NON-CUMULATIVITY AND THE MATRIX RULE OF ICMS TAX INCIDENCE: ANALYSIS OF “NORMATIVE PROPOSITIONS” BASED ON LOGICAL-SEMANTIC CONSTRUCTIVISM
Doutorando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC). Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Advogado.
Álisson José Maia Melo
Doutor em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Direito Tributário pelo Centro Universitário 7 de Setembro (UNI7). Advogado. Professor Titular de Direito Empresarial pela UNI7. Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNI7.
Resumo: Partindo-se do estudo de divergências formuladas por Sacha Calmon Navarro Coêlho em relação à regra-matriz de incidência tributária formulada por Paulo de Barros Carvalho, situa-se a problemática em relação à não-cumulatividade e à (estrutura) da norma de incidência do ICMS. Posiciona-se por admitir o entendimento deste último autor quanto à “proposição normativa” como significação de um enunciado, acrescendo-se a perspectiva hilética da norma jurídica. Assim, investiga-se quais as implicações, através desse prisma, da não-cumulatividade como integrante do desenho estrutural da regra-matriz de incidência do ICMS, defendendo-se autonomia da não-cumulatividade em relação à regra matriz de incidência do ICMS, sob pena de comprometimento da homogeneidade sintática das unidades do ordenamento. Conclui-se que, do juízo hipotético entre proposição-hipótese e proposição-tese, não se identificou o ingresso da não-cumulatividade na regra-matriz de incidência tributária do ICMS. Pelo contrário, nota-se que a questão perpassa pela dinâmica da incidência tributária daquele tributo multifásico, visualizando-se incidência normativa em cada operação do ciclo, o que faz nascer, a cada fase de circulação, novo enlace jurídico, referente ao direito de crédito.
Palavras-chave: Regra Matriz de Incidência Tributária. Proposições Normativas. Hilética. ICMS. Não-cumulatividade.
Abstract: From the divergence formulated by Sacha Calmon Navarro Coêlho in relation to the matrix rule of tax incidence formulated
by Paulo de Barros Carvalho, the problematic is
placed in relation to the non-cumulativeness and the (structure) of the norm of
incidence of the ICMS. In this study, it takes the position of admitting the
latter author's understanding of the “normative proposition” as the meaning of
a statement, adding, also, the hyletic perspective of
the legal norm. Thus, it investigates what are the implications of the
non-cumulative in the structural design of the matrix rule of ICMS incidence,
defending the autonomy of non-cumulativeness in relation to the matrix rule of
incidence of ICMS, arguing that thinking in the other way compromises the
syntactic homogeneity of the legal system units. In conclusion, the entry of
non-cumulativeness in the matrix rule of ICMS tax incidence was
not identified as arising from the hypothetical judgment between
proposition-hypothesis thesis and proposition-thesis. On the contrary, it is noted that the question permeates the dynamics of the tax
incidence of that multiphase tax, visualizing the normative incidence in each
operation of the cycle, which gives rise, at each phase of circulation, to a
new legal link, referring to the right of credit.
Keywords: Tax Incidence Matrix Rule. Normative Propositions. Hylectics. ICMS. Non-cumulativeness.
Pretende-se, no presente trabalho, estudar a não-cumulatividade relacionada à regra-matriz de incidência tributária do Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS).
Para tanto, expõe-se divergência formulada por Sacha Calmon Navarro Coelho quanto alguns pontos da teoria da regra-matriz de incidência de Paulo de Barros Carvalho. Situa-se a não-cumulatividade no bojo da divergência, com referencia à (estrutura) regra-matriz de incidência do ICMS. A regra-matriz de incidência tributária, para os fins da presente pesquisa, compreende a norma jurídica tributária como composta de duas partes: o antecedente tributário, de natureza fática, no qual se insere a hipótese de incidência ou fato gerador abstrato, um fato-signo constitutivo de riqueza (descritor), e o consequente tributário, de natureza deôntica, no qual consta o mandamento ou prescrição de natureza tributária (prescritor), interligados por um juízo hipotético condicional ou cópula deôntica (se antecedente, então deve ser o consequente).
Posiciona-se em relação aos dissensos. Inicialmente, no atinente à divergência principal, perfilha-se a teoria que concebe a “proposição normativa” como significação de um enunciado. Utiliza-se ela, em conjunto, com a perspectiva hilética da norma jurídica para investigar as implicações da não-cumulatividade no desenho estrutural da regra-matriz de incidência do ICMS. Em seguida, justifica-se a utilização da palavra “critérios”, em detrimento de “aspectos”, conforme o referencial filosófico admitido na pesquisa, de maneira que, da divergência terminológica, extrai-se uma questão mais densa, com repercussões filosóficas, metodológicas, lógicas e semióticas que, cada qual ao seu modo, interferem na compreensão da não-cumulatividade face à regra-matriz de incidência do ICMS.
Mencionou-se, como um dos objetivos principais deste trabalho, analisar a não-cumulatividade em relação à regra-matriz de incidência tributária do ICMS. Para tanto, adota-se referencial teórico alicerçado no constructivismo lógico-semântico, com ênfase no tratamento que Paulo de Barros Carvalho confere à “proposição normativa”, o que propicia um posicionamento face a outras propostas acerca do assunto, notadamente a de Sacha Calmon Navarro Coêlho.
Neste estudo, primeiro expõe-se o problema quanto à questão estrutural. Explicita-se quais os pontos de tensão, no que concerne à estrutura da norma tributária, entre as teorias de Paulo de Barros Carvalho e Sacha Calmon Navarro Coêlho, para, posteriormente, evidenciar quais são as implicações do dissenso na não-cumulatividade.
De início, cumpre situar um problema: se a não-cumulatividade, do ponto de vista da estrutura da norma tributária, (i) integra-se à regra-matriz de incidência, (ii) revela-se autônoma ou (iii) encadeia-se com ela em relação de constitucionalidade e de legalidade, no ciclo de positivação (v.g., no lançamento tributário). Indaga-se, ainda, quanto à forma de manifestação da relação de constitucionalidade entre proposição constitucional atinente à não-cumulatividade e as demais unidades do sistema.
Nesse passo, importa confrontar a construção empreendida por Paulo de Barros Carvalho acerca da estrutura da regra-matriz de incidência tributária com aqueloutra desenvolvida por Sacha Calmon Navarro Coelho acerca da norma tributária.
Inicialmente, explicita-se uma divergência principal
atinente à definição de “proposição normativa”. Para Sacha Calmon Navarro Coêlho[1],
proposições normativas são “descrições das normas jurídicas que defluem do
universo legislado produzidas por um sujeito”; para Paulo de Barros Carvalho, a
proposição normativa é significação de um enunciado[2]. Tal
dissenso possui importantes repercussões ao longo do trabalho e refletem
diretamente em seu objeto, de sorte que serão abordadas, de maneira mais
detalhada, nos tópicos seguintes.
Importante, para situar o problema de uma possível deformidade estrutural da norma jurídica tributária, apresentar um ponto convergente entre as duas teorias confrontantes, embora aparentemente paradoxal nesse momento de embate: ambas adotam como premissa a análise crítica de históricos pontos de vistas doutrinários, os quais, ao perceber daqueles autores, vilipendiam a estrutura integral da norma jurídica. Explica-se.
Para os dois autores, a “Escola de glorificação do fato gerador”, capitaneada por Dino Jarach[3], influente em estudiosos do tema no Brasil, a exemplo de Geraldo Ataliba[4], peca em não atentar na plenitude do núcleo lógico estrutural da estrutura normativa[5]. Eles, contudo, dissentem quanto aos desdobramentos erigidos da crítica.
Paulo de Barros Carvalho opõe-se a essa postura de glorificação exagerada dos estudos do suposto da norma-padrão de incidência tributária, especialmente por almejar a higidez da norma jurídica tributária, pelo que afirma a necessidade de conter o prescritor da relação jurídica os demais elementos que caracterizam a unidade (norma) em sua integridade constitutiva. Exalta a imprescindibilidade da presença tanto do consequente quanto do antecedente, organizados em juízo hipotético condicional, em que dado o antecedente, deve ser o consequente[6]. Atuar de modo diverso, sustenta, equivale a tacitamente negar o juízo hipotético.
No mesmo norte e prumo, destaca Sacha Calmon N. Coêlho que aquela postura, exacerbadamente enaltecedora do suposto normativo, importa num esvaziamento do consequente da norma jurídica tributária. Desfaz-se, conclui, a noção de consequência atrelada ao antecedente, ou seja, a necessária implantação de vínculo intersubjetivo como consequência da norma jurídica[7]. Dissente, todavia, já acerca da norma como juízo, pois, para o ilustre professor, característica essa que pertence “à proposição que descreve a norma”
Divergências, a despeito da tomada inicial de posição em um ponto igual, exsurgem. Coêlho, conquanto se valha da crítica tecida por Carvalho quanto à exacerbação de importância do antecedente, inova na maneira de arranjar a regra-matriz de incidência tributária em seus “aspectos”, palavra essa última que nomina as qualificações dos traços da hipótese e consequência normativa; em detrimento do nome critérios, utilizados na construção teórica inicial. Os motivos desse desacordo e os seus reflexos na não-cumulatividade restarão explorados na seção seguinte. Aqui, apenas cabe expor que existe esse suposto problema estrutural.
Ao discorrer sobre a “hipótese de incidência” das normas tributárias, Coêlho[8], ainda em desacordo com Carvalho, sustenta a autonomia de um aspecto pessoal na hipótese, de modo a identificar um quarto “aspecto” naquela posição sintática. Conforme aquele cientista do direito, mesmo que se identifiquem no espaço e no tempo fatos descritos no aspecto material, eles “só ganham sentido se conotados com certas qualidades das pessoas”, o que, em seu entender, justifica o acréscimo à hipótese normativa. Desdobramentos desse raciocínio na não-cumulatividade também serão assinalados ao longo do estudo.
Em seguida, antes de pormenorizar os motivos e implicações das discrepâncias entre as teorias já expostas, interessa perquirir qual o tratamento dado ao prescritor normativo por cada um daqueles autores: da mesma forma que se comportaram criticamente face às doutrinas históricas atinentes ao antecedente da norma, consentiram quanto à importância de se observar que o prescritor (“mandamento”) se integra à estrutura da norma jurídica de maneira inextirpável. Dissentem, contudo, acerca de sua composição.
Novamente, um e outro partem de ponto comum: anotam a impossibilidade de se supervalorizar a base de cálculo dos tributos, postura defendida por Alfredo Augusto Becker, bem como de se a posicionar no antecedente normativo[9], eis que melhor situada ao consequente da norma. Mais uma vez, concordam nas premissas; discordam nos desdobramentos e na conclusão.
Ao desenvolver o consequente da norma jurídica tributária, Carvalho mantém o alerta de que ali somente deverão constar os critérios mínimos para que, em conjugação com os critérios do antecedente, exerça a função de transmitir a mensagem deôntica com sentido completo para orientar o comportamento intersubjetivo a determinados valores sociais relevante. Lembra que o nexo se dá pelo conectivo condicional – revelador do juízo hipotético condicional – e que o dever ser neutro outorga validade normativa.
De outra banda, Coêlho[10], igualmente, adverte que não intenciona se prender ao “‘fetiche’ da base de cálculo, erigida, em face do tributo, por Becker, Amílcar de Araújo Falcão e Rubens Gomes de Sousa como seu elemento ‘definitório’”. Destaca, pela ótica da relação jurídica, a base de cálculo à posição sintática ao consequente, mas diverge da opinião de Carvalho, à medida que compreende que a redução promovida pelo teórico impediu o vislumbre de outros aspectos pertinentes à relação. Os motivos desse desacordo e os seus reflexos na não-cumulatividade restarão explorados adiante. Aqui, apenas cabe expor que se sustenta existir esse suposto problema estrutural.
Mais à frente, ponto de importância para este estudo encontra-se na abordagem da não-cumulatividade: o trilema entre mera topologia normativa, norma autônoma e relações de constitucionalidade e legalidade no ciclo de positivação. Para Carvalho, trata-se de regra autônoma de crédito que materializa o valor objetivo não-cumulatividade; para Coêlho, o princípio da não-cumulatividade integra a consequência da norma tributária. Os motivos desse desacordo e os seus reflexos na não-cumulatividade restarão explorados mais adiante. Aqui, apenas cabe expor que se sustenta existir esse suposto problema estrutural.
Expostas as distinções teóricas, enumeram-se as discordâncias apresentadas por Coêlho relativamente ao desenho normativo proposto por Carvalho para a construção teórica da norma:
a) divergência fundamental (df), “proposição” descreve a norma, a qual, por ser prescritiva, não se refere à significação de um enunciado;
b) divergência terminológica (dt), utiliza-se o termo “aspecto” em detrimento do termo “critérios”; para a hipótese normativa;
c) divergência quanto à hipótese (dh), acréscimo de um aspecto pessoal, autônomo, a ela, na endonorma, mais precisamente, ao fato jurígeno;
d) divergência quanto ao consequente (dc), que se subdivide em duas:
— sustenta existirem tributos em que ausentes base de cálculo e alíquota (dc1); e
— tributos de caráter mais complexo demandam dados, além de base de cálculo e alíquota, para a fixação do valor devido (dc2);
e) divergência quanto à não-cumulatividade na regra-matriz de incidência tributária (“dr”), que também se subdivide em duas:
— a possibilidade de renúncia ao direito de crédito pelas entradas, levada à cabo pelo contribuinte, tornaria o tributo cumulativo por mero alvedrio do particular (dr1); e
— impossibilidade de o sujeito ativo, ao empreender lançamento de ofício, considerar “o crédito pelas entradas em lapso determinado”, dos débitos abatendo-os: atividade meramente apuradora da Fazenda quanto aos débitos, donde se aplica alíquota sobre base de cálculo (dr2).
Num primeiro momento pode soar estranha a conexão entre a compreensão hilética da norma e a divergência terminológica (dt) apresentada quanto à escolha dos vocábulos “aspectos” ou “critérios” para qualificar as particularidades da hipótese e da consequência da norma tributária (de incidência). Não o é, entretanto: ao formular a crítica, Coêlho[11] assevera que Carvalho “até na terminologia faz teoria da proposição jurídica e não teoria da norma jurídica”. A crítica prossegue com a afirmação de que o “critério” não consiste em atributo do “ser-objeto”.
Esta seção dedica-se à análise da divergência principal (dp): discordância quanto à “proposição normativa” como “descrições das normas jurídicas que defluem do universo legislado produzidas por um sujeito” ou como “significação de um enunciado prescritivo”.
Ao longo do estudo, ao passo que se elucidarem os motivos da opção, neste estudo, pelo emprego de “proposição normativa” como significação do enunciado prescritivo, discorre-se sobre a interferência que essa questão central exerce na percepção da não-cumulatividade em relação à estrutura da regra tributária do ICMS.
Para se posicionar em referência à dissonância de opiniões, explicita-se a importância do tratamento que se confere à “proposição” no discurso jurídico[12]. Utiliza-se, outrossim, da lógica aplicada ao direito, principalmente porque um dos pontos de cisão entre as teorias até agora expostas reside no modo como se relacionam “proposições jurídicas” e norma jurídica.
Conforme o referencial teórico que se adota no
desenvolvimento dessa monografia, qual seja, o do constructivismo lógico-semântico,
por intermédio do qual se trabalha com a teoria da regra-matriz de incidência
de Paulo de Barros Carvalho, pode-se compreender o que se entende por
“proposição normativa”. Carece-se, pois, abordar, por aquele sistema de
referência, o papel que a lógica desempenha no direito, quer no direito
positivo, quer na ciência do direito, quer na retórica do direito.
Registrou-se, desde o início, a importância de se manter coerente com um referencial teórico elegido para a estruturação de um estudo científico. Adota-se, assim, o Constructivismo Lógico-Semântico na acepção de Escola Epistemológica do Direito, fundada nas lições dos professores Paulo de Barros Carvalho e Lourival Vilanova, pelo que se pretende valer do método utilizado por esta Escola para o conhecimento do direito.
Identifica-se que o dissenso quanto às diferentes conceituações para “proposições normativas” possui matizes mais profundas do que se vislumbra numa mirada perfunctória acerca do que pode implicar o emprego de uma locução em referência à compreensão da norma tributária.
Empreende-se corte metodológico para que, por intermédio da lógica, voltem-se as atenções, precipuamente, ao direito positivo e à Ciência do Direito, de maneira a esquadrinhar a “proposição normativa” e se posicionar pela sua acepção como “significação de um enunciado prescritivo”.
Necessário que se estabeleça, então, relação da lógica com o Direito, este tanto como corpo de linguagem prescritiva do direito positivo, quanto como corpo de linguagem descritiva da Ciência do Direito. Na condição de método de aproximação do Direito, a Lógica se destina a promover a aproximação de três linguagens-objeto: da Ciência do Direito; do direito positivo e da retórica do direito. Do ponto de vista estrutural, quando dirigida àquelas linguagens, a Lógica se ocupa da verificação das estruturas linguísticas delas e não dos conceitos emanados dos suportes físicos do direito.
Quer no direito positivo, quer na Ciência Jurídica, quer na retórica jurídica, a Lógica age como sobrelinguagem. No atinente ao primeiro (direito positivo), descreve o ordenamento jurídico em linguagem formalizada e transforma-o de objeto cultural em objeto ideal, de maneira que expande a dimensão cultural existente; descreve e codifica a linguagem descritiva do segundo (Ciência Jurídica); do terceiro, serve de sobrelinguagem da argumentação jurídica[13]. Interessa, para fins desta pesquisa, as duas primeiras relações entre linguagens e a lógica (lógica e direito positivo; lógica e Ciência do Direito).
Conforme o referencial teórico escolhido para a formulação deste trabalho, concebe-se a “proposição” no contexto da linguagem e da Lógica, vista esta última, num primeiro momento, como Ciência que se volta para as estruturas de outra linguagem. Por esse prisma, investiga como se dá e como se estrutura o raciocínio humano e estuda as formas do pensamento, isoladamente consideradas, vistas por intermédio das ideias, juízos e raciocínios:
o ato que apreende as formas lógicas é a intelecção, que capta as noções ou conceitos, como simples representação mental. Em seguida, praticamos o ato de julgar, pelo que afirmamos ou negamos a ideia de um predicado convém à ideia de dado objeto, sujeito da predicação: é o juízo. Passamos, então, ao raciocínio, operação em que, de dois ou mais juízos, extraímos um terceiro que deles deriva de modo necessário. Enquanto integrantes do processo cognoscitivo, a apreensão nos leva à ideia, noção ou conceito; o julgamento produz o juízo; e a conjugação de juízos com vistas à obtenção de um terceiro, manifesta-se como raciocínio[14].
Todas aquelas estruturas, ideias (conceito ou noção); juízo e raciocínio configuram-se como estruturas ideais. Continuam ao plano da mente. Caso verbalizados, têm-se que “o termo é a expressão verbal da ideia; a proposição, do juízo; e o argumento, do raciocínio”[15].
A proposição, contudo, como um suporte linguístico tradutor dos juízos pessoais que é, contém predicados distintivos dos demais entes, que a alçam a um patamar de relevância arrimado na dimensão que garante ao processo cognoscitivo proporções adequadas.
Assentir com a “proposição normativa” como um juízo, uma descrição da norma como um ser lógico, faz dissentir da composição sintática constante das regras na forma de juízo condicional. Somente a partir de um processamento cronológico anterior dos enunciados prescritivos, no plano mental, que se os arranja naquela conformação lógica. Dessa forma, ingressam na estrutura sintático-normativa nas posições de proposição-hipótese e de proposição-tese, único modo em que se preserva a concepção de “norma jurídica como unidade mínima e irredutível de significação do deôntico”[16].
Dessa forma, de acordo com o dogma, aceito em nosso referencial teórico, da homogeneidade sintática das normas, em que se considera que toda norma jurídica em sentido estrito se forma entre termo descritor e termo prescritor, numa cópula deôntica, vislumbra-se que: ou a não-cumulatividade apresenta autonomia normativa, ou ingressa numa das proposições.
Deixou-se entrever, em momento anterior, de maneira breve, que a questão perpassa pela dinâmica da incidência tributária do ICMS, visualizando-a em cada operação, o que faz nascer novo enlace jurídico, em que o sujeito ativo é o detentor do direito de crédito e o sujeito passivo, a Fazenda Pública (v.g., quem adquiriu mercadorias para continuar o procedimento de comercialização). Admitiu-se, a um só tempo: o surgimento de uma nova relação jurídica, que brotou da obrigação tributária que lhe antecedeu e a importância do instituto da compensação para que a técnica eleita pela Constituição para a não-cumulatividade se opere por todo o ciclo[17].
Reconhece-se que, como objeto conceitual, não existe per se a proposição, de maneira que, relacioná-la com o enunciado[18], definindo-a como seu conteúdo, mostra-se útil[19]. A relação, embora em regra seja empreendida apenas quanto aos enunciados descritivos, a eles não deve se conter, principalmente quando se procede ao estudo das normas jurídicas, tidas por “proposições prescritivas” (função de linguagem prescritiva) que colimam, a partir do direcionamento de condutas intersubjetivas, alcançar um fim socialmente relevante[20].
Por outro lado, Coêlho[21] não admite referido raciocínio, notadamente quanto às “proposições prescritivas”. Estabelece disparidade entre a norma e as “proposições jurídicas”: “a proposição descreve a norma. É descritiva. A norma, porém, não se confunde com sua descrição. É prescritiva.”
Posiciona-se, nesta pesquisa, de acordo com o pensamento de Carvalho[22], para quem “os enunciados e suas significações (proposições) estão presentes ali onde houver o fenômeno da comunicação, não se restringindo à linguagem empregada na função declarativa ou teorética”. Concorda-se que, a depender do discurso em que se paute a investigação lógica, as proposições conterão, por exemplo, enunciados de natureza descritiva (lógica apofântica), de natureza prescritiva de situações objetivas (lógica deôntica), nos quais os valores se pautam, respectivamente em verdade e falsidade e em validade e invalidade[23].
O significado de proposição não se restringe ao até então exposto, máxime porque ela está contida num entrelaçamento de uma miríade de fatores. É a proposição construída – quer de enunciado prescritivo, quer de enunciado descritivo – que se configura passível de formalização. A noção de proposição não se atrela a significado dum ou doutro objeto específico; opõe-se à proposição na atitude natural ante o mundo, onde se apresenta em forma de uma língua que, com suas regras de referência, conferem-lhe valor veritativo.
A atenção da Lógica direciona-se, destarte, para a forma das proposições e não dos enunciados, de sorte que os elementos daquelas e das suas formas são o significado de palavras e de expressões linguísticas. Em outros termos, a lógica tem por interesse as estruturas de linguagem pelas quais se manifestam as proposições.
Proposição não se confunde com variável proposicional: a primeira, preenche o espaço lógico da segunda, que é um lugar sintático. Variáveis proposicionais representam as proposições mediante símbolos.
Do isolamento da forma lógica infere-se que a norma jurídica, como juízo hipotético condicional (forma lógica) emanada do suporte físico de enunciados prescritivos, em que a hipótese e o consequente são estabelecidos por proposições (juízos) dos enunciados prescritivos contidos nos textos das leis.
Assim, dirige-se, com fins cognoscitivos, a atenção à norma jurídica, para que se obtenha sua forma lógica, sem se desconsiderar, no entanto, que ela (norma jurídica) não se afasta da sua unidade dotada de conteúdo significativo e do sistema jurídico em sua integralidade.
Para tanto, exige-se que se compreenda em que consiste o processo de formalização, no qual se traduz, para a linguagem da lógica, um fragmento de linguagem. Aborda-se, assim, uma acepção da lógica, como linguagem: a lógica, sistema de significações que tem por função traduzir, com o uso de símbolos, relações travadas entre termos, proposições e argumentos doutra linguagem (linguagem objeto), de forma que, no plano semântico, o sentido dos signos é unívoco e, no plano sintático, possui rígidas regras, que asseguram meios de expressar as relações travadas entre termos, proposições e argumentos de outra língua.
O processo de formalização consiste no despojar de conteúdos significativos, pelo construtor do conhecimento, para que obtenha uma forma lógica. Deixa-se de lado um dos aspectos da linguagem, para se enfatizar o plano sintático. Nesse processo de isolamento, empreendido mediante abstração lógica[24], exsurge a possibilidade de se voltar para as unidades que estruturam o sistema, com o intuito de adentrar em seus elementos estruturais e deles se ocupar particularmente.
O processo de formalização da linguagem visa à construção de fórmulas lógicas, em que se lida com enunciados e proposições. Por intermédio desse processo, chega-se à estrutura de uma linguagem, à medida que se abandona (o máximo possível) o campo semântico e ingressa-se, com mais profundidade, no plano sintático.
A estrutura normativa compõe-se de duas proposições e um vínculo implicacional. As duas proposições são a hipótese (antecedente - H), que descreve uma situação passível de ocorrer; e o consequente, que delimita um vínculo de relação entre dois sujeitos. O conectivo condicional (vínculo implicacional) estabelece o nexo entre causa e efeito, ao atribuir a relação prescrita no consequente normativo, caso se verifique a situação descrita na hipótese.
Para o direito positivo, a estrutura lógica molda-se a partir do discurso deôntico, tendo em vista a função prescritiva de sua linguagem. No direito positivo há, pois, estrutura específica de proposições prescritivas. Nessa estrutura, a implicação se dá pelo functor do neutro “dever-ser”. No consequente normativo, há os modais da relação, divisados em “obrigatório”, “permitido” e “é proibido”. Constata-se que o “dever-ser” constitui a estrutura formal, como operador específico vetorizante da conduta da proposição deôntica[25].
Verifica-se, após a exposição do referencial teórico, que a proposição normativa refere-se, de acordo com a tríade semiótica, à significação do enunciado prescritivo. Constata-se, portanto, que integra a norma jurídica, que será composta pela articulação normativa entre duas proposições normativas: antecedente e consequente lógicos. Referida junção ocorre pela cópula deôntica em que se implicam recriprocamente aquelas proposições.
Nesse processo de formalização, Carvalho, após intenso esforço analítico, construiu a regra-matriz de incidência tributária, como “expressão mínima e irredutível de manifestação do deôntico”:
D{[Cm(v.c).Ce.Ct] → [Cp(Sa.Sp).Cq(bc.al)]}, onde
D – dever-ser neutro interproposicional, que incide sobre o conectivo implicacional e juridiciza o vínculo entre hipótese e consequência, bem como outorga validade à norma jurídica
[Cm(v.c).Ce.Ct] – hipótese normativa
Cm – critério material (núcleo de descrição dos fatos)
v – verbo sempre pessoal e de predicação incompleta
c – complemento do verbo
Ce – critério espacial
Ct – critério temporal
. – conectivo conjuntor
→ – conectivo condicional interproposicional
[Cp(Sa.Sp).Cq(bc.al)] – consequente normativo
Cp – critério pessoal
Sa – sujeito ativo
Sp – sujeito passivo
Cq – critério quantitativo
bc – base de cálculo
al – alíquota
Conforme a posição ora objetada de Coêlho, caberia, naquela estrutura mais um “aspecto” (rectius: “critério”): a não-cumulatividade.
Em mais de uma ocasião já se manifestou pela autonomia da não-cumulatividade em relação à regra-matriz de incidência do ICMS. Ademais, disse-se que se concorda com a “proposição normativa” como significação de um enunciado, proposição-hipótese e proposição-tese da regra-matriz de incidência, com relação aos quais, a não-cumulatividade tem autonomia.
A proposta divergente reduz à linguagem formalizada as adições, deduções e cálculos a fazer para se chegar ao quantum devido, conforme a seguinte fórmula:
D{[Cm(v.c).Ce.Ct] → {[Cp(Sa.Sp).[Cq(bc.al)]-NC(d’)},
em que, para o elemento NC necessariamente deveria constar a técnica constitucional que operacionaliza a não-cumulatividade pelo método indireto subtrativo, em que se determina o valor aplicável por meio da diferença entre a alíquota aplicada sobre as saídas e a alíquota correspondente às entradas. Não se vê, contudo, como proceder desta forma.
Do altiplano constitucional, encontra-se
a não-cumulatividade tributária, porém não se identificou, em nenhum momento,
que o limite-objetivo ou a regra de direito ao crédito digam respeito à
estrutura mínima necessária para a incidência do tributo.
Do ponto de vista infralegal, não se verifica, igualmente, nos tributos em geral a não-cumulatividade. Nem mesmo da híbrida definição do art. 3º do Código Tributário Nacional (CTN), como relação jurídica, fato e norma que o juridiciza; tampouco do art. 4º do mesmo diploma legal, o qual giza que, independentemente do nome que se confira à prestação ou da destinação que se empregue aos recursos obtidos de sua cobrança, toda e qualquer prestação que contiver conjugadas aquelas características consubstanciará tributo[26].
Por fim, caso se considere
como um predicado do ser lógico, existiria mais de uma espécie de tributo, de
maneira que se tumultuaria o já tão tormentoso conceito. Do ponto de vista do
ordenamento do direito positivo, não haveria, assim, igualdade entre as unidades
do conjunto, o que implica num problema referente ao sistema como um todo e em
suas relações. Haveria mais de uma unidade: aquela em que a estrutura da norma
possui a não-cumulatividade e as outras, cuja estrutura normativa é reduzida.
Caso se contraponha a esse argumento pela afirmação de que, nos casos em que a
estrutura fosse reduzida, seria o equivalente a tratar os processos de
deduções, adições e cálculos como resultado zero. Por esse lado, uma vez que
para todos os tributos que não fossem multifásicos tal cálculo sempre seria
zero, não manifestaria a característica “mínimo irredutível”.
Visto um problema central, situado à maneira de se conceber a “proposição” no âmbito do direito, posicionou-se, relativamente ao dissenso doutrinário, em favor da elaboração teórica de Carvalho, para o qual ela diz respeito a uma significação de um enunciado.
Consta, ainda, divergência quanto à terminologia empregada por ele na construção da regra-matriz de incidência tributária, que tem por origem a dissonância anteriormente explicitada. Impende se posicionar, também acerca desse assunto. O fundamento apresentado por Coêlho calca-se na adoção da palavra “aspecto” em substituição a “critério”, por reputar que esse (“critério”) consubstancia instrumental de análise do sujeito cognoscente e não atributo da norma jurídica como um ser lógico, o “ser-objeto”[27].
A premissa adotada para abertura da divergência consubstancia bem mais que mero rigor quanto à construção precisa do discurso científico. Revela, ainda que apenas de modo aparente, e com base em suposições traçadas neste estudo, distanciamentos, face ao referencial teórico adotado, de ordem filosófica, lógica, metodológica e semiótica. Expõem-se as repercussões daqueles distanciamentos face à não-cumulatividade em relação à estrutura da regra-matriz de incidência do ICMS.
Admitir a postura crítica da substituição da palavra “critérios” por “aspectos”, significa, por força dos argumentos expendidos por Coêlho, que a não-cumulatividade manifestar-se-ia, por evidente, como atributo da norma jurídica como ser (ainda que lógico). Em outros termos: seria ela um atributo do ser lógico norma jurídica e não um fragmento linguístico traduzido para a lógica com fito de estruturação sintática: nem um instrumento do ser cognoscente para a sua análise, nem uma norma autônoma, passível de se relacionar com as demais unidades do conjunto.
Não se descuida
que o autor se refere a um objeto ideal (norma jurídica como ser lógico),
irreal, portanto. Contudo, mesmo assim, parece querer a ele atribuir um aspecto
imanente, que, além de não pertencer ao plano sintático, muito se aproxima da
inadmitida concepção, de acordo com as premissas do trabalho, de relação
sujeito-objeto e não de relação entre linguagens em que o sujeito constrói a
realidade. Nesse ponto, supostamente, identifica-se uma discrepância
quanto ao referencial filosófico que se emprega na construção deste estudo,
notadamente a de que o “giro linguístico” abandona a dualidade entre sujeito-cognoscente e realidade conhecida,
adotando, para o conhecimento, uma postura linguística de relação entre
linguagens em complementaridade entre sujeito cognoscente objeto e cultura –
num contexto específico – como condição a
priori de construção de sentidos.
A partir do
sentido empregado ao vocábulo “aspecto”, como um atributo do “ser-objeto”,
identifica-se, supostamente, a tentativa de estabelecer verdadeira identidade
entre a proposição linguística – embora dela se diga descritiva – e o objeto
referido (verdade por correspondência), o que, se rechaçou com o referencial
filosófico do “giro linguístico”.
Assim, para Coêlho, toda e qualquer norma de tributo deveria conter,
como um atributo fundamental do ser a não-cumulatividade, o que, como visto,
por diversas razões, não se sustenta. Seria dizer que a não-cumulatividade faz parte da “ontologia” dos
tributos. Tal ilação não possui pertinência com o sistema de direito positivo,
nem na Constituição nem nos normativos inferiores.
Do ponto de vista lógico, de acordo com Carvalho, não se verifica nenhum óbice ao emprego do termo “critérios”, ainda que se revele como um “instrumento de análise do sujeito cognoscente e não atributo do ‘ser-objeto’, a norma jurídica (um ser lógico)”, como disse Coêlho. Pelo contrário, é adequado que assim o seja.
Primeiramente, não se pretende, pela técnica analítica, construir uma “ontologia” da norma jurídica; em segundo lugar, o processo de formalização (em abstração lógica) requer que se despoje, ao máximo, dos significados, de modo que, do ponto de vista sintático, indevido querer trazer atributos do ser objeto, considerados em seu conteúdo semântico.
Da suposta premissa incompatível com o referencial filosófico adotado, exsurge problema metodológico: o vocábulo “aspecto” sugere que o ser ideal, situa-se na experiência, pois, a partir de sua análise, viável que o sujeito perceba um atributo do próprio ser.
Nesse ponto, identifica-se, possivelmente, inconsistência metodológica que, a despeito da elegante construção da norma como ser lógico, parece a situar fora do campo dos objetos ideais.
Para se atingir o território das entidades lógicas, como visto, pressupõe-se a formalização como processo. Nele, não se admite incursão ao plano semântico. Por seu intermédio, admitiu-se que as formas lógicas das regras jurídicas é constante, um acontecimento de uma hipótese conotativamente prevista no antecedente se enlaça a uma consequência por meio de um juízo hipotético. Imperioso, assim, que se atinja a proposição, tanto na hipótese quanto na tese.
Somente a partir dos enunciados prescritivos, processados mentalmente para serem arranjados naquela conformação lógica, por intermédio do ingresso na estrutura sintático-normativa nas posições de proposição-hipótese e de proposição-tese, que se preserva a concepção de “norma jurídica como unidade mínima e irredutível de significação do deôntico”, “proposição normativa”, que é a significação de um enunciado e diz respeito ao enlace entre uma proposição-hipótese e uma proposição-tese. Elas, em juízo, revelam uma mesma forma proposicional.
Da forma como posto o termo “aspecto”, aduzindo a um atributo do “ser-objeto”, mais aparenta remeter ao aspecto físico do texto normativo, os enunciados prescritivos do que às significações construídas pelas proposições articuladas. De maneira muito sutil, pode-se cogitar de uma confusão entre texto e norma.
Não se quer, com estas observações, desmerecer a rigorosa construção que Coêlho ergueu em torno da norma jurídica. Somente se intenciona apresentar posição quanto à temática, perfilhando ideias contrárias às do autor.
Outra questão diz respeito aos planos de linguagem: quando se considera o “aspecto” um atributo do ser lógico “norma jurídica” e não um fragmento linguístico traduzido para a lógica com fito de estruturação sintática, ingressa-se, ainda que minimamente, no plano semântico. Trata-se, então, de um predicado inarredável do ser, irredutível à ausência de significado específico.
A afirmação acima torna-se mais visível quando se socorre da dinâmica do direito ao crédito do ICMS. Pode-se perceber, na incidência do ICMS, dois fatos jurídicos, distintos, mas presentes em um único fato social: operação de compra e venda de mercadorias entre “A” e “B”, donde se pode extrair, em cortes conceituais elaborados pelo legislador, duas hipóteses (i) a venda realizada pelo comerciante “A” e (ii) a compra efetuada pelo comerciante “B”, cada qual com sua consequência específica, para a primeira a relação jurídica tributária entre “A” e “F” (ArjtF); para a segunda, a relação de direito ao crédito entre “B” e “F” (BrdcF)[28]
Ou seja, de acordo com a teoria de Coêlho, toma-se a não-cumulatividade no contexto de um único fato no plano social e se o leva para o plano jurídico também como único, mesclando-se, indevidamente, dois níveis de linguagem, o social e o jurídico. Disso conduz a impressão de que incluir a não-cumulatividade como atributo do ser lógico norma somente seria possível na situação em que daquele mesmo suporte fático-social se retirasse apenas um fato jurídico. A partir do momento em que se percebem dois fatos jurídicos, cada qual, com efeitos peculiares e relações jurídicas respectivas, ao se desconsiderar algum deles e se introduza elemento alheio ao fato jurídico construído, entende-se que há indevida inclusão da linguagem social no plano da linguagem do direito positivo.
Em arremate, a pesquisa conduz às seguintes conclusões:
a) relativamente ao dissenso principal entre Coêlho e Carvalho, comunga-se do entendimento deste quanto à “proposição normativa” como significação de um enunciado;
b) posiciona-se pela autonomia da não-cumulatividade em relação à regra matriz de incidência do ICMS, concordando-se com a estrutura de proposição-hipótese e proposição-tese da regra matriz de incidência, com relação às quais a não-cumulatividade tem autonomia;
c) a preservação da “norma jurídica como unidade mínima e irredutível do deôntico” somente se faz possível a partir de um processamento cronológico anterior dos enunciados prescritivos, no plano mental, que se os arranja em conformação lógica de juízo hipotético, de forma que ingressam as “proposições normativas” na estrutura sintático-normativa, nas posições de proposição-hipótese e de proposição-tese;
d) do juízo hipotético entre proposição-hipótese tese e proposição-tese não se identifica o ingresso da não-cumulatividade na regra-matriz de incidência tributária do ICMS, mas, pelo contrário, nota-se que a questão perpassa pela dinâmica da incidência tributária daquele tributo multifásico, visualizando-se incidência normativa em cada operação do ciclo, o que faz nascer, a cada fase de circulação, novo enlace jurídico, referente ao direito de crédito, em que o sujeito ativo é o detentor do direito de crédito e o sujeito passivo, a Fazenda Pública, que deverá admitir a compensação, por força da disciplina constitucional;
e) a partir da do processo de formalização da “proposição normativa”, constata-se que, caso a não-cumulatividade ingressasse na estrutura da regra-matriz de incidência do ICMS, não mais se vislumbraria a homogeneidade sintática das unidades do ordenamento, dogma pressuposto na teorematização do referencial teórico empregado.
f) justifica-se a prevalência na utilização da palavra “critérios”, em detrimento de “aspectos”, de maneira que, da divergência terminológica, extraiu-se uma questão mais densa, com repercussões filosóficas, metodológicas, lógicas e semióticas que, cada qual ao seu modo, interferiram na compreensão da não-cumulatividade face à regra-matriz de incidência do ICMS.
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[1] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo: da interpretação e da exoneração tributária. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2003.
[2] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 6. ed. São Paulo: Noeses, 2015, p. 88-90. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 48.
[3] JARACH, Dino. O fato imponível. Teoria geral do direito tributário substantivo. Trad. Dejalma de Campos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 85. “Neste ensaio de teoria feral de direito tributário material toda análise ocorre, então, tendo como centro o pressuposto de fato da obrigação tributária, o fato imponível. Trata-se de uma glorificação do pressuposto ainda mais acentuada que a que caracteriza o célebre tratado de Albert Hensel, e as monografias de Geyler, e que tem sido mal compreendida e por isto criticada por alguns autores”.
[4] ATALIBA, Geraldo. Hipótese
de Incidência Tributária. 3. ed., 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1987.
[5] CARVALHO, Direito Tributário, Linguagem e Método, 2015, p. 611. No mesmo sentido: COÊLHO, 2003, p. 101-103.
[6] CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 68.
[7] COÊLHO, 2003, p. 101-103: “são defeituosas as manifestações da doutrina retroexposta, vez que é preciso respeitar a integridade conceitual do ente ou objeto que está em análise, ou seja, a norma jurídica tributária, em cuja estrutura se hospedam elementos precisos, uns na hipótese, outros na consequência, e não todos na hipótese. Ademais, a doutrina que os autores citados expuseram contraria frontalmente a teoria da norma jurídica como ente hipotético em que dadas consequências se enlaçam a dados antecedentes”. (itálicos no original)
[8] COÊLHO, 2003, p. 98.
[9] Aires Barreto coloca a base de cálculo como um critério abstrato que exerce influência nos fatos jurídicos tributários, como atributo do núcleo do critério material. BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 52. A posição deste autor não se confunde com a de Alfredo Augusto Becker, que tentou fundar uma teoria substantiva do direito tributário com fundamento na base de cálculo.
[10] COÊLHO, 2003, p. 106.
[11] COÊLHO, 2003, p. 60.
[12] VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. Max Limonad: São Paulo, 1997, p. 4.
[13] CARVALHO, Direito Tributário, Linguagem, e Método, 2015, p. 69.
[14] CARVALHO, Direito Tributário, Linguagem, e Método, 2015, p. 76.
[15] CARVALHO, Direito Tributário, Linguagem, e Método, 2015, p. 86.
[16] CARVALHO, Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, 2015, p. 45. Como se vem advertindo, um dos pontos de divergência entre os autores abordados se estabelece na vista da norma como “juízo”. Para Sacha Calmon Navarro Coêlho, a divergência quanto ao tratamento das proposições é que dá fundamento à sua crítica, uma vez que, para ele, a qualificação “juízo” diz respeito à proposição que descreve a norma.
[17] DANTAS, Eric de Moraes e; MELO, Álisson José Maia. Estrutura da não-cumulatividade e sistema de referência: um estudo a partir do construtivismo lógico-semântico. Revista da Procuradoria-Geral do Município de Fortaleza, Fortaleza, v. 28, n. 2, jul./dez. 2020.
[18] CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. 179.
[19] CARVALHO, Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, 2015, p. 46.
[20] CARVALHO, Direito Tributário, Linguagem, e Método, 2015, p. 87.
[21] COÊLHO, 2003, p. 74.
[22] CARVALHO, Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, 2015, p. 46.
[23] CARVALHO, Direito Tributário, Linguagem, e Método, 2015, p. 86-87.
[24] CARVALHO, A., Curso de teoria geral do direito, 2014, p. 138.
[25] MOUSSALLEM, Tárek Moyses. A lógica como técnica de análise do direito. In: CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.); CARVALHO, Aurora Tomazini de (org.). Constructivismo Lógico-Semântico. Vol. I. São Paulo: Noeses, 2014, p. 164-165.
[26] CARVALHO, Direito Tributário, Linguagem, e Método, 2015, p. 403.
[27] COÊLHO, 2003, p. 94.
[28] CARVALHO, Paulo de Barros. A concessão de isenções, incentivos ou benefícios fiscais no âmbito do ICMS. In: CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva (org.). Guerra Fiscal. Noeses: São Paulo, 2014, p. 72-75.