USUFRUTO COMO DIREITO REAL NO CÓDIGO CIVIL E SUA INSCRIÇÃO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO

USUFRUCT AS A REAL RIGHT IN THE CIVIL CODE AND ITS REGISTRATION IN THE REAL ESTATE REGISTRY

Flávia Regina Maia Gimenes

Mestranda em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR). E-mail: frmt_1207@icloud.com

Valter Moura do Carmo

Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Marília (PPGD/​UNIMAR). E-mail: vmcarmo86@gmail.com

Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar as principais particularidades do instituto do usufruto como direito real e demonstrar a distinção entre a enfiteuse, o uso, a superfície, a habitação evidenciando suas características semelhantes, porém distintas. Ao longo da elaboração deste trabalho, utilizando-se de método dedutivo, pesquisa bibliográfica, em análise crítica da literatura, foram analisados livros e artigos de periódicos nacionais. O profissional de direito, apesar da importância do mundo tecnológico deve se atentar a questões intrínsecas e primárias, isto é, atentar-se às questões bases que circundam tema tão específico e ao mesmo tempo atual. As conclusões do referido estudo evidenciarão que o usufruto é o direito real de desfrutar completamente uma coisa alheia, sem alterar o seu modo de ser, concluindo, entre outras reflexões e apontamentos,  que o usufruto é abraçado pelo direito dos registros públicos, que por sua vez é composto pelo conjunto de normas e princípios que regulam, além da organização, o funcionamento e os efeitos da publicidade registral.

Palavras-chave: Direito real; usufruto no código civil; registro imobiliário.

Abstract: This article aims to analyze the main particularities of the institute of usufruct as a real right and to demonstrate the distinction among emphyteusis, use, surface, and housing, evidencing their similar but distinct characteristics. Throughout the elaboration of this work, by using a deductive method, bibliographic research, in a critical analysis of the literature, books and articles from national journals were analyzed. Despite the importance of the technological world, the law professional must pay attention to intrinsic and primary issues, that is, to the basic issues that surround such a specific and at the same time current theme. The conclusions of the aforementioned study will show that the usufruct is the real right to fully enjoy something that belongs to someone else, without changing one's way of being, concluding, among other reflections and notes, that the usufruct is embraced by the law of public records, which in turn is composed of the set of norms and principles that regulate, in addition to the organization, the operation and effects of registry advertising.

Keywords: Real Right; Usufruct in the Civil Code; Real Estate Registry.

1.  Introdução

Diante do recorrente conflito existente entre os direitos reais do Código Civil Brasileiro, surge o atual espaço de colaboração por meio do presente artigo, a fim de contribuir para o entendimento e difundir-se o conhecimento jurídico acerca deste tema que se mostra tão antigo e ao mesmo tempo tão contemporâneo, com presença marcante nos Tribunais do nosso país.

O objeto do presente estudo é discorrer sobre o usufruto, sabendo-se que o termo usufruto faz referência àquilo que se usufrui de fato, que se pode desfrutar, que se colhe os frutos, que se tem o gozo e a posse temporária. A origem da palavra vem do latim “ususfructo”, que significa “uso dos frutos”.

Na terminologia jurídica, o termo “usufruto” é o direito que se confere a alguém para que, por certo tempo, de forma inalienável e impenhorável, possa usufruir ou gozar da coisa alheia como se fosse sua, desde que não lhe altere a substância ou o destino do bem, obrigando-se a zelar pela sua integridade e conservação.

Uma vez que os direitos reais de gozo e fruição são situações reais em que há divisão dos atributos relativos à propriedade ou domínio (propriedade restrita ou limitada). Como o próprio nome indica, transmite-se a outrem o atributo de gozar e fruir a coisa, com maior ou menor amplitude (TARTUCE, 2015, p. 721).

Pretende-se, ainda, no presente artigo, demonstrar que tais direitos visam conferir ao titular da situação jurídica a possibilidade de realizar algum tipo de função utilidade sobre o bem objeto de propriedade de outro sujeito de direito. A partir do momento em que se institui um direito dessa natureza, passa a haver, no sistema jurídico, uma relação jurídica que se denomina de relação jurídica real (PENTEADO, 2008, p. 402).

O direito real denominado usufruto confere ao seu titular o direito de gozar e fruir de uma coisa alheia, direito este transmitido pelo proprietário (nu-proprietário).

Será demonstrado também que esse instituto pode ter por objeto um ou mais bens, móveis ou imóveis, um patrimônio inteiro, ou parte dele, pode abranger todo o patrimônio ou só parte dele, onde os frutos e utilidades também poderão estar abrangidos. Quando recair sobre bens imóveis, o usufruto somente se constituíra pelo registro do título no Registro Imobiliário, exceto quando houver usucapião. O usufrutuário não poderá alienar o direito real a terceiro. No entanto, poderá cedê-lo, a título gratuito ou oneroso. Pode ser temporário ou vitalício. É proibido usufruto por sucessão causa mortis.

Observar-se-á, no decorrer da leitura, que o beneficiário tem direito à posse, ao uso, à administração e à percepção dos frutos. Fica obrigado às despesas com a conservação dos bens no estado em que os recebeu e a pagar as prestações e os tributos devidos pela posse ou rendimento da coisa que é objeto de usucapião, e que o titular deste direito real não é obrigado a pagar as deteriorações resultantes do exercício regular do mesmo. Incumbem ainda ao dono as reparações extraordinárias e as que não forem de custo módico, mas o usufrutuário lhe pagará os juros do capital despendido com as que forem necessárias à conservação ou aumentarem o rendimento da coisa.

Serão explanadas, posteriormente, as formas de extinção do usufruto: renúncia, morte, termo de sua duração, extinção da pessoa jurídica, em favor de quem for constituído ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos após a sua constituição. Extingue-se também pela extinção do motivo de que se origina, quando a coisa é destruída, pela consolidação, culpa do usufrutuário, quando o usufrutuário aliena, deteriora ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de credito, não adquire títulos da mesma natureza ou títulos da dívida pública federal, pelo não uso ou não fruição da coisa em que o usufruto recai (GAGLIANO, 2017, p. 1063).

Antes, porém, será analisado o artigo 1.391 do Código Civil que menciona que "o usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis". A exceção à usucapião se dá, pois a constituição do usufruto ocorrerá com o trânsito em julgado da sentença declaratória, que servirá de título para fins de registro imobiliário. O usufruto constituído pela usucapião não depende do registro para confirmar sua legitimidade erga omnes. Porém, para que se possa aliená-lo ao proprietário da coisa, com o objetivo de tornar plena a propriedade, em obediência ao princípio da continuidade registrária, é necessário registro no Registro de Imóveis competente.

Pretende-se, por fim, por meio da metodologia sobreposta de pesquisa exploratória, aplicar um levantamento bibliográfico para obter maior proximidade com o objeto estudado,  analisando de forma sucinta a maneira como se efetiva a inscrição no Registro Imobiliário deste direito real, depois de uma breve análise do instituto do usufruto em sua essência e institutos afins, realizando uma construção bibliográfica sobre o tema.

2.  Conceito e características

O nosso Código Civil anterior definia o usufruto, no artigo 713, como “o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade”. Alguns dos poderes inerentes ao domínio são transferidos ao titular deste direito real, que adquiri o direito de uso e gozo sobre coisa alheia. Como é temporário, ocorrendo sua extinção, passará o nu proprietário a ter o domínio pleno da coisa (GONÇALVES, 2004, p. 152).

Os romanos, dotados de privilegiada acuidade jurídica, conceberam a propriedade como direito complexo, integrado de vários direitos elementares ou fracionários. Conquanto atribuíssem a ela caráter absoluto e exclusivo, nem por isso deixaram de conceber seu esquartejamento para a criação de novos direitos reais, bem menores, mesmo porque originários do destaque de algum ou de alguns desses direitos elementares. Daí serem chamados direitos reais desmembrados ou limitados (GOULART; SEFFRIN, 1986, p. 05).

Efetivamente, não eram mais do que porções desmembradas do todo, que, sem embargo subsistiam desfalcadas então. Não eram mais do que parcelas, limitadas, portanto, em ou confronto com o todo – amplo e completo direito de propriedade – do qual se desgarravam (GOULART; SEFFRIN, 1986, p. 05).

Da simbologia criada podem ser extraídas algumas perguntas, a seguir respondidas, fundamentais para compreensão do instituto do usufruto: 1- O nu-proprietário pode locar o imóvel objeto do usufruto? Não, somente o usufrutuário, que tem o atributo de gozar e fruir; 2- O nu-proprietário pode usar a coisa? Não, apenas o usufrutuário; 3- O usufrutuário pode vender o bem? Não, somente o nu-proprietário, que tem o atributo de disposição; 4- Quem pode ingressar com ação reivindicatória da coisa em usufruto? Somente o nu-proprietário. 5- Quem pode ingressar com ação possessória relativa ao bem? Ambos, pois são possuidores: o usufrutuário é possuidor direto; o nu-proprietário indireto (TARTUCE, 2015, p. 1052).

No que toca a essa amputação do direito de propriedade, para possibilitar que estranho tenha gozo sobre a coisa alheia, criaram quatro direitos reais: o usufruto, o uso, a habitação e a operae servorum (o trabalho dos escravos).

Os três primeiros ingressaram nas modernas legislações e perduram até os presentes dias, no direito brasileiro.

Consistia o usufruto, para os romanos, em uma vantagem pessoal, estabelecida em benefício de alguém sobre a coisa alheia, sobre bem de outrem. Em razão disso, junto com os outros três direitos antes apontados, era tido como uma servidão pessoal. Essa noção perdurou, para muitos juristas, inclusive pelos tempos modernos, mas, afinal, resultou completamente insustentável, posto que seja, verazmente, um direito que não incide sobre pessoas e sim sobre coisas, como muito bem destaca Luiz da Cunha Gonçalves (2010, p. 151).

Segundo o conceito clássico do Direito Romano, o usufruto é o direito de usar e perceber os frutos de uma coisa pertencente a outrem, ressalvada a sua substância (RIBEIRO, 2012).

Em princípio, pois, o usufruto, para os romanos, implicava a transferência do jus utendi e do jus fruendi a outrem, remanescendo com o dominus, a propriedade da coisa, traduzida na substância ou nos restantes direitos elementares.

A rigor, essa noção básica informa o instituto ainda atualmente, mas a faculdade de usar e perceber os frutos tem dimensão maior, abrangente de todo o proveito que a coisa possa oferecer.

Existente o usufruto, a pessoa beneficiada, que recebeu o direito de gozo sobre a coisa alheia, é chamada de usufrutuário. O proprietário, que ficou apenas com o casco da propriedade, denomina-se nu-proprietário, precisamente porque se despiu dos dois direitos elementares mais fecundos na prática, atinentes com a utilidade econômica da coisa, quais sejam, o de usar e o de fruir. Fica ele, assim, como uma propriedade um tanto desnuda, que, por isso mesmo, passa a ser denominada de nuda proprietas (GOULART; SEFFRIN, 1986, p. 05).

Não se pode compreender a faculdade de usar e auferir frutos de uma coisa sem a posse. Em outras palavras, para que o usufrutuário logre efetivar utilização pessoal do bem, necessita ter a posse dele. Tanto se lhe assegura, pois a posse direta fica com ele, enquanto a indireta resta com o titular da raiz do direito de propriedade, com o chamado nu-proprietário.

Tendo direito à posse, o usufrutuário exerce gozo no que não é próprio. Logo, o usufruto é um jus in re aliena, um direito que se exerce na coisa alheia.

E esse direito à posse, com a correlata faculdade de bem usar e efetivar proveitosa fruição sobre a coisa de outrem é inteiramente assegurado ao usufrutuário. Logo, o usufrutuário exerce um poderio diretamente sobre a coisa. Por tal forma pode opor esse seu direito contra quem quer que lhe conteste ou, ao menos, lhe moleste o exercício. Inclusive contra o nu-proprietário, se for o caso. Pode exercê-lo, então, erga omnes. Ora, essas características, como sabemos, revestem os direitos reais (GOULART; SEFFRIN, 1986, p. 07).

Ao usufruto é atribuída a característica de um direito real. Além disso, temos por assentado que é um direito concedido à pessoa, para que ser exercido sobre uma coisa. Sendo assim, tem que desaparecer com ela.

Recaindo sobre coisa alheia, tem caráter temporário, pois não se prolonga além da vida do usufrutuário, admitindo duração menor quando pactuado a termo ou condição resolutiva. Tal caráter precário decorre de seu conteúdo intuitu personae, já que o principal escopo do usufruto é beneficiar pessoa determinada, não se justificando, assim, o prolongamento deste direito por intermédio das gerações seguintes (CHAVES DE FARIA; ROSENVALD, 2006, p. 582).

Como consequência da finalidade personalíssima, sendo o usufruto constituído em caráter vitalício, caso após o óbito do titular deste direito, os herdeiros indevidamente resistam à restituição do bem, poderá o nu-proprietário, respaldado na posse indireta, ajuizar demanda de reintegração de posse, posto evidenciado o esbulho pelo vício da precariedade, sem prejuízo da opção pelo juízo petitório, com fundamento na propriedade.

O usufruto não se transmite nem inter vivos nem causa mortis, em face do sobredito caráter intuitu personae. Ele é sempre instituído sobre a cabeça de um titular determinado. O usufrutuário é impedido de alienar o bem a terceiros, gratuita ou onerosamente.

Excepcionalmente, admite-se a consolidação do domínio pelo proprietário, com a clara finalidade de resgate das faculdades que se encontravam com o usufrutuário (art. 1.410, VI, do CC). Também é possível que o titular do usufruto renuncie ao usufruto, acarretando a extinção do usufruto, com a restauração da propriedade plena conforme determina o art.1.410, I, do CC.

É vedado por lei a figura do usufruto sucessivo ou usufruto em segundo grau. Não é possível alguém beneficiar dois usufrutuários, cada qual a seu tempo, em uma só liberalidade. Se alguém concede usufruto em favor de A por 10 (dez) anos, estipulando que, após tal prazo, o titular do usufruto ser B, reputar-se á não escrita a parte final da cláusula, valendo apenas a primeira indicação em favor do primeiro (CHAVES DE FARIA; ROSENVALD, 2006, p. 582).

Nas doações em que contêm cláusula de reserva de usufruto ao doador e de inalienabilidade é necessário que se limite a cláusula de inalienabilidade ao tempo de vida do doador. Evidentemente, se conservado o negócio jurídico em seus termos, apareceriam dois usufrutuários sucessivos: o doador (que preservou o usufruto) e, após a sua morte, o donatário (pois com a cláusula de inalienabilidade, se poderia apenas usufruir e aproveitar das utilidades do bem, mas jamais dispor do mesmo).

3.  Distinções necessárias

Primeiramente, faz-se necessário distinguir a diferença entre instituição e reserva do usufruto. A instituição traz a ideia de alienação. Ocorre quando o proprietário transfere o direito de usar e fruir o imóvel para terceiro. Nessa modalidade incide imposto ITCMD, a ser pago ao estado se a instituição ocorrer de maneira gratuita, ou ITBI, a ser pago ao município se a instituição for de maneira onerosa (mediante pagamento), ambos calculados sobre o valor de avaliação dada pelo fisco (municipal ou estadual) e não sobre o valor declarado pelas partes. A reserva traz a ideia de retenção. Ocorre quando o proprietário transfere a nua propriedade do imóvel para outrem e destaca/​retém o direito de usar e fruir do imóvel para si neste exato momento. Nessa modalidade não incide imposto, visto que não há transmissão do usufruto, pois o proprietário já exercia anteriormente o direito de usar e fruir do imóvel. O imposto será apenas em relação à transferência da nua propriedade. [1]

Os romanos compreendiam o usufruto como servidão pessoal, que se contrapunha às servidões prediais, sob a consideração de que, se estas se instituem em proveito de prédios, o usufruto se institui em benefício da pessoa do usufrutuário. Trata-se de terminologia virtualmente abandonada, já pela impropriedade, já pelas desagradáveis evocações que suscita. Era imprópria, porque a servidão pessoal sugere logo a submissão da própria pessoa humana como ocorria na escravidão. Somente pode ser considerado o usufruto de direito de caráter pessoal, no sentido de ser direito ligado à pessoa (CHAVES DE FARIA; ROSENVALD, 2006, p. 583).

Do ponto de vista estrutural, o que se nota no usufruto é o fracionamento perfeito e uniforme dos atributos do domínio. O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis (art.1391 do CC). Assim, o usufruto pode ter origem na convecção das partes ou em usucapião (o que é bem raro, diga-se de passagem). Na prática, a situação mais comum de usufruto envolve a doação, em que o doador transmite a propriedade, mantendo para si a reserva de usufruto (chamado de usufruto deducto) (TARTUCE, 2015, p. 1052).

Enfiteuse - a despeito de o aforamento e de o direito real de usufruto serem direitos reais de gozar da coisa alheia, apartam-se pelo fato de o usufruto tutelar a pessoa do usufrutuário, enquanto a enfiteuse resguarda o bem propriamente dito, independentemente do seu titular. O enfiteuta possui o domínio útil do imóvel aforado, de modo perpétuo, transmissível inter vivos ou mortis causa, isto é, poderá alienar livremente o seu domínio útil e, se não o fizer, seus herdeiros o receberão por força do direito de saisine. Ao revés, há pouco foi assinalado o caráter temporário e a intransmissibilidade do usufruto (CHAVES DE FARIA; ROSENVALD, 2006, p. 583).

Superfície – Por meio desse direito real, o proprietário do solo confere a outrem (superficiário) gratuita ou onerosamente, a prerrogativa de realizar obras e explorar o imóvel, devolvendo-o, com seus acréscimos, ao final do prazo pactuado. Sendo temporário, portanto, é útil às duas partes. Advertimos, entretanto, que dado o vulto das plantações ou construções realizadas, talvez seja interessante ao superficiário propor o estabelecimento de um prazo mais ou menos longo, a fim de que possa cobrir os custos do seu investimento. Quanto à forma, observe-se que a lei, expressamente, exige a instituição por meio de escritura pública, devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis. Não basta, pois, a inscrição no Cartório de Notas. A escritura pode até ser levada neste último, mas seu registro há que ser feito, invariavelmente, no Cartório Imobiliário. Somente a partir daí, o direito real estará devidamente constituído. Sua utilidade vai além da seara do direito privado (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 1057).

Há entendimento, na jurisprudência, no sentido de que a transmissibilidade do direito pressupõe a sua constituição regular:

PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVENTÁRIO E PARTILHA. DIREITO DE SUPERFÍCIE. TRANSMISSIBILIDADE. CÓDIGO CIVIL E ESTATUTO DA CIDADE (ART.21) COMPROVAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA. 1. Agravo de Instrumento tirado contra interlocutória proferida em sede de inventário e partilha que determinou a exclusão do bem denominado Chácara Menino Jesus 123, Setor P Norte – Ceilândia/​DF, diante da informação, prestada pela Terracap, quanto à impossibilidade da escrituração do imóvel em nome do espólio de Odilon Alves, haja vista não ter sido firmado contrato de concessão de uso junto à extinta Fundação Zoobotânica do Distrito Federal. 2.  Destarte, uma das principais marcas do direito de superfície é a sua transmissibilidade, por ato inter vivos, oneroso ou gratuito, ou causa mortis. 2.1 Todavia, apesar de o direito de superfície, entendido como sendo direito real de ter construção ou plantação em solo alheio, se passível de transmissão de herdeiros, por morte do superficiário (art. 1.372 do CC),  a forma legal de instituição do referido instituto é por meio de escritura pública (art. 21 do Estatuto da Cidade e 1.369 do CC). 2.2 No mesmo sentido, art.21, da Lei 10.257/​2001 (Estatuto da Cidade), prescreve que o proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no Cartório de Registro de Imóveis. 3. Inviável cogitar-se de transmissibilidade, aos herdeiros, de direito de superfície não instituído regularmente por meio de instrumento público, em razão de o imóvel ser objeto de parcelamento irregular. 4. Agravo improvido.  (TJDF, Agl: 20130020274956-DF, 0028438-16.2013.8.07.000, Rel. João Egmont, julgamento 23-4-2014, 5ª Turma Cível, DJE, 29-4-2014) (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 1058).

Uso - O uso não se confunde com usufruto, já que se trata de direito real que pode ser constituído de forma gratuita ou onerosa, havendo cessão apenas do atributo de utilizar a coisa, seja ela móvel ou imóvel. Por isso se justifica a nomenclatura usufruto anão ou reduzido. Recaindo sobre imóvel o direito real de uso, deve ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis (art. 167, I, nº7, da Lei 6.015/​1973). Na prática, rara é a sua ocorrência. Conforme o art.142 do CC, o usuário utilizará a coisa e perceberá os seus frutos, quando o exigirem as necessidades suas e de sua família. Assim, a fruição somente é possível para atender às necessidades básicas da família, o que está em sintonia com a ideia de patrimônio mínimo. Levam-se em conta as necessidades pessoais do usuário, conforme a sua condição social e o lugar onde viver (parágrafo 1º). Para tanto, a lei considera como componentes da família o cônjuge do usuário, os seus filhos solteiros e as pessoas do seu serviço doméstico (parágrafo 2º). A última norma é totalmente superada pela ampliação do conceito de família. Isso pode ser percebido, por exemplo, pela injustificada menção ao companheiro ou convivente, que goza de proteção constitucional (art. 226, parágrafo 3º, da CF/​1988). Determina o artigo 1.413 do CC a aplicação ao uso, por analogia, das mesmas regras do usufruto, desde que não sejam com ele incompatíveis. Assim, incidem os mesmos casos de extinção por último estudado (art. 1.410 do CC) (TARTUCE, 2015, p. 1052).

Habitação - Constitui o mais restrito dos direitos reais de fruição, eis que apenas é cedida uma parte do atributo de usar, qual seja, o direito de habitar o imóvel. Tal direito real pode ser legal ou convencional, decorrendo o último de contrato ou testamento. Recaindo sobre bem imóvel, deve ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis (art.167, I, nº7, da Lei 6.015/​1973), norma que não se aplica ao direito de habitação legal que decorre do Direito de Família e das Sucessões. Ademais, a norma deixa claro o caráter personalíssimo da categoria (intuitu personae), não sendo possível ceder o direito a terceiros, eis que o instituto visa à moradia específica do beneficiário. Dessa forma, não é viável juridicamente que o habitante institua um benefício semelhante em favor de terceiro, sendo proibido o direito real de habitação de segundo grau. Como a norma é de ordem pública, não cabe previsão em contrário no instrumento de instituição, sob pena de nulidade virtual (art.166, VII, segunda parte, do CC) em havendo direito real de habitação simultâneo, conferido a mais de uma pessoa, qualquer delas que sozinha habite a casa não terá de pagar aluguel à outra, ou às outras, o que ressalta o seu caráter gratuito (art. 1.415 CC). Porém, esse habitante exclusivo não pode as inibir de exercerem, querendo, o direito, que também lhes compete, de habitá-la. Em suma, é possível o compartilhamento compulsório do imóvel (TARTUCE, 2015, p. 1.053).

4.  Da inscrição do usufruto no registro imobiliário: resultados e conclusões

Serviço de registro de imóveis, bem como os demais serviços notariais e de registro, tem por objetivo assegurar a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos e negócios jurídicos. O registrador é um profissional do direito, dotado de fé publica, a quem é delegado o exercício da atividade de registro. O registrador tem o dever de prestar os serviços a seu cargo de modo adequado, observando rigorosamente os deveres próprios da delegação pública em que estão investidos, a fim de garantir a autenticidade, publicidade, segurança, disponibilidade e eficácia dos atos jurídicos constitutivos, translativos ou extintivos de direitos reais sobre imóveis e atividades correlatas (arts. 1, 12 e 30, II, da Lei 8935/​94, Lei dos Notários e Registradores).

O direito registral imobiliário tem por objeto a publicidade da propriedade de bens imóveis e de outros direitos reais imobiliários, visando à proteção dos titulares de tais direitos reais (publicidade estática) e, também, a garantia das transações dos bens imóveis (publicidade dinâmica). Destarte, a razão de ser do direito registral é diminuir o risco dos adquirentes de imóveis ou direitos a eles relativos, por meio de uma maior segurança jurídica em tais transações e, consequentemente, diminuindo os custos da transação e contribuindo para a diminuição de litígios envolvendo imóveis (LOUREIRO, 2010, p. 497).

O direito real de usufruto pode ser constituído por negócio jurídico (inter vivos ou mortis causa) ou por consequência de fatos não negociais. Desses usufrutos, alguns são denominados legais e podem ser de diversas índoles. Exemplo de usufruto legal é usufruto dos pais sobre bens dos filhos menores (art. 1.689, I, CC). Os pais podem administrar os bens dos filhos menores sob sua autoridade e auferir os rendimentos. Não podem, entretanto, alienar ou gravar com ônus reais os bens usufruídos. Esta espécie de usufruto legal está regulada nos arts. 1.689 a 1.693 do CC.

Entre os fatos não negociais constitutivos do usufruto, deve-se fazer menção à usucapião, ainda que na terminologia da lei não seja qualificada como usufruto Legal. A doutrina também menciona o usufruto constituído por aquisição a non domino, que pode produzir-se por aplicação das regras gerais dentro dos limites em que seja possível.

Cumpre ressaltar que nem todos os usufrutos podem ser constituídos pelas formas supracitadas. Assim, por exemplo, não há que falar em usucapião de usufruto sobre um direito do crédito, uma vez que apenas em matéria de direitos reais se opera a usucapião.

O usufruto (exceto o legal) é constituído por ato entre vivo ou por disposição causa mortis. Na prática, o modo mais frequente de constituir usufrutos voluntários é por disposição testamentária e por doação.

Na hipótese de contrato gratuito ou oneroso de usufruto de bem imóvel, o instituído não recebe desde logo o ius in re, que fica dependendo de seu registro. Vale dizer, convencionando-se o usufruto por ato entre vivos, oneroso ou a título respectivo. Se o instituidor vende a propriedade antes do registro, o imóvel é transferido ao comprador livre do encargo. O registro apenas é necessário se se tratar de bens imóveis por natureza (LOUREIRO, 2010, p. 271).

No caso de usufruto causa mortis, o legatário adquire o jus in re só pelo fato da morte do testador sem dependência de tradição, e não do fato de herdeiro. O registro, neste caso, é apenas declaratório e não constitutivo do direito real. O mesmo ocorre quando o usufruto é constituído por usucapião, visto que se trata de forma originária de aquisição de direito. Também neste caso o registro é necessário quando se tratar de usufruto sobre bem imóvel, e a sua natureza é declaratória e não constitutiva (LOUREIRO, 2010, p. 273).

A constituição por ato inter vivos envolve duas modalidades: a título gratuito ou a título oneroso. Além disso, a constituição do usufruto pode ser pura, a termo ou sob condição resolutiva.

O usufruto instituído por ato inter vivos pode assumir as seguintes formas: pode o doador alienar pura e simplesmente a coisa despida do uso e gozo, que reserva para si; pode dispor do uso e gozo, reservando para si a propriedade; pode instituir conjuntamente dois titulares, deferindo para um a propriedade e para outro, o uso e o gozo, reservando para si a propriedade; pode instituir conjuntamente dois titulares, deferindo para um a propriedade e para outro, o uso e o gozo. Seja como for, o usufruto não pode ser deducto, isto é, deduzido: sua instituição deve ficar extreme de dúvida na escritura pública. Logo, não pode ter acesso ao Registro de Imóveis a escritura onde apenas se faz referência à “venda ou doação da nua propriedade” sem que conste expressamente do ato notarial a reserva do usufruto em favor do alienante. O título consubstancia, na verdade, dois negócios jurídicos: a alienação da propriedade e a instituição do usufruto em favor do próprio alienante ou mesmo de terceiro (LOUREIRO, 2010, p. 754).

5.  Considerações finais

1.  O direito de registro de imóveis é o conjunto de normas e princípios que regulam a organização, o funcionamento e os efeitos da publicidade registral, em função da constituição, transmissão, modificação e extinção de direitos reais sobre imóveis.

2.  O registro imobiliário é corriqueiramente conceituado como parte do direito dos registros públicos, composto por princípios e normas destinados a regular a função do oficial registrador e a organização, o funcionamento dos atos e documentos inerentes aos direitos reais sobre bens imóveis ou aqueles que o afetam, bem como as formas e resultados desses registros e os efeitos dele resultantes.

3.  Usufruto é o direito real de desfrutar completamente uma coisa alheia, sem alterar o seu modo de ser.

4.  O usufruto é um direito real sobre as coisas de outro (jus in re aliena). Não se trata, assim, de uma parte do domínio, mas de um direito real sobre coisa de terceiro que permite ao seu titular o uso e gozo do bem, por um determinado lapso temporal, desde que não haja alteração na substância ou mudança no destino da coisa.

5.  O poder do usufrutuário não é uma parte do domínio da coisa sobre a qual recai, mas um direito autônomo que, somado ao do nu proprietário, recompõe a propriedade em sua inteireza.

6.  O usufrutuário não tem faculdade de dispor da coisa, que é atributo do proprietário. Assim, não pode alienar nem gravar a coisa com penhor ou hipoteca. Apenas o nu proprietário conserva tal direito, uma vez que continua sendo o dono, ainda que detenha tão somente a nua propriedade, ou seja, a propriedade vazia de gozo e desfrute da coisa.

7.  Não obstante, se o usufruto recair sobre a universalidade ou quota-parte de imóvel, o usufrutuário tem direito à parte do tesouro achado por outrem, e ao preço pago pelo vizinho, para obter meação em parede, cerca, muro ou valado.

8.  Cumpre observar, entretanto, que a escritura de usufruto não pode violar os princípios da especialidade e da unitariedade da matrícula.  Em determinado caso concreto, em que em um único imóvel foram construídas duas casas, foi negado o registro de usufruto de uma das casas em favor de uma pessoa e da segunda construção em benefício de outra. Assim se pronunciou o órgão julgador: ‘Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Escritura de doação com reserva de usufruto em favor dos doadores. Menção, na matrícula, de que no imóvel estão construídos dois edifícios, um de uso comercial e outro de uso residencial. Constituição do usufruto do edifício de uso comercial para o doador e do edifício de uso residencial para a doadora. Princípios da especialidade e da unitariedade da matrícula. “Registro Inviável”. (Apelação Cível 1.048-6/​8, da Comarca de Lençóis Paulista).

Referências

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