixado a título de obrigação de pequeno valor.

As decisões proferidas nos processos indicados nesta petição, notadamente a decisão de fls. 308/312 dos autos de nº 0148161-48.2016.8.06.0001 (processo originário), adotam como fundamentos comuns, em síntese, que o dispositivo legal não observou a capacidade econômica do Município de Fortaleza, pois que a cidade possuiria um dos maiores PIBs dentre as capitais brasileiras; que o ente público, supostamente, teria nivelado a capacidade econômica à dos Municípios mais pobres do país; que o projeto de lei que dera origem à lei municipal em comento não foi encaminhado com a devida exposição de motivos a respeito da situação econômico-financeira do ente público.

Tais fundamentos não merecem subsistir, conforme se demonstrará a seguir.

6.1.  Da autorização concedida aos entes políticos para a definição do montante das obrigações de pequeno valor

De início, cumpre ressaltar que o art. 100, § 4º, CF/88 e o art. 13, § 2º, Lei nº 12.153/09 autorizam os entes políticos a definir o montante das obrigações de pequeno valor, com a condicionante de que o valor não seja inferior ao maior benefício do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, condição observada pela legislação impugnada.

Insta ressaltar que, revestindo-se de natureza excepcional o pagamento de condenações judiciais da Fazenda Pública mediante a expedição de RPV, visto ser a regra a expedição de precatório, a utilização desse mecanismo simplificado deve atender às estritas previsões constitucional e legal.

6.2. Do entendimento do E. STF sobre a questão

O E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 4332, apreciou recentemente tema análogo à questão debatida neste IRDR. Confira-se ementa do acórdão:

Ementa: LEI 1.788/2007 DO ESTADO DE RONDÔNIA. ART. 1º. REDUÇÃO DO VALOR PREVISTO NO ART. 87 DO ADCT PARA O PAGAMENTO DOS DÉBITOS DA FAZENDA PÚBLICA POR MEIO DE REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR. CONSTITUCIONALIDADE. EXERCÍCIO DO PODER DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR RECONHECIDO NO JULGAMENTO DA ADI 2.868/PI. 1. Alteração no parâmetro constitucional que não implique mudança substancial do conteúdo da norma não prejudica o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade. 2. O artigo 87 do ADCT foi instituído como norma transitória pela Emenda Constitucional 37/2002, com o escopo de fixar teto provisório aos estados e municípios no que diz respeito ao pagamento de seus débitos por meio de requisição de pequeno valor. 3. No julgamento da ADI 2868/PI, esta Corte pacificou que tal dispositivo não delimita um piso, irredutível, para o pagamento dos débitos dos Estados e dos Municípios por meio de requisição de pequeno valor. Cabe a cada ente federado fixar o valor máximo para essa especial modalidade de pagamento dos débitos da Fazenda Pública em consonância com a sua capacidade financeira, como se infere do § 5º do artigo 100 da Constituição (redação anterior à EC 62/2009). 4. Inexistência de elementos concretos que demonstrem a discrepância entre o valor estipulado na lei questionada (dez salários-mínimos) e a capacidade financeira do Estado de Rondônia. 5. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida e julgada improcedente.

(STF – ADI 4332, Relator(a):  Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 07/02/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-088 DIVULG 07-05-2018 PUBLIC 08-05-2018)

Na ocasião, o STF chancelou a constitucionalidade da lei do Estado de Rondônia que reduziu o teto do valor para pagamento de RPV de 40 para 10 salários mínimos, firmando os seguintes entendimentos:

a) necessidade de autocontenção do Poder Judiciário em matéria orçamentária, só podendo intervir em caso de notório abuso legislativo[24];

b) o ônus da prova, quanto ao abuso legislativo, é de quem pretende superar a presunção de constitucionalidade das leis impugnadas[25];

c) inadequação da correspondência puramente lógica entre a receita do ente federado e o valor até o qual pode reduzir o teto para pagamento dos débitos por RPV[26];

d) a improcedência do argumento de que o ente respectivo, durante diversos anos, pagou as RPVs com base no patamar estabelecido no Art. 87 do ADCT (CF/88), pois que tal interpretação culmina por retirar todo o espectro de conformação dos legisladores dos entes políticos autônomos, que podem avaliar, a cada momento, o patamar ideal para a capacidade então vivenciada[27].

Embora se tenha afirmado que a fixação do valor não pode implicar em abuso legislativo, o E. STF, em outro julgado, aceitou a adoção do patamar de 5 salários-mínimos para o Estado do Piauí (ADI 2868, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 02/06/2004, DJ 12-11-2004 PP-00005 EMENT VOL-02172-01 PP-00152 LEXSTF v. 26, n. 312, 2005, p. 92-105), bem como, embora ainda não julgada, a PGR já se manifestou pela constitucionalidade do patamar de 10 salários-mínimos fixado em lei do Estado do Rio Grande do Sul (ADI nº 5.440/RS) – entes públicos que, notoriamente, diante do federalismo fiscal descrito na CF/88, possuem fontes de receitas superiores aos Municípios brasileiros.

Reiterando a competência dos entes políticos para o estabelecimento do limite que entendem adequado a título de obrigação de pequeno valor, o E. STF também já se manifestou, especificamente quanto aos Municípios, no âmbito do julgamento do AI 761.701-ED:

EMENTA Embargos de declaração no agravo de instrumento. Conversão em agravo regimental. Constitucional. Requisição de pequeno valor. Definição. Competência legislativa. Entes da Federação. Precedentes. 1. O Plenário da Corte, no julgamento da ADI nº 2.868/PI, Relator para o acórdão o Ministro Joaquim Barbosa, concluiu que os estados podem definir para as obrigações de pequeno valor de que forem devedores limites inferiores aos previstos no art. 87 do ADCT, entendimento que se aplica também aos municípios. 2. Agravo regimental não provido.

(STF – AI 761701 ED, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 15/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-233 DIVULG 26-11-2013 PUBLIC 27-11-2013)

Em diversas outras oportunidades, essa autonomia legislativa foi ressaltada pelos Ministros que compõem a Corte Suprema.

Nesse sentido, no julgamento da ADI 4015-MC, proposta pelo Estado do Pará em face de ato do E. TRT da 8ª Região que modificava a previsão da Lei Paraense nº 6.624/2004, que regulamentava o pagamento das requisições de pequeno valor, anotou o Min. Celso de Mello, deixando claro o importante papel de concretização do comando constitucional por parte do legislador ordinário:

Constata-se, embora em sede de delibação, que a inovação resultante da cláusula fundada no art. 100 , § 3 º, da Carta Política, para efetivar-se, passou a depender da necessária edição de lei ordinária que definisse o significado do termo constitucional “pequeno valor”, para, em função do que viesse a dispor esse diploma legislativo, viabilizar-se a dispensa, sempre excepcional, da expedição de precatórios.

Impunha-se, portanto, para efeito de integral aplicabilidade dessa norma constitucional, a intervenção concretizadora do legislador comum, em ordem a possibilitar a incidência da cláusula excepcional que, desde a promulgação da EC nº 20/98, passou a autorizar - uma vez editada a lei ordinária reclamada pelo art. 100, § 3º, da Carta Política - o pagamento de obrigações devidas pela Fazenda Pública, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, independentemente da expedição de precatórios.

A “interpositio legislatoris”, tornada constitucionalmente necessária para conferir plena eficácia e integral aplicabilidade à regra inscrita no art. 100, § 3 º, da Lei Fundamental, consubstanciou-se, juridicamente, no Estado do Pará, na Lei nº 6.624, de 13/01/2004.

(Voto do Min. Celso de Mello - ADI 4015 MC, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/04/2008, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-025 DIVULG 05-02-2014 PUBLIC 06-02-2014)

No julgamento da ADI nº 2.868/PI, os Ministros do E. STF deixaram claro que compete aos entes públicos a avaliação das próprias condições financeiras, para fins de determinar o valor adequado para fins de pagamento das requisições de pequeno valor:

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Sr. Presidente, no caso, tenho a impressão de que o legislador constituinte quis deixar claro ao Estado a possibilidade de fazer uma avaliação das suas forças financeiras. Estamos a ver que, às vezes, a multiplicação de demandas – é o quadro desenhado, hoje, nos Juizados Especiais Federais, com o teto de sessenta salários mínimos – pode tornar intolerável a carga decorrente dessa pretensa liberalidade do afastamento da regra do precatório.

Por não dispor de dados para dizer que o Estado do Piauí teria violado o princípio da proporcionalidade ao estabelecer esse piso e por reconhecer, inclusive, a situação financeira peculiar daquele Estado, também acompanho a divergência [voto pela improcedência da ADI, que pretendida a declaração de inconstitucionalidade da lei estadual que fixou o montante das obrigações de pequeno valor].

(Voto do Min. Gilmar Mendes - ADI 2868, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 02/06/2004, DJ 12-11-2004 PP-00005 EMENT VOL-02172-01 PP-00152 LEXSTF v. 26, n. 312, 2005, p. 92-105)

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – [...] O legislador estadual tem, pois, toda a liberdade para, segundo os próprios critérios constitucionais, compatibilizar o valor que estabeleça com as disponibilidades orçamentárias da respectiva entidade da Federação.

(Voto do Min. Cezar Peluso - ADI 2868, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 02/06/2004, DJ 12-11-2004 PP-00005 EMENT VOL-02172-01 PP-00152 LEXSTF v. 26, n. 312, 2005, p. 92-105)

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – O que há no corpo permanente da Carta? Que o estabelecimento de valores foi relegado à definição política da própria unidade, podendo haver, inclusive, no Estado, variação, considerada a pessoa jurídica de direito público devedora.

(Voto do Min. Marco Aurélio - ADI 2868, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 02/06/2004, DJ 12-11-2004 PP-00005 EMENT VOL-02172-01 PP-00152 LEXSTF v. 26, n. 312, 2005, p. 92-105)

Em decisão de lavra do Min. Gilmar Mendes, proferida nos autos da Rcl 4987 MC, referente ao Município de Petrolina/PE, proposta em razão de descumprimento por parte do Juiz da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de Petrolina/PE de lei municipal que estabeleceu em R$900,00 (novecentos reais) o montante das obrigações de pequeno valor, anotou-se:

DECISÃO: Trata-se de reclamação, com pedido de liminar, ajuizada pelo Município de Petrolina/PE, em face de decisão do Juiz da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de Petrolina/PE, proferida nos autos da Reclamação Trabalhista no 01233-2005-411-06-00-6. O reclamante narra que, por meio da Lei Municipal no 1.899, de 19 de dezembro de 2006, estabeleceu em R$ 900,00 (novecentos reais) o referencial de pequeno valor para fins de aplicação do art. 100, § 3o, da Constituição Federal. Assim procedendo, teria exercido sua autonomia legislativa para a definição do referencial de pequeno valor, tal como garantido pelo art. 87 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Apesar disso, a autoridade reclamada teria afastado a aplicação dessa norma municipal e, em sede de reclamação trabalhista, considerado como de pequeno valor uma condenação de R$ 4.217,69 (quatro mil, duzentos e dezessete reais e sessenta e nove centavos). Após, em 30 de janeiro de 2007, o Município reclamante peticionou ao juízo reclamado informando a existência da Lei Municipal no 1.899/2006. [...] Passo a decidir o pedido de medida liminar. Em análise sumária da controvérsia apresentada nestes autos, entendo presentes os requisitos para a concessão da medida liminar. [...] Na ADI n° 2.868/PI, de relatoria do Ministro Carlos Britto, o Tribunal fixou o entendimento de que é constitucional a lei da entidade federativa que fixa valores diferenciados àquele estipulado, em caráter transitório, pelo art. 87, inciso II, do ADCT. Entendeu-se, assim, que o art. 100, § 5o, da Constituição, permite que a lei fixe valores distintos como referencial de “pequeno valor” apto a afastar a incidência do sistema de pagamento, por meio de precatórios, dos débitos da Fazenda Pública. A teleologia das normas constitucionais é a de assegurar a autonomia das entidades federativas, de forma que Estados e Municípios possam adequar o sistema de pagamento de seus débitos às peculiaridades financeiras locais. O referencial de “pequeno valor”, para afastamento da aplicação do sistema de precatórios, deverá ser fixado conforme as especificidades orçamentárias de cada ente da federação. Parece claro, da mesma forma, que essa autonomia do ente federativo deverá respeitar o princípio da proporcionalidade. É dizer: não poderá o Estado ou o Município estabelecer um valor demasiado além, ou aquém, do que seria o valor razoável de “pequeno valor” conforme as suas disponibilidades financeiras. Cada caso é um caso, cujo juízo de proporcionalidade pressupõe a análise dos orçamentos de cada ente federativo. A Lei do Município de Petrolina-PE fixou um valor de R$ 900,00 (novecentos reais), que me parece bastante razoável, mesmo se comparado com os parâmetros do art. 87 do ADCT. Recordo, neste ponto, que, no julgamento da ADI n° 2.868/PI, o Tribunal considerou razoável valor no montante de 5 (cinco) salários mínimos. Ademais, ainda que o Tribunal não tenha se pronunciado expressamente sobre este tópico, a autonomia conferida aos entes federativos pelo art. 100, § 5o, da Constituição e pelo art. 87 do ADCT, abrange, inclusive, a possibilidade de que o referencial de pequeno valor não seja necessariamente fixado em quantidade de salários mínimos. O art. 87 do ADCT deixa claro que os valores nele estabelecidos têm vigência “até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação”. A lei de cada ente da federação poderá fixar outros valores não vinculados ao salário mínimo. Portanto, o referencial de pequeno valor - R$ 900,00 (novecentos reais) - fixado pela Lei Municipal n° 1.899/2006, para fins de aplicação do art. 100, § 3o, da Constituição Federal, deve ser respeitado pelo Juízo da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de Petrolina/PE. Com essas considerações, defiro o pedido de medida liminar para suspender os efeitos da decisão do Juiz da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de Petrolina/PE, proferida nos autos da Reclamação Trabalhista no 01233-2005-411-06-00-6. Comunique-se, com urgência. Publique-se. Requisitem-se informações ao Juízo da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de Petrolina/PE. Após, dê-se vista dos autos à Procuradoria-Geral da República. Brasília, 7 de março de 2007. Ministro GILMAR MENDES Relator [...].

(STFRcl 4987 MC, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 07/03/2007, publicado em DJ 13/03/2007 PP-00028 RTJ VOL-00200-01 PP-00287 RDDP n. 50, 2007, p. 162-165)

Desse modo, a jurisprudência do E. STF privilegia a prerrogativa do próprio ente de estabelecer o montante adequado das obrigações de pequeno valor, à luz de sua situação econômica, notadamente em virtude do papel de concretização atribuído ao legislador ordinário. Por tal razão, apenas em caráter excepcional, quando comprovado o abuso notório do poder de legislar, mediante prova robusta a cargo da parte interessada, é que o Poder Judiciário poderia intervir na temática.

6.3.  Da inexistência de abuso legislativo por parte do Município de Fortaleza ao editar a Lei nº 10.562/2017

No processo em referência, a parte interessada não se desincumbiu do ônus de demonstrar o abuso do poder de legislar por parte do Município de Fortaleza ao reduzir o valor das obrigações de pequeno valor, a exemplo do que ocorre com os outros processos citados nesta petição, em que a controvérsia se faz presente. À luz da jurisprudência do E. STF “apenas a redução manifestamente desproporcional, isto é, em manifesto descompasso com a capacidade financeira, pode ser censurável por meio de controle de constitucionalidade, já que a norma constitucional atribui ao legislador amplo espectro de conformação” (ADI 4332, Relator(a):  Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 07/02/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-088 DIVULG 07-05-2018 PUBLIC 08-05-2018).

Nesse sentido, a fundamentação adotada pelo exequente nos autos de nº 0148161-48.2016.8.06.0001 é reproduzida na ocasião:

“Desta forma, observando o entendimento deste Juízo acerca da inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 10.562/2017, que estabeleceu como obrigação de pequeno valor o parâmetro referente ao maior benefício do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, deve-se considerar vigente o teto constitucional de 30 (trinta) salários mínimos como limite para pagamento das obrigações de pequeno valor, no âmbito do ente político municipal, razão pela qual a Edilidade deve pagar, empós a expedição de Requisição de Pequeno Valor, os valores acima.”

(Cumprimento de sentença – autos nº 0148161-48.2016.8.06.0001, fl. 190)

No tocante à fundamentação das decisões que acatam pedidos de natureza semelhante, é possível citar, comumente, a utilização do frágil argumento da posição de Fortaleza no ranking de maiores PIBs das capitais brasileiras, bem como o volume das receitas obtidas nos últimos anos. Desse modo, tais seriam os parâmetros para demonstrar o suposto descompasso entre a capacidade econômica do Município de Fortaleza e o valor por este fixado para fins de pagamentos das obrigações de pequeno valor.

Todavia, necessário destacar que a compreensão atribuída ao vocábulo “capacidade econômica” não deve ser acolhida nos exatos termos conferidos pelas partes interessadas, bem como pelas decisões judiciais em anexo. Isto porque o incremento ou aumento de receitas auferidas ao longo dos anos, bem como a classificação do Município de Fortaleza como um dos maiores PIBs do país, não implicam, por si só, em garantia de suficiência de recursos disponíveis e higidez financeira plena.

Nesse sentido, os Estados do RJ, MG e RS possuem, respectivamente, os 2º, 3º e 4º maiores PIBs dentre os Estados brasileiros (doc. 8) e estão passando por notória crise fiscal, o que está acarretando, dentre outros fatores, constantes parcelamentos da remuneração mensal de seus servidores e atrasos nos repasses devidos aos respectivos Municípios (docs. 9 e 10).

Para aferir corretamente a capacidade econômica de um dado ente federado, na forma do art. 100, §4°, CF/88, é necessário que o intérprete leve em consideração as despesas assumidas em conjunto com as receitas auferidas. Assim, incorreta é a conclusão relativa à capacidade financeira da União, dos Estados, dos Municípios ou do Distrito Federal que tome como base tão somente o total das suas receitas ou o aumento da arrecadação.

Segundo informações obtidas nos relatórios elaborados pela Prefeitura de Fortaleza, em virtude de obrigações presentes na CF/88 e na Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, o incremento de receitas no orçamento municipal também foi acompanhado do aumento de gastos e despesas com a execução de políticas públicas, notadamente nas áreas da educação e saúde, bem como de despesas para o custeio da máquina pública e despesas de outras ordens.

Sendo assim, não ocorreu aumento exclusivo de recursos.

Eis os dados constantes das últimas leis orçamentárias (doc. 11):

 

EXERCÍCIO FINANCEIRO

RECEITAS

DESPESAS

2015

(Lei Municipal nº 10.312/2014)

R$ 6.423.442.864

(art. 2º)

R$ 6.423.442.864

(art. 3º)

2016

(Lei Municipal nº 10.435/2015)

R$ 7.282.383.519,00

(art. 2º)

R$ 7.282.383.519,00

(art. 3º)

2017

(Lei Municipal nº 10.554/2016)

R$ 7.597.930.224,00

(art. 2º)

R$ 7.597.930.224,00

(art. 3º)

2018

(Lei Municipal nº 10.660/2017)

R$ 7.559.346.503

(art. 2º)

R$ 7.548.394.503

(art. 3º)

2019

(Lei Municipal nº 10.841/2018)

R$ 8.074.393.545,00

(art. 2º)

8.074.393.545,00

(art. 3º)

 

No tocante às despesas, em si, o quadro a seguir descrito demonstra a evolução das despesas apenas com o ensino fundamental, no tocante às despesas empenhadas dos exercícios financeiros de 2015 a 2018 (doc. 12):

 

EXERCÍCIO FINANCEIRO

DESPESAS COM AÇÕES DE MDE – ENSINO FUNDAMENTAL

(EMPENHADAS)

PERCENTUAL DE INCREMENTO EM RELAÇÃO AO ANO ANTERIOR

(APROXIMADO)

2015

R$ 960.404.257,87

-

2016

R$ 1.013.808.797,42

5,56%

2017

R$ 1.118.811.754,44

10,36%

2018

R$ 1.196.652.815,77

6,96%

PERCENTUAL ACUMULADO DE INCREMENTO DE 2017 EM RELAÇÃO A 2015

24,60%

 

Note-se, portanto, um incremento de 24,60% nas despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino de 2015 para 2018, unicamente no que se refere ao “ensino fundamental”, o que é comprovado pelos Demonstrativos das Receitas e Despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino dos respectivos exercícios em anexo.

Destarte, inquestionável é o aumento proporcional de despesas do Município de Fortaleza nos anos em apreço, de modo que se pode afirmar a não ocorrência de crescimento financeiro desacompanhado de despesas proporcionais. Assim, se os gastos realizados pelo ente federado com serviços públicos e pessoal, por exemplo, também aumentaram, não há que se falar em incremento da capacidade financeira, pois, reitere-se, o patrimônio disponível não foi acrescido.

Registre-se, oportunamente, que os entes federados, incluindo aí o Município de Fortaleza, têm parte de suas receitas vinculadas constitucionalmente às Ações e Serviços Públicos de Saúde – ASPS e Manutenção e Desenvolvimento do Ensino – MDE, respectivamente nos percentuais de 15% (art. 198, § 2º, II da CF/88 c/c art. 7º da LC nº 141/2012) e 25% (art. 212, caput da CF/88), no tocante aos impostos municipais. Com isso, resta claro que nem toda receita auferida pela municipalidade se converte em recurso para livre utilização, isto é, não impactam diretamente na capacidade econômica para fins de pagamento de RPV.

Neste ensejo, constata-se que o legislador, quando da edição da Lei Municipal impugnada, observou adequadamente a capacidade financeira do Município de Fortaleza para pagamento de Requisições de Pequeno Valor, atentando-se para a ampliação das despesas em concomitância com as receitas. Não é argumento hábil para ilidir a constitucionalidade da norma infraconstitucional os fatos isolados de aumento de receitas e da omissão da Administração Pública nos últimos anos ao não editar ato normativo delimitador do importe da Requisição de Pequeno Valor.

No contexto da capacidade econômica do ente federado para pagar suas dívidas, um fator balizador para aferir o conceito do instituto em tela pode ser observado na própria Carta Magna, notadamente no art. 97, §§ 2° e 3°[28], que trata do pagamento de Precatórios, instituto diferente, mas que guarda relação de semelhança com a RPV por se tratar do título de pagamento da dívida judicial de União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Na primeira norma, o legislador constituinte reformador incluiu previsão expressa acerca da vinculação de um certo percentual da receita corrente líquida do ente federado para pagamento dos seus precatórios. Esta disposição constitucional, notadamente, tem duplo objetivo: garantir a continuidade do pagamento da dívida pública, observando, por outro lado, o potencial econômico do devedor, impedindo complicações financeiras e, consequentemente, o comprometimento da atividade da Administração.

O art. 97, §3°, CF/88, de modo complementar, compreende o conceito de receita corrente líquida, dispondo se tratar das arrecadações do ente federado abatidas dos repasses obrigatórios para outras pessoas jurídicas de direito público e das contribuições de servidores para custeio do seu sistema previdenciário e assistência social. Ou seja, de acordo com o disposto na Constituição Federal, nem tudo que foi arrecadado pelo Município pode ser agregado ao contexto da capacidade econômica para fins de pagamento de débitos judiciais. Este entendimento está em total conformidade com o exposto em linhas pretéritas.

Ademais, não se pode olvidar que a RPV constitui uma exceção ao regime de precatório, ou seja, não necessita de inclusão no orçamento subsequente para que ocorra o pagamento, devendo este ocorrer no prazo assinalado no requisitório, de modo que a despesa correspondente não permite uma preparação orçamentária do Município para cumpri-la.

Assim, o orçamento público municipal não tem capacidade de absorver ou suportar o pagamento imediato de significativas obrigações de pequeno valor, considerando o teto previsto constitucionalmente de 30 (trinta) salários mínimos, sem que haja comprometimento de suas finanças e do pagamento de outras obrigações.

Outrossim, o ente público municipal não pode ser penalizado e ter suas finanças comprometidas pelos próximos anos com o pagamento de RPVs com base no valor de 30 (trinta) salários mínimos pela inércia de administrações anteriores na edição de lei para definição das obrigações de pequeno valor de acordo com a capacidade financeira municipal. A atual gestão, em busca de concretizar os preceitos principiológicos e as regras do ordenamento jurídico, através de compromisso fiscal, busca a incessante organização de finanças públicas, seja através das leis orçamentárias ou de medidas como a fixação proporcional do montante das Requisições de Pequeno Valor.

Ressalte-se que o fluxo das condenações judiciais do ente municipal tem sido incrementado constantemente ao longo dos anos, notadamente após a implementação do sistema do Juizado Especial da Fazenda Pública nesta capital, com 4 (quatro) varas exclusivas, com a edição da Resolução nº 02/2013-TJCE.

Portanto, é inegável que a edição de lei definindo as obrigações de pequeno valor em patamar inferior ao valor então fixado constitucionalmente de 30 salários mínimos revela, per se, impactos positivos no orçamento de qualquer ente público. No caso do Município de Fortaleza, a fixação da RPV no valor do maior benefício pago pelo RGPS possibilitará que tais obrigações sejam pagas de modo organizado e planejado, sem que haja o comprometimento integral ou de parcela significativa do orçamento municipal.

Note-se que a fixação do valor contido na aludida Lei Municipal não se mostra desarrazoado ou desproporcional, porquanto o mesmo foi fixado dentro do padrão de conformação do texto constitucional, ou seja, em respeito integral ao comando previsto no §4º do art. 100, da CF/88 – que continua em plena vigência –, não havendo desrespeito aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, bem como qualquer outro que discipline a atividade da Administração Pública, tendo esta atuado com zelo e responsabilidade fiscal e orçamentária, prevendo suas receitas e despesas para, com base nisso, fixar a quantia de sua Requisição de Pequeno Valor.

Destaque-se que a mera ausência de justificativa analítica na Mensagem nº 003 do Projeto de Lei enviado pelo Prefeito à Câmara de Vereadores não autoriza a conclusão de que houve abuso legislativo. À luz da jurisprudência do E. STF, como visto, é ônus da parte interessada comprovar o manifesto descompasso entre a redução do valor do teto de RPV e a capacidade econômica do ente político, o que não ocorreu na espécie.

Assim, levando em consideração que a edição da Lei Municipal nº 10.562/2017 se adequa à capacidade econômica do Município de Fortaleza, não havendo provas do abuso do poder de legislar, deve prevalecer a presunção de constitucionalidade da norma.

Saliente-se que a questão versada nos autos atrai a incidência da abordagem das capacidades institucionais, trabalhada, no contexto norte-americano, por Cass Sunstein e Adrian Vermeule[29], professores da Harvard Law School, segundo a qual as instituições públicas (como o Poder Judiciário) deveriam se ater às possibilidades reais de cada uma lidar de forma adequada com a interpretação de determinados materiais jurídicos, tendo-se em vista suas limitações e habilidades.

Ressalte-se que essa abordagem já foi expressamente utilizada pelo E. STF, no julgamento do Referendo na Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 309/STF, em que tal Corte Suprema decidiu pelo reestabelecimento da validade da Portaria nº 188/2010, editada pelo Ministério das Comunicações, por considerar a maior capacidade institucional desse órgão público para tratar de questões técnicas afetas à pasta respectiva.

Na ocasião, o Min. Rel. Marco Aurélio asseverou:

O processo revela matéria de alta complexidade técnica em relação à qual o Ministério das Comunicações havia, inicialmente, concluído pela prorrogação de prazo para cumprimento dos deveres envolvidos. Ato judicial no sentido de impor novo lapso temporal implicou evidente reavaliação de diagnósticos e prognósticos feitos pelo órgão especializado competente para tanto, resultando na transgressão de preceitos fundamentais como a separação de poderes, o devido processo legal e a eficiência administrativa.

(Voto do Min. Rel. Marco Aurélio na ADPF 309 MC-Ref, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-235 DIVULG 28-11-2014 PUBLIC 01-12-2014, grifo nosso)

Igualmente, ressaltou o Min. Luiz Fux:

Eu me refiro especificamente à questão das capacidades institucionais. Esse caso é um caso emblemático sob esse ângulo constitucional. Vossa Excelência sempre afirma que uma instância pode muito, mas não pode tudo, e isso se refere a todos os Poderes. Então, também não se pretende um governo de juízes, até porque nos falta, dentre outras coisas, essa capacidade institucional que foi introduzida nesse debate sobre ativismo e judicialização das questões, dentre outros, pelo Professor Cass Sunstein, se não estou equivocado, de Harvard, e pelo Professor Adrian Vermeulle. (Voto do Min. Luiz Fux na ADPF 309 MC-Ref, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-235 DIVULG 28-11-2014 PUBLIC 01-12-2014, grifo nosso)

Dessa feita, referida advertência efetivada pelos professores da Harvard Law School, sobre a necessidade de o Poder Judiciário considerar a questão das capacidades institucionais – abordagem já utilizada pelo E. STF, como demonstrado acima –, possui plena aplicabilidade no caso em comento, para reconhecer a posição preferencial dos Poderes Executivo e Legislativo para avaliar a questão relativa à capacidade econômica do Município de Fortaleza para o pagamento de seus débitos judiciais via RPV.

6.4.  Da necessidade de redução do patamar das obrigações de pequeno valor, ocasionada pela EC nº 95/2016

Dentre as diversas razões que justificaram a alteração do patamar das obrigações de pequeno valor, explanadas no item anterior, pode-se destacar também o advento da EC nº 95/2016 (“PEC do teto de gastos públicos”), que alterou o ADCT da CF/88, estabelecendo o denominado “novo regime fiscal”.

Tal regime fiscal, notadamente no tocante ao art. 110, ADCT, representou uma limitação de ordem constitucional aos gastos da União Federal com ações e serviços públicos de saúde e com a manutenção e o desenvolvimento do ensino, impactando, desse modo, os repasses voluntários de recursos aos demais entes federados para a efetivação de despesas de tais ordens.

Inversamente proporcional à diminuição de recursos repassados pela União Federal ao Município de Fortaleza é a sempre crescente demanda pelo custeio e investimento nas áreas de saúde e educação, de que são representativas as diversas ações judiciais cuja temática de fundo é o direito à saúde, que tramitam perante o Poder Judiciário Estadual.

6.5.  Da relação entre o valor das obrigações de pequeno valor e a disponibilidade de recursos para a realização de políticas públicas. Do déficit social de Fortaleza.

A definição do montante das obrigações de pequeno valor, para fins de determinação de quais condenações judiciais serão pagas pela via do precatório, com prévia inclusão em orçamento, ou quais serão quitadas mediante a expedição de requisição de pequeno valor, para adimplemento no prazo de 60 (sessenta) dias, está intimamente relacionada tanto à execução quanto ao planejamento orçamentários dos entes públicos.

Nesse sentido, ao se definir um patamar elevado como o “teto” para a expedição das RPVs, o que se tem como reflexo prático é um menor controle do Poder Executivo sobre a gestão de seus débitos judiciais, bem como a diminuição da disponibilidade financeira para a execução do orçamento planejado, em prol da efetivação das políticas públicas.

Lado outro, a fixação de um montante inferior para as obrigações de pequeno valor permite ao ente público controlar de modo mais adequado o estoque da dívida judicial do ente, diante da sistemática constitucional estabelecida para o pagamento dos débitos pela via dos precatórios, bem como propicia a execução orçamentária com maior facilidade, seja pela maior disponibilidade financeira, seja pela diminuição de riscos derivados da necessidade de pagamento a curto prazo de condenações judiciais de maior monta.

Sabe-se que o planejamento e a execução orçamentária são questões intimamente relacionadas à implementação das políticas públicas, visando ao fomento e à realização dos direitos fundamentais.

Nesse sentido, de acordo com o E. STF, “o controle da elaboração e da execução do orçamento público é matéria indispensável em um Estado Democrático de Direito, haja vista que se trata de uma condição de possibilidade para a fruição empírica de todos os demais direitos fundamentais” (ACO 1224, Relator(a):  Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 04-10-2018 PUBLIC 05-10-2018).

Ciente disso, a avaliação da capacidade econômica do ente, para os fins do art. 100, § 4º, da CF/88, necessita se atentar à realidade social dos administrados do ente público – ou seja, às carências existentes na localidade que justificam uma maior ou menor disponibilidade financeira para a adoção de políticas públicas.

Por tal razão é que, independentemente da posição de Fortaleza no ranking do PIB das capitais brasileiras, o Município necessita de uma maior disponibilidade financeira, já que, igualmente, apresenta um dos maiores déficits sociais do país – como, por exemplo, a 2ª pior colocação dentre as capitais do Nordeste em termos de Índice de Desenvolvimento Humano Municipal - IDHM, atrás apenas de Maceió/AL, de acordo com os últimos dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, elaborado conjuntamente pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea e pela Fundação João Pinheiro – FJP (doc. 13).

A título ilustrativo, no ranking de todos os Municípios, Fortaleza ocupa a 467ª posição, muito atrás de outras capitais como Florianópolis (3ª), Vitória (4ª), Curitiba (10ª), Belo Horizonte (20ª), Porto Alegre (28ª) Goiânia e Rio de Janeiro (45ª), Palmas (76ª), Cuiabá (92ª), Campo Grande (100ª), Recife (210ª), Aracaju (227ª), São Luís (249ª), João Pessoa e Natal (320ª) e Salvador (383ª).

Nota-se, portanto, que o déficit social de Fortaleza é muito superior a diversas outras capitais que possuem PIB nitidamente inferior ao da capital alencarina, impondo-se a necessidade de se criar condições melhores para a execução orçamentária do Município, visando uma melhora no quadro social atual, por meio da implementação de políticas púbicas.

Tal melhora demanda a adoção de medidas de controle para aprimorar a gestão orçamentária, dentre as quais se inseriu a edição da Lei Municipal nº 10.562/2017, regularmente aprovada pela Câmara Municipal de Fortaleza após proposta oriunda do Prefeito Municipal.

Ressalte-se que os Municípios possuem vasto rol de competências administrativas, voltadas notoriamente para a promoção dos direitos fundamentais da população local, uma vez que compete àqueles prestar os serviços públicos de interesse local (art. 30, V da CF/88).

Sendo assim, o déficit social de Fortaleza deve ser levado em consideração para a análise da capacidade econômica do ente, para os fins do art. 100, § 4º, da CF/88, uma vez que as carências sociais demandam um maior patamar de despesas por parte do ente, na realização de políticas públicas em prol da população local.

6.6.  Do montante das obrigações de pequeno valor adotado por outros entes públicos

Urge ressaltar que os Municípios de Belo Horizonte (art. 1º da Lei nº 9.320/2007, com a redação dada pela Lei nº 9.532/2008 – valores atualizados a cada reajuste no valor do maior benefício do RGPS por intermédio de orientação normativa expedida pela PGM[30]) e Florianópolis (art. 1º, caput da Lei nº 8.258/2010[31]) também adotam, de forma lícita, o referencial do maior benefício do RGPS como limite para a expedição de RPV.

O mesmo patamar é adotado pelo Estado de Alagoas (art. 1º da Lei nº 7.154/2010[32]) e, atualmente, pelo Estado do Piauí (art. 1º da Lei nº 5.250/2002, com a redação dada pela Lei nº 6.009/2010[33]).

Nota-se, portanto, que duas capitais de grande porte, bem como dois Estados-membros, adotam o mesmo patamar fixado na Lei Municipal nº 10.562/2017 como teto para o pagamento das condenações judiciais via RPV, o que reforça a conclusão de que não houve abuso legislativo por parte do Município de Fortaleza.

7. Da suspensão das ações em trâmite nos limites territoriais do E. TJCE

De acordo com o Código Processual Civil e o Regimento Interno do TJCE, uma vez instaurado o IRDR, serão suspensos todos os processos pendentes que tramitam no Estado (art. 982, I, CPC/2015 e art. 150, § 5º, I, RI-TJCE), o que desde já se requer.

8. Dos pedidos

Ante o exposto, requer-se:

a) o recebimento deste Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR, com a distribuição do feito a um dos membros do órgão julgador (art. 151 do RI-TJCE);

b) o juízo positivo de admissibilidade do IRDR, pelo órgão competente (art. 981 do CPC/2015 e art. 150, § 1º do RI-TJCE);

c) a suspensão de todos os processos pendentes que tramitam no Estado, tanto nas Varas Comuns da Fazenda Pública, quanto no sistema do Juizado Especial da Fazenda Pública, expedindo-se ofício aos juízos respectivos da Comarca de Fortaleza/CE (art. 982, I, CPC/2015 e art. 150, § 5º, I, RI-TJCE);

d) caso se entenda imprescindível, a requisição de informações às Varas da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza/CE, a respeito da controvérsia, a serem prestadas no prazo de 15 dias (art. 982, II do CPC/2015 e art. 150, § 5º, II do RI-TJCE);

e) a intimação dos exequentes do processo de nº 0148161-48.2016.8.06.0001 (agravo de instrumento de nº 0010195-41.2018.8.06.9000), bem como dos demais interessados, para manifestação no prazo comum de 15 (quinze) dias (art. 983 do CPC/2015 e art. 150, § 5º, III, RI-TJCE);

f) a intimação do representante do Ministério Público do Estado do Ceará para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 (quinze) dias (art. 982, II do CPC/2015 e art. 150, § 5º, V do RI-TJCE);

g) no mérito, a resolução da questão jurídica indicada nesta petição, fixando-se tese jurídica pela declaração de constitucionalidade da Lei Municipal nº 10.562/2017, notadamente dos arts. 1º e 4º, no que se refere ao montante fixado para as obrigações de pequeno valor, utilizado como teto para a expedição de Requisição de Pequeno Valor – RPV nas condenações judiciais do Município de Fortaleza;

h) o reconhecimento da eficácia vinculante da tese jurídica a ser fixada a todos os juízos vinculados ao Estado do Ceará, inclusive os que compõem o sistema do Juizado Especial da Fazenda Pública (art. 985 do CPC/2015).

Pugna-se pela juntada posterior de documentos e/ou diligências necessárias à elucidação da questão de direito, tal como autorizado pelo art. 983 do CPC/2015.

Termos em que, pede deferimento.

Fortaleza/CE, data certificada pelo sistema.

João Afrânio Montenegro

Procurador-Chefe da Procuradoria Judicial

Mat. nº 22235-1 | OAB/CE nº 4.466

Marcela Vila Nova de Almeida Barbosa

Procuradora do Município

Mat. nº 118125-01 / OAB/CE nº 23.274

Renan Sales de Meira

Procurador do Município

Mat. nº 118121-01 | OAB/CE nº 40.577-A

Relação de documentos:

DOC. 1 – Cópia integral do processo originário que tramita no Juizado Especial (proc. nº 0148161-48.2016.8.06.0001, Agravo de Instrumento nº 0010195-41.2018.8.06.9000 e Agravo Interno nº 0010195-41.2018.8.06.9000/50000);

DOC. 2 – Lei Municipal nº 10.562/2017;

DOC. 3 – Cópias do inteiro teor de decisões que declaram a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 10.562/2017;

DOC. 4 – Cópia integral dos autos do Mandado de Segurança nº 0010148-67.2018.8.06.9000, impetrado na Turma Recursal, e respectivo Agravo Interno.

DOC. 5 – Cópia integral dos autos do Pedido de Suspensão nº 0625346-32.2018.8.06.0000 direcionado ao Presidente do TJCE, e respectivo Agravo Interno.

DOC. 6 – Cópias de comprovantes de RPVs pagas pelo Município de Fortaleza (e respectivo alvará quando houver), com valores que superam o teto do RGPS fixado na Lei Municipal nº 10.562/2017;

DOC. 7 – Cópias do inteiro teor de decisões que presumem a constitucionalidade da Lei Municipal nº 10.562/2017;

DOC. 8 – Ranking do PIB dos Estados brasileiros;

DOC. 9 – Notícias sobre o parcelamento do pagamento da remuneração dos servidores dos Estados do Rio de Janeiro (RJ), Minas Gerais (MG) e Rio Grande do Sul (RS)

DOC. 10 – Notícias sobre o atraso nos repasses de recursos do Estado de Minas Gerais (MG) para os Municípios mineiros.

DOC. 11 – Leis Orçamentárias Anuais (LOAS) do Município de Fortaleza dos anos de 2015 a 2019;

DOC. 12 – Demonstrativos contábeis dos gastos com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino dos anos de 2015 a 2018;

DOC. 13 – Ranking do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) por Município.



[1] Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009). (Vide Emenda Constitucional nº 62, de 2009)

(...)

§ 3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

§ 4º Para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

[2] A título de exemplo, os processos nºs: 0180644-68.2015.8.06.0001, 0157456-12.2016.8.06.0001, 0130631-31.2016.8.06.0001, 0145116-36.2016.8.06.0001, 0157456-12.2016.8.06.0001, 0176724-18.2017.8.06.0001, 0885173-26.2014.8.06.0001.

[3] A título de exemplo, os processos nºs: 0025680-64.2008.8.06.0001 e 0426493-07.2000.8.06.0001.

[4] Art. 928. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em:

I - incidente de resolução de demandas repetitivas;

II - recursos especial e extraordinário repetitivos.

Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.

 

[5] CABRAL, Antônio do Passo. Comentários ao art. 976. In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo (coords.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1.453.

[6] CAVALCANTI, Marcos de Araújo. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e Ações Coletivas, Editora Juspodivm, 2015, p. 420.

[7] MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Incidente de resolução de demandas repetitivas: sistematização, análise e interpretação do novo instituto processual. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 111-112.

[8] MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Incidente de resolução de demandas repetitivas: sistematização, análise e interpretação do novo instituto processual. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 111.

 

[9] “O incidente poderá ser suscitado em relação às questões de direito material ou processual. Do mesmo modo, poderão ser questões preliminares, prejudiciais ou posteriores ao mérito. O Código de Processo Civil não exigiu que fosse pertinente ao mérito do pedido formulado na demanda. Poderá, portanto, ser uma questão prejudicial ao mérito (constitucionalidade ou legalidade de um tributo criado ou majorado, por exemplo) ou mesmo decorrente dele (como a divergência estabelecida sobre uma regra pertinente à fixação de honorários advocatícios de sucumbência), mas também uma questão processual preliminar ao mérito ou posterior a ele, como, por exemplo, a controvérsia relacionada à competência para o julgamento ou pertinente ao cumprimento da sentença” (MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Incidente de resolução de demandas repetitivas: sistematização, análise e interpretação do novo instituto processual. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 112).

[10] Art. 976, § 4º. É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.

[11] O STJ já decidiu que o IRDR é direcionado aos tribunais de segundo grau: “não merece acolhida o pedido de instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR, [...], porquanto o instituto é direcionado aos tribunais de 2º grau, revelando-se inaplicável nesta Corte que apenas detém competência recursal, nos termos dos arts. 976 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015” (trecho do inteiro teor do AgInt no REsp 1747895/RS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/11/2018, DJe 16/11/2018)

[12] THEODORO JUNIOR, Humberto e outros. Novo CPC – Fundamentos e sistematização – 2. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 378-381.

[13] BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 613.

[14] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: RT, 2015. v 2, p. 580-581.

[15] TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demanda Repetitivas, Salvador:Ed. Juspodivm, 2016, p. 69.

[16] Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

[17] DIDIER JR., Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal – vol. 3. 13 ed. reform. – Salvador: JusPodivm, 2016, p. 643.

[18] Disponível em <www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=159354&tp=1> p. 177/178. Acesso em 14/03/2019.

 

[19] MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: sistematização, análise e interpretação do novo instituto processual. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 164.

[20] Disponível em <www.tjrj.jus.br/documents/10136/1186838/irdr-juizados.pdf> Acesso em 14/03/2019.

[21] Enunciado 21. O IRDR pode ser suscitado com base em demandas repetitivas em curso nos juizados especiais.

Enunciado 44. Admite-se o IRDR nos juizados especiais, que deverá ser julgado por órgão colegiado de uniformização do próprio sistema.

[22] “Art. 1º - Ficam definidos no âmbito do Município de Fortaleza, suas autarquias e fundações, como obrigações de pequeno valor que aludem os § § 3º e 4º do art. 100 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 09 de dezembro de 2009, os créditos oriundos de decisão judicial transitada em julgado, cujo montante total atualizado não exceda do valor do maior benefício do Regime Geral de Previdência Social – RGPS” (Lei Municipal nº 10.532/2017).

[23] Art. 4º - Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido no art. 1º desta Lei, o pagamento será realizado por meio de precatório, sendo facultado ao credor renunciar expressamente ao crédito excedente e optar pelo pagamento do saldo, sem precatório, mediante requisição de pequeno valor, na forma prevista no § 3º do art. 100 da Constituição Federal” (Lei Municipal nº 10.532/2017).

[24] “Em que pese a fundamentação expendida pelo autor da demanda, não subsistem razões jurídicas para a superação do entendimento sufragado no julgamento da ADI 2.868/PI, tampouco elementos empíricos que demonstrem o abuso do poder de legislar. Antes de tudo, sempre é bom lembrar que, em regra, não cabe ao Poder Judiciário adotar uma postura proativa no exame da destinação de despesas orçamentárias pelo Poder Executivo. Ao julgar questões que digam respeito à alocação de orçamento, o Judiciário deve adotar o paradigma da autocontenção, evitando-se, em regra, o ativismo judicial” (Voto do Min. Relator - ADI 4332, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno).

[25] Por todo o exposto, adotando uma postura de autocontenção, observa-se que a parte autora não se desincumbiu do ônus argumentativo de demonstrar o abuso do poder de legislar, a ponto de superar a jurisprudência consolidada desta Casa a respeito do tema. Muito pelo contrário, ressoam evidências de que o Estado de Rondônia editou a norma em observância à regra constitucional, pois inexistem elementos empíricos que demonstrem nítida discrepância entre a capacidade financeira do ente federado e o teto estipulado pela lei questionada” (Voto do Min. Relator - ADI 4332, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES).

[26] Tampouco é adequado estabelecer uma correspondência puramente lógica entre a receita do ente federado e o valor até o qual pode reduzir o teto para o pagamento dos débitos por RPV. Afinal, a receita não é um fator decisivo para aferir o grau de endividamento do ente federado. Nesses termos, o fato de o Município de Porto Velho estipular um teto superior ao previsto pelo Estado ao qual pertence não implica ipso facto a inconstitucionalidade da norma impugnada. Além do mais, tal raciocínio ignora o grau de litigiosidade de cada ente federado – presumivelmente superior em relação ao Estado de Rondônia.” (Voto do Min. Relator - ADI 4332, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES).

[27] Por essas mesmas razões, não convence o argumento segundo o qual o Estado de Rondônia vinha pagando seus débitos judiciais por meio de RPV até o valor de 40 salários-mínimos, sem qualquer abalo às suas finanças. Como visto, o artigo 87 do ADCT atribui um direito potestativo ao ente federado para reduzir o teto destinado ao pagamento em RPV, conforme a sua capacidade financeira. Nessa ordem de ideias, apenas a redução manifestamente desproporcional, isto é, em manifesto descompasso com a capacidade financeira, pode ser censurável por meio de controle de constitucionalidade, já que a norma constitucional atribui ao legislador amplo espectro de conformação. Portanto, fixar, como critério para aferir a constitucionalidade da norma, a mera possibilidade financeira de arcar com o pagamento em RPV implica restringir o âmbito de conformação do legislador e desrespeitar o precedente sufragado na ADI 2.868/PI” (Voto do Min. Relator - ADI 4332, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES).

[28] Art. 97. Omissis

(...)

§ 2º Para saldar os precatórios, vencidos e a vencer, pelo regime especial, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devedores depositarão mensalmente, em conta especial criada para tal fim, 1/12 (um doze avos) do valor calculado percentualmente sobre as respectivas receitas correntes líquidas, apuradas no segundo mês anterior ao mês de pagamento, sendo que esse percentual, calculado no momento de opção pelo regime e mantido fixo até o final do prazo a que se refere o § 14 deste artigo, será: (...)

§ 3º Entende-se como receita corrente líquida, para os fins de que trata este artigo, o somatório das receitas tributárias, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de contribuições e de serviços, transferências correntes e outras receitas correntes, incluindo as oriundas do § 1º do art. 20 da Constituição Federal, verificado no período compreendido pelo mês de referência e os 11 (onze) meses anteriores, excluídas as duplicidades, e deduzidas:

I - nos Estados, as parcelas entregues aos Municípios por determinação constitucional; 

II - nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios, a contribuição dos servidores para custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira referida no § 9º do art. 201 da Constituição Federal.

[29] SUNSTEIN, Cass R.; VERMEULE, Arian. Interpretation and Institutions. John M. Olin Law & Economics Working Papers, Working Paper No 156, 2002. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=320245>. Acesso em: 19 mar. 2019.

[30] Art. 1º. Para efeito do disposto nos §§ 3º e 4º do art. 100 da Constituição da República e no art. 87 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com redação dada pela Emenda Constitucional n° 37, de 12 de junho de 2002, a partir de 1º de janeiro de 2018 serão considerados de pequeno valor, no Município, os débitos ou as obrigações consignados em precatório judiciário que tenham valor igual ou inferior a R$ 5.645,80 (cinco mil seiscentos e quarenta e cinco reais e oitenta centavos);” (Orientação Normativa PGM nº 019/2018 – Belo Horizonte).

[31] “Art. 1º São consideradas de pequeno valor, para os fins do disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal - redação da Emenda Constitucional nº 62 de 2009, as obrigações que a Fazenda do Município de Florianópolis, suas Autarquias e Fundações devam quitar em decorrência de decisão judicial transitada em julgado, cujo valor seja igual ou inferior ao maior benefício do Regime Geral de Previdência Social, independente da natureza do crédito” (art. 1º, caput da Lei nº 8.258/2010 – Florianópolis).

[32] Art. 1º A Administração Pública Direta e Indireta do Estado de Alagoas, considerando as disposições do art. 3º da Emenda Constitucional nº 62, de 9 de dezembro de 2009, estabelece como de pequeno valor os débitos e obrigações, cujo montante, por beneficiário, não ultrapasse o valor do maior beneficio do Regime Geral de Previdência Social. Parágrafo único. Os débitos judiciais apurados em processos de competência do Poder Judiciário do Estado de Alagoas, cujos valores se enquadrem no caput deste artigo, serão pagos mediante Requisição de Pequeno Valor – RPV” (art. 1º da Lei nº 7.154/2010 – Estado de Alagoas).

[33] Art. 1º Para efeito do que dispõe o art. 100, § 3º, da Constituição Federal, no âmbito da Fazenda Estadual, serão considerados de pequeno valor os débitos ou obrigações iguais ou inferiores ao maior benefício do regime geral de previdência” (art. 1º da Lei nº 5.250/2002, com a redação dada pela Lei nº 6.009/2010 – Estado do Piauí).