O ALCANCE DO CONCEITO DE PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E OS CASOS DE CISÃO PARCIAL DE EMPRESAS SEM APURAÇÃO DE GANHO DE CAPITAL

THE LIMITS OF TAX PLANNING IN CASES OF PARTIAL SPIN-OFF OF COMPANIES WITHOUT CAPITAL GAIN CLEARANCE

Álisson José Maia Melo

Doutor em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Direito Tributário pelo Centro Universitário 7 de Setembro (UNI7). Analista de Regulação da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará (Arce). Professor Assistente da UNI7. E-mail: alisson@uni7.edu.br

Thiago Soares Guimarães

Especialista em Direito Tributário pelo Centro Universitário 7 de Setembro (UNI7). E-mail: thiago.sguimaraes@hotmail.com

Submetido em: 24 maio 2019

Aceito em: 28 ago. 2019

Resumo: A pesquisa propõe-se a analisar, com maior profundidade, a decisão proferida pela 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara do CARF, no Acórdão nº 1401-002.835, concluindo, em análise de situação de cisão parcial, que a economia de tributos, por si só, constitui propósito econômico suficiente para justificar as tomadas de decisão do contribuinte. A metodologia é dedutiva, baseada em pesquisa bibliográfica e documental. Apresenta-se o processo de cisão parcial de empresa para fins de alienação de bens e direitos para capitalização sob o ponto de vista contábil e quanto aos efeitos jurídico-tributários. São discutidos os precedentes do CARF que impossibilitam a realização dessa organização empresarial, destacando-se os principais argumentos utilizados. Ao final, confrontam-se o abuso de forma e a teoria da ausência de propósito negocial com a exigência de tipicidade cerrada no contexto do Sistema Tributário Nacional. Conclui-se que o planejamento tributário feito de forma adequada, transparente e responsável, mediante prática dos atos anteriores à incidência da norma tributária, não pode ser penalizado pelo Fisco, e que a ausência de legislação regulamentadora do art. 116 do CTN configura-se um óbice para a utilização de medidas antielisivas.

Palavras-chave: Planejamento tributário. Cisão parcial. Norma antielisiva. Abuso de forma. Propósito econômico.

Abstract: The research proposes to analyze, in greater depth, the decision pronounced by the 1st Ordinary Panel of the 4th Chamber of CARF, in Judgment nº 1401-002.835. It concludes, in the case of partial spin-off of companies, that tax saving, per se only, constitutes sufficient economic purpose to justify the decision-making of the taxpayer. The methodology is deductive, based on bibliographical and documentary research. It presents the process of partial spin-off of a company for purposes of sale of assets and rights for capitalization is presented, both from the accounting point of view and its legal and tax effects. It discusses CARF precedents that deny the realization of this business reorganization and highlights the main arguments used by the Council. In the end, it confronts the abuse of form and the theory of the absence of business purpose by the requirement of strict legality in the context of the National Tax System. It concludes that tax planning, when implemented in an appropriate, transparent and responsible fashion, through the practice of the acts prior to the incidence of the tax norm, cannot be penalized by the Tax Authorities, and that the absence of legislation regulating article 116 of the CTN constitutes an obstacle for the use of anti-sliding measures.

Keywords: Tax planning. Partial spin-off. Anti-avoidance rule. Abuse of form. Economic purpose.

1.  Introdução

A concepção de norma antielisão é pródiga em seus desdobramentos teóricos e práticos e traz indagações e ponderações cada dia mais impactantes no esteio do planejamento tributário dos contribuintes. Vivemos o período pós-moderno da erupção farta de tecnologias, geradas com velocidade tal que propiciam, em estudiosos menos atentos, o caminho inverso do conhecimento, promovendo mais a quantidade superficial de informação facilitada pelas mídias do que o aprofundamento da pesquisa científica, mesmo a mais essencial e crítica, relativa às condições de manutenção da ordem social e ao papel do Estado nesta tarefa. O estudo do Direito voltado para planejamento tributário encontrou um poderoso justificador de sua relevância, qual seja, a fragilidade do conceito de propósito negocial, também chamado de propósito econômico, utilizado indiscriminadamente pelo Fisco como forma de frear os atos jurídicos dos contribuintes que implicam a diminuição da carga tributária originalmente, ou por curso natural das práticas econômicas, esperada por ele (BAKI, 2015, p. 179-184).

Dentro do universo capitalista, observa-se que a intensa manifestação dos fatores socioeconômicos tem gerado impactos na moldagem do direito material constitucional, havendo quem afirmasse, como Bonavides (2016, p. 45), que “as novas Constituições são verdadeiros planos de política econômica”, denotando a sua essência eminentemente voltada para a consolidação do Estado no controle da economia. E isto o faz através dos tributos.

Decerto que a “nau” arrecadatória brasileira possui um “convés” cheio de intricados mecanismos regulatórios que tornam demasiado penosa a obrigação de contribuir, não simplesmente por tratar-se de desfazer-se da pecúnia, mas pela onerosa tarefa de controlar, calcular, arrecadar e declarar os tributos, o que mantém o contribuinte em constante estado de alerta em relação ao Fisco. O fenômeno da complexidade tributária brasileira leva a relação Fisco-contribuinte a um incessante embate jurídico, seja pela via administrativa ou judicial (VELLOSO, 2007).

Hoje, o planejamento tributário é parte do dia a dia de todas as empresas que se revestem de um mínimo de cuidado para manter-se vivas no mercado brasileiro, não apenas pelo lado do viés contributivo propriamente dito, mas pela competitividade voraz do mercado capitalista. É possível vislumbrar a tendência mundial de concentração das atividades produtivas em uma quantidade cada vez mais reduzida de grupos econômicos, conglomerados que, por sua vez, tornam-se gigantescos, globais e dominantes. Em meio à agressiva abordagem dos grandes conglomerados, é imperioso buscar por inovações constantemente, principalmente em suas estruturas jurídicas, como forma de reduzir custos e otimizar sua produção, a fim de se posicionarem no mercado com preços mais competitivos, agregando, ainda, o máximo de valor possível aos seus produtos e serviços (SOUZA; SANTOS, 2014, p. 63-77).

Daí o planejamento tributário ser um dos vieses contundentes da sobrevivência do contribuinte no mercado, e, por outro lado, o papel do Fisco identificar-se com versão espelhada e oposta ao do contribuinte, estando ambos em constante produção criativa em sentidos opostos: um, de maximizar a arrecadação que entende devida e esperada; o outro, de diminuir ao máximo os caminhos tributáveis que precisa seguir. Um duelo no qual, explica o tributarista Gilberto Luiz do Amaral (apud IBPT, 2012, p. 10), “enquanto o Fisco criou o Sistema de Inteligência Fiscal para melhor controlar e aumentar a arrecadação, a Governança Tributária propicia um sistema de inteligência empresarial, fazendo com que as empresas partam dessa informação fiscal e tomem decisões no sentido de ampliar seus mercados”.

É no campo de batalha entre contribuinte e Fisco que se encontra o mais obscuro conceito, utilizado por ambas as partes, mas com arrimo em frágeis colocações legais e interpretações jurídicas, ou nem isso: o propósito econômico. Ora, para o Fisco, qualquer movimento empresarial necessita de justificativa dentro da atividade mercantilista para que eventual benesse tributária acidental seja considerada lícita. O contribuinte, por outro lado, pergunta-se, e pergunta ao Fisco, e outrossim, juridicamente debate, por que não considerar a economia de tributos um motivo dentro da atividade comercial do contribuinte para justificar a sua sobrevivência no mercado.

A reestruturação societária, adentrando ao escopo da pesquisa, pode servir a um propósito tanto comercial quanto fiscal, quando remete a empresa a uma mudança em seu arcabouço, seja para dar eficiência ao seu processo produtivo ou para diminuir a carga tributária sobre si. Ocorre que somente uma dessas duas hipóteses é bem recebida pelo Fisco, qual seja, a primeira, enquanto esta última é refutada como carente de substância (ou propósito) negocial que lhe justifique (BAKI, 2015, p. 180).

A exemplo do que se comenta, os atos jurídicos de reestruturação de uma empresa, como a cisão parcial ou a incorporação, quando o objetivo vislumbrado pelo contribuinte for meramente o reconhecimento de crédito fiscal para fins de desconto, restituição, ressarcimento ou compensação, para utilização por parte da empresa cindenda ou por sua incorporadora é considerado, a priori, planejamento tributário ilícito, fugindo ao propósito econômico a que se destina o objeto da reestruturação.

No entanto, após novo entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), este, adiantamos, talvez mais lúcido e razoável, argumenta a inexistência de regra federal que considere inexistente ou sem efeito para fins fiscais o negócio jurídico cujo motivo de sua prática seja apenas economia tributária. Ou seja, entende a 1ª Turma da 4ª Câmara do CARF que a desconsideração pelo Fisco de negócios jurídicos motivados por economia fiscal sob a tese de que não teriam “conteúdo econômico” ou “propósito negocial” não possui amparo no sistema jurídico (CARF, 2018).

Esta decisão representa forte amparo ao contribuinte, tanto pelo fato de ser recente quanto por tratar-se de externar o CARF voluntariamente a inexistência de regulamentação do art. 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN), exercendo inevitável pressão sobre o legislativo para tornar mais coerente e transparente a atuação do Estado no combate à sonegação fiscal e na limitação do planejamento tributário do contribuinte.

Propõe-se, nesta pesquisa, investigar em maiores detalhes a situação de planejamento tributário praticado mediante cisão parcial, com o objetivo de confrontar esse mecanismo de reorganização societária à luz dos elementos nucleares em volta da aplicação de uma elisão tributária legítima. Metodologicamente, adota-se uma abordagem dedutiva da pesquisa, investigando-se a situação da cisão parcial como premissa menor, e o planejamento tributário como premissa maior, para se alcançar uma conclusão específica. Quanto aos procedimentos, a pesquisa vale-se de recursos bibliográficos e documentais, com análise da jurisprudência do CARF.

O desenvolvimento da pesquisa está estruturado em três partes. Na primeira, apresenta-se a negociação consistente na transferência de bens e direitos através da cisão parcial de empresa, para fins de capitalização, com foco em seus efeitos contábeis e tributários; em seguida, analisam-se os posicionamentos do CARF a respeito do tema; por fim, os elementos discutidos nas seções anteriores são confrontados com fundamentos do Direito Tributário, a saber, o princípio da legalidade tributária, o abuso de forma e a teoria do propósito negocial.

2.  A transferência de bens e direitos mediante cisão parcial de uma empresa sem apuração de ganho de capital

A doutrina dominante e reconhecida no meio jurídico-contábil entende em uníssono a reorganização societária como parte do planejamento tributário das empresas, quando estas necessitam deste anteparo para promover seus movimentos mercantilistas com maior eficiência e menor dispêndio de recursos próprios, quer sejam estes de natureza econômica ou organizacional.

Segundo Young (2007, p. 17), “a reorganização societária é uma forma de planejamento tributário, visto que objetiva o aumento da eficiência das empresas, arraigando sua competitividade no mercado interno e externo e podendo proporcionar uma diversificação de negócios”. Já para Iudícibus et. al. (2003, p. 518), “tais operações tratam de modalidades de reorganização de sociedades, previstas em lei, que permitem às empresas, a qualquer tempo, promover as reformulações que lhes forem apropriadas, podendo estas ser de natureza e objetivos distintos”.

A cisão está definida no art. 229 da Lei das Sociedades Anônimas, Lei nº 6.404/76, para as sociedades por ações, nos seguintes termos: “A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão” (BRASIL, 1976).

A prática da cisão parcial poderá ensejar ganhos de capital à pessoa jurídica em virtude da alienação de bens e direitos. Desde o anterior Regulamento do Imposto de Renda (RIR), o Decreto nº 3.000/1999, nos termos do art. 442, esse ganho de capital não seria computado para fins de determinação de lucro tributável, fundado na previsão estabelecida no Decreto-Lei nº 1.598/1977 (uma das várias leis esparsas que altera a legislação do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza). O novo RIR, instituído pelo Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018, reiterou essa exigência, nos termos do art. 520, inciso I, vazado nos seguintes termos:

Art. 520.  Não serão computadas, para fins de determinação do lucro real, as importâncias creditadas a reservas de capital que o contribuinte, com a forma de companhia, receber dos subscritores de valores mobiliários de sua emissão a título de (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 38, caput):

I - ágio na emissão de ações por preço superior ao valor nominal ou a parte do preço de emissão de ações sem valor nominal destinadas à formação de reservas de capital; […] (BRASIL, 2018)

Neste processo, exemplificativamente, a empresa, pretendendo a venda de bens ou direitos poderá adotar uma estratégia diferenciada. Primeiramente, poderá integralizar os bens ou direitos em uma S/A, pelo seu valor contábil. Não haverá apuração de ganho de capital nessa conferência. A empresa S/A mencionada fará o lançamento de ações e a empresa compradora adquirirá tais ações, com ágio, no valor de aquisição dos bens e direitos. O ágio será registrado na conta de reserva de capital, sem tributação, conforme o art. 520, inciso I, do RIR.

No passo seguinte, o registro da variação da participação societária, na empresa vendedora, será realizado mediante equivalência patrimonial, também sem tributação, como previsto no antigo RIR, art. 428, agora enunciado no art. 509 do RIR/2018, que diz que “não será computado, para fins de determinação do lucro real, o acréscimo ou a diminuição do valor de patrimônio líquido de investimento decorrente de ganho ou perda por variação na percentagem de participação do contribuinte no capital social da investida” (BRASIL, 2018).

O terceiro passo reside na capitalização do ágio pela S/A, o que também irá ocorrer sem tributação, por força do art. 3º da Lei 8.849/1994, com a redação dada pela Lei nº 9.064/1995, o qual havia sido incorporado ao antigo RIR, no art. 658, mas deixou injustificadamente de ser contemplado pelo atual RIR/2018. Nos termos da lei, que ainda está vigente, “Os aumentos de capital das pessoas jurídicas mediante incorporação de lucros ou reservas não sofrerão tributação do imposto sobre a renda” (BRASIL, 1994).

Após realizados os procedimentos mencionados, faz-se a cisão da S/A, e os recursos financeiros serão destinados para uma nova sociedade, cuja participação pertencerá à empresa vendedora, até que esta sociedade seja extinta, após a conclusão da operação de cisão. Os bens e direitos, por sua vez, permanecerão na S/A, que ficará sob controle da empresa compradora.

Para ilustrar o procedimento, podemos imaginar que a empresa fictícia Avença S/A possui participação societária na Cia. Botas, cujo registro consta com valor contábil de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). No caso, se a empresa fosse vendida diretamente, a um valor de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), a empresa Avença S/A acumularia ganho de capital no valor de R$ 500.000,00, sobre o qual incidiria IRPJ de 15% (mais adicional de 10% sobre o que exceder a R$ 20.000,00) e CSLL de 9%, totalizando R$ 168.000,00 (cento e sessenta e oito mil reais) de IRPJ/CSLL a pagar.

No entanto, a empresa pode optar por realizar o negócio em forma de cisão de nova companhia, constituída com a participação societária em negócio. Assim, a participação societária será integralizada pela empresa Avença S/A, na nova Companhia, a ser chamada de Nova S/A, atribuindo o valor contábil equivalente a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), correspondentes a 900.000 (novecentas mil) de ações ordinárias. Para isso, realiza-se uma simples transferência de contas nos lançamentos contábeis, conforme exposto no Quadro 1.

Quadro 1 – Transferência de contas nos lançamentos contábeis

D – Participações – Nova S/A (Investimentos)

C – Participações – Cia. Botas (Investimentos) R$ 1.000.000,00

Fonte: elaboração própria

Depois disso, a empresa Nova S/A pode lançar 600.000 ações ordinárias, as quais serão subscritas e integralizadas pela empresa compradora, no valor de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), através de depósito bancário. Assim, o capital social da Nova S/A ficará organizado nos termos da Tabela 1.

Tabela 1 – Capital social da Nova S/A

Participação

Quantidade
de ações

Valor da
participação (R$)

Avença S/A

900.000

1.000.000,00

Compradora

600.000

666.666,67

Total

1.500.000

1.666.666,67

Fonte: elaboração própria.

A diferença de R$ 833.333,33 entre o valor da participação da compradora (666.666,67) e o valor total de integralização (1.500.000), constituirá ágio na emissão de ações. Desta forma, o balancete da empresa Nova S/A, após estas operações, apresentará as informações de acordo com o exposto na Tabela 2.

Tabela 2 – Balancete da empresa após operações

Participação

Ativo

Valor (R$)

Bancos Conta Movimento

1.500.000,00

Participações Societárias Avença S/A

1.000.000,00

Total do Ativo

2.500.000,00

Passivo

Valor (R$)

Capital Social Subscrito

1.666.666,67

Ágio na emissão de ações

833.333,33

Total do Passivo

2.500.000,00

Fonte: elaboração própria.

Sobre este ágio, como já ressaltado da análise do RIR/2018, não ocorre tributação e, assim, a reserva de capital formada pelo ágio na emissão de ações é capitalizada, exemplificativamente exposto na Tabela 3.

Tabela 3 – Capitalização do ágio

Participação

Ativo

Valor (R$)

Bancos Conta Movimento

1.500.000,00

Participações Societárias Avença S/A

1.000.000,00

Total do Ativo

2.500.000,00

Passivo

Valor (R$)

Capital Social Subscrito

2.500.000,00

Ágio na emissão de ações

0

Total do Passivo

2.500.000,00

Fonte: elaboração própria

O registro contábil da variação percentual das participações das empresas envolvidas na empresa Nova S/A será realizada, como já dito, por meio de equivalência patrimonial. Desta maneira, o cálculo da equivalência ficaria simplificadamente ilustrado na forma do Quadro 2.

Quadro 2 – Equivalência patrimonial da participação das empresas

Cálculo da equivalência:

Total de ações detidas pela Avença S/A sobre a Nova S/A: 900.000

Total de ações do capital social da Nova S/A: 1.500.000

Participação: 900.000 dividido por 1.500.000 = 60%

Patrimônio líquido da Nova S/A: R$ 2.500.000,00

Equivalência patrimonial: R$ 2.500.000,00 x 60% = 1.500.000,00

Resultado da equivalência:

R$ 1.500.000,00 (total da equivalência)

(-) R$ 1.000.000,00 (valor contábil)

(=) R$ 500.000,00 (resultado da equivalência patrimonial)

Lançamento:

D – Participações – Nova S/A (Investimentos)

C – Resultado da equivalência patrimonial (resultado) R$ 500.000,00

Fonte: elaboração própria.

Considerando as etapas acima, a empresa Avença S/A deterá 60% das ações relativas à empresa Nova S/A, enquanto a empresa compradora deterá 40%, equivalendo, assim, aqueles 60%, a R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) referentes ao valor de original do que seria a venda direta, e estes 40% a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), relativos ao valor contábil original da empresa Cia. Botas, objeto do negócio.

Em seguida, é realizada a cisão parcial da empresa Nova S/A, formando uma nova sociedade, Final S/A, cujo controle será 100% da empresa Avença S/A, sendo direcionado 60% do capital social da Nova S/A, com a transferência do valor referente a Bancos Conta Movimento (R$ 1.500.000,00), enquanto a empresa cindida, Nova S/A, ficará 100% sob controle da compradora, através de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) referentes às participações societárias da Cia. Botas (bens e direitos).

É preciso considerar, antes de encerrar o contexto da operação de cisão parcial, que esta operação deve ser deliberada em assembleia geral da companhia, a fim de apresentar: os motivos da operação, e o interesse da companhia na sua realização; as ações que os acionistas preferenciais receberão e as razões para a modificação dos seus direitos, se prevista; a composição, após a operação, segundo espécies e classes de ações, do capital das companhias novas, que deverão emitir ações em substituição às das que deverão se extinguir; o valor de reembolso das ações a que terão direito os acionistas dissidentes, se houver (VICECONTI; NEVES, 2013. p. 367).

Cabe aos administradores da companhia cindida, bem como aos das incorporadoras, adquirentes etc., promover o arquivamento na Junta Comercial e a respectiva publicação dos atos jurídicos provenientes da reorganização societária. Somente assim podem ser considerados perfeitos os atos jurídicos realizados para este fim, o que, a despeito disso, não tem inibido o Fisco de ignorar sua legitimidade, ainda que diante da validação de outros órgãos competentes para a fiscalização dos mesmos.

Esse foi o caso do Acórdão nº 11­54.564, da 3ª Turma da Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento em Recife (DRJ/REC), pelo qual se desconsiderou as operações empresariais com intuito de planejamento tributário, ainda que não tenha sido exposta na fundamentação do lançamento a legislação supostamente violada (CARF, 2018, p. 4). A inexistência de regulamentação para a fundamentação do lançamento não impede o lançamento pelo agente fiscalizador, independentemente dos atos jurídicos de cisão houverem sido plenamente aceitos nos demais órgãos competentes e poderem gerar seus precípuos efeitos.

A decisão acima mencionada foi objeto de impugnação administrativa perante o CARF, e a 1ª Turma da 4ª Câmara apresentou o já citado Acórdão nº 1401-002.835, cujo trecho do relatório menciona claramente a questão levantada no recurso, a saber, da regular formalização dos atos e a devida comunicação feito pelo Banco Central, pela Junta Comercial e pela própria Receita Federal e que, por isso, não seria uma hipótese de simulação (CARF, 2018, p. 3). O relator, em seu voto, é firme quanto à indiscutibilidade da ocorrência do negócio de forma transparente e explícita (CARF, 2018, p. 8).

Como mecanismos para a proteção do contribuinte pela comprovação da boa-fé objetiva, a transparência, a publicidade e a regularidade no registro e publicação dos atos de reorganização societária são práticas de boa governança empresarial, a fim de que seja totalmente afastada a possibilidade de eventual arguição de fraude. A política de compliance quanto à reorganização empresarial perante os órgãos de fiscalização pode ter sido fundamental para o provimento da impugnação, cuja ausência poderia até mesmo ensejar tratamento da operação mais para o caminho dos crimes contra a ordem tributária, previstos mormente nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/1990.

Assim, após a conclusão de todas as operações, a empresa Final S/A será extinta, e o caixa retornará como recursos financeiros à empresa Avença S/A, não havendo ganho de capital a apurar, por tratar-se de mera transferência de recursos. Contudo, essa prática sempre foi e ainda é mal recebida pelos órgãos administrativos julgadores, consultores e fiscais, muito embora os argumentos nos quais se fundamentam não sejam fortes.

3.  A visão do Fisco sobre a cisão parcial como planejamento tributário

O “meristema”, ou ponto nodal, da investida do Estado sobre o planejamento tributário dos contribuintes encontra-se no art. 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN), Lei nº 5.172/1966. Esse dispositivo não é original, tendo sido incluído pela Lei Complementar nº 104/2001, e tem a seguinte redação:

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (BRASIL, 1966)

Emprega-se “meristema” propositadamente, para se chamar a atenção à ramificação que se deu à interpretação do dispositivo do CTN, pois, no ano seguinte, a Medida Provisória nº 66/2002 almejou regulamentar o dispositivo, pela instituição de procedimentos relativos à norma geral antielisão, nos arts. 13 e ss. Merecido destaque deve ser dado para o art. 14, § 1º, incisos I e II, que traz a regra específica da desconsideração dos atos e negócios jurídicos para fins fiscais, exigindo o preenchimento de um dos seguintes requisitos: i) a ausência de propósito negocial e ii) o abuso de forma (BRASIL, 2002).

Contudo, no processo legislativo de conversão da medida provisória foi suprimido todo o capítulo referente aos procedimentos relativos à norma geral antielisão (arts. 13 a 19), quando da sua conversão na Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, menos de seis meses depois. O relator da comissão do Projeto de Lei de Conversão (PLV) 31/2002, o deputado Benito Gama, apurou em seu parecer que os mencionados artigos careciam de urgência e relevância suficientes para serem contemplados em medida provisória.

Em suas palavras, reconhecendo implicitamente a inconstitucionalidade parcial da Medida Provisória, do tipo formal pela ausência dos pressupostos objetivos do ato, considerou que a inserção dispositivos significa “despejar ensaios precipitados e imaturos, eivados de marcas autocráticas e de visíveis injuridicidades, a respeito de critérios e mecanismos antielisivos nitidamente afrontosos à consciência jurídica dominante” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002, p. 33).

Nada obstante, a despeito de sua exclusão, desde a sua breve introdução normativa, o requisito do proposito negocial para mitigar a pretensão do contribuinte em reduzir sua carga fiscal tem sido indevidamente usado pelo Fisco. Como adverte Hugo de Brito Machado (2016, p. 46): “[…] sem que exista lei ordinária cuidando do procedimento a ser adotado pela autoridade administrativa para a desconsideração de atos ou negócios jurídicos com fundamento na denominada norma geral antielisão, é indiscutível que essa norma ainda não pode ser aplicada”.

Podemos observar esta interpretação em decisões recentes, tais como a Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (SC COSIT) nº 321/2017, que estabelece uma distinção entre a cisão com fim econômico e sem fim econômico, assim ementada:

A operação societária de cisão parcial sem fim econômico deve ser desconsiderada quando tenha por objetivo o reconhecimento de crédito fiscal de qualquer espécie para fins de desconto, restituição, ressarcimento ou compensação, motivo pelo qual será considerado como de terceiro se utilizado pela cindenda ou por quem incorporá-la posteriormente.

[…]

A cisão parcial, desde que possua fim econômico, é uma hipótese legal de sucessão dos direitos previstos nos atos de formalização societária, entre os quais os créditos decorrentes de indébitos tributários, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, que passam a ter natureza de créditos próprios da sucessora, se assim determinarem os atos de cisão sendo, desse modo, válidos para a solicitação de restituição e compensação com débitos desta para com a Fazenda Nacional. (RFB, 2017, p. 1)

Analisando-se o teor da Solução de Consulta, observa-se que o alvo dos ataques do Fisco ficou adstrito ao manejo de sociedades de propósito específico com o único propósito de transferir créditos tributários no contexto de step transactions, ou transações estruturadas em sequência, e que a desconsideração fundamenta-se na teoria do abuso de direito, consolidada em precedentes do CARF. Em contrapartida, reconhece como operação societária com efetiva substância econômica “[…] a que inclua uma cisão com transferência de ativos ou parcela do patrimônio líquido, [e a partir daí] pode gerar a sucessão de créditos fiscais que tenham vinculação ao patrimônio cindido” (RFB, 2017, p. 14-17).

O CARF, por sua vez, no Acórdão nº 9101-002.429, de 2016, recusou uma reorganização societária, na qual se procedeu a uma a alienação de bens classificados no ativo permanente do contribuinte para uma sucessora por ela criada, por falta de comprovação do business purpose ou propósito negocial, aplicando-se ainda multa de 150% por configuração de simulação e intuito fraudulento (CARF, 2016, p. 1).

O relator valeu-se de fundamentos constitucionais, enunciando artigos referentes à função social da propriedade como limitadora do direito à propriedade privada e ao objetivo da justiça social (arts. 1º, inciso IV, 3º, incisos I e III, 5º, incisos XXIII e XXIV, 170, caput e incisos III e VII, 193 e 195), e infraconstitucionais, previstos no Código Civil, em especial relativos à função social do contrato (arts. 421, 1.228, §§ 1º e 3º, e 2.035) e, mais especificamente, sobre o cometimento de ato ilícito na hipótese de excesso no exercício de direitos quanto ao desvio de finalidade econômica (art. 187), para concluir que “o interesse coletivo que impede que as empresas ajam, em seus negócios particulares, como se não pertencessem a uma coletividade” (CARF, 2016, p. 11).

É questionável se o elenco desses dispositivos seria suficiente para a referida conclusão, haja vista a ausência de uma fundamentação quanto à ponderação realizada, o que pode esconder avaliações subjetivas escusas, e se tais dispositivos estariam aptos a uma aplicação direta para a situação do planejamento tributário, senão mediatamente, carecendo de uma regra mais específica em matéria tributária, com status de lei em sentido formal, haja vista a legalidade específica que recai sobre o Direito Tributário.

Para o Fisco, mesmo sem regulamentação específica, a elisão passou a ser tratada como infração à lei tributária. Ou seja, quando a autoridade da Administração Tributária se vê diante de um ato que considera pura e simples economia de tributos (elisão propriamente dita), sintomaticamente lavra auto de infração e inicia o procedimento administrativo de lançamento, prática abominável da parte do Fisco (MACHADO, 2016. p. 46).

Isto porque a própria inserção do art. 116, parágrafo único, no Código Tributário Nacional, induziu a autoridade administrativa a utilizar procedimento específico diverso daquele existente para a determinação do crédito tributário em face de infração da lei tributária, quando tratar-se de elisão fiscal. Acerca da gênese desse dispositivo em 2001, Machado (2008, p. 353-354) denuncia que houve uma mudança redacional em relação ao projeto, buscando afastar eventuais dúvidas quanto à necessidade de lei em sentido formal – “lei ordinária” – para a definição dos procedimentos antielisivos, e específica para a concretização do desígnio do legislador complementar – “a serem estabelecidos” –, razão pela qual o art. 116, parágrafo único, do CTN configurar-se-ia como norma de eficácia limitada ainda pendente de regulamentação.

Fernando Zilveti e André Elali (2016, p. 59) apontam que “o grande desafio dos aplicadores do Direito na atualidade está no risco incalculável do planejamento tributário, em função do subjetivismo impregnado na interpretação da norma fiscal”. A subjetividade da interpretação decorrente da ausência de regras claras permite que a própria administração tributária possa mudar de entendimento acerca do assunto, de acordo com as circunstâncias da ocasião, o que poderia ensejar insegurança jurídica. É o que se pode concluir do Acórdão nº 1401-002.835 do CARF, por meio do qual se verifica ao menos uma divergência em relação ao entendimento consolidado do Conselho. Na ementa da decisão, encontra-se o fundamento decisório no seguinte trecho:

Não existe regra federal ou nacional que considere negócio jurídico inexistente ou sem efeito se o motivo de sua prática foi apenas economia tributária. Não tem amparo no sistema jurídico a tese de que negócios motivados por economia fiscal não teriam ‘conteúdo econômico’ ou ‘propósito negocial’ e poderiam ser desconsiderados pela fiscalização. O lançamento deve ser feito nos termos da lei. (CARF, 2018, p. 1)

No caso em comento, o exame pormenorizado do relatório e do voto identifica que a fiscalização teria reconhecido, no processo de cisão e posterior alienação seguida de nova alienação, uma intermediação com intuito de disfarçar recolhimentos a maior de IRPJ e CSLL caso a alienação tivesse sido feita diretamente entre empresa cindenda e a adquirente final (CARF, 2018, p. 6). Nada obstante, o relator traça uma crítica à teoria da ausência de propósito negocial:

Tal lógica ao meu ver se afasta da necessária objetividade da lei tributária, fundada no princípio da tipicidade cerrada, além de afetar a segurança jurídica vez que diversas regras e estruturas criadas pelo legislador brasileiro oferecem um benefício fiscal aos contribuintes como parte integrante de uma política econômica.

[…]

Nesse sentido, entendo que a busca da redução de incidência tributária por si só já se constitui em propósito negocial que viabiliza a reorganização societária, desde que cumpridos os demais requisitos.

[…]

Desta feita, entendo que a ausência de propósito negocial, sob a ótica do fisco, não pode ser suficiente para desconsiderar as operações realizadas, até mesmo porque, a economia tributária pode ser considerada um propósito negocial. (CARF, 2018, p. 8-9, 12)

O princípio da tipicidade fechada, ou cerrada, nada mais é do que o princípio da determinação da hipótese de incidência, ou simplesmente princípio da determinação, desenvolvido pela doutrina alemã, e trazido ao Brasil por obras de autores como Alberto Xavier, Yonne Dolacio de Oliveira e Misabel Derzi (VELLOSO, 2014). A tipicidade cerrada é fator de segurança jurídica ao contribuinte, uma vez que o Fisco só deve se valer da lei para a aplicação do lançamento tributário.

Peculiar é o exposto no último trecho acima transcrito, em que o relator expressamente reconhece que, diante do contexto empresarial, a busca pela redução da incidência tributária é inerente e saudável ao contribuinte, fazendo parte de sua caminhada no mercado, consistindo em propósito negocial suficiente para expurgar a ideia de planejamento tributário abusivo.

Este último argumento aduz, acima disso, que a norma geral antielisão não deveria atingir atos jurídicos devida e legitimamente consumados, e produzidos em boa-fé objetiva, sob a justificativa de estarem pautados em mera economia tributária, quando esta não representa ameaça à arrecadação do Estado, uma vez que não tem natureza enganosa ou obscura à lei, e que o próprio Estado concede boa gama de possibilidades jurídicas baseadas na simples minoração de carga tributária. Tal entendimento é coerente com o posicionamento de Ivo Carvalho (2008, p. 108), para quem é elemento essencial da configuração da elisão a antecedência dos atos de gestão empresarial à incidência da hipótese tributária, descaracterizando-se, assim, eventual desvio de finalidade econômica mediante abuso apto a ensejar a ilicitude dos atos.

Nesse mesmo sentido, quanto ao momento da ocorrência dos fatos versus incidência, são os precedentes do CARF colacionados na decisão. No entanto, muito embora coerente, razoável e esperado, o viés desestigmatizador trazido pela decisão em comento ainda não repercutiu de forma ampla, ou seja, de forma a tornar-se uníssona e extrapolar a seara administrativa, atingindo também o cenário jurídico nacional.

4.  Considerações acerca do princípio da legalidade tributária, do abuso de forma e do propósito negocial

No ritmo das jurisprudências administrativas, adentremos nas considerações necessárias sobre o que se pôde constatar como argumentos para a desmistificação do planejamento tributário abusivo. Elencamos três aspectos: o princípio da legalidade tributária; o abuso de forma; e o propósito negocial. Através destes tópicos, acreditamos estar devidamente, embora não exaustivamente, amparada a cisão parcial de empresas sem apuração de ganho de capital como forma de planejamento tributário, bem como os demais negócios jurídicos realizados de forma lícita, transparente e legal.

4.1.    O princípio da legalidade tributária e suas decorrências

Diante do imbróglio em que se encontra o estudo do planejamento tributário, Machado (2016, p. 49-50) traz dois interessantes questionamentos: “A norma geral antielisão seria inconstitucional? Não sendo inconstitucional, seria inútil?”. E a estes questionamentos ele responde da seguinte maneira:

A norma geral antielisão seria inconstitucional se interpretada de modo a amesquinhar o princípio da legalidade tributária. Não sendo inconstitucional, porque interpretada dentro dos limites desse princípio, seria inútil, porque mesmo sem ela o Fisco já tem desconsiderado diversos atos ou negócios jurídicos por entender que foram praticados com o abuso de direito, e os tribunais têm apoiado essa atitude em todos os casos nos quais entendem configurado o abuso de direito.

Ora, o princípio da legalidade tributária é até explícito no texto constitucional, no art. 150, inciso I, que reza que “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Portanto, a legalidade tributária é de ordem constitucional, inafastável da aplicação da lei ordinária tributária pela autoridade administrativa.

Neste caso, André Folloni (2016, p. 81), considera que, quando a Fiscalização exorbita sua competência e executa lançamento de tributos sobre determinados atos jurídicos, fundamentada na norma geral antielisiva, exerce tributação por analogia procedimental, vedada pela própria constituição, ou seja, é aplicação ilegal e inconstitucional. Tal prática fere o princípio da legalidade tributária e suprime do contribuinte a proteção constitucional fundamental, contida nos arts. 5º, incisos II e XXII, da Constituição, que exige, para restrições à liberdade e propriedade, que o interesse público se manifeste em lei.

Outrossim, para que o propósito negocial passe do ideário filosófico das autoridades fiscais à validade jurídica é preciso que haja lei que o preveja e o regulamente, haja vista a complexidade de sua aplicabilidade, sendo um conceito relativo, amplo e perigoso, do ponto de vista da segurança jurídica. Na ausência da restrição legal, deve a Administração Fazendária tolerar práticas de planejamento tributário que se encontrem na margem legítima de livre iniciativa e livre concorrência (MARTINS, 2017, p. 339-340).

4.2.    O manejo do abuso de forma sem previsão legal

O abuso de forma pode ser traduzido como a utilização de forma jurídica não correspondente ao resultado econômico desejado, conceito que, para Martins e Menezes (2001, p. 231), não encontra acolhida no direito brasileiro, face à inexistência de normas legais que levem a sua aplicação.

Essa teoria, originalmente adotada pelo código alemão, nasce da interpretação econômica do direito tributário, onde é possível identificar quatro requisitos para a caracterização do abuso de formas jurídicas:

a) adoção de uma forma jurídica não correspondente ao resultado econômico perseguido;

b) obtenção, através da elisão, de um resultado econômico substancialmente idêntico ao que se obteria com a forma jurídica prevista na lei tributária;

c) irrelevância das desvantagens jurídicas da forma elisiva em comparação com a forma jurídica prevista na lei tributária; e

d) intenção de elidir imposto.

Gilberto de Ulhôa Canto (1988, p. 16-17), esclarece com propriedade a aplicação da teoria do abuso de forma:

O desacerto da teoria do abuso de formas de direito privado parece evidente. Se as formas são de direito privado e elas não são legitimadas pelas normas desse ramo do direito, então estaremos diante de um caso comum de ilegalidade ou nulidade, pura e simples. Mas, se face ao direito privado tais formas são legítimas, não vemos como se possa acusar alguém de estar cometendo abuso destas formas apenas para efeitos legais. Se o legislador tributário não quiser que as formas de direito privado que forem lícitas e legais em face das normas deste ramo do direito produzam os efeitos que os agentes poderiam ter em vista quando a eles recorrem, o que ele tem a fazer é, simplesmente, dizer que para fins especificamente tributários os atos que segundo o direito privado seriam lícitos e eficazes serão tratados como se fossem atos de natureza idêntica a um modelo predeterminado; ou poderia, ainda, o legislador tributário definir, para fins especificamente fiscais, determinados institutos originados do direito privado de modo substancialmente distinto daquele pelo qual estão definidos nesse departamento do Direito.

Portanto, a ideia está intimamente ligada aos efeitos econômicos dos atos jurídicos e à intenção do contribuinte. Se a forma de que se utilizou o contribuinte está em desacordo com as regras de direito privado, trata-se na verdade de simples ilegalidade, e, sendo assim, constitui evasão fiscal. Por outro lado, se a forma utilizada for legal pelos meios jurídicos, ao direito tributário resta somente a tarefa de regulamentar as situações em que as condutas serão consideradas não lícitas para efeitos fiscais.

Fazemos oposição, no entanto, ao tratamento dos efeitos fiscais de atos jurídicos válidos, dentro do campo da ilicitude. Registremos que optar por atos jurídicos diferentes do que é comumente utilizado, ou daqueles previamente definidos em lei para determinado fim, deve ser direito do contribuinte, posto que a lei é o próprio delineador de seus atos, e que, sendo seu limitador, também deve ser seu libertador. É para isto que a lei existe, em primeiro plano.

Hugo de Brito Machado (2016, p. 22-23) conceitua o abuso de forma como uso indevido de forma jurídica específica para praticar atos ou negócios, com a finalidade de evitar a incidência do imposto, considerando tal conceito como equivalente de abuso de direito, definido como a “conduta que aparentemente cumpre a lei, mas na verdade tende a realizar fins por ela proibidos”. Com a devida vênia, discordamos do entendimento acima, especificamente no ponto em que identifica as duas modalidades, porque na equivalência se concluiria que o abuso de forma também buscaria realizar fins por ela proibidos, o que, na verdade, não ocorre, visto que o que se pretende com a forma abusiva é, na verdade, obter o mesmo resultado de um procedimento permitido em lei, mas por outros meios que não os convencionais.

O Código Civil de 2002, no art. 187, trata do abuso de direito, definindo-o como “[…] ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (BRASIL, 2002). Pelo viés tributário, o abuso de forma possuiria a “finalidade de evitar a incidência do imposto”, o que não constitui necessariamente ato ilícito. O planejamento tributário lícito, na verdade, é justamente aquele realizado antes da ocorrência do fato gerador. Um exemplo disto é a substituição de parte do pró-labore dos sócios de uma empresa por distribuição de lucros ao final do exercício, para fins de não incidência da contribuição previdenciária de 20% e do Imposto sobre a Renda na Fonte de 27,5%.

No caso exemplificado no início desta pesquisa, a cisão parcial tem por objetivo a realização de um negócio jurídico similar à venda, evitando, porém, a ocorrência de diversos fatos geradores. Neste caso, nem a venda, nem a transferência dos bens e direitos à empresa incorporadora em troca do valor contábil das ações mais o ágio constituem fins proibidos por lei. Ao contrário, buscou-se agir por todos os meios lícitos para atingir propósitos lícitos, sem o propósito de obter vantagem maior do que aquela que lhe é permitida por direito.

Outrossim, não é possível arguir ausência de, ou excesso manifesto a, fim econômico, boa-fé ou bons costumes. Note-se que, como já mencionado, um dos requisitos para a execução perfeita da operação de cisão com propósito de venda é a publicação e o registro junto aos órgãos competentes de todos os atos jurídicos, bem como realização dos procedimentos de assembleia, resguardadas as garantias a direitos de terceiros. Todos os propósitos foram cumpridos dentro dos limites da boa-fé, dos bons costumes das práticas contábeis e do fim econômico que, no final das contas, era a necessária venda de seu ativo para aquisição de ativo de maior liquidez. Ora, nada mais natural que, em um desfazimento de patrimônio próprio, o aferimento de recursos financeiros se dê da forma mais vantajosa possível.

Em oposição ao nosso pensamento, André Folloni (2016, p. 77), analisando o Código Tributário alemão, considera que, se o ordenamento jurídico “[…] consagra o contrato de compra e venda como instituto a formalizar a operação, usar outra forma, como a criação de sociedade, integralização de bem de capital social por um sócio e de dinheiro por outro, seguida de extinção da sociedade […] é um abuso”. Mas é incoerente no sistema tributário brasileiro, pautado no princípio constitucional da legalidade, atribuir conceitos subjetivos tais como “forma adequada” sem respaldo em previsão legal, para impor lançamento de tributo sobre ato jurídico perfeito cujo fato gerador não ocorreu. No Direito privado brasileiro, aliás, não há uma tipicidade dos contratos, mas, ao contrário, prevalece a licitude da livre forma de pactuação lastreada na autonomia da vontade e na livre iniciativa. Ademais, a criação de sociedades de propósito específico pode servir com o propósito acessório de apoio para captação de recursos para empresas, como é o caso das operações de securitização (GOMES JÚNIOR; MELO, 2018); razão pela qual não há motivos para considerar abusivo a criação de empresas para reduzir despesas de incidência futura mediante formas possíveis e adequadamente utilizadas.

Note-se, ademais, que não se está indicando, com isso, que o controle do Estado sobre o planejamento tributário tenha cessado. Aponta-se apenas que, por mais que pareça paradoxal, a lei, os conceitos e a doutrina em Direito Tributário não são o caminho adequado para limitar a liberdade do contribuinte nos atos jurídicos em que visa economia tributária. Isto porque o cerne da questão é a incompetência constitucional tributária para atuar sobre o campo dos negócios jurídicos privados, atribuída aos dispositivos do Código Civil e demais legislações esparsas que regulam atos jurídicos privados do contribuinte.

Ou seja, se o instrumento de compra e venda é o único meio para a realização de um negócio que tenha como objetivo final a operação de alienação onerosa de bens, tal instituto deverá se subsumir em norma civil, a fim de que sejam gerados seus efeitos tributários por consequência natural do mundo jurídico, pois ao Direito Civil cabe a regência do mundo dos atos e dos negócios jurídicos privados. O Direito Tributário, por outro lado, está imperativamente limitado ao dever da estrita legalidade. Vale mencionar os arts. 109 e 110 do CTN, que estabelecem o diálogo entre direito civil e direito tributário e, nesse sentido, o art. 109 atribui ao direito privado a definição, conteúdo e alcance das formas.

Assim, recai o ônus para o legislador tributário definir, fundado na tipicidade cerrada, apontar os efeitos jurídico-tributários para os contratos celebrados, quanto à sua forma, se não fizer isso de forma especificada. O planejamento tributário legítimo só se faz possível em virtude da existência de alternativas possibilitadas pela própria legislação tributária, que, por sua desnecessária complicação e ante a despreocupação com uma sistematização mais clara, faculta ao cidadão decidir qual caminho tomar. As empresas que investem mais recursos em estratégias jurídicas e contábeis para reduzir despesas, desde que tudo dentro dos limites válidos aqui discutidos, não deveriam ser punidas inadvertidamente, sob pena de se desestimular o desenvolvimento do mercado brasileiro e premiar quem não busca inovar. O reconhecimento pela fiscalização de uma desconsideração dos negócios por abuso de forma sem a devida regulamentação legal inverte o ônus da complicação da legislação tributária no Brasil.

Portanto, entende-se, pelo menos tendo em vista o recorte específico desta investigação restrito à hipótese de cisão empresarial, que o abuso de forma para fins fiscais, ou seja, para justificar que atos jurídicos lícitos sejam desconsiderados por alcançar menor carga tributária, seria uma ficção criada pela doutrina, que o tem adornado ao longo dos anos e que serve de argumento ao Fisco de forma pouco idônea e juridicamente imperfeita.

4.3.    A teoria da ausência de propósito negocial

Em oposição ao abuso de forma, temos o propósito negocial, preceito necessário, dentro do entendimento proeminente do Fisco, para a realização de atos jurídicos com efeitos tributários. A partir da doutrina do propósito negocial advinda da jurisprudência norte-americana (judge-made law), estabeleceu-se marco na amplitude da caça ao planejamento tributário (GOMES; ANTONELLI, 2005, p. 503). Esta doutrina coaduna com o preceito contábil extrapolado para o mundo jurídico da substância sobre a forma (substance over form), onde os elementos factuais se sobrepõem à estrutura forma adotada e evidenciada dos atos jurídicos privados (GODOY, 2010).

A teoria da necessidade do propósito negocial vem sendo utilizada para legitimar as práticas antielisivas, à margem do ordenamento jurídico pátrio, o que se depreende das palavras de Andrade Filho (2009, p. 200):

A rigor, essa ideia corresponde, em essência, à exigibilidade de um ‘motivo extratributário’ para justificar certas práticas elisivas e, de acordo com este ponto de vista, sem a existência desse motivo o sujeito passivo não poderia justificar práticas apenas a partir das considerações sobre a licitude dos meios e das formas. De outra parte, ainda segundo esta mesma ótica, o simples propósito de obter uma otimização da carga tributária não seria catalogado como business purpose válido.

Assim, a Medida Provisória nº 66/2002, em seu art. 14, § 2º, dispositivo não convertido em lei, definia como indicativo da falta de propósito negocial “a opção pela forma mais complexa ou mais onerosa, para os envolvidos, entre duas ou mais formas para a prática de determinado ato” (BRASIL, 2002). De acordo com o raciocínio aplicado pelo Poder Executivo, o parágrafo citado sugere descaracterizar o propósito negocial a opção pela via mais complexa ou mais onerosa na prática de determinado ato.

Por um, a opção mais onerosa jamais deveria sê-lo, uma vez que a economia tributária envolvida possui evidente impacto financeiro das operações com este fim, as quais se tornariam vantajosas para o contribuinte, e só faria sentido realizá-las desta maneira. Por outro, a forma mais complexa não deveria fugir ao propósito negocial, pois a complexidade é totalmente justificável, quando contraposta à economia financeira na realização do negócio (ainda que esta economia seja de ordem tributária), posto que o contribuinte, em seu intento comercial, sempre pesará nos seus negócios jurídicos aquele que, demandando mais esforço, obterá maior economia. Isto decorre diretamente do princípio da eficiência, a capacidade de obter resultados mais significativos com menores dispêndios. No contexto dos negócios jurídicos, a eficiência material é significante, por tratar-se da utilização de menos recursos na obtenção dos mesmos resultados, impactando diretamente na produtividade final da empresa.

O contribuinte não pesa, em suas práticas de mercado e atos jurídicos típicos de sua atividade, apenas objetividade e realidade jurídica pura e simplesmente. É natural do mundo dos negócios, e é desejável que assim o seja, exercer força criativa em busca da máxima eficiência possível. Sacha Calmon Navarro Coelho (2006, p. 251) sustenta essa mesma tese:

Absurdo é, ao que penso, dizer que para efeitos tributários pode ser abusivo o recurso a formas de Direito Privado que neste campo são legítimas, pois a abusividade não decorre da prescrição legal, senão, e apenas, da convicção de algum agente da Administração Pública ou de magistrado de que o legislador teria querido dizer, ao expedir a lei, muito mais que efetivamente disse. É claro que a realidade econômica se apresenta como pressuposto lógico relevante dos tributos, mas só é presente na obrigação tributária se tiver sido jurisdicizado pela lei, dado o princípio da legalidade.

De fato, como dissemos, as formas de Direito Privado, que neste campo são legítimas, não devem ser livremente reinterpretadas por lei tributária, sem critérios claros, ou utilizadas como argumento por agente da administração pública tributária, uma vez que o âmbito civil difere do tributário, no contexto da aplicação da estrita legalidade. Seria necessária a verbalização legal da impossibilidade da realização dos atos pelo Direito Civil, tornando-os, de fato, ilícitos, uma vez que a desconsideração dos atos jurídicos é uma prerrogativa exclusiva do direito privado, e somente nele deve gerar efeitos, ou, pelo lado tributário, haver lei expressa que identifique o fato gerador das operações ora não tributadas, a fim de alcançar os atos jurídicos de interesse do Fisco.

Desconsiderar atos ou negócios jurídicos que visem a reduzir o valor de tributo por falta de propósito negocial constitui, ainda, incoerência àquilo que o Estado pretende demonstrar em seu tratamento para com o contribuinte de forma geral. Podemos citar como exemplo clássico de ato jurídico com o escopo único de reduzir tributos a opção que o Fisco fornece para o regime de apuração do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, à qual estas recorrem, ano após ano, em seus planejamentos tributários, para diminuírem a carga tributária que enfrentarão no exercício seguinte.

É passível de crítica o pensamento do legislador, e, por extensão do próprio Estado, no que tange aos limites que tenta impor ao planejamento tributário. Quer parecer que o Estado visa a permitir tão-somente aquilo que sua imaginação consegue vislumbrar, apenas aquilo que puder prever, e que expressamente prever; e, por outro lado, proibir tudo aquilo em que não houver pensado, a fim de que o contribuinte não possa exercer força criativa maior do que a sua, contrariando premissas básicas do sistema jurídico brasileiro, como a autonomia da vontade e a liberdade contratual.

Ora, de forma alguma foi essa a ideia do constituinte originário ao dispor, no art. 170, inciso IV e parágrafo único, da atual Carga Magna, sobre o princípio da livre concorrência e do direito ao livre exercício da atividade econômica. Pelo contrário, o Estado, no momento em que cria lei que cerceia o direito do contribuinte de reduzir legalmente seus custos por tratarem-se de custos de natureza fiscal, reveste-se de dispositivo ilegal e abusivo, pois ofende o referido princípio, além de impor arrecadação maior que a devida, por analogia a fato gerador aplicável a outra hipótese de incidência diversa da ocorrida.

A ausência de regra vigente sobre a consideração do propósito negocial, para deflagrar uma interpretação econômica do direito privado, configura-se ainda hoje como um óbice intransponível. Sem adentrar na discussão clássica sobre a possibilidade de interpretação econômica no Direito Tributário, travada entre Amílcar de Araújo Falcão e Alfredo Augusto Becker, a legalidade estrita, pilar fundamental do Sistema Tributário Nacional, tal como no abuso de forma, impõe considerar inaplicável tal teoria no Brasil. Há quem considere, inclusive, que a teoria do propósito negocial seria inconstitucional e, portanto, insuperável pela via da regulamentação legal (BAKI, 2015, p. 183-184).

5.  Considerações finais

É compreensível a posição do Estado brasileiro, de agressivamente atacar a evasão fiscal, uma vez que esta investida tem servido não apenas para o fulcro da arrecadação tributária, mas também para o combate à corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e diversos outros crimes associados direta ou indiretamente à atividade empresarial. Embora louvável a iniciativa, ela não pode ser realizada em prejuízo do desenvolvimento do mercado feito de forma legítima e de boa-fé, pois contribui para o risco do investimento no Brasil.

A cisão parcial, no âmbito da economia fiscal, constitui representação simbólica, válida, no entanto, de todo e qualquer planejamento tributário que se encontre amparado por dispositivos legais e por condutas jurídicas claras, transparentes e responsáveis. A órbita tributária está devidamente preservada, não tendo sido ferida em seus conceitos, decorrentes do princípio constitucional da legalidade.

Não cabe, portanto, ao Direito Tributário, ou mais corretamente aos seus operadores, expandir-se de si mesma para figurar entre atos jurídicos privados conceituados, regulados e interpretados no esteio do direito privado. Para o Direito Civil e, mais especificamente, o Direito Empresarial restam esta competência, e através dele podem-se fazer gerar os efeitos tributários, uma vez que, no âmbito privado, sejam configurados de forma a produzi-los. Nunca o contrário.

As jurisprudências da administração tributária têm sido intensas e legalmente abusivas, embora ironicamente utilizem do argumento referente ao “abuso de forma” como fundamento em suas decisões. A prática, no entanto, pode sofrer mudança em tal inclinação ideológica, a partir do precedente aberto pelo CARF, que apresenta consolidado entendimento em favor do que comentamos ser legítimo o direito ao planejamento tributário cuja forma não seja a naturalmente prevista pelo Fisco. O mesmo entendimento que se posiciona a favor da economia tributária como propósito negocial suficiente para fundamentar o planejamento tributário lícito.

Em razão do que foi exposto, reforçamos a ideia de que o planejamento tributário, claro, transparente e responsável, é direito do contribuinte, sendo ele lícito e atendendo às demais exigências pertinentes à atividade privada. A hipótese de cisão parcial de empresa para alienação de bens e direitos no intuito de capitalização com menores custos burocráticos pode ser enquadrada como uma hipótese de planejamento tributário legítimo, desde que os atos praticados antecedam a incidência da norma tributária. Por fim, as estratégias de reconhecimento do abuso de forma e da aplicação da teoria da ausência de propósito específico esbarram no óbice da tipicidade cerrada para o Direito Tributário e a inaplicabilidade do art. 116, parágrafo único, pela falta de lei regulamentadora.

Referências

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