A PROBLEMÁTICA DA CONSTITUCIONALIDADE DA DESAPROPRIAÇÃO PARA REVENDA

MARIA LINDÁURIA DE LIMA NASCIMENTO

Procuradora do Município

SUMARIO:
INTRODUÇÃO.
I - A DESAPROPRIAÇÃO EM FACE DO DIREITO DE PROPRIEDADE.
  1) Direito de Propriedade.
  2) Fundamento Constitucional da Propriedade.
  3) Intervenção na Propriedade.
II - DESAPROPRIAÇÃO.
  1) Conceito.
  2) Fundamento da Desapropriação.
  3) Espécies de Desapropriação.
III - DESAPROPRIAÇÃO POR ZONA.
  1) Noções Gerais.
  2) Fundamentos da Desapropriação por Zona.
IV - A PROBLEMÁTICA DA CONSTITUCIONALIDADE DA DESAPROPRIAÇÃO PARA REVENDA.
  1) Inconstitucionalidade.
  2) Admissibilidade.
CONCLUSÃO


INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende atender exigências do Curso de Mestrado em Direito, na disciplina Desenvolvimento e Aparelhamento Institucional, do Prof. Valmir Pontes Filho, em que o mestrando escolhe um tema para desenvolver.

Em face disso, a mestranda procurou inserir o princípio de supremacia constitucional, objeto de estudo da disciplina ao tema sua dissertação do mestrado: DESAPROPRIAÇÃO URBANA. Resultando daí o tema do presente trabalho: A PROBLEMÁTICA CONSTITUCIONALIDADE DA DESAPROPRIAÇÃO PARA REVENDA.

Para chegarmos ao cerne da questão não poderíamos deixar de tecer algumas considerações sobre o direito de propriedade, fundamento constitucional e a intervenção na propriedade.

A nossa constituição deu uma conceituação lato sensu de propriedade, diferentemente da conceituação que é dada pelo direito privado, por este motivo, existem diversos meios de intervenção na propriedade e dentre os mesmos encontramos a desapropriação.

No capítulo seguinte trataremos da desapropriação, quanto ao conceito, fundamento e suas espécies.

A desapropriação por zona constitui, na classificação de Adilson Dallari uma das espécies da desapropriação ordinária. Em seguida colocaremos a questão da supremacia da Constituição no que concerne à desapropriação par revenda.


I - A DESAPROPRIAÇÃO EM FACE DO DIREITO DE PROPRIEDADE.


1. O DIREITO DE PROPRIEDADE

O direito de propriedade são os contornos, os limites dados pelo sistema jurídico no qual o instituto da propriedade está inserido.

Por este motivo o direito de propriedade de um país comunista não poderá ser igual ao de um capitalista.

No nosso sistema jurídico o direito de propriedade é visto sob dois aspectos: sob o ângulo do direito civil e nas relações com o poder jurídico. No primeiro não passa de um direito subjetivo, inclusive o Código Civil Brasileiro no seu artigo 524, diz que "A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua".

Por conta disto, Orlando Gomes assinalava como traços distinguidores do direito de propriedade seu caráter absoluto, exclusivo e perpétuo. Mas, atualmente, não se pode atribuir estes caracteres à propriedade, porque a sociedade mudou.

Antes da Revolução Industrial, e ainda alguns anos depois, a sociedade era predominantemente rural, mas com o perpassar dos tempos, em virtude da oferta de melhores salários, por causa da escassez de mão-de-obra, há uma corrida para os centros urbanos. Então era necessário limitar os poderes dos proprietários. É preciso que seja dada à propriedade uma função social.

A função social a que alude a nossa Constituição não significa "socialização" da propriedade privada, apenas diminui os poderes dos proprietários.


2. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DA PROPRIEDADE


A constituição dá uma conceituação de propriedade em sentido lato, diferentemente do que ocorre no direito privado. Isto ocorreu em virtude do desenvolvimento. Hoje existem bens que não são coisas corpóreas, mas que são tão valorizadas quanto estas, ou muito mais, então cabe ao Estado protegê-los da mesma forma que as coisas materiais, porque também constitui um patrimônio.

"A propriedade toma-se, portanto, o anteparo constitucional entre o domínio privado e o público. Neste ponto reside a existência da proteção constitucional: é impedir que o Estado, por medida genérica ou abstrata, evite a apropriação particular dos bens econômicos ou, já tendo esta ocorrido, venha a sacrificá-la mediante um processo de confisco". 1

A primeira vista, o regramento constitucional parece-nos; constituir meios para o Estado intervir na propriedade privada, mas, na realidade, o seu significado é outro, conforme vimos no parágrafo anterior, constitui uma proteção contra o Estado que a propriedade.passou a ter garantia, uma vez que o Estado só poderia intervir nos casos previstos na Constituição. Afora estes casos o proprietário poderá ficar tranqüilo, diferentemente do que ocorria no Estado Absolutista.

A nossa Constituição trata desse instituto no capítulo concernente aos "Direitos e Garantias" e também no referente à Ordem Econômica e Financeira.

Notamos que os constituintes tiveram uma preocupação muito grande em precisar o instituto da propriedade e fixar-lhe os contornos para segurança dos proprietários. Segundo Celso Ribeiro Bastos isto ocorreu para "repelir de vez alguns autores afoitos que quiseram ver no nosso direito constitucional a propriedade transformada em mera função. Em vez de um direito do particular, ela seria um ônus, impondo-lhe quase o que seria um autêntico. dever". 2

Com relação ao que estava disposto no capítulo dos "Direitos e Deveres Individuais e Coletivos", o art. 5º. garante a individualidade, entre outros direitos, aos brasileiros e estrangeiros residentes no país, do direito à propriedade. No mesmo artigo, inciso XXIII diz que a propriedade atenderá a sua função social.

Conforme vimos a Constituição garante o direito da propriedade individual e ao mesmo tempo diz que ela deverá atender a sua função social, esta colocação é devido a uma concepção liberal. Pois entendiam os adeptos do liberalismo, que a propriedade particular, quando fosse ser desenvolvida, estava ao mesmo tempo beneficiando a coletividade.


3. INTERVENÇÃO NA PROPRIEDADE


"Entende-se por intervenção na propriedade privada todo ato do poder público que, compulsoriamente, retira ou restringe direitos denominados privados, ou sujeita o uso de bens particulares a uma determinada destinção de interesse público".

Essa intervenção se fundamenta no fato de que o interesse da coletividade deve estar acima dos interesses individuais. A nossa Constituição assegura o direito da propriedade privada por entender que através do desenvolvimento das atividades privadas se estabeleça o bem-estar social, mas quando isso não for atingido, caberá ao Estado intervir na propriedade.

Mas o Estado não pode intervir quando bem entender, pois se assim fosse o artigo 5º XXII da C.E seria letra morta. POI: conta desse dispositivo constitucional, a intervenção deverá ser fundamentada na necessidade pública, ou na utilidade pública ou interesse social, mas este fundamento há de vir expresso em Lei Federal.

Como a Constituição dá um conceito lato sensu de propriedade, se estabelecem diversos meios de intervenção e, entre estes, a desapropriação se constitui um deles.

Sendo que, em relação à desapropriação somente à União compete privativamente legislar sobre este instituto.

Quanto à execução e regulamentação das leis referentes à desapropriação, podem ser feitos tanto pelos Estados-membros como pelos Municípios desde que respeitem os lindes de sua competência territorial e institucional.


II - DESAPROPRIAÇÃO


1. CONCEITO


Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua o instituto de Desapropriação sob dois aspectos: um sob um ângulo teórico e o outro sob a luz do direito positivo brasileiro. Quando ao primeiro aspecto, diz ele: “desapropriação é o procedimento administrativo através do qual o Poder Público compulsoriamente despeja alguém de sua propriedade e a adquire para si, mediante indenização, fundada em síntese pública".

Já à luz da Constituição Brasileira, entendemos como um ato compulsório do Poder Público para trazer para si um patrimônio particular, o que faz pela necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, (art. 5º. XXIV C.F) quando não se tratar de imóveis rurais, pois se tratando de desapropriação por interesse social, para fins de Reforma Agrária, a indenização será em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real (art. 184 C.E).

Daí dizer-se que, no Brasil, existem dois tipos de desapropriação, uma fundada no art. 5º, XXIV da Constituição Federal, que Celso Antônio Bandeira de Mello chama de desapropriação tradicional, e o outro tipo é a desapropriação para fins de reforma, de acordo com 9 art. 184 da Constituição Federal.


2. FUNDAMENTO DA DESAPROPRIAÇÃO


A desapropriação fundamenta-se em normas constitucionais e infraconstitucionais.

A Constituição Federal trata de dois tipos de desapropriação, que os doutrinadores chamavam de ordinária e extraordinária.

A desapropriação ordinária vem inserida no texto constitucional no capítulo "dos direitos e deveres individuais e coletivos", mais precisamente no artigo 5º, XXIVI, que esclarece o seguinte: "A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro...".

A desapropriação extraordinária vem tratada no artigo 184 da Constituição Federal, com o seguinte teor: "Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

A desapropriação ordinária poderá ser declarada pela União, Estados-Membros como pelos Municípios, o que será feito mediante lei ordinária. Daí dizer-se que o instituto da desapropriação tem fundamento infraconstitucional.

Além dessas normas constitucionais a lei ordinária também tem disciplinado os conceitos em que se aliança o direito exproprietário estabelecendo a forma, os casos e o procedimento do ato administrativo. A lei 3365/41, por exemplo, estabelece os casos de desapropriação por necessidade ou utilidade pública; a lei 4.132, de 10.09.1962, enumerou, de maneira ampla, os casos de desapropriação por interesse social.


3 - ESPÉCIES DE DESAPROPRIAÇÃO


Em direito, um objeto é distinto de outro, quando estão submetidos a regimes jurídicos diferentes.

O artigo 5º, XXIV da Constituição Federal trata da desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social.

Embora pareçam tipos diferentes de desapropriação, porque cada um tem fundamento legal distinto, exceto a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, que, segundo R. Limongi França são expressões tomadas como sinônimos pelo sistema jurídico, não são pelo fato de terem o mesmo regime jurídico.

Sérgio de Andréa Ferreira, Fernando Andrade de Oliveira, Oscar Barreto e Cretella Júnior não só asseveram inutilidade de qualquer distinção entre necessidade e utilidade pública como, principalmente, ressaltam que algumas das hipóteses que figuram numa lei como casos de interesse social, figuram também em outra lei como casos de utilidade pública, e vice-versa. Vale dizer, diante de certos fatos concretos, caberá à administração ou alegar interesse social ou alegar utilidade pública, indistintamente, pois o mesmo fato se enquadra em ambos os motivos legais. Cretella Júnior, inclusive, exemplifica com a salubridade pública, que figura como necessidade pública no Código civil, utilidade pública no Dec-Lei n. 3.365 e interesse social na lei n. 4.132. 4 pág. 19 Adilson Dallari.

Conforme já foi comentado, a desapropriação baseada no artigo 5º XXIV da Constituição Federal, seja por utilidade pública ou por interesse social, o regime judiciário será o mesmo. O que não ocorrerá na desapropriação por interesse social, apesar da expressão ser a mesma, baseada no artigo 184 da Constituição Federal.

Em face disso, o Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello diz que existem dois tipos de desapropriação. Uma que se fundamenta no artigo 5º, XXIV e a outra no artigo 184 da Constituição Federal.

Com essa classificação concordou Adilson de Abreu e Diógenes Gasparini. A desapropriação, fundada no artigo 52, XXIV chamou de ordinária e a outra de extraordinária. Desapropriação ordinária, é aquela que é feita por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, conforme o artigo 5º, XXIV da Constituição Federal. Valendo salientar que a atual Constituição trata da desapropriação de modo mais específico e dispensa inclusive o capítulo 11 do título VII da Carta Magna à desapropriação para fins urbanísticos.

Quanto à desapropriação extraordinária é aquela que somente à União competirá desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, sendo declarado de interesse social o imóvel rural que não esteja cumprindo a sua função social. Com relação à indenização, será prévia e justa, mas em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de emissão, nos termos do artigo 184 da Constituição Federal.

Em virtude de a desapropriação ordinária abranger situações que se fundamentam em leis distintas, muito embora o regime jurídico seja o mesmo, Adilson de Abreu Dallari completou a classificação subdividindo a desapropriação ordinária em três espécies: desapropriação por utilidade pública, que abrange os casos previstos no art. 5º do Decreto-Lei nº 3.365; desapropriação por zona, que abrange os casos previstos no art. 4º do Decreto-Lei nº 3.365; e a desapropriação por interesse social, que abrange os casos previstos no art. 22 de Lei nº 4.132.

Como o tema do trabalho é a "Problemática da constitucionalidade da desapropriação para revenda", no capítulo seguinte abordaremos algumas considerações concernentes à desapropriação por zona.


III - DESAPROPRIAÇÃO POR ZONA


1. NOÇÕES BÁSICAS


Em regra a desapropriação tem por escopo um objeto certo que sairá do patrimônio do particular para integrar o patrimônio público. Entretanto, admite-se que a desapropriação atinja uma área maior que a necessária, e este tipo de desapropriação está prevista no artigo 4º do Dec-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, nestes termos: "A desapropriação poderá abranger a área contígua necessária ao desenvolvimento da obra a que se destina, e as zonas que se valorizarem extraordinariamente, em conseqüência da realização do serviço. Em qualquer caso, a declaração de utilidade pública deverá compreendê-las, mencionando-se quais as indispensáveis à construção da obra e as que se destinam à revenda”

A desapropriação por zona é uma figura um tanto quanto estranha dentro do direito positivo brasileiro, haja vista que nossa Constituição traz dois tipos de desapropriação, os quais alguns doutrinadores denominaram-na de ordinária e extraordinária.

A desapropriação ordinária é aquela que é motivada pela necessidade ou utilização pública, ou por interesse social, que poderá ser declarada tanto pela União como pelos Estados-Membros ou pelos Municípios.

Ademais, a desapropriação ordinária dever abranger tão só a propriedade indispensável para a execução da obra. Diante disto como se justifica a desapropriação para revenda, tendo em vista que, este tipo de desapropriação constitui uma espécie de desapropriação ordinária, de acordo com a classificação de Adilson de Abreu Dallari ?.

Realmente, não podemos negar que a desapropriação por zona seja uma figura estranha no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo vem sendo utilizado em outros ordenamentos jurídicos.

Na França, o instituto de desapropriação é conhecido desde o início do século. O direito inglês também contempla este instituto.


2 - FUNDAMENTOS DA DESAPROPRIAÇÃO POR ZONA


São dois os fundamentos da desapropriação por zona:

Um, permitir a realização integral e a satisfação dos grandes planos. Mas nada impede que uma nova desapropriação, ou seja, uma desapropriação motivada por utilidade pública (em sentido estrito) possa ser feita a posteriori, quando não for feita a desapropriação por zona, porque a qualquer tempo o poder público poderá alegar utilidade pública para ampliar a obra, haja vista que o interesse público prevalece sobre o particular.

Ademais, do ponto de vista temporal e de trabalho, é mais prático para o Estado proceder à desapropriação de uma só vez do que em duas ou mais vezes.

O outro, evitar valorização extraordinária de bens imóveis de particulares, em conseqüência de serviço público.

Com esta medida, o Estado evita tratamento desigual com os proprietários, porque às vezes uma obra poderá valorizar certas propriedades enquanto outras serão desvalorizadas.

Com efeito, do ponto de vista financeiro, o Estado fará um excelente negócio, porque indeniza pelo valor de antes da obra e revende já valorizado.

Mas, há de argüir-se que uma das funções do Estado não é fazer especulação imobiliária.


IV - PROBLEMÁTICA DA CONSTITUCIONALIDADE DA DESAPROPRIAÇÃO PARA REVENDA


1. INCONSTITUCIONALIDADE


A desapropriação por zona constitui uma modalidade de desapropriação ordinária, motivada pela utilidade pública.

O Decreto-Lei nº 3.365 estabelece o procedimento para desapropriação por utilidade pública e o artigo 4º trata da desapropriação por zona nos seguintes termos: "A desapropriação poderá abranger a área contígua necessária ao desenvolvimento e as zonas que se valorizarem extraordinariamente, em conseqüência da realização do serviço. Em qualquer caso, a desapropriação de utilidade pública deverá compreendê-las, mencionando-se quais as indispensáveis à construção da obra e as que se destinam à revenda".

Alguns doutrinadores acham que este dispositivo no que concerne à desapropriação das zonas que se valorizarem extraordinariamente, em conseqüência da realização do serviço, é inconstitucional, porque entra em choque com o artigo 145, III da Constituição Federal. Nenhuma lei terá validade quando contrariar dispositivo constitucional. A Constituição Federal é a lei suprema e todas as outras se fundamentam nela, assim uma lei não poderá ter validade quando infringir a Lei. Fundamental.

Seabra Fagundes não nega a importância do Instituto da Desapropriação por zona, mas, no tocante à desapropriação de "zonas que se valorizaram extraordinariamente, em conseqüência da realização do serviço", acha que seja inconstitucional pelo fato de ser inconciliável com o artigo 5º, XXIV da Constituição Federal, embora haja utilidade pública, tanto para evitar exploração imobiliária por causa do serviço público realizado, como por ajudar o poder público a custear as despesas, mas essa utilidade pública não se concilia com aquilo que autoriza o poder exproprietário. Segundo Seabra Fagundes "o enunciado da cláusula constitucional não se relaciona com o custeio de obras ou serviços, para que tal os fundos hão de provir de tributação. Nem se relaciona, também com o combate à especulação imobiliária, que a esse propósito atende o poder da polícia, inclusive através da jurisdição impositiva manipulada no interesse de reprimir abusos com o gravame das atividades ou operações abusivas".

Pontes de Miranda também adere à corrente daqueles que acham inconstitucional a desapropriação para revenda pelo poder público de zonas que ficarem extremamente valorizadas em virtude do serviço público.

Entendia o ilustre mestre que este tipo de desapropriação era inconciliável com o direito constitucional brasileiro.

Quando uma lei diz que a desapropriação abrange a área contígua necessária ao desenvolvimento da obra a que se destina e a declaração de desapropriação deve compreendê-la, é perfeitamente acorde com a Constituição.

Não, onde determine que se incluam as zonas que se valorizarem extraordinariamente em conseqüência da realização do serviço. Aí, o demandado pode objetar e a sua objeção pré-exclui, com fundamento em texto constitucional, a desapropriação, posto que o exponha a futuras contribuições de melhorias". 5


2 - ADMISSIBILIDADE


No que diz respeito à constitucionalidade da desapropriação para revenda em face da extraordinária valorização decorrente de um serviço público, a doutrina ainda permanece inibida, pois há uma grande divergência quanto a esta questão.

Alguns autores, tais como Geraldo Ataliba e Adilson de Abreu Dallari acham que não existem no Brasil qualquer incompatibilidade entre o artigo 4º do Decreto-Lei nº 3.365 e a contribuição de melhoria, olhando inclusive que se harmonizou perfeitamente. Diz Dallari "ser a contribuição de melhoria apenas um instituto afim e alternativo à desapropriação por lona, é certo que a existência daquela não gera inconstitucionalidade desta. Além disso, é perfeitamente legítima a absorção de mais valia pelo poder público quando decorrente de obra por ele realizada, com base no princípio que veda o enriquecimento sem causa e no antiqüíssimo princípio de equidade (Suum Cuique Tribuere)”. 6

Ainda com relação à admissibilidade da revenda pelo poder público existem várias decisões de tribunais, inclusive do Supremo Tribunal Federal, pela constitucionalidade.

Diante das duas posições colocadas, aderir àquela que optou pela inconstitucionalidade da desapropriação para revenda, em virtude do proprietário do imóvel se beneficiar em termos de extrema valorização decorrente da obra em serviço público.

Sabendo que contribuição de melhoria é um tributo vinculado, porque só poderá ser cobrado do contribuinte, quando em decorrência de uma obra pública, o proprietário do imóvel for beneficiado em termos de valorização do seu imóvel, por conta da realização da obra pública.

Em face do exposto, entendemos que a desapropriação para revenda é inadmissível por ter como fundamento principal o que constitui o fato gerador da contribuição de melhoria.

Se a Administração Pública, toda vez achar que propriedades particulares serão valorizadas por obras públicas, fizer desapropriação para revenda, não teria sentido a Constituição Federal no artigo 145, III ter instituído o tributo de contribuição de melhoria.


V - CONCLUSÕES


A Constituição Federal atual dá mais proteção à propriedade privada, para evitar que ao invés de um direito se tomasse um ônus.

Que a desapropriação positivada constitui mais uma garantia do que uma intervenção, no sentido de que o Estado só intervirá nos casos previstos na Constituição.

O instituto da desapropriação fundamenta-se na Constituição Federal e em normas infraconstitucionais, mas em virtude da supremacia da Constituição qualquer norma infraconstitucional que for contrária à Constituição não terá validade.

Em face do princípio da Supremacia Constitucional, entendemos que a desapropriação por zona tendo em vista a valorização de bens particulares pela realização de obras públicas é inconstitucional, porque a lei que prevê este tipo de desapropriação é ordinária e entendemos que ela contraria a Constituição Federal no que diz respeito à contribuição de melhoria.


NOTAS BIBLIOGRÁFICAS


1 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. Ed. Saraiva, 1989, pág. 192.

2 BASTOS, CELSO, RIBEIRO, Ob. cit., pág. 193.

3 MELO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo, Ed. Revista dos Tribunais, 199 Edição, 7ª. Tiragem, 1988, pág. 189.

4 DALLARI, Adilson de Abreu. Desapropriação para fins Urbanísticos, Forense, RJ, 1984, pág. 49.

5 MIBANDA, Pontes. Comentários à Constituição de 1967 com a emenda Nº 4 de 1969, T. V Forense, RJ, 1987, págs. 449 e 450.

6 DALLARI, Adilson de Abreu, obra cit., pág. 93.


BIBLIOGRAFIA


BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional Ed. Saraiva, 1989.
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

DALLARI Adilson de Abreu. Desapropriação para Fins ns Urbanísticos, Forense, RJ, 1981.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade, Ed. RI, São Paulo, 1980.

FILHO, Manuel Gonçalves Ferreira. Curso de Direito Constitucional Ed. Saraiva, 1989.

GASPARIN, Diógenes. Direito Administrativo, Ed. Saraiva, 1989.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, Forense, Rio de Janeiro, 1981.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo, Ed. Revista dos Tribunais, 19ª Edição, 7ª Tiragem, 1988.

MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a emenda Nº1 de 1969, T.5.

NOGUEIRA, Antônio de Pádua Ferraz. Desapropriação e Urbanismo, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1981.