LEI DA LIBERDADE ECONÔMICA E A MITIGAÇÃO DOS PRINCÍPIOS SOCIAIS DOS CONTRATOS E SEUS REFLEXOS NA COVID-19 SOB A PERSPECTIVA DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL

ECONOMIC FREEDOM LAW AND THE MITIGATION OF THE SOCIAL PRINCIPLES OF CONTRACTS AND THEIR REFLECTIONS IN COVID 19 UNDER THE PERSPECTIVE OF THE SOCIAL RETROCESS SEAL

Rafael Niebuhr Maia de Oliveira

Possui graduação em Direito e especialização em Direito Processual (Uniderp/LFG 2009). Mestrando em Direito da UFSC. Professor de Direito da UNIFEBE, onde também atua como professor/advogado junto ao Núcleo de Prática Jurídica.
E-mail: dominoniemaia@gmail.com

Naiara Viana de Melo

Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário de Brusque (UNIFEBE).

Carla Piffer

Professora Permanente dos Programas de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica - PPCJ - UNIVALI. Professora permanente do Mestrado Internacional Profissional em Direito das Migrações Transnacionais - UNIVALI. Pós-doutorado pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Pós-doutorado pela Universidade de Passo Fundo - UPF. Doutora em Diritto pubblico pela Università degli Studi de Perugia - Facoltà di Giurisprudenza- Itália. Doutora em Ciência Jurídica (UNIVALI). Mestre em Ciência Jurídica (UNIVALI). MBA em Direito da Economia e da Empresa/FGV. E-mail: carla.piffer@unifebe.edu.br

Resumo: A Lei n. 13.874/2019, ao introduzir o que chama de Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, alterou algumas figuras jurídicas do direito privado brasileiro, no afã de promover a desburocratização aliada a modernização de normas que garantiriam maior segurança jurídica aos contratantes no Brasil. No entanto, alguns dispositivos desta lei são questionados por se tratarem de um regresso a uma fase do direito privado, pré-constitucional, voltada à garantia de interesses neoliberais. Para dirimir essa questão, utiliza-se do método dedutivo-hipotético, operacionalizado por meio de pesquisa bibliográfica e documental, da qual se pode concluir que por alterar dispositivos de cunho constitucional, especialmente a função social e boa-fé objetiva, a lei não tem a capacidade de limitar a sua incidência no direito privado brasileiro diante de sua importância como concretizadores de uma política pública constitucional de estímulo a contratos justos, elemento que se mostra ainda mais relevante em tempos de pandemia, como no caso da Covid-19.

Palavras-chaves: Liberdade econômica. Contratos. Boa-fé objetiva. Função social dos contratos. Covid-19.

Abstract: The law n. 13.874/2019, by introducing what it calls the Declaration of Economic Freedom Rights, changed some legal figures of Brazilian private law, in an effort to promote debureaucratization combined with the modernization of rules that would ensure greater legal security for contractors in Brazil. However, some provisions of this law are questioned because they are a return to a phase of private, pre-constitutional law, aimed at guaranteeing neoliberal interests. To resolve this issue, it’s used the deductive-hypothetical method, operationalized through bibliographic and documentary research, from which it can be concluded that by changing constitutional provisions, especially the social function and objective good faith, the law does not have the ability to limit its impact on Brazilian private law in view of its importance as a constitutional public policy to encourage fair contracts, an element that is even more relevant in pandemic times, as in the case of Covid-19.

Keywords: Economic freedom. Contracts. Objective good faith. Social function of contracts. Covid-19.

1.  Introdução

No dia 30 de Abril de 2019 foi promulgada a Medida Provisória 881, alcunhada de MP da Liberdade Econômica, que ao introduzir o que chama de Declaração de Direitos de Liberdade Econômica alterou, dentre outros dispositivos, algumas figuras jurídicas do direito privado brasileiro, no afã de promover a desburocratização aliada a modernização de normas que garantiriam maior segurança jurídica aos contratantes no Brasil.

Desde sua promulgação, a Medida Provisória convertida na Lei n. 13.874/2019, divide opiniões dentre aqueles que festejam a criação de mecanismos jurídicos que garantam a simplificação e maior grau de confiabilidade nas relações jurídicas, e aqueles que enxergam nessa medida, instrumentos que dificultam a defesa dos direitos das pessoas hipossuficientes.

Sob esse prisma em que se pode – a priori – vislumbrar tanto aspectos positivos quanto negativos, das medidas jurídicas impostas pela Lei 13.874/2019, é que se faz necessária uma pesquisa mais atenta com o fim de aferir quais seus principais impactos, com destaque nas normas gerais de direito econômico instituídas na Declaração de Direito de Liberdade Econômica, especialmente no que tange à liberdade contratual.

A presente pesquisa se dá de forma qualitativa exploratória, na qual apresentar-se-á em linhas gerais as principais alterações da legislação para o direito privado brasileiro. Para que se fosse possível cumprir os objetivos da pesquisa, utilizou-se do método dedutivo-hipotético, operacionalizado por meio de pesquisa bibliográfica e documental junto a doutrinas jurídicas nacionais e legislações aplicáveis, com ênfase na Lei 13.874/2019, responsável por instituir a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica.

2.  Constitucionalização do Direito Civil e o princípio da função social dos contratos

A promulgação da Constituição Federal de 1988, marcou o término de um período de autoritarismo militar (1964-1985), que representou uma época de supressão de direitos fundamentais. Após uma série de revoluções, objetivando um processo mais humanitário e democrático, a Carta Magna estabeleceu como valores constitucionais a igualdade, a solidariedade social, a dignidade da pessoa humana, além de garantias individuais e fundamentais de contundente cunho social, como o direito à liberdade. (OLIVEIRA, 2014, p. 189).

Em que pese a Constituição ter inaugurado uma nova era no direito brasileiro, à época de sua promulgação vigia o Código Civil de 1916, desatualizado, neoliberal e individualista, contrariando os ideais humanistas previstos na Constituição Federal de 1988, o que fez nascer a clemência por uma – necessária - adequação do direito civil à Constituição, o que se convencionou chamar de constitucionalização do direito civil ou do direito privado. (SCHREIBER, 2018, p. 53).

Schreiber (2018, p. 54) ressalta que muitos civilistas foram resistentes no que concerne a constitucionalização do direito civil, sob o prisma de que enquanto o Código Civil de 1916 permanecia único e inalterável, foram promulgadas mais de seis Constituições, o que representava uma certa instabilidade política do país, que não deveria intervir na perenidade do principal código de direito privado no país. Somava-se a esse argumento, a ideia de que o próprio direito civil estabelece conceitos que serviram para vários ramos do direito público, inclusive o constitucional, em virtude de sua mais antiga evolução.

De outro lado, parte da doutrina entendia que se mostrava necessário o manejo das categorias fundamentais da Constituição para que a interpretação do código e das leis civis não se desviassem de seu correto significado. (LÔBO, 1999, p. 100). Daí que, para os defensores dessa constitucionalização, não havia que se falar em um direito civil que não fosse constitucional, afirmando a necessidade do compromisso com a concretização dos princípios constitucionais também no âmbito civil, no sentido de que “a legalidade é sempre constitucional e também a interpretação é sempre constitucional, guiada pelos valores consagrados na Constituição” (SCHREIBER, 2018, p. 54).

Nesse aspecto, Amaral Neto (1999) considerava a necessidade de observância à função social do contrato e ainda, aos princípios da boa-fé objetiva e da probidade, por serem os responsáveis por constituir os limites à liberdade de contratar. Isso pois, são eles quem destinam-se a impedir o abuso no exercício do direito subjetivo contratual, atuando como critério de interpretação jurídica e legitimando a intervenção do Estado, além de vincular os contratantes ao dever de lealdade ao pactuado.

O direito civil, anteriormente voltado para a autonomia privada, em que a vontade individual era fonte suprema e absoluta das normas individuais, a partir da interferência da Constituição, constituiu-se em uma nova ordem pública em atenção aos fundamentos da República, alterando significativamente as relações jurídicas de direito privado. Nesse sentido, embora o legislador constituinte tenha mantido a iniciativa econômica privada, atentou-se para que esta não fosse desenvolvida de maneira prejudicial à dignidade da pessoa humana e à justiça social. (TEPEDINO, 2012, p. 16).

Assim, nesse viés da constitucionalização do direito privado brasileiro, o legislador reformador, quando da passagem do Código Civil de 1916 para o de 2002, incorporou no texto civil vários preceitos estampados como direitos fundamentais no texto constitucional, dentre os quais a ideia de socialização dos princípios contratuais, o que acabou por se concretizar pela redação do artigo 421, que dispõe sobre a liberdade de contratar exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

De acordo com Reale (2003), na elaboração daquele novo ordenamento jurídico, no que concerne as relações privadas, o legislador, diferentemente do que ocorria no Código Civil de 1916 que era a predominância dos interesses individuais, combinou o individual com o social de maneira complementar, visando soluções equitativas e concretas.

Assim, no que tange as alterações havidas no tratamento do contrato a nível legislativo, sob a ótica do Código Civil de 2002, buscou-se implicar soluções que atendessem não só ao interesse dos indivíduos que compõem a relação contratual, mas do conjunto social, vez que este último, mesmo de forma indireta, também sofre os efeitos do negócio jurídico. Ou seja, se antes a legislação civil era voltada para um viés patrimonial e individualista, a nova legislação incluiu ideais de direitos coletivos e difusos, que transcendem os meramente individuais, como reflexo do texto constitucional em vigor.

Nesse sentido, de acordo com Theodoro Junior (2014, p. 18), os princípios que constituem a teoria liberal do contrato são: a liberdade contratual, em que dentro dos limites da ordem pública as partes podem convencionar de forma livre; o da obrigatoriedade do contrato, que se refere ao pacta sunt servanda; e ainda o da relatividade dos efeitos contratuais, onde terceiros não são prejudicados pelo que foi convencionado pelos contratantes.

Com o processo de constitucionalização do direito privado, Lotufo (2016, p. 22) preconiza que se somaram a esses, três princípios, chamados de princípio sociais do contrato, que analisam a questão da autonomia privada de forma mais complexa, além da simples presunção de autonomia pela mera assinatura de um contrato, são eles: a boa-fé objetiva, o equilíbrio econômico do contrato e a função social do contrato.

A partir de então, permitiu-se a relativização do pacta sunt servanda sempre que a obrigação tivesse sido contraída de forma a prejudicar preceitos sociais, sejam eles prejudiciais às proporias partes (boa-fé objetiva) ou à coletividade (função social do contrato). Nesse sentido, o artigo 421 do Código Civil de 2002, em seu texto original, dispunha que a liberdade de contratar seria exercida em razão e nos limites da função social do contrato, além de dispor em seu artigo 422 que, os contratantes obrigatoriamente atentariam aos princípios da probidade e da boa-fé.

A função social é fundamento da liberdade de contratar e garante que além dos próprios interesses das partes contidos em determinado negócio jurídico, seja observado os demais interesses merecedores de tutela no ordenamento jurídico, partindo da premissa de que não só os interesses individuais devem ser respeitados, mas também, todos os interesses difusos e coletivos.

De acordo com Reale (2003), o imperativo da função social do contrato estabelece que o contrato não pode ser transformado em um instrumento para atividades abusivas causando danos à parte contrária ou a terceiros, isto pois, é próprio dos contratos exercer uma função social, a fim de que ele seja concluído em benefício dos contratantes sem conflito com o interesse público.

Já, a boa-fé que, anteriormente, era relacionada tão somente com a intenção do sujeito de direito, ou seja, a boa-fé subjetiva, após a vigência do artigo 422 do Código Civil, passou a vigorar também de forma objetiva, estabelecendo que, em todas as fases do negócio contratual, sem necessidade de estar expressamente previsto no instrumento, a conduta dos contratantes devem ser pautadas no “dever de cuidado, o dever de colaboração ou cooperação, o dever de informar, o dever de respeito à confiança, o dever de lealdade ou probidade, o dever de agir conforme a razoabilidade, a equidade e a boa razão. (TARTUCE, 2018, p. 157).

No que tange à boa-fé objetiva, superou-se a teoria baseada meramente na vontade/intenção das partes, eis que contraposta à concepção objetiva, mas sem que essa vontade fosse esquecida, na medida em que apenas deixou de ser vista como expressão do âmbito interno das pessoas, mas como um fato social, em que se identifica uma decisão tomada pelos contratantes perante a ordem jurídica. Com essa característica objetiva, tem-se que “o comportamento no iter da celebração do contrato já leva à autorresponsabilidade, evidenciando que a confiança do receptor da declaração não pode ser afetada por subjetivismo do declarante, se objetivamente o que foi entendido é o que levou à confiança”. (LOTUFO, 2016, p. 19).

É bem verdade que embora a liberdade contratual tenha sido limitada, primeiramente pela Constituição Federal e posteriormente pelo Código Civil de 2002, esta mantinha-se como regra na interpretação do direito privado, como corolário lógico da livre iniciativa. Livre iniciativa econômica essa que se estabeleceu como direito fundamental constitucional, e não só como mero princípio de organização econômica. O texto constitucional o consagra como um direito à não intromissão do Estado, visto  que pode ser exercido livremente, sendo uma expressão da liberdade contratual, porém, limitada pela regulação estatal nos casos de necessária observância das normas de ordem pública. (ARAGÃO, 2009, p. 1972).

Nesse sentido, mostrou-se necessária a busca do equilíbrio entre a liberdade contratual e econômica, e ainda, equilíbrio em relação ao poder do Estado em limitá-la, de modo que tal liberdade não representasse um meio de opressão e desrespeito aos direitos difusos, coletivos e individuais. Isso pois, a melhor solução não é a liberdade contratual plena e irrestrita, tampouco a intervenção estatal total, mas sim, um equilíbrio entre elas (OLIVEIRA, 2014, p. 211).

A partir desta nova realidade, Brito (2012, p. 165) afirma ser necessário estabelecer um equilíbrio da contratação no caso concreto, pelo que se faz imprescindível a presença do Estado para perquirir se o contrato é justo, equânime, em observância à equivalência material e ainda, se atenta aos limites do interesse geral em detrimento do interesse particular.

Para Theodoro Junior (2014, p. 5), a criação dos contratos se submete aos imperativos da boa-fé, da função social e do equilíbrio econômico, bem como, sua existência se dá com o intuito de criar vínculo entre as partes e para garantir que este seja cumprido. Nesse sentido, observada a sua licitude, a vontade das partes sempre deverá prevalecer, devendo ser declarada pelos contratantes e não por autoridade que seja responsável por fiscalizar a vida negocial, o que de fato, comporta a ideia central trazida pela Lei 13.874/2019.

Assim, os princípios sociais dos contratos abrem espaço para proteção dos interesses sociais, valorizando a confiança e a boa fé na relação contratual, atuando o Estado para amenizar os abusos, efetivar os direitos sociais ao equilibrar situações desiguais, e impedir que os interesses individuais se sobreponham aos interesses da coletividade, mesmo que para isto se tenha de ferir algum interesse privado.

Ocorre que, com a promulgação da recente Lei 13.874/19, retorna-se à ideia de intervenção mínima do Estado, em que os princípios contratuais liberais ganham destaque, o que de um lado garante a simplificação e maior grau de confiabilidade nas relações jurídicas, mas de outro, pode amenizar a efetiva aplicação dos princípios sociais, e com isso, dificultar a possibilidade de afastar cláusulas abusivas, conforme demonstrar-se-á a seguir.

3.  A Lei 13.874/2019 e a possibilidade de revisão de cláusulas contratuais

A Lei 13.874/2019, conhecida como Lei da Liberdade Econômica, fruto da Medida Provisória 881 de 30 de abril de 2019 , sancionada no dia 20 de setembro de 2019, assegura normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício da atividade econômica, além de dispor sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, preceituando que para aplicação e interpretação de normas de ordem civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho, devem ser observadas o seu texto legal (BRASIL, 2019).

Os princípios que orientam a Lei que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica são os que asseguram a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas, a boa-fé do particular perante o Poder Público, a intervenção mínima e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas, evitando o abuso do poder regulatório e o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado (BRASIL, 2019).

Tal alteração legislativa é justificada pelo fato de que a Lei da Liberdade Econômica objetiva a desburocratização da atuação do Estado perante as atividades econômicas, introduzindo um Estado Liberal, objetivando um cenário mais simplificado e também competitivo, capaz de gerar empregos e também, renda (CBIC, 2019).

Ou seja, nesse viés, haveria uma maior segurança jurídica entre as partes, eis que estariam fixando previamente os termos exatos em que a relação contratual deveria ser cumprida, em privilégio aos princípios liberais dos contratos, em especial o pacta sunt servanda. Entretanto, abre-se margem para a prática de abusos contratuais, prejuízos à terceiros, onerosidade excessiva à parte hipossuficiente e ainda, o descumprimento da função social do contrato.

A ideia da intervenção mínima ainda é reforçada no art. 3º, inciso VIII, da Lei 13.874/2019, que dispõe ser direito de toda pessoa, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal, ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública. Ou seja, fica evidente que, em matéria contratual, buscou-se a valorização da autonomia privada em detrimento das demais garantias alcançadas com o advento da Constituição de 1988.

Daí que, embora o próprio texto constitucional preveja as possibilidades de intervenção estatal, o que se observa da citada lei é a tentativa de reduzir cada vez mais esta atuação interventiva, resultando assim em um processo de desconstitucionalização (OLIVEIRA; BORTOTO, 2020, p. 13).

Nessa senda, denota-se que a recente legislação receia que a intervenção estatal se dê de forma a promover insegurança jurídica ou a desconstituição do negócio contratual. Contudo, na prática, para que se alcance o equilíbrio contratual e atinja a função social do contrato, fruto da constitucionalização do direito civil, o Estado deve intervir na medida de alcançar um contrato equilibrado aos princípios sociais. Ademais, se tal premissa for cumprida pelas partes, não há fundamento para nenhuma intervenção. (BRITO, 2012, p. 166).

É importante ressaltar que a ascensão dos princípios sociais no direito civil, ora freada por esta iniciativa legislativa, não se deu à toa, conforme apontado no tópico anterior. A prática demonstrou que a aplicação irrestrita dos princípios liberais não apenas servia para garantir a segurança jurídica (seu propósito natural), mas também para legitimar situações abusivas, quando por exemplo, uma parte se valendo da fragilidade da parte contrária, produzia um contrato extremamente desvantajoso, quando não ofensivo à ordem pública.

O fenômeno da constitucionalização do direito civil, resultou essencialmente na constitucionalização das relações privadas, no intuito de consolidar o Estado Democrático e Social de Direito, além da promoção da justiça social e do olhar ao coletivo, que passou a ser incompatível com o modelo liberal anterior, onde prevaleciam os interesses privados e de maior valorização dos indivíduos. (LIMA; SOUSA, 2016, p.11)

Um bom exemplo disso foi a concepção do art. 421 no Código Civil de 2002, cunhado para abrigar o princípio da função social dos contratos, trazendo os limitadores à autonomia da vontade e ao pacta sunt servanda para dentro do direito civil/privado, onde no seu texto original prevê que “a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”.

Nesse sentido, em razão do princípio da função social dos contratos previsto no artigo 421, os contratos deveriam ser interpretados de acordo com o contexto da sociedade, o que constitui um regramento de ordem pública e com fundamento constitucional. (TARTUCE, 2018, p. 522).

Todavia, o Enunciado n. 23, aprovado na I Jornada de Direito Civil promovido pelo Conselho da Justiça Federal, esclarece que não se trata do abandono à liberdade contratual e autonomia da vontade privada, mas apenas a possibilidade de sua mitigação em casos concretos, quando prevê que: “a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”. (AGUIAR JUNIOR, 2012, p. 19).

Visando modificar essa situação, a Lei 13.874/19 embora tenha mantido a redação do caput do referido artigo, incluiu um Parágrafo único no dispositivo legal que assim define: “Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”.

Aqui, resta evidente a pretensão com a alteração do artigo 421 do Código Civil, com o claro escopo de reforçar os princípios liberais do direito contratual (hegemônicos no direito civil pré-Constituição Federal de 1988), dando foco e fortalecendo a liberdade econômica, assegurando o pacta sunt servanda, em detrimento dos princípios sociais, que vinham ganhando força desde a Carta Magna.

Além disso, houve a inserção do artigo 421-A, responsável por prever que os contratos civis e empresariais se presumem paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais.

Vale frisar que em nenhum momento, nem mesmo após Código Civil de 2002, os princípios contratuais liberais deixaram de ser a regra no direito privado brasileiro, de modo que a autonomia da vontade e o consequente pacta sunt servanda formavam a regra que poderia ser excepcionalizada pelos princípios sociais, especialmente pela função social do contrato (art. 421) e a boa-fé objetiva (art. 422).

Apenas a título de exemplificação, é com base no princípio da função social que se cunhou a teoria do adimplemento substancial, ou as decisões que impedem a retenção pelo vendedor de todo o valor pago em caso de resolução contratual, ou ainda que obrigam planos de saúde a custearem tratamentos de saúde, que embora não previstos contratualmente, relacionam-se a doenças cobertas pelo plano, ou, por fim, que permite a renovação automática de seguro de saúde em grupo, pelo prazo em que as empresas negociam a renovação.

Todos esses casos, que é claro, não representam nem perto da totalidade de situações cujo direito possa ser aplicado de forma correta, afastando disposições contratuais que, no caso, trariam situações injustas, quando não absurdas, só demonstram a importância real dos princípios sociais no dia-a-dia contratual.

É nesse sentido que havendo colisão de direitos fundamentais/sociais nas relações privadas, a manutenção da autonomia da vontade jamais deve sobrepujar o interesse público, cabendo ao Estado impor limitação, na ideia de que estes não podem ter campo livre e exclusivo de atuação. Daí que, a função social do contrato, regulada pela intervenção estatal, surge no intuito de impedir que o contrato seja transformado em instrumento de opressão de qualquer das partes, ou seja pactuado em detrimento à direitos coletivos. (LIMA; SOUSA, 2016, p. 21).

Contudo, o recado da lei 13.874/19 é claro: Ganham força a autonomia da vontade e o pacta sunt servanda gerando a desejável segurança jurídica, mas em detrimento, são suavizados os princípios sociais, e com isso a possibilidade de afastar cláusulas abusivas. Não se pode olvidar, é claro, que o real impacto dessas mudanças no dia-a-dia forense dependerá de como essas mudanças serão recebidas pelo Poder Judiciário, a quem cabe, ao fim, aplicá-las.

Todavia, de acordo com o entendimento de alguns civilistas, a intenção da lei não se coaduna com a previsão constitucional tanto com relação a função social dos contratos quanto ao acesso à justiça, conforme preconiza Schreiber (2019, p. 245-246):

A MP n. 881/19 também introduziu no art. 421 um parágrafo único, que estabelece a prevalência de um assim chamado ‘princípio da intervenção mínima do Estado’ e reserva caráter ‘excepcional’ à revisão contratual ‘determinada de forma externa às partes’. Mais uma vez, o equívoco salta aos olhos. Não existe um ‘princípio da intervenção mínima do Estado’; a intervenção do Estado nas relações contratuais de natureza privada é imprescindível, quer para assegurar a força vinculante dos contratos, quer para garantir a incidência das normas jurídicas, inclusive das normas constitucionais, de hierarquia superior à referida medida provisória. A MP n. 881/19 parece ter se deixado se levar aqui por uma certa ideologia que enxerga o Estado como inimigo da liberdade de contratar, quando, na verdade, a presença do Estado – e, por conseguinte, o próprio Direito – afigura-se necessária para assegurar o exercício da referida liberdade. No que tange à revisão contratual, também parece ter incorrido a medida provisória nessa falsa dicotomia entre atuação do Estado-juiz e liberdade de contratar, quando, ao contrário, a revisão contratual privilegia o exercício dessa liberdade ao preservar a relação contratual estabelecida livremente entre as partes, ao contrário do que ocorre com a resolução contratual, remédio a que já tem direito todo contratante nas mesmas situações em que a revisão é cabível (v. comentários ao art. 478). Se a intenção da MP foi evitar que revisões judiciais de contratos resultem em alterações excessivas do pacto estabelecido entre as partes, empregou meio inadequado: afirmar que a revisão contratual deve ser excepcional nada diz, porque não altera as hipóteses em que a revisão se aplica, as quais são expressamente delimitadas no próprio Código Civil. O novo parágrafo único, acrescentado pela MP, tampouco indica parâmetros, critérios ou limites à revisão contratual, o que leva a crer, mais uma vez, que a alteração não produzirá qualquer efeito relevante no modo como a revisão contratual é aplicada na prática jurisprudencial brasileira – aplicação que, de resto, já se dá com bastante cautela e parcimônia, sem interferências inusitadas no conteúdo contratual.

Em sentido semelhante há o posicionamento de Tartuce (2020, p. 9), que aduz ser este um argumento mais ideológico do que efetivo, pois é inerente à autonomia privada a necessidade de intervenção estatal, considerando os comumente abusos contratuais praticados, corrigidos somente com a revisão emanada pelo Poder Judiciário.

Para Aguiar Junior (2011, p. 33), de fato, quanto maior a intervenção na relação contratual, mais estreito será o âmbito da autonomia privada. Assim, é necessário alcançar um equilíbrio, que forneça segurança jurídica, mas que atenda a valores sociais e econômicos e minimize o abuso de direito, pelo que se faz “indispensável que agências públicas, voltadas para o interesse público e livres do processo de ‘captura’, passem a ter uma presença forte no âmbito dos negócios”.

De forma atenta aos princípios sociais, Theodoro Junior (2014, p. 19) preconiza que os contratos “hão de submeter-se ao intervencionismo estatal manejado com o propósito de superar o individualismo egoístico e buscar a implantação de uma sociedade presidida pelo bem-estar e sob efetiva prevalência da garantia jurídica dos direitos humanos”.

A intervenção do Estado, conhecida como regulamentação legal do contrato, é necessária para que se possa refrear a excessiva autonomia da vontade, de forma a impedir contratações abusivas e controlando o individualismo contratual. Ou seja, nenhuma cláusula é admitida se discrepa das normas consolidadas na lei, ou ainda dos direitos sociais, pois há de considerar-se as razões de ordem moral e econômica, com poder para a modificação de cláusulas prejudiciais do negócio jurídico, acima da liberdade contratual. (RIZZARDO, 2019, p. 32).

A ideia da intervenção surge com a busca de uma solução mais justa e equitativa ao caso específico, não se limitando a uma simples aplicação fria da norma, ou tão somente ao interesses dos contratantes ainda que o ordenamento jurídico não o contrarie, no sentido de que, o Código Civil expressamente indica que devem ser considerados os valores sociais e coletivos sobre os individuais (BRITO, 2012, p. 164).

Nesse viés, de um olhar mais crítico, far-se-ia necessária a presença do Estado para que seja efetivo o exercício da liberdade contratual, o que poderia ser prejudicado se observados os critérios e limites estabelecidos pela nova lei, dificultando a produção de efeitos no que tange à revisão contratual, que já se dava de forma mínima e sem exacerbada interferência estatal, chancelando a prevalência de interesses individuais em detrimentos de interesses difusos/coletivos, abrindo caminho para que partes hipersuficientes se utilizem de contratos como meio de legalizar práticas abusivas.

A própria Constituição Federal prevê os direitos fundamentais individuais/sociais e valoriza a base da ordem econômica a partir da liberdade   econômica, com a livre iniciativa e a livre concorrência, mas não transfere para a iniciativa privada a responsabilidade pela consecução dos valores sociais, justamente pois esse dever é de responsabilidade do Estado. (BORTOTO; OLIVEIRA, 2020, p. 12). Até porque, a autonomia privada das partes ao estabelecer os seus conteúdos contratuais, deve ser limitada por conta dos princípios constitucionais, de forma que, se descumpridos, deixam de ser uma liberdade de contratar e passa ser a uma ofensa. 

De todo modo, a Lei 13.874/2019 determina que o exercício da liberdade contratual ainda será exercido nos limites da função social do contrato, mas, estipula que nas relações contratuais privadas, prevalecerá o citado princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. Assim, os contratos civis e empresariais são presumidamente paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção (BRASIL, 2019).

Daí que, conforme pontua Tartuce (2020, p. 1), o principal âmbito de aplicação da legislação em comento, diz respeito aos contratos paritários ou negociados, sendo que tal categoria jurídica é referida a classificação do contrato no que tange à negociação da matéria contida neste pelas partes. Ao assim definir, ao menos, exclui-se da seara de aplicação da lei as relações especialmente protegidas como no caso do Direito do Trabalho e no Direito do Consumidor.

O texto legal mostra ainda clara intenção de minimizar a utilização da boa-fé objetiva como limitador do pacta sunt servanda. É o que se observa do inciso V do artigo 3º da referida Lei, quando estabelece como direito das pessoas,

[...] gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica, para os quais as dúvidas de interpretação do direito civil, empresarial, econômico e urbanístico serão resolvidas de forma a preservar a autonomia privada, exceto se houver expressa disposição legal em contrário.

Assim, em uma estreita síntese, entende-se que prevalecerá o acordado entre as partes, sendo utilizado na resolução de eventuais conflitos acerca do contrato, exatamente aquilo que foi descrito no instrumento contratual, de modo que se necessária a intervenção estatal, esta revisão dar-se-á de forma excepcional e limitada à expressa disposição legal, o que contraria a própria gênese dos princípios sociais, em especial a função social e a boa-fé objetiva.

Ou seja, a criação de termos jurídicos indeterminados como limitadores do pacta sunt servanda se deu justamente para permitir ao magistrado que, no caso concreto, possa intervir na relação contratual sempre que está se mostrar contrária aos preceitos já declinados nesse ensaio. Daí que limitar a aplicação da boa-fé objetiva, ou ainda da função social, a existência de lei expressa significa, em última análise, obstar a sua aplicação de forma definitiva.

Isso porque, a existência de norma legal impedindo a utilização de determinadas cláusulas ou práticas contratuais é aplicável por si só, não em razão da boa-fé objetiva ou da função social, mas em razão da primazia da ordem pública. Os princípios sociais dos artigos 421 e 422 são justamente chamados à utilidade em situações em que a despeito da inexistência de regras jurídica expressa a coibir especificamente aquela conduta, a mesma não possa ser admitida como válida pelo ordenamento jurídico por confrontar preceitos caros aos princípios gerais contratuais do direito civil e constitucional brasileiros.

Ou seja, ao definir que a liberdade contratual não será exercida de maneira irrestrita, mas submetida a limitações legais ou a ordem pública, que de certo modo se confundem, é, na prática negar vigência as cláusulas gerais até então estampadas nos artigos 421 e 422 do Código Civil, dispositivos estes oriundos do processo de constitucionalização do direito, que com esta lei, visa-se abandonar, pelo menos nesse ponto.

Deste modo, com a modificação legislativa, nota-se a clara (re)afirmação no texto legal de liberdade contratual de um ponto de vista neoliberal, ou seja, há expressa previsão de que nas relações contratuais privadas deverá ser operada a intervenção mínima, seja do ente estatal, ou para a própria revisão do termo, atribuindo aos contratantes poderes de maior amplitude negocial.

Daí que se pode perceber que a ideia central do legislador ao promulgar a referida lei é tornar a liberdade econômica como regra quase absoluta, de modo que as partes sofram menos interferência por terceiros no âmbito de sua autonomia privada, retornando ao status pré-constitucional.

Compreende-se o propósito da busca da segurança jurídica, no entanto, a intervenção estatal somente se dá em virtude de abusos que o liberalismo contratual gera, sendo necessária a intervenção do Estado para a proteção da parte hipossuficiente, em conformidade ao princípio da boa-fé e da função social. (D’AVILA; NIZ, 2020, p. 252).

Ou seja, o fato é que, mesmo que tal medida possa gerar uma maior segurança jurídica às partes contratantes, o texto legal pressupõe a imposição de cumprimento de um negócio jurídico – pacta sunt servanda, que não pode ser visto de forma isolada, pois está inserido em um ordenamento jurídico que tutela normas de ordem pública e precisa atender a interesses coletivos, não meramente individuais.

É por isso que, de acordo com Lôbo (2019) a ideia de intervenção mínima do Estado abarcada pela lei da liberdade econômica limita de modo desarrazoado o poder de revisão dos negócios jurídicos, em um ordenamento onde se é exigente a intervenção do Estado-Juiz, sendo que “ a aparência do óbvio mascara o intento de cercear a atuação do Poder Judiciário na revisão contratual, que já é excepcional”.

Nesse viés é que se mostra necessário que a liberdade contratual atenda à função social, não se dando de forma ilimitada, e evidencia a necessidade da intervenção estatal, a fim de evitar abusos e excessos de alguns particulares em prejuízo de outros. Ao seguir por este caminho, o legislador assume o risco declarado de garantir o cumprimento de um contrato, ainda que este apresente cláusulas que ofendam direitos caros ao Estado Democrático de Direito.

Nesse cenário, evidencia-se os principais impactos que a referida legislação traz ao cenário brasileiro, conforme se pontua a seguir.

4.  A mitigação dos princípios sociais dos contratos e seus reflexos no Covid-19 sob a perspectiva da vedação do retrocesso social

Como mencionado anteriormente, a ideia de intervenção mínima incorporada pela lei nº 13.874/19 não pode ser interpretada como excludente da atuação do Estado no âmbito econômico, eis que seu exercício regulador continua assegurado pela ordem econômica prevista na Constituição Federal, o que garante que a interpretação do código e das leis civis, seja realizada em atenção aos fundamentos constitucionais, conforme demonstrado ao longo da presente pesquisa.

A referida lei faz referência tão somente a observância ao parágrafo único do artigo 170 do texto constitucional, nada mencionando acerca do caput deste artigo. Ocorre que, no mencionado caput, fica expresso que a ordem econômica observa dentre outros princípios, o princípio da função social, da livre concorrência e da redução das desigualdades. (BRASIL, 1988).

Nesse sentido, o Parágrafo único do artigo 170, que assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica independentemente de autorização de órgãos públicos, não pode ser lido de forma individual, ignorando os ditames dos direitos sociais expostos tanto no caput do artigo 170, quanto na própria essência do Texto Constitucional. Assim, de acordo com Lôbo (2019):

A função social do contrato é consequência indeclinável do princípio constitucional da função social da propriedade (CF, artigo 170, III) e dos ditames da justiça social (CF, artigo 170, caput), pois o contrato é o instrumento de circulação da propriedade, inclusive no exercício da atividade econômica. A submissão à “Declaração” tem por finalidade excluir do dever jurídico de observância da função social os contratos utilizados no exercício da atividade econômica, não apenas os interempresariais, mas também os utilizados com os consumidores. Em outras palavras, pretende a MP 881 excluir da observância da função social esses contratos, o que colide com os princípios constitucionais regentes da atividade econômica.

Ou seja, evidencia-se que não há possibilidade da supremacia de uma norma sobre todos os princípios sociais, “posto que nenhuma norma (mesmo “principiológica”) pode prever todas as suas hipóteses de aplicação. Ela é pensada para algumas situações, mas a vida é muito mais rica e complexa do que a necessária simplificação que significa a textificação de condutas de forma hipotética”. (NUNES; BAHIA, p. 17).

Assim, o exercício da livre iniciativa não pode sacrificar direitos fundamentais historicamente conquistados, essencialmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que se baseia em fundamentos democráticos e humanistas, assegurando a prevalência de interesses difusos e coletivos, onde a ideia do Estado Mínimo parece incompatível.

Observa-se que com a efetiva aplicação da lei em comento, viola-se a ordem constitucional, eis que “os direitos sociais são direitos intangíveis e irredutíveis, sendo providos da garantia da suprema rigidez, o que torna inconstitucional qualquer ato que tenda a restringi-los ou aboli-los”. (PIOVESAN, 2000, p. 121). Ou seja, visando a lei o aumento da autonomia privada e do pacta sunt servanda, com pouca ou mínima observância aos princípios da boa-fé, da função social e ainda da necessária intervenção estatal nas relações privadas, há flagrante violação à essência do texto constitucional, o qual não pode retroceder.

Nesse sentido, as medidas tomadas em prol dos direitos sociais devem ser mantidas e aprimoradas, nunca restringidas, até porque, de acordo com Brasil (2010, p. 75), “não se trata de uma disponibilização de direitos pelo Estado, mas de fundamentos inerentes ao ser humano, que são garantidos pelo Estado através da segurança jurídica que as Constituições propõem, quando baseadas no princípio da proibição do retrocesso social”.

Outrossim, a observância dos princípios sociais se mostra ainda mais relevante em casos extraordinários e imprevisíveis, como a crise de saúde gerada pelo COVID-19, que afeta diretamente todo o sistema de saúde, mas que também gera efeitos significativos sobre a ordem econômica e, por consequência, produz uma infinidade de efeitos sobre as relações jurídicas travadas nesse ambiente de instabilidade.

No campo das contratações privadas, a maior tormenta se revela nos abusos cometidos na celebração de contratos de produtos/serviços que estejam direta ou indiretamente relacionados às consequências geradas pelo Covid-19. Em Santa Catarina, por exemplo, em meio à pandemia do novo vírus, uma farmácia e uma loja de produtos químicos foram interditadas em Florianópolis e Joinville, respectivamente, por aumento abusivo no preço do álcool em gel. A medida foi tomada pelos Procons municipais, que estão fiscalizando itens de higiene usados na prevenção tanto da Covid-19 quanto demais doenças respiratórias. (GLOBO, 2020).

Isso porque, não obstante o princípio constitucional da livre iniciativa, da liberdade econômica e da intervenção excepcional e subsidiária do Estado na economia, previstos na lei ora discutida, os princípios constitucionais, em sua essência voltados para o interesse coletivo, vedam o abuso de direitos no desempenho da atividade econômica, essencialmente em atenção ao princípio da função social e da boa-fé objetiva, que legitimam a intervenção do Estado como forma de garantir que os interesses das partes não se sobreponham aos direitos coletivos.

Ou seja, em tempos de comoção nacional pela pandemia, o princípio da boa-fé e o princípio da função social do contrato revelam-se essenciais para contornar a autonomia da vontade e o pacta sunt servanda, pois em se tratando de uma situação de calamidade pública, na qual toda sociedade sofre com os abalos econômicos gerados pela Covid-19, as partes devem intensificar ainda mais o dever de observância à esses princípios.

Essencialmente em tempos como estes, mostra-se imprescindível a intervenção estatal, pois não se pode admitir a solução de conflitos sob a perspectiva dos interesses puramente individuais das partes, mas sim, vislumbrando os possíveis efeitos de sua decisão na coletividade, descaracterizando a máxima trazida pela lei do cumprimento obrigatórios nos termos pactuados com intervenção mínima do Estado.

O momento impede a possibilidade de valorização de cláusulas contratuais de forma absoluta, chamando o Estado a atuar no sentido de mitigar o pacta sunt servanda e relativizar as obrigações pactuadas, a fim de garantir o interesse público e o bem comum. É por isso que, essencialmente dentro de um cenário de pandemia, a Lei 13.874/19 vai na contramão da essência do texto constitucional, pois, enquanto reforça a liberdade contratual, acaba por minimizar a aplicação dos direitos sociais.

Assim, com o individualismo trazido pela Lei em comento, há a priorização do capital em detrimento do bem-estar coletivo, o que principalmente no momento atual de crise econômica, não se coaduna com a necessária a intervenção do Estado para garantir que a letra fria da lei ou dos termos contratuais possam ser mitigados com soluções que atendam à coletividade, e não a interesses puramente privados (MACEI; VOSGERAU, ANDRETTA, 2020, p. 16).

Assim, a intervenção estatal possui a capacidade de, com sua atuação, mitigar as consequências dos efeitos sociais da pandemia ora vivenciada, uma vez que pode mitigar os contratos de modo a minimizar os interesses privados das partes e atentar ao coletivo, contribuindo positivamente com a ordem econômica-social. (MACEI; VOSGERAU, ANDRETTA, 2020, p. 19).

Como exemplo da necessária atuação do Estado na análise/revisão de contratos frente à crise instaurada, observa-se o contrato de locação. Considerando tão somente o contrato em si e o texto legal da Lei de Locações, o inadimplemento de alugueis possibilita o despejo do locatário. Contudo, considerando o cenário atual, em atenção à função social do contrato que é garantir o direito à moradia, além do princípio da dignidade da pessoa humana, não seria coerente a ordem de despejo de imediato do locatário inadimplente, sem considerar a situação excepcional que se instalou no país.  

Ou seja, principalmente em um cenário de crise, mostra-se ainda mais necessária a observância aos direitos sociais dentro das relações privadas, no intuito de amenizar os impactos sociais que já estão sendo gerados, por si só, pela crise.

Em momentos como estes, é comum que se tente buscar soluções jurídicas fora dos limites legais, sob o fundamento de que a norma fora criada para situações de normalidade, não se aplicando, pois, as circunstâncias extraordinárias.

Data vênia, essa é uma conclusão com a qual não se pode concordar: primeiro porque os próprios textos legal e constitucional trazem claras previsões excepcionais para tempos igualmente excepcionais, devendo estas normas serem aplicadas nas situações paras as quais foram criadas; e isso ocorre por meio de normas abertas, como no caso da boa-fé objetiva e da função social do contrato, por exemplo, justamente para que o magistrado possa aplicar a norma mais adequada ao caso concreto; E segundo porque a busca por soluções extralegais expõe a sociedade ao perigoso arbítrio por parte do Poder Judiciário, que como Poder composto por pessoas não submetidas ao sufrágio universal, deve ter seu poder limitado às regras criadas e mantidas pela sociedade por meio de seus representantes. (GRAU, 2013)

Daí que se pode concluir que a Lei da Liberdade Econômica, no ponto que altera o sentido do conteúdo dos artigos 421 e 422 do Código Civil opera em dissonância com o texto Constitucional, não podendo assim, ser recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de se permitir que por meio de lei ordinária, sejam ignorados princípios fundamentais da Carta Magna relativos ao sistema econômico nacional.

Isso porque, como já argumentado anteriormente, os artigos 421 e 422 não surgiram em 2002 como forma de inovar o direito privado brasileiro, mas apenas para positivar os preceitos que já lhe eram impostos pela supremacia constitucional desde 1988. De modo que, como não foram estes que instituíram os princípios sociais do direito contratual, sua revogação/alteração de sentido também não é capaz de produzir o efeito contrário.

A terrível pandemia da COVID-19 serve apenas para ilustrar a necessidade de se preservar e fortalecer estes importantes princípios na prática civil/comercial brasileira, não como forma de submeter os contratantes a uma indesejável insegurança, mas para que os contratos não sejam formulados de forma abusiva e ao arrepio de todo sistema social, econômico e ético impostos pela Constituição Brasileira de 1988.

5. Conclusão

Ante aos elementos coletados ao longo da pesquisa, pode-se verificar que a Constituição Federal de 1988 inaugura uma nova perspectiva social do Estado brasileiro, que se espalha por todos os ramos do direito, dentre eles o direito privado. Sob esse novo prisma, os princípios clássicos do direito contratual são mitigados pelos princípios sociais, em especial pela função social do contrato e boa-fé objetiva. Desde então, operou-se a chamada constitucionalização do direito privado que culminou com o Código Civil de 2002 que incorporou em seu texto os ideais constitucionais de um estado de bem-estar social.

A Lei da Liberdade Econômica, por sua vez, surgiu com o intuito de gerar perspectiva à livre iniciativa e ao livre exercício da atividade econômica, preservando a autonomia privada, com enfoque majoritário na liberdade contratual, no intuito de desburocratizar processos e modificar as relações jurídico-empresariais, com o desiderato de simplificá-las e ao mesmo tempo garantir maior segurança jurídica aos contratantes, no objetivo central de movimentar a economia e garantir a intervenção mínima do Estado nas relações contratuais.

Ocorre que, de uma detida análise da Lei da Liberdade Econômica, extrai-se que, mesmo que tal medida possa gerar uma maior segurança jurídica às partes contratantes, o texto legal pressupõe a imposição de cumprimento de um negócio jurídico nos exatos termos pactuados. Contudo, este exercício contratual não pode ser visto de forma isolada de modo que os interesses individuais se sobreponham aos coletivos, considerando que todo o ordenamento jurídico tutela normas de ordem pública, que zelam pela liberdade contratual em clara atenção aos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato.

Daí que se pode concluir que a Lei da Liberdade Econômica, no ponto que altera o sentido do conteúdo dos artigos 421 e 422 do Código Civil, opera em dissonância com o texto Constitucional, não podendo assim, ser recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de se permitir que por meio de lei ordinária, se ignore princípios fundamentais da Carta Magna relativos ao sistema econômico nacional.

Isso se torna ainda mais evidente no momento atual de crise econômica em decorrência dos impactos da pandemia da COVID-19, em que se evidencia a necessária intervenção estatal no sentido de garantir a observância aos direitos sociais, a fim de mitigar os interesses puramente privados com soluções que atendam de forma prioritária os interesses coletivos e não aumentem os impactos sociais que já estão sendo gerados, por si só, pela crise.

Destarte, tem-se que a ideia de intervenção mínima incorporada pela Lei nº 13.874/19 não pode ser interpretada como excludente da atuação do Estado no âmbito econômico, eis que seu exercício regulador continua assegurado pela ordem econômica prevista na Constituição Federal, o que garante que a interpretação do código e das leis civis, seja realizada em atenção aos fundamentos constitucionais, conforme demonstrado ao longo da presente pesquisa.

Referências

AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. 1938 - Comentários ao novo Código Civil, volume VI, tomo II: da extinção do contrato. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Jornadas de Direito Civil I, III, IV e V: enunciados aprovados. Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. Disponível em: https:/​/​www.cjf.jus.br/​cjf/​corregedoria-da-justica-federal/​centro-de-estudos-judiciarios-1/​publicacoes-1/​jornadas-cej/​EnunciadosAprovados-Jornadas-1345.pdf. Acesso em: 25 abr. 2020.

AMARAL NETO, Francisco do. Artigo: Autonomia Privada, Revista CEJ, n° 9, dezembro/​ 1999. Disponível em: https:/​/​revistacej.cjf.jus.br/​revcej/​article/​view/​235. Acesso em: 25 abr. 2020.

ARAGÃO, Alexandre. Princípios Gerais da Atividade Econômica. In: BONAVIDES, Paulo. MIRANDA, Jorge. AGRA, Walber de Moura. (Coord.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

BORTOTO, Giovanna Beatriz. OLIVEIRA, Lourival José de. Repensando as formas de proteção dos direitos sociais na pós modernidade: crítica à prevalência da liberdade individual e econômica das partes. Revista de Direito, v. 12, n. 01, p. 01-25, 2020. Disponível em: https:/​/​periodicos.ufv.br/​revistadir/​article/​view/​9101. Acesso em: 25 abr. 2020.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http:/​/​www.planalto.gov.br/​ccivil_03/​constituicao/​constituicao.htm> Acesso em: 25 abr. 2020.

BRASIL. Código Civil brasileiro. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http:/​/​www.planalto.gov.br/​ccivil_03/​LEIS/​2002/​L10406.htm#​art2045. Acesso em: 25 abr. 2020.

BRASIL, Francisca Narjana de Almeida. O princípio da proibição do retrocesso social como efetividade da segurança jurídica. THEMIS: Revista da Esmec, v. 8, n. 2, p. 73-80, 2016. Disponível em: http:/​/​revistathemis.tjce.jus.br/​index.php/​THEMIS/​article/​view/​169/​160. Acesso em: 25 abr. 2020.

BRASIL. Lei 13.874 de 20 de setembro de 2019. Disponível em: <http:/​/​www.planalto.gov.br/​ccivil_03/​_ato2019-2022/​2019/​lei/​L13874.htm>. Acesso em: 25 abr. 2020.

BRASIL. Resolução nº 51, de 11 de junho de 2019. Disponível em: <http:/​/​www.in.gov.br/​en/​web/​dou/​-/​resolucao-n-51-de-11-de-junho-de-2019-163114755>. Acesso em: 25 abr. 2020.

BRITO, Rodrigo Toscano de. Equivalência material de contratos: civis, empresariais e de consumo. São Paulo: Saraiva, 2012.

CALHEIROS, Erika Albuquerque. CBIC. Artigo do especialista: Reflexos da Lei da Liberdade Econômica. 2019. Disponível em: <https:/​/​cbic.org.br/​artigo-do-especialista-reflexos-da-lei-da-liberdade-economica/​>. Acesso em: 25 abr. 2020.

D’AVILA, Ester Moraes. NIZ, Kamilla Ranny Macedo. A Lei 13.874 e os Impactos na Parte Especial do Código Civil Observadas as Normas do Livro II: Do Direito de Empresa. 2020. Disponível em: http:/​/​200.229.32.43/​index.php/​virtuajus/​article/​view/​22544. Acesso em: 25 abr. 2020.

G1 SANTA CATARINA. Farmácia e loja são interditadas em SC por aumento abusivo nos preços de álcool em gel. Disponível em: <https:/​/​g1.globo.com/​sc/​santa-catarina/​noticia/​2020/​03/​17/​farmacia-e-loja-sao-interditadas-em-sc-por-aumento-abusivo-nos-precos-de-alcool-em-gel.ghtml>. Acesso em: 25 abr. 2020.

GRAU, Eros. Por que tenho medo dos juízes: a interpretação/​aplicação do direito e os princípios. São Paulo: Malheiros, 2013.

LIMA, Caroline Silva; SOUSA. Luana Pereira. A Constitucionalização do Direito Civil como Garantia de Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas. Caderno Virtual, Brasília, v. 1, n. 36, 2016. Disponível em: https:/​/​www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/​cadernovirtual/​article/​viewFile/​2810/​1347. Acesso em: 25 abr. 2020.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civilRevista de Informação Legislativa, v. 141, 1999. Disponível em: https:/​/​www2.senado.leg.br/​bdsf/​item/​id/​453. Acesso em: 25 abr. 2020.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Inconstitucionalidades da MP da liberdade econômica e do direito civil. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 06 jun. 2019. Disponível em: https:/​/​www.conjur.com.br/​2019-jun-06/​paulo-lobo-inconstitucionalidades-mp881-direitocivil. Acesso em: 25 abr. 2020.

LOTUFO, Renan. Código Civil comentado, v.3. São Paulo: Saraiva Educação, 2016. Disponível em: https:/​/​www2.senado.leg.br/​bdsf/​item/​id/​453. Acesso em: 25 abr. 2020.

MACEI, Demetrius Nichele; VOSGERAU, Bruno Roberto; ANDRETTA, Juliane Tedesco. O papel do Estado pela atuação do poder judiciário nos conflitos contratuais em tempos de pandemia do covid-19: a fraternidade como elemento de decidir. Relações Internacionais no Mundo Atual, v. 2, n. 27, 2020. Disponível em: http:/​/​revista.unicuritiba.edu.br/​index.php/​RIMA/​article/​view/​3991. Acesso em: 25 abr. 2020.

NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco. Precedentes no CPC-2015: por uma compreensão constitucionalmente adequada do seu uso no Brasil. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro nº, v. 57, 2015.

OLIVEIRA, Rafael Niebuhr Maia de. A limitação da liberdade de contratar como fonte de efetivação de direitos. In: NONES, Nelson; SILVEIRA, Adriana Bina da; HARTZE, Suzete Habitzreuter (Coord.). Desafios para o Direito Empresarial. Blumenau: Legere Editora, 2014.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000.

REALE. Miguel. Função Social do Contrato. 2003. Disponível em: http:/​/​www.miguelreale.com.br/​artigos/​funsoccont.htm. Acesso em: 25 abr. 2020.

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

SCHREIBER, Anderson. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

SCHREIBER, Anderson. Manual de direito civil contemporâneo. 2. São Paulo: Saraiva, 2018.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

TARTUCE, Flávio. Flávio Tartuce: Linguagem e conceitos alinhados com seu tempo. A “lei da liberdade econômica” (lei n. 13.874/​2019) e os seus principais impactos para o direito civil: segunda parte, mudanças no âmbito do direito contratual. 2020. Disponível em: http:/​/​www.flaviotartuce.adv.br/​assets/​uploads/​artigos/​a77b7-lei-liberdade-economica-2_revisado.doc. Acesso em: 27 abr. 2020.

TEPEDINO, Gustavo. Marchas e contramarchas da constitucionalização do direito civil: a interpretação do direito privado à luz da Constituição da República. (SYN)THESIS, v. 5, n. 1, 2012. Disponível em: https:/​/​www.e-publicacoes.uerj.br/​index.php/​synthesis/​article/​view/​7431 Acesso em: 25 abr. 2020.

THEODORO JUNIOR, Humberto. O Contrato e sua Função social: A boa-fé objetiva no ordenamento jurídico e a jurisprudência contemporânea. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.