o paradigmático enfrentamento À guerra fiscal interestadual NO COMÉRCIO ELETRÔNICO ATRAVÉS da emenda CONTITUCIONAL n° 87/2015

THE PARADIGMATIC FACING INTERESTADUAL FISCAL WAR IN ELECTRONIC COMMERCE THROUGH CONTITUTIONAL AMENDMENT No. 87/2015

Bruno Bastos de Oliveira

Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Marília (PPGD/Unimar). Mestre e Doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: bbastos.adv@gmail.com

Maria das Graças Macena Dias de Oliveira

Mestranda em Direito na Universidade de Marília (Unimar).
E-mail
:
mariamacenaadv@gmail.com

Resumo: Grande desafio de qualquer reforma tributária repousa em repensar o federalismo fiscal. O paradigmático tratamento à guerra fiscal no caso do comércio eletrônico, através da Emenda Constitucional n. 87/2015, é essencial nessa discussão. A problematização define-se na necessidade de repensar o federalismo fiscal e o quanto será eficiente em relação aos objetivos fundamentais da República. Utilizando-se de pesquisa exploratória, bibliográfica e qualitativa, pretende-se analisar criticamente o federalismo fiscal a partir do paradigma mencionado. Conclui-se pela necessidade urgente de uma reforma tributária que efetivamente rediscuta o federalismo fiscal brasileiro, podendo-se tomar como base o caso do comércio eletrônico.

Palavras-chave: Federalismo fiscal. Guerra fiscal. Comércio Eletrônico. ICMS. Emenda Constitucional n. 87/2015.

Abstract: The great challenge of any tax reform lies in rethinking fiscal federalism. The paradigmatic treatment of fiscal war in the case of electronic commerce, through Constitutional Amendment no. 87/2015, is essential in this discussion. The problematization is defined by the need to rethink fiscal federalism and how efficient it will be in relation to the fundamental objectives of the Republic. Using exploratory, bibliographic and qualitative research, it is intended to critically analyze fiscal federalism from the aforementioned paradigm. It concludes that there is an urgent need for a tax reform that effectively re-discusses Brazilian fiscal federalism, which can be based on the case of electronic commerce.

Keywords: Fiscal federalism. Fiscal war. E-commerce. ICMS. Constitutional Amendment no. 87/2015.

1.  Introdução

O mundo está em efervescência tecnológica. Além da gigantesca criação de aparatos eletrônicos que possibilitam o acesso a jornais, blogs e sites, a Internet também é a grande responsável pelo surgimento e desenvolvimento do mercado eletrônico (e-commerce); um setor altamente competitivo e lucrativo, que possui representatividade em quase todas as atividades devido ao seu alcance global. Uma verdadeira vitrine para quem pretende comprar e vender produtos nacional e internacionalmente.

O acentuado crescimento das lojas eletrônicas logo despertou o interesse dos Fiscos Estaduais, que passaram a ver o e-commerce como um tesouro escondido passível de tributação. É exatamente neste cenário que surgiu discussão em torno da “circulação de mercadoria”, afinal, o e-commerce é feito a partir de dois polos: de um lado temos um fornecedor de bem ou serviço, e do outro, um potencial consumidor, disposto a pagar um preço justo pela mercadoria ou serviço.

Em sendo o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) um tributo de competência estadual, cedo ou tarde o comércio eletrônico despertaria o interesse dos outros Estados federativos, e não apenas do Estado que fornece.

Esta disputa interestadual deu início à “guerra fiscal” para decidir a que Estado competia o recolhimento do ICMS sobre os bens e serviços advindos do comércio eletrônico, ainda que a Constituição tenha definido que nos casos de operações interestaduais compete ao Estado de origem recolher integralmente o ICMS sobre a venda eletrônica.

Este artigo se propõe a debater a necessidade de se repensar o federalismo fiscal, de forma a combater as guerras fiscais entre os Estados da federação, utilizando-se como modelo paradigmático a proposta legislativa que deu origem à Emenda Constitucional N° 87/2015.

Assim, a problematização da presente pesquisa define-se na necessidade de repensar o federalismo fiscal e o quanto será eficiente em relação aos objetivos fundamentais da República, utilizando-se de método de pesquisa exploratória, bibliográfica e qualitativa, como forma de buscar hipóteses válidas a esse problema, tendo como objetivo central a análise, ainda que de forma inicial, sobre os aspectos mais importantes sobre o tema.

2.  A guerra fiscal no comércio eletrônico: o ICMS tributado no Estado do estabelecimento comercial

Para compreender o funcionamento e incidência do ICMS nos dias atuais, é preciso revisitar o passado histórico do tributo e entender como funcionava o sistema tributário nacional. Prioritariamente, deve-se notar que o sistema tributário brasileiro era formado unicamente pela tributação sobre o patrimônio do indivíduo, estando resumidas nas Constituições de 1824 e 1891 (MARQUES, 2012, p. 63).

Toda forma de tributação adentrava no ordenamento jurídico por meio do princípio da legalidade. A doutrina moderna aponta que a primeira presença do princípio da legalidade no direito tributário é datada de 1215, época em que os barões feudais ingleses dominavam a Terra com seus reinados:

[...] princípio da legalidade remonta ao ano de 1215, quando, no conhecido episódio da confrontação com os barões feudais ingleses que o sustentavam, João Sem Terra aceitou, na Magna Charta, a regra política ‘no tation without representation, regra esta que passou a prevalecer, em todos os países civilizados do mundo, quanto à instituição e à cobrança de tributos. (DERZI; COELHO, 1996, p. 154)

Após esta primeira análise da concepção histórica da legalidade tributária, passaremos à análise da evolução do ICMS até os dias atuais.

A tributação sobre as mercadorias de consumo teve ocorrência no Brasil somente na década de 1922, com a vigência da Lei nº 4.625/22, que estabelecia, dentre outras disposições, o Imposto sobre Vendas Mercantis (IVM).

Aliomar Baleeiro em sua preciosa lição nos ensina que a criação do IVM decorreu necessariamente da criação da duplicata:

A União o criara em 1923 (Lei n. 4.625, de 31.12.1922), com o nome de “imposto sobre vendas mercantis”, atendendo às associações comerciais, que pretendiam um papel líquido e certo, com força cambial semelhante a das letras de câmbio e promissórias (Lei n. 2.044, de 1908), para facilidade de descontar nos bancos as faturas de vendas dos comerciantes e industriais, quando reconhecidos e assinados pelos compradores (art. 219 do Código Comercial). O Congresso as atendeu e foi instituída a emissão da duplicata da fatura para ser aceita pelos devedores, em troca do imposto de 0,3% (Rs 3$ por conto de réis), não só nas vendas a prazo, mas também nas vendas a vista, registradas em livros próprios. Na época ficaram conhecidas como “contas assinadas”. (BALEEIRO, 1999, p. 367)

Mas é a partir de 1934 que se dá a expansão da hipótese de incidência do Imposto sobre Vendas Mercantis com a previsão de cobrança sobre as consignações mercantis, passando a ser chamado de Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC) e era de competência da União. Na década de 1936 a arrecadação do IVC saiu da competência da União para os Estados.

Antes de se tornar competência estadual, a arrecadação do IVC passou a ter como fato gerador o contrato de compra e venda sob a forma de negócio jurídico, na égide da Constituição Federal de 1934, e não mais a venda por si mesma, sendo modalidade de imposto cumulativo. Significa dizer que em cada operação de venda ou consignação realizada, havia a incidência do imposto. Mais tarde essa forma de arrecadação do Estado levou à inflação e prejuízos de natureza econômica nunca antes imaginada.

Aliomar Baleeiro (2010, p. 367), ao explicar sobre o antigo imposto sobre vendas mercantis (IVC) criado com a Constituição Federal de 1934, deixa claro o impacto econômico de sua criação nas receitas dos Estados-membros, devido sua cumulatividade, causando enormes prejuízos aos contribuintes. Vejamos:

A receita fundamental dos Estados-Membros, a partir de 1936, quando entrou em execução, no particular, a discriminação de rendas da CF de 1934, foi o imposto de vendas e consignações. A União criara em 1923 (Lei nº 4.625, de 31.12.1922), com o nome 'imposto sobre vendas mercantis, um papel líquido e certo, com força cambial semelhante a das letras de câmbio e promissórias (Lei nº 2.044, de 1908), para facilidade de descontar nos bancos as faturas de vendas dos comerciantes e industriais, quando reconhecidos e assinados pelos compradores (art. 219 do Código Comercial). O Congresso as atendeu e foi instituída a emissão da duplicata da fatura para ser aceita pelos devedores, em troca do imposto de 0,3% (Rs 3$ por conto de réis), não só nas vendas a prazo, mas também nas vendas a vista, registradas em livros próprios. Na epóca, ficaram conhecidas como 'contas assinadas'.

Em 1965, já na vigência da Emenda à Constituição n° 18, finalmente o Imposto sobre Vendas e Consignações deu lugar ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (ICM), que adotou como regra o princípio da não cumulatividade. Noutras palavras, pode-se dizer que a substituição do IVC pelo ICM se deu pelo confronto de entradas e saídas, ou seja, entre os créditos originários das entradas de mercadorias tributadas no estabelecimento e os débitos das saídas das mercadorias dentro do mesmo estabelecimento (COELHO, 2008, p. 359).

A estrutura do ICM criada pela EC 18/65 (BRASIL, 1965) permaneceu até o período da ditadura militar, quando entrou em vigência a Constituição de 1967. Já a regra da não cumulatividade somente veio a sofrer alterações no ano de 1969, quando duas exceções à regra foram instituídas: (i) isenção; e (ii) não incidência. Tais exceções resistiram ao tempo e foram incorporadas pela Carta Magna de 1988, estando vigentes até os tempos atuais.

Em 1988 a Constituição trouxe inovações não apenas no campo social, mas também de ordem financeira, econômica e tributária, substituindo o ICM pelo então Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS).

Para Sacha Calmon o ICMS é “um conglomerado de seis impostos, se computado o antigo ICM, a que se pretende dar um tratamento fiscal uniforme, a partir do princípio da não cumulatividade, ao suposto de incidências sobre um ciclo completo de negócios (plurifásia impositiva)” (COELHO, 1999, p. 358).

Isto porque, a instituição do ICMS continuou abarcando o fato gerador da mesma forma como trouxe o ICM ao incidir sobre: (i) energia elétrica; (ii) combustíveis e lubrificantes líquidos e gasosos; (iii) minerais; (iv) serviços transporte e (v) comunicações em geral (COELHO, 1999, p. 358)

Segundo Luciano Amaro (2011, p. 115), pode-se entender por competência tributária a “aptidão para criar tributos”. Nesse sentido, “o poder tributário juridicamente delimitado só pode ser exercido através da lei”, na dicção de Hugo de Brito Machado (2015, p. 31).

Por que pagar impostos? Existe uma justificativa para a cobrança dos impostos, e é justamente a necessidade financeira do Estado, cuja responsabilidade não pode ser imputada a um contribuinte, muito menos a um grupo de contribuintes. Daí porque toda a coletividade é chamada para contribuir com as despesas gerais do Estado.

Por que cobrar imposto de determinados membros da coletividade e não de todos? Afinal, se o Estado atenderá a necessidade de todos, certamente todos deveriam participar do recolhimento dos impostos, o que não ocorre. Como justificar então a repartição do encargo? Desse questionamento é que nasce a ideia de capacidade contributiva, que nos dá a ideia geral de que “quem pode mais paga mais do que aquele que pode menos”, financeiramente falando. A capacidade contributiva é a causa para a cobrança dos impostos.

Assim a explica Conti (1996, p. 31):

Se duas pessoas têm rendas de R$ 1.000,00 e R$ 100.000,00, respectivamente, não lhes é imposto um igual sacrifício se de cada uma for retirada uma mesma quantia, como R$ 100,00, por exemplo. O primeiro contribuinte certamente sofrerá um maior sacrifício ao ceder 10% de sua renda, do que o segundo, que cederá apenas 0,1% da sua renda. Também não sofreriam um igual sacrifício se o imposto retirasse de cada um parcela proporcional dos seus rendimentos, como por exemplo 10%. O sacrifício do primeiro contribuinte, ao ceder R$ 100,00 de sua renda, permanecendo, portanto, com uma disponibilidade de R$ 900,00, certamente será mais elevado do que aquele sacrifício imposto ao segundo ao se retirar R$ 10.000,00 de sua renda, deixando­-o com uma disponibilidade. de R$ 90.000,00. O primeiro contribuinte estará cedendo ao Estado uma parte da sua renda que com toda certeza seria destinada a gastos com necessidades muito mais indispensáveis que as do segundo, o qual, após o imposto, será privado apenas de algumas necessidades supérfluas”.

Se a República Federativa do Brasil tem por objetivo fundamental, à luz do art. 3º da Constituição Federal, a construção de uma “sociedade livre, justa e solidária, buscando erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, é claro que o legislador, ao escolher quem suportará as despesas gerais do Estado, não deve aumentar tais desigualdades. Daí a ideia de que devem pagar os impostos aqueles que têm condições para tanto. É o princípio da capacidade contributiva, positivado no Art. 145, § 1º, da Constituição Federal.

Quando o legislador definiu uma hipótese para a exigência dos impostos, ele buscou uma circunstância que pudesse servir para distinguir aqueles que podem daqueles que não podem suportar os gastos públicos. Mais tecnicamente: a hipótese tributária dos impostos — estamos falando do “fato gerador” da obrigação tributária — deve ser uma manifestação de capacidade contributiva (DUTRA, 2008, p. 217).

No modelo de federalismo brasileiro cada pessoa jurídica de Direito Público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) tem uma esfera de atuação própria denominada de “competência”, que pode ser: (i) exclusiva: quando apenas um ente atua, ou (ii) concorrente: quando é possível conceber mais de um ente atuando em conjunto. É uma divisão de poder que é tratada pela própria Constituição Federal, onde se encontram as definições das competências de cada unidade federativa.

Os Estados e o DF são as pessoas políticas competentes para instituir ICMS. Entretanto, no âmbito das operações e prestações relativas à importação, a CF/1988 estabelece que cabe o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço (Art. 155, IX, a), o que não implicará uma análise mais específica porque tal hipótese de incidência não faz parte da nossa pesquisa, de modo que citamos apenas por ser regra contida no tema em questão.

O ICMS é classificado pela doutrina majoritária como um tributo indireto. Para Luciano Amaro (2011, p. 111) esta é uma classificação econômica com reflexos jurídicos, enunciando que:

Os primeiros são devidos “de direito” pelas mesmas pessoas que, “de fato”, suportam o ônus do tributo; é o caso do imposto de renda. Os indiretos, ao contrário, são devidos, “de direito”, por uma pessoa (dita “contribuinte de direito”), mas suportados por outra (“contribuinte de fato”): o “contribuinte de direito” recolhe o tributo, mas repassa o respectivo encargo financeiro para o “contribuinte de fato”.

Significa dizer que o imposto será recolhido às Fazendas Estaduais pelos “contribuintes de direito”, que são aquelas que dão causa à circulação de mercadoria ou praticam mecanismo do preço, cujo valor do ICMS será repassado aos “consumidores de fato”, que são os que verdadeiramente irão consumir a mercadoria ou serviço.

Em todo caso, o ICMS incide sobre as operações relativas à circulação de mercadorias, compreendendo o negócio jurídico mercantil, e não sobre simples mercadorias ou quaisquer espécies de circulação.

Logo, devemos entender por circulação a passagem das mercadorias de uma pessoa para outra, sob um título jurídico, sendo irrelevante a mera circulação física ou econômica.

O fato físico da “saída” de mercadoria do estabelecimento, por si só, seria irrelevante para tipificar a hipótese de incidência do imposto, sendo firmada a diretriz de que não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte. (Súmula nº. 166 do STJ). O Judiciário vem mantendo o referido entendimento, inclusive nas transferências interestaduais.

Outra característica interessante do ICMS é a não cumulatividade, cujo princípio está insculpido no art. 155, § 2°, I e II da Constituição Federal, de sorte que será não cumulativo porque em cada operação ou prestação está assegurada ao contribuinte, pela própria Carta Cidadã, uma dedução correspondente aos montantes cobrados nas operações ou prestações anteriores (MACHADO, 2015, p. 57).

Ressalte-se que as únicas exceções ao princípio da não cumulatividade estão no Art. 155, § 2º, II, “a”, onde diz que “a isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação, (i) não implicará em crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações anteriores, e (ii) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores.

Neste caso, havendo “isenção” ou “não incidência” no meio do ciclo de produção da mercadoria ou prestação de serviço, o crédito de ICMS não será compensado e, imediatamente, deverá ser anulado para as operações imediatamente posteriores e anteriores à isenção ou não incidência.

Não menos importante que as características supramencionadas, e por derradeiro, é a seletividade. Luciano Amaro relaciona a seletividade à essencialidade do produto ou serviço ao dizer que o ICMS “têm suas alíquotas graduadas para onerar mais gravosamente os bens menos essenciais, supérfluos (luxo ou consumo suntuário) e mais brandamente os essenciais” (AMARO, 2011, p. 113).

Se pudéssemos fazer um comparativo, desprezado os aspectos incomuns entre ambos, diríamos que o ICMS é tão valoroso para o Estado quanto o IR é para União. E para que a arrecadação seja possível, necessário se faz o preenchimento de alguns requisitos tributários, tais como: (i) hipótese de incidência; (ii) fato gerador; (iii) fato tributável; (iv) fato imponível; (v) suporte fático tributável; e (vi) fato típico tributável.

A regra-matriz do ICMS aponta que, superado o critério material do tributo, disposto na Constituição Federal, é possível concluir que o nascimento da obrigação tributária se dá a partir do momento em que um produtor, ou comerciante, ou industrial, pratica no mundo fenomênico um negócio jurídico (operação) que tem por tenha por finalidade a transferência de propriedade (circulação) de uma mercadoria. Ou seja: um bem que pode ser submetido à mercancia. Ninguém fica obrigado a recolher o tributo pelo simples fato de possuir ou ser proprietário de mercadoria. Logo, o ICMS será devido ao Estado onde a operação mercantil é efetivada, pouco importando se o destinatário da mercadoria está ou não situado no mesmo Estado ou em outra unidade da Federação.

A Carta Constitucional de 1988 preceitua em seu art. 3º, inciso II, que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, garantir o desenvolvimento nacional.

No entanto, o modelo de tributação atual do ICMS mostra que o país, apesar de tudo, não possui uma economia integrada e que um dos principais problemas da arrecadação consiste na aplicação dos princípios da origem ou do destino, no intuito de mitigar as diferenças entre as regiões menos desenvolvidas do país em comparação aos Estados industrializados.

3.  ICMS tributado no Estado do consumidor final e a solução dada pela EC n. 87/2015

A internet surgiu no Brasil por volta dos anos de 1990 e, inicialmente, era utilizada apenas por universidades e instituições públicas. Foi a partir de 1995 que a Internet saiu do campo da iniciativa privada e alcançou status de interesse público, abrindo espaço para o surgimento de uma nova modalidade de negócio: e-commerce. A primeira loja eletrônica que se tem notícia data de 1994 e teve origem nos Estados Unidos. De lá para cá, foi preciso apenas alguns anos para que o comércio eletrônico caísse na simpatia e no gosto dos brasileiros.

A discussão em torno da tributação do ICMS nos Estados de destino envolveu basicamente o bem “corpóreo”, que se desloca de um Estado para outro e a entrega é feita pelos meios tradicionais. Nessa toada é que alguns Estados entenderam que deveriam aplicar às operações comerciais eletrônicas via Internet as mesmas regras relativas à operação de circulação de mercadorias. Daí que o fornecedor virtual seria tributado quando da saída da mercadoria do estabelecimento e o consumidor quando o produto entrasse no Estado de destino, hipótese em que haveria bitributação, já que o mesmo produto seria tributado em duas situações distintas: saída (origem) e chegada (destino). Foi com base nesta vertente é que nascia o famigerado Protocolo 21 do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ[1]), que autorizava que o mesmo produto fosse tributado duas vezes dentro da mesma circulação.

À medida que crescia à procura pelas lojas virtuais, crescia também a desigualdade entre os Estados face à arrecadação do ICMS. E foi diante dessa flagrante desigualdade gerada pelo mercado eletrônico que os Estados prejudicados passaram a legislar acerca da arrecadação do imposto. O objetivo era óbvio: obter parcela desse consumo quando da entrada das mercadorias em seus territórios. Isto porque o sistema tributário constitucionalmente estabelecido parecia não ser eficaz diante da nova relação jurídico-tributária nascida com o advento da Internet. Visando à promoção da igualdade no processo de arrecadação do ICMS, alguns Estados passaram a editar alterações legislativas que importassem na cobrança do imposto quando da entrada do produto em seus territórios. Alguns desses Estados foram:

a)  Piauí — Lei Estadual n° 6.041/10;

b)  Bahia — Decreto Estadual 12.534/2010;

c)  Ceará — Lei Estadual n° 14.237/2008;

d) Sergipe — Decreto Estadual 28.064/2011;

e)  Paraíba — Lei Estadual n° 9.582/11;

Com a proliferação dessas medidas, o CONFAZ tomou a decisão de editar o famigerado Protocolo 21, de 1º de abril de 2011, que estabeleceu regras específicas sobre o ICMS e representava um acordo entre os Estados interessados, estabelecendo a exigência do imposto na entrada do produto no Estado de destino das compras realizadas de forma não presencial, incluindo os produtos de origem dos Estados não signatários do Protocolo. Um verdadeiro golpe contra o mercado industrializado.

Ao regulamentar o Protocolo 21, o CONFAZ deixou de observar o disposto no art. 38 do seu próprio Regimento Interno (Convênio ICMS 133/97), ipsis literis:

Art. 38. Dois ou mais Estados e Distrito Federal poderão celebrar entre si Protocolos, estabelecendo procedimentos comuns visando:

I – a implementação de políticas fiscais;

II – a permuta de informações e fiscalização conjunta;

III – a fixação de critérios para elaboração de pautas fiscais;

IV – outros assuntos de interesse dos Estados e do Distrito Federal.

Parágrafo único. Os Protocolos não se prestarão ao estabelecimento de normas que aumentem, reduzam ou revoguem benefícios fiscais. (SEFAZ, 1998)

De maneira muito transparente o Protocolo 21 demonstra que os Estados prejudicados jamais conseguiriam o apoio unânime exigido para a celebração de convênios perante o CONFAZ, conforme determina a LC n° 24/75, isto porque os Estados produtores não iam abrir mão tão facilmente do recolhimento do ICMS.

O Protocolo 21 era tão audacioso que previa a tributação do comércio eletrônico na entrada dos produtos nos Estados de destino, independentemente de ter havido a tributação quando da saída dos respectivos Estados. Necessariamente o comando levaria ao desequilíbrio econômico-tributário nacional.

Como se não bastasse à afronta a Constituição, o Protocolo ainda era clara ofensa ao princípio da legalidade tributária, pois ao instituir a cobrança nos Estados de destino, mais estava fazendo do que criar uma nova possibilidade dentro do Poder de Tributar dos Estados, o que é absolutamente vedado pelo Art. 150, I da Constituição Federal.

Outra afronta gerada pelo famigerado Protocolo diz respeito à vedação ao confisco (Art. 150, IV da Constituição Federal), que proíbe a instituição de tributos que acarretem obrigações excessivamente onerosas e configurem a perda do patrimônio ou da propriedade para o ente tributante.

Nesse sentido, vejamos a saudosa lição de Aliomar Baleeiro (2010, p. 573):

Embora do ponto de vista técnico, em caráter restrito, tributo não seja desapropriação (forma pela qual o Estado se investe originariamente na propriedade), nem confisco (em rigor, forma de sancionar a prática de ato ilícito), a citada norma constitucional do art.150, IV, reconhece pontos de contato restritos aos efeitos desses institutos diversos. Com isso, nem altera a forma jurídica nem a peculiaridade que toca a cada instituto, mas proíbe a instituição de tributos excessivamente onerosos, que acarretem a perda do patrimônio, da propriedade, como acarretaria no caso de confisco. Tecnicamente, tributo e confisco não se confundem, mas o que no art. 150, IV, se veda é que a lei regule o tributo de modo que ele gere os mesmos efeitos econômicos que o confisco geraria.

Em termos práticos, se uma mercadoria comprada pela Internet no Estado de São Paulo para ser entregue a um consumidor no Estado da Paraíba, a tributação, que deveria ser de 18% sobre o valor do bem caso fosse respeitada a Constituição Federal, passaria a ser acrescida do diferencial de alíquotas previsto no Protocolo 21.

Não demorou muito para que a edição do Protocolo 21 fosse questionada perante o STF por conta da flagrante inconstitucionalidade ao art. 155, § 2º, VII, “b”, da Constituição Federal que, como vimos anteriormente, traz expressa a regra mandamental acerca da obrigatoriedade da tributação do ICMS, devendo ocorrer, exclusivamente, no Estado de origem.

Ao decidir pela inconstitucionalidade do Protocolo 21, em decisão unânime, os ministros do STF entenderam pela prevalência da norma expressa na Constituição Federal, que definiu a cobrança como sendo de competência dos Estados de origem, e não no destino.

Indo mais adiante, o Ministro Luiz Fux, por sua vez, decidiu que a cobrança do ICMS em dois momentos da operação resultava em bitributação, o que era vetado pela norma constitucional. Por conta disso, julgou pela inconstitucionalidade do Protocolo n° 21/2011 alegando ser um atentado à Carta Constitucional de 1988, tanto do ponto de vista material quanto do ponto de vista formal.

Embora acertada, a decisão dos ministros da Suprema Corte não resolveu a problemática em torno do ICMS, muito menos estabeleceu a desconcentração desse tipo de receita do Estado de origem, que continuava sendo o responsável pelo recolhimento integral do imposto até o início deste ano. A nosso ver esta é uma questão sobressalente que mereceu ter o devido tratamento pela EC 87/2015, aniquilando de vez o desrespeito a outro mandamento constitucional: o princípio da igualdade, conforme se verá adiante.

A forma de repensar essa partilha tendia a acirrar as guerras fiscais entre as unidades federativas, forçando o Estado a buscar outros modos de arrecadação, o que, muitas vezes, colocavam em cheque à harmonia fiscal entre Estados, fazendo surgir efeitos negativos mais cedo ou mais tarde. Sobre guerra fiscal, possível afirmar que “no afã de se buscar mais recursos, a ausência de fontes próprias estimula a prática de guerra fiscal entre Estados e até mesmo entre Municípios” (OLIVEIRA; ROSSIGNOLI, 2019, p. 416).

A busca por uma forma de partilhar a receita das compras via Internet sem gerar concentração nas unidades de origem, assegurando a participação dos Estados consumidores, em alusão à igualdade econômica e ao desenvolvimento integrado somente chega ao fim com a edição da Emenda à Constituição n° 87, de 16 de abril de 2015.

Os Estados prejudicados não esperaram os efeitos devastadores do Protocolo 21 para questionar sua validade perante a Suprema Corte, até mesmo por que os impactos decorreriam de um acordo firmado sobre matéria específica de Emenda à Constituição.

A essa altura já sabemos que o Estado da Paraíba também editou norma estadual visando à partilha das receitas de ICMS com base no Protocolo 21. Imediatamente a Ordem dos Advogados do Brasil manejou ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra o Governador do Estado da Paraíba e contra a Assembleia Legislativa com pedido de medida cautelar para atacar os artigos da Lei n° 9.582/11, que dispôs sobre a existência de parcela do ICMS nas operações interestaduais que destinassem mercadorias ou bens ao consumidor final, cuja aquisição tenha se dado de forma não presencial. A ação foi acatada pelo STF e a norma foi suspensa até a decisão final do plenário, que julgou pela inconstitucionalidade.

A cobrança do ICMS funciona da seguinte forma: um determinado produto passa de um Estado para o outro para ser comercializado por uma empresa ou um estabelecimento até que o produto alcance o consumidor final. Sobre esse transporte de mercadoria, no entanto, recai a incidência do ICMS desde a saída do produto do fornecedor, bem como recairá novamente, agora com crédito de ICMS, no Estado de destino, quando o fornecedor receber o produto e encaminhá-lo para o consumidor final. Dessa forma ocorre um rateio do ICMS entre os dois entes federativos participantes da circulação da mercadoria sem que haja bitributação.

Com a venda efetuada pela internet, por exemplo, a figura do fornecedor existe apenas em um dos Estados, deixando de existir no outro. Explicamos: com a venda direta ao consumidor, consequentemente deixa de existir o “mercado varejista” e a mercadoria vai do produtor ou fornecedor diretamente para o consumidor final.

É óbvio que dentro dessa sistemática o recolhimento não é repartido entre os Estados (origem e destinatário), ficando concentrado apenas no Estado de origem, diferentemente das mercadorias que passam por um comércio varejista.

É justamente nesse ponto que alguns ministros entenderam que haveria um desequilíbrio econômico na receita dos Estados no momento em que houvesse a concentração do ICMS pelos Estados desenvolvidos, por exemplo, em detrimento dos Estados economicamente mais fracos.

A solução para esta problemática adveio somente com a edição da EC n° 87/2015, que alterou a atual conjuntura do ICMS permitindo que os Estados de destino recebam parcela do imposto nas vendas realizadas pela Internet, possibilitando a esses Estados, em sua maioria pobres e pouco industrializados, um tratamento de igualdade constitucional.

Ressalte-se ainda que as regras estabelecidas pela EC 87/2015 não alteraram em nada para o consumidor final. Explicamos: na relação jurídico-tributária que envolve a circulação de mercadoria ou serviço adquirido à distância continuará sendo aplicada a alíquota interestadual, ficando o destinatário obrigado a recolher a diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota do Estado de destino. Importa destacar que essa regra é aplicável somente nos casos em que houver a aquisição de bens de uso e consumo e do ativo imobilizado, visto que, nas aquisições de insumos, os contribuintes do ICMS não são consumidores finais.

A decisão do STF pela inconstitucionalidade do Protocolo 21 não desestimulou os Estados prejudicados, que continuaram lutando pelo que entendiam ser medida de justiça fiscal. O resultado disso foi a edição da Emenda Constitucional n° 87/2015 que trata da sistemática de cobrança do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação incidente sobre as operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, publicado no Diário Oficial da União em 17 de abril de 2015.

A EC 87/2015 passou a garantir a partilha entre os Estados de origem e destino da arrecadação do ICMS cobrado sobre produtos e serviços adquiridos a distância, pela internet e por telefone, corrigindo assim uma distorção tributária de longa data, em que se permitia o recolhimento apenas pelo Estado onde se localizava a sede da loja virtual, ou seja, a retenção pertencia integralmente ao Estado produtor, significando dizer que o Estado de residência do comprador, ou de destino da mercadoria, não tinha qualquer participação no imposto cobrado. Esse modo de arrecadação beneficiava principalmente os entes mais desenvolvidos, como São Paulo, por exemplo.

O novo texto do ICMS é então uma conquista que põe fim a “guerra fiscal” entre os Estados, tendo em vista que a fórmula anterior, em vigor desde o início da vigência da Constituição de 1988 e que permitia a prevalência de certa anomalia entre os Estados ao determinar a incidência da alíquota interna, geralmente elevada, em operações envolvendo mercadorias destinadas a compradores não contribuintes do imposto e localizados em outro Estado, deixou de existir, devendo agora o produto da arrecadação ser partilhado entre os Estados.

A EC 87/2015 prevê a divisão entre os Estados de origem e destino da arrecadação do ICMS cobrado sobre as mercadorias e serviços à distância, tanto pela internet quanto pelo telefone de forma escalonada até 2019. A medida era tão necessária e urgente que a matéria foi votada à unanimidade.

De acordo com o texto, caberá ao Estado de destino do produto o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna desse estado e a alíquota interestadual. A alíquota interestadual é de 7% nas regiões Sul e Sudeste e de 12% nas demais regiões. A alíquota final varia conforme o Estado, e vai de 17% a 19%.

Antes, se um consumidor do Estado da Paraíba adquirisse um produto de R$ 1.000 (mil reais) em uma loja online sediada no Estado de São Paulo, por exemplo, o Estado de destino não receberia qualquer valor relacionado ao ICMS. Com a vigência da EC 87/2015, São Paulo ficará agora com R$ 70 de ICMS (7% da alíquota interestadual) e Paraíba com R$ 100 (diferença entre a alíquota interestadual de 7% e a final de 17% da alíquota interna da Paraíba).

O texto prevê ainda que os Estados de destino recebam 100% da diferença de alíquotas apenas em 2019. Até lá, valerá uma regra de transição gradual para o recebimento do imposto, sendo:

a)  20% para o destino e 80% para a origem em 2015;

b)  40% para o destino e 60% para a origem em 2016;

c)  60% para o destino e 40% para a origem em 2017;

d) 80% para o destino e 20% para a origem em 2018;

e)  100% para o Estado de destino em 2019.

Como se pode notar, a EC 87/2015 foi uma forma de compensação dos Estados que não sediam os centros de produção e distribuição do que é consumido à distância, seja Internet ou telefone.

4. Considerações finais

O surgimento da Internet trouxe avanços de ordem social e econômica. Ao longo deste trabalho foi possível notar que os efeitos do seu incrível crescimento acabaram por criar situações delicadas, pondo em xeque sistemas econômicos que pareciam sólidos e imutáveis.

A Internet no Brasil permitiu a inclusão digital de milhões de brasileiros e, sem dúvida, é um dos maiores marcos da nossa história. Por sua vez, a inclusão deu fôlego à eclosão do comércio eletrônico, à medida que mais e mais pessoas tinham acesso à rede mundial de computadores.

No início esse tipo de comércio era pouco notado e quase não tinha o que comprar, sendo raríssimas as páginas que se destinavam a este fim. Mas tudo não passava de uma questão de tempo. Assim que foi submetida ao crivo da sociedade, as compras virtuais caíram no gosto popular. E isto se deu em décadas, não foi do dia para a noite.

A comercialização digital então saiu dos milhões e entrou nas cifras dos bilhões por ano, resultados que aumentam com o passar dos anos. Com a circulação cada vez maior de mercadorias advindas do mercado eletrônico, logo foi possível se notar certa diferença entre o Estado que produzia e o Estado que consumia. E logo apareceram os primeiros prejudicados. Quanto mais se acentuava a diferença econômica entre eles, mais reagiam.

Como não podia deixar de ser, logo o descontentamento dos prejudicados se voltou para a Constituição Federal, onde estavam insculpidas as regras que estabeleciam e mantinham nítidas a desigualdade entre quem produzia e quem comprava.

Injustiçados, os Estados prejudicados começaram a lutar por uma “justiça fiscal”, estabelecendo através de acordo um comando que visava à partilha dos ganhos entre o Estado que vendia e o Estado que comprava. No meio da discussão pairava a problemática em torno da competência do ICMS das compras realizadas pela Internet.

Para se chegar a esta conclusão, primeiro analisamos a competência do tributo estadual sobre a circulação de mercadorias e serviços, reunindo toda a legislação pertinente que tratava do tema. Em seguida, partimos para a análise histórica do imposto, abordando desde a época mais remota até as alterações recentes legislativas do poder constituinte derivado.

Demonstramos que o ICMS é um tributo de natureza indireta, cuja característica é a “não cumulatividade” e a “seletividade”, para somente então adentrar no mérito das vendas pela Internet.

Analisamos ainda os princípios constitucionais aplicáveis a esta espécie tributária, examinando em paralelo os casos em que havia operações que destinassem bens e serviços a consumidores finais localizados em outros Estados, partindo da premissa constitucional de que a regra é a aplicação do princípio da origem. Não foram desprezados, contudo, aqueles que opinavam em sentido contrário, de modo que fizemos um apanhado bibliográfico da forma mais completa possível no decorrer do texto.

Finalmente discutimos a origem da insatisfação dos Estados compradores com relação ao princípio constitucional da origem, que vedava à partilha do ICMS entre os Estados produtores e consumidores, pertencendo o produto da arrecadação integralmente àqueles.

Dessa forma, restou esclarecido que o problema girava em torno do art. 155, § 2º, VIII, alínea “b” da Constituição Federal, que favorecia os Estados industrializados em detrimento dos Estados consumidores, que deixavam de arrecadar e, por conta disso, se sentiam cada vez mais empobrecidos.

No intuito de salvaguardar seus interesses (e direitos), os Estados-membros prejudicados reuniram-se e editaram o Protocolo 21, que pouco tempo depois seria aniquilado pela Corte Suprema por ofender diretamente a Constituição.

Porém, a atual conjuntura da sociedade não mais justificava a aplicação da norma constitucional nos preceitos fundamentados em 1988, quando sequer era possível imaginar o comércio eletrônico. Daí que houve a necessidade de apaziguar este conflito e por fim a discussão.

A opção encontrada pelo legislador constituinte derivado foi a edição da EC 87/2015, que finalmente enfrentou a “guerra fiscal” dos Estados em torno do ICMS sobre produtos comercializados eletronicamente, alterando o texto da Constituição para, enfim, efetivar a Justiça.

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[1] O Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) é um órgão composto por representantes de todas as Fazendas dos Estados brasileiros, incluindo o Distrito Federal. Sua finalidade é a promoção de políticas relativas à competência tributária dos Estados-membros da Federação, inclusive, decidindo sobre isenções, incentivos e benefícios fiscais. Foi criado com a edição da Lei Complementar n° 24/75, que prevê em seu art. 1º a exigência de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal para a concessão de isenções e benefícios relativos ao ICMS.