GRAFITARIA COMO MEDIDA DE MINERAÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: UMA ANÁLISE DO PROJETO JOVENS UNIDOS PELO FIM DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

GRAFFITIRY AS A MEASUREMENT FOR MINING DOMESTIC VIOLENCE: AN ANALYSIS OF THE PROJECT YOUNG UNITED FOR THE END OF VIOLENCE AGAINST WOMEN

Fernanda Cláudia Araújo da Silva

Professora do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da UFC. Mestre em Direito pela UFC e doutoranda em Direito pela Universidade de Lisboa. Autora de diversos artigos na área publicista. Diretora da Secretaria de Acessibilidade – UFC-Inclui.
E-mail: f.c.araujo@hotmail.com.

Raieliza Maia

Servidora da Secretaria de Educação do Estado do Ceará, no cargo de Professora Ensino Técnico. Pós-graduada em psicopedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Autora de diversos projetos sociais.
E-mail: maiaraieliza@gmail.com.

Rosa Mendonça

Juíza titular do 1º Juizado de Violência Doméstica de Fortaleza. Autora de diversos artigos sobre violência doméstica e coordenadora de projetos que envolvem violência de gênero e o TJCE. Palestrante na área de Violência contra a Mulher.
E-mail: rosas.mendonca@yahoo.com

Resumo: Há uma necessidade e incessante busca por políticas públicas para o enfrentamento à violência doméstica, e que seja capaz de transformar a sociedade para implementar a igualdade de gênero. A partir desse parâmetro, estabelece-se um estudo sobre a criação do Projeto Jovens Unidos pelo Fim da Violência Contra a Mulher estabelecido pelo 1º Juizado de Violência Doméstica do TJCE com o propósito de levar às escolas estaduais ações de grafitaria que expressem a proibição da violência doméstica e com isso represente um importante instrumento de transformação social e implementação da igualdade de gênero. O presente artigo analisa o projeto em epígrafe, identificando uma análise descritiva, visto que o projeto se encontra em andamento. Para tanto, faz-se uma correlação com embasamento doutrinário a partir de textos jurídico-sociais que tratam acerca da violência doméstica. De forma específica, descreve-se o alcance do projeto e suas nuances sociológicas a serem alcançadas pelas ações de grafitaria.

Palavras-chave: Violência doméstica; Grafitaria; Projeto social.

Abstract: There is a need and incessant search for public policies to face domestic violence, and that are capable of transforming society to implement gender equality. From this parameter, a study is established on the creation of the Projeto Jovens Unidos por Fim da Violência Contra a Mulher established by the 1st Court of Domestic Violence of the TJCE with the purpose of taking graffiti actions to state schools that express the prohibition of violence and thus represents an important instrument for social transformation and the implementation of gender equality. This article analyzes the aforementioned project, identifying a descriptive analysis, since the project is in progress. For that, a correlation is made with doctrinal basis from legal-social texts that deal with domestic violence. Specifically, the scope of the project and its sociological nuances to be achieved by graffiti actions are described.

Keywords: Domestic violence; graffiti; Social project.

1.  Introdução

A violência contra a mulher, como violência de gênero é um fenômeno estabelecido a partir de padrões sexistas que subalternizaram as mulheres ao longo do tempo e que, por meio de medidas legais e por ações advindas de políticas públicas, se têm estabelecido para se superar essa sujeição existente contra legem.

Há uma necessária implementação de políticas de apoio para romper essas ações e por meio de medidas para a prevenção e o enfrentamento do problema no contexto social.

No contexto do Estado do Ceará têm sido apresentadas várias proposições e implementação de ações atendendo às diretrizes legais nacionais e internacionais, além de legislações estaduais como as Leis n.º. 16.044/2016 e 17.041/2019 que estabelecem práticas efetivas (políticas públicas) que proporcionam medidas que influenciam ações interventivas de proteção à mulher.

Dessa forma, realiza-se uma estudo sobre políticas públicas para o enfrentamento à violência doméstica, como instrumento de transformação social para implementar a igualdade de gênero. Com isso, realiza-se um estudo tendo como criação o Projeto Jovens Unidos pelo Fim da Violência Contra a Mulher estabelecido pelo 1º Juizado de Violência Doméstica do TJCE com o propósito de levar às escolas estaduais ações de grafitaria que expressem a proibição da violência doméstica, como instrumento de transformação social e implementação da igualdade de gênero, utilizando-se uma proposta dialética sobre violência de gênero, da escola ao ambiente familiar, na proposta também de mudança de comportamento no âmbito familiar.

Identifica-se no presente artigo quanto à metodologia, uma análise descritiva, visto que o projeto se encontra em andamento, estabelecido desde meados aos anos de 2010. Para tanto, faz-se uma correlação com embasamentos doutrinários a partir de textos jurídico-sociais que tratam acerca da violência doméstica e sua correlação com as ações de grafitaria existente, descrevendo-se o alcance do projeto e suas nuances sociológicas a serem alcançadas.

O artigo está dividido em três partes, além da introdução e considerações finais. Na primeira parte realiza-se um estudo sobre o alcance das políticas públicas no combate à violência doméstica. Na segunda descreve-se o projeto implementado no Ceará “Projeto Jovens Unidos pelo Fim da Violência Contra a Mulher” proposto pelo 1º Juizado de Violência Doméstica do TJCE, de Fortaleza-CE, com o propósito de levar às escolas estaduais ações de grafitaria que expressem a proibição da violência doméstica. E, na terceira parte, realiza-se um estudo sobre o grafitaria no âmbito escolar na prevenção à violência contra a mulher.

O suso citado projeto encontra-se ativo, com diversas nuances a serem alcançadas com a grafitaria e a educação pública no Estado do Ceará.

2.  Efetivação de políticas públicas no combate à violência doméstica

A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) mudou a maneira como os casos de violência contra a mulher eram vistos sob a jurisdição brasileira, a oferecer proteção à mulher, em relação a todo tipo de violência doméstica e familiar.

Sob a perspectiva legal, considera-se violência doméstica e familiar qualquer prática comissiva ou omissiva que, em razão da condição de gênero feminino da vítima, lhe cause um sofrimento físico, psicológico, sexual, patrimonial, moral, lesão corporal ou morte da mulher (BRASIL, 2006).  Assim, cabe mencionar que:

A distinção entre sexo e gênero tem sido crucial no esforço de longa data do feminismo para desbancar a ideia de que anatomia é destino;

[...]

Com esta distinção intacta, não é mais possível atribuir valores ou funções sociais às mulheres por uma necessidade biológica [...].

A presunção de uma relação causal ou mimética entre sexo e gênero é afastada (BEAUVOIR, 1980)

E ainda explicar que é necessário explicitar o conceito de gênero, uma vez que leva a expressão terminológica a diversas discussões sobre o contexto, tanto que:

Gênero também deve designar o próprio aparato de construção em que os sexos são estabelecidos. Como resultado, gênero não está para a cultura assim como sexo está para a natureza; gênero também é o meio discursivo/cultural em que a “natureza sexuada” ou um “sexo natural” é produzido e estabelecido como “pré-discursivo”, anterior à cultura, uma superfície politicamente “neutra” sobre a qual a cultura age” (BUTLER, 1990, p.10).

Dessa forma, o papel do Estado no combater à violência doméstica vai além da punição, no sentido de que são necessárias políticas públicas que assegurem ações preventivas de enfrentamento à violência doméstica.

Nesse sentido, as políticas públicas são utilizadas na identificação de que a Lei Maria da Penha não possui apenas um caráter punitivo, mas, notadamente deve trazer um viés preventivo, principalmente, quando se observa o art. 8º da referida lei (BRASIL, 2006) o qual disciplina a necessidade da criação de políticas públicas preventivas para coibir a violência contra a mulher a serem realizadas, inclusive no âmbito escolar[1] (grifou-se).

Sendo assim, a criação de políticas públicas busca resguardar e amparar mulheres de todas as formas de violência de gênero assegurando ações e mecanismos que garantam a sua integridade e dignidade.

Porém, não se pode deixar de mencionar que a proteção jurídica da mulher contra violência doméstica passou por história de muitas lutas e conquistas, principalmente para se chegar à garantia de proteção e de procedimentos humanizados para as vítimas, determinando cada vez mais, demandas no combate à violência, de forma que se identifica que a violência de gênero é a própria infração aos direitos humanos (SILVEIRA, NARDI, BARBEDO, 2010).

Dentro de uma digressão histórica, propõe-se um levantamento normativo internacional, que se enquadra ao avanço democrática brasileiro com a Constituição de 1988, com a dignidade da pessoa humana, a igualdade entre homens e mulheres. Dessa forma, observa-se a Tabela 1, a seguir:

Tabela 1 – Documentos internacionais protetivos à violência contra a mulher

ANO

DOCUMENTOS JURÍDICOS

1948

Declaração Universal dos Direitos Humanos

1979

Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher

1993

Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, realizada em Viena, que ficou reconhecida formalmente a violência contra as mulheres como uma violação aos direitos humanos.

1994

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher realizada em Belém do Pará n

1995

IV Conferência Mundial sobre as Mulheres na China

Fonte: Elaborado pelas autoras (2023).

A proteção da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) representa uma legislação que contribuiu para expurgar o sentimento de impunidade que existia, já que a violência sofrida pela mulher é definida como uma violência ligada ao gênero, e o sofrimento existe simplesmente pelo fato de ser mulher[2] (SCHRAIBER et al., 2007).

Identificam-se as violências de gênero por toda parte e de toda forma, como nas organizações, nas estruturas econômicas e nas relações de poder, o que se impõe uma necessária implantação de políticas públicas voltadas para a tutela da violência de gênero. De qualquer forma,

...os avanços legislativos são inquestionáveis, são também constantemente desafiados e tensionados pela drástica realidade de violação dos direitos humanos em escala planetária. Tanto no plano internacional quanto no Brasil, há um enorme fosso entre o reconhecimento da necessidade de formulação de políticas de promoção da igualdade de gênero, como dimensão constitutiva dos direitos humanos, e a implementação efetiva desses direitos (BARSTED, 2007, p. 119).

O contexto legal protetivo de resguardar a mulher da violência se estabelece no sentido de transformar a relação entre vítimas e agressores no envolvimento de diversos órgãos para o processamento desses crimes (CORTÊS, MATOS, 2007). Dentro dessas medidas igualitárias, percebe-se que se enfrenta a violência a qual está enraizada numa cultura sexista (SAFFIOTI, 2004), dentro de uma desigualdade de poder existente nas relações entre gêneros, cuja origem não está somente na vida familiar, mas, como cultura de parte das estruturas sociais mais amplas existentes (BANDEIRA, 2009).

Além disso, a lei de 1996 (Lei Maria da Penha) tem passado por modificações que dão maiores fundamentos e funcionalidades na garantia de políticas públicas mais efetivas[3] à proteção da mulher. Há uma concomitância de modificações que também são relevantes ao movimento de proteção das mulheres, e principalmente na efetivação de direitos da mulher, que também passou de forma muito sofrida na história jurídica brasileira (RODRIGUES, 2003) vinda de uma situação de subordinação e sujeição ao patriarcalismo (violência estrutural e histórica) até chegar à isonomia consolidada na Constituição Federal de 1988, tanto que, “a noção de cidadania alude não apenas à conquista de direitos, mas, sobretudo, a manutenção e ao aprofundamento de direitos conquistados e acumulados historicamente” (RODRIGUES, 2003, p.1).

Portanto, o que Altamira Rodrigues (2003) quer dizer, é que o movimento feminista está inserido no processo de construção democrática e de cidadania, por meio da igualdade de gênero estabelecida, identificada na Constituição de 1988 tanto no valor dignidade humana, como a isonomia descrita a partir do caput do art. 5º (BRASIL, 1988).

Paralela à evolução legislativa, políticas públicas se adequam à essa nova tutela protetiva, tanto que em 2003 foi criada a Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres[4], e em 2005, o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres[5], voltando-se, portanto, para criação e execução de políticas públicas voltadas para a ampliação e a garantia dos direitos das mulheres.

Esses paradigmas de políticas públicas voltadas à mulher e ao enfrentamento à violência tem sido ampliada no sentido de promover a implantação cada vez mais de novos serviços voltados à proteção da mulher, e, principalmente no sentido de propor a construção de redes suporte e de atendimento às mulheres, principalmente, em situação de violência.

Portanto, para tratar a questão do enfrentamento à violência de gênero é necessária a implementação de políticas públicas que representem transformação na sociedade e ao mesmo tempo no comportamento individualizado das famílias, visto que uma das raízes da violência se origina do próprio contexto sociofamiliar.

Sendo assim, a transformação social se perfaz pela implementação de estratégias que reconheçam a complexidade da existência da violência contra a mulher, ao mesmo tempo em que se possa alcançar uma abordagem sobre o fenômeno na aplicação de medidas resolutivas (TELES, MELO, 2003).

3.  Análise do projeto Jovens Unidos pelo Fim da Violência Contra a Mulher

A rede de proteção alcança diversas situações, e, no âmbito educacional, a Lei nº 13.882/2019[6] (que alterou a Lei Maria da Penha) garante a matrícula dos dependentes da mulher vítima de violência doméstica e familiar em instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio, estabelecendo uma rede de apoio familiar.

Dentro dessa rede de apoio, no Estado do Ceará, foi promulgada a Lei Estadual nº 16.044, de 28 de junho de 2016 que Institui a Semana Maria da Penha na Rede Estadual de Ensino, como política pública com o propósito de instruir a comunidade escolar sobre a Lei Maria da Penha[7], para que se possa estimular reflexões sobre estratégias de prevenção e combate a condutas machistas e sobre os tipos de violência contra a mulher, conscientizando a comunidade escolar sobre a importância e respeito aos direitos humanos e sobre os direitos das mulheres (CEARÁ, 2016).

No entanto, desde 2010 foi criado no 1º Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Fortaleza com compromisso e sensibilidade estabeleceu políticas públicas externas à atividade jurisdicional, propôs a ideia de percorrer a Rede Escolar Municipal e Estadual com o projeto da Oficina “Jovens Unidos pelo Fim da Violência Contra a Mulher”[8], firmando parcerias com várias empresas de tintas que fornecem o material para a realização dos murais de grafitaria nos espaços escolares.

A proposta da oficina é incentivar os estudantes a adotar comportamentos, como novos agentes transformadores da realidade e assim, divulgar o combate à violência doméstica, como instrumento lúdico para além da punição, pois,

A prevenção dos casos de violência envolve o desenvolvimento de ações que visam à desconstrução dos estereótipos de gênero e a transformação dos padrões sexistas. Para tanto, existe necessidade de incorporação de medidas educativas e culturais que promovam a igualdade entre homens e mulheres, independente da classe social, raça, etnia e geração. Ressalta-se a necessidade de práticas que visibilizem os tipos de violações, o rompimento do silêncio das vítimas e desnaturalização desse fenômeno social... (FORNARI, FONSECA, 2019, p. 89)

As medidas educativas são verdadeiras ações preventivas de enfrentamento ao crime de violência doméstica em que são trabalhados os conteúdos: a) o que é a violência de gênero; b) origem e importância da Lei Maria da Penha; c) as formas de violência física, psicológica, moral, sexual, patrimonial, medidas protetivas, direitos da mulher e toda a rede de atendimento direcionado à mulher; e, d) a confecção de poesias, cartazes, faixas, desenhos, grafitaria e peças teatrais, abordando a Lei Maria da Penha, que previne e combate agressões contra à mulher.

Busca-se com o projeto estabelecer uma maior aproximação da linguagem dos alunos de escolas públicas estaduais, despertando e envolvendo os jovens na temática da violência doméstica, bem como proporcionar um espaço criativo e de liberdade de expressão. Sobre isso, observam-se as palavras de Abramovay (2002, p. 322), ao defender essas propostas com ações pedagógicas e de cidadania:

Para tanto se faz necessário: enfatizar a importância da educação e dos serviços de atenção especializados voltados para a “convivência cidadã”; conjugar participação com responsabilidades sociais; resgatar a confiança nas instituições, espaços de socialização; e proporcionar oportunidades para atividades culturais, de integração comunitária e trabalhos com a família, entre outros. Todas essas diretrizes indicam que políticas devem ser firmadas nas ações de prevenção das violências e não basear-se em medidas repressivas. Em relação à escola, tendo como base o conhecimento humano acumulado, deve haver uma preocupação com propostas pedagógicas mais atraentes às linguagens juvenis. Destaca-se, também, a importância de enfoques integrais, ou seja, lidar com diversos campos de vida, e considerar os jovens como importantes protagonistas das políticas públicas educacionais (sic!)

Portanto, não se pode perder de vista que a prevenção é algo promissor e caminha a largos passos, gerando bons resultados. Sendo um caminho acertado para reduzir as estatísticas alarmantes apontadas em torno da violência contra a mulher.

A abordagem lúdica de prevenção à violência contra a mulher tem o caráter de expor que o problema da violência não alcança somente ao poder estatal (incluindo as ações do Executivo (prevenção) e do Judiciário (nas punições), mas uma responsabilidade solidária de toda a coletividade, ou seja, uma responsabilidade de todos, não cabendo somente à Justiça a sua resolução e prevenção.

Aliar a educação à prevenção da violência pode produzir quebra de paradigmas e preconceitos, pois é ingênuo acreditar que basta só aplicar a Lei ou proclamar a igualdade para acabar com o desequilíbrio nas relações de gênero. Ao contrário, o Projeto Jovens Unidos pelo Fim da Violência Contra a Mulher busca a construção de uma nova cultura de combate à violência doméstica e familiar e a igualdade entre os gêneros, despertando na sociedade o interesse sobre as questões relacionadas aos direitos humanos e assim não perdendo de vista que a Educação é um instrumento seguro capaz de fazer total diferença nesse enfrentamento e contribuir na construção da cultura de paz.

É uma iniciativa direcionada aos educandos e educadores de escolas públicas da Comarca de Fortaleza, região metropolitana e interior cearense que tem como objetivo mostrar a importância da Lei Maria da Penha, e despertar a conscientização acerca da necessidade latente do combate à violência doméstica e familiar.

Essa Oficina idealizada em meados do ano de 2010 surgiu em um contexto, onde constatou-se a necessidade de ações diretas levando o conhecimento sobre a legislação diante dos elevados índices de violência sexista, tendo em vista que o ambiente escolar é um local fecundo e promissor para trabalhar a mudança de comportamento da cultura machista.

Sendo assim, a violência contra a mulher DEVE atingir todas as esferas da sociedade independente de idade, raça, credo, nível de conhecimento, profissão ou outro fator determinante. Qualquer pessoa pode denunciar a violência, por isso é preciso não silenciar (grifou-se).

A atividade de prevenção à violência no seio escolar atende a uma calendarização (art. 2º da Lei Estadual nº 16.044/2016), anualmente no mês de março nas escolas públicas, permitindo também nas escolas privadas na prevenção e combate à violência contra a mulher, integrando a comunidade escolar por meio de estratégias para o enfrentamento das diversas formas de violência contra a mulher, ao mesmo tempo em que se criam canais de denúncias[9].

A proposta ainda é estabelecer campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade, aplicando a Lei Maria da Penha.

4.  O alcance da grafitaria no âmbito escolar na prevenção à violência contra a mulher

A grafitaria é um instrumento advindo da própria liberdade de expressão manifestadamente transcrita na Constituição Federal de 1988, gerando-se um “interacionismo simbólico” (BLUMER, 1971) ao se permitir que crianças e adolescentes em escolas possam se expressar apresentando resultados de uma interação social e a interpretação deles, com significados particulares.

A grafitaria demonstra um verdadeiro intercâmbio de sentimentos a partir de uma interpretação pessoal e que “estão presentes nesse processo elementos consubstanciados em um modelo explicativo que determina certo percurso para os problemas, por meio de um processo dinâmico” (PIERSON, 2016, p. 31) cuja expressão alcança o problema em si. E dessa forma, deve-se colocar criança e adolescentes como protagonistas dessas ações preventivas, pois,

Em relação à escola, tendo como base o conhecimento humano acumulado, deve haver uma preocupação com propostas pedagógicas mais atraentes às linguagens juvenis. Destaca-se, também, a importância de enfoques integrais, ou seja, lidar com diversos campos de vida, e considerar os jovens como importantes protagonistas das políticas públicas educacionais (ABRAMOVAY, 2002, p. 322).

Com isso, a ação torna-se educativa com a capacidade de gerar momentos de liberdade do aluno, mas com reflexão sobre o assunto de violência doméstica que é tão complexo, e que seja capaz de pontuar discussões que podem ser realizadas de maneira mais lúdica, porém não menos importante para a abordagem, ao mesmo tempo em que se pode desconstruir estereótipos de gênero e prevenir situações de violência ou pedir determinado apoio quando às vítimas das violações estão ali expressando seus sentimentos.

A seguir, a Figura 1, a seguir, traz a uma suposta pessoa pintada na cor preta em que sua parte interior e as unhas são vermelhas com uma pessoa presa a uma gaiola com a cabeça baixa, significando uma prisão em que se encontra sob a restrição do boneco maior, o que se interpreta a sujeição de uma criança à violação da liberdade, à restrição a qualquer forma de manifestação, pois a criança encontra-se presa. As cores trazem também significações como o vermelho e o preto utilizados no desenho.

Figura 1 – Enclausuramento ante à violência

Uma imagem contendo placa, comida, placar

Descrição gerada automaticamente

Fonte: 1º Juizado de Violência Doméstica (2010)

#Para Todos Verem: Uma figura traços humanos, pele marrom e com um traje vermelho está desenhada em uma parede branca, com cobogós de cimento acima. A figura não possui nariz, boca ou ouvidos. Os olhos são grandes, arregalados e com pupilas vermelhas. As mãos são representadas como grandes garras de unhas vermelhas. Ele segura uma gaiola branca, dentro dela, uma mulher cabisbaixa e sentada com as pernas encolhidas junto ao peito. Ela veste uma camisa vermelha e calça branca. No lado direito superior, acima do desenho está escrito: “Chega de Violência contra a Mulher” e em baixo em branco sobre um quadrado vermelho o nome das autoras: Gaby, Samira e Gisele.

A grafitaria é marcada por momentos inusitados que propicia a percepção da realidade concreta, a partir da ficção, permitindo a projeção de sentimentos e possibilidades. Essa identificação foi traçada por Souza et al. (2017), a partir do uso de jogos com crianças, encontrando estratégias para se identificar violência.

O protagonismo estabelecido nas crianças e adolescentes participantes do projeto determinam a direção em que se deve observar, desde a inserção cultural no ambiente vivido, como sendo uma ‘propaganda’ contra a violência doméstica, relatos pessoais que chamam a atenção da Escola, do Juizado, até mesmo um alcance psicológico por meio da liberdade de expressão (SANTOS et. al. 2014).

Portanto, o processo de grafitaria perpasse a liberdade e chega à ascensão de experiências emocionais, valorizando a singularidade de cada participante, apesar de acontecer em um momento lúdico, com elementos que se aproximam da realidade concreta. E é, exatamente, essa aproximação que se identificam as situações vivenciadas. Nesse sentido, Teixeira e Serraglio (2014, p. 62) asseveram que:

A violência existe em várias formas e se encaixa (se adéqua) a diversos moldes. [...] Não é a violência que parte (mera e diretamente) de uma instituição estatal em direção ao indivíduo, mas sim aquela que ocorre no âmbito da vida social, quando um indivíduo viola a esfera de direitos do outro, ou seja, trata-se de uma relação de um particular contra o outro, da qual toma parte o Estado como forma de pacificar a sociedade e justificar sua própria existência.

A realidade encontrada por meio da grafitaria nas escolas logo após a explanação do conteúdo com o conceito de violência doméstica, ciclo da violência, consequências, meios para o rompimento e denúncia, relacionamento abusivo e debates acerca dessa forma de violência, os alunos deixam aflorar o seu poder de compreensão e criatividade nata.

A expressão da violência associada à vida das crianças se relaciona também às estruturas sociais, econômicas, educacionais, culturais e políticas vivenciadas em que se encontra a criança e/ou adolescente. Assim, palestrantes, gestores educacionais e envolvidos no evento percebem por meio da grafitaria a situação de vulnerabilidade vivenciada pelos grafiteiros, tornando-os instrumentos de denúncia da violência doméstica. Por outro lado, permite que sejam agentes transformadores da realidade vivenciada, evitando ainda que a situação de vítima persista. E, como afirma Mollo Bouvier (2005, p.394):

Para contribuir à necessária construção de uma sociologia da infância, proporia quatro abordagens que se entrecruzam: 1) a segmentação social das idades e a incerteza quanto ao período da infância; 2) a tendência a favorecer a socialização em estruturas coletivas fora da família; 3) a transformação e as contradições das concepções da infância; 4) o interesse generalizado por uma educação precoce.

Há uma abordagem cruzada com a grafitaria, minerando a realidade vivenciada em seu contexto com as questões propostas pelo projeto, e, principalmente nos casos de violência envolvida no desenvolvimento de ações que visam à desconstrução dos estereótipos da violência vivenciada, transformando os padrões sexistas.

Há também a incorporação da proteção da violência de gênero, por meio de medidas educativas e culturais que promovam a igualdade entre homens e mulheres, pois, a grafitaria rompe o silêncio e descaracteriza o fenômeno da violência, além de mediar o diálogo a respeito da violência.

A percepção do desenvolvimento da grafitaria traz a abordagem com a prevenção da violência e a potencialidade da educação considerando crianças e adolescentes no enfrentamento da violência, na medida em que podem ser vítimas, agressores ou profissionais que atuam nos serviços de atendimento.

5.  Considerações finais

Dentro dessa perspectiva, acredita-se que a educação é um meio eficaz para provocar mudanças, por meio da formação de indivíduos com o pensamento crítico e reflexivo bem desenvolvido. Nesse contexto, considera-se essencial colocar a Lei nº 11.340/06 ao alcance de toda a sociedade, e particularmente das crianças e jovens, visando diminuir, e quem sabe num futuro não muito distante, acabar com toda forma de agressão às mulheres, e, principalmente o estabelecimento de políticas públicas

Assim sendo, busca-se com a abordagem da Lei Maria da Penha nas escolas, despertar o questionamento da latente necessidade que é a inclusão da referida Lei no currículo transversal de ensino, adequados a cada realidade escolar, para que a verdadeira igualdade entre mulheres e homens passe a fazer parte dos valores éticos e morais de cada pessoa.

Todavia, considera-se que essa luta de sensibilização e prevenção colhe resultados efetivos, se, de fato, essa ação desenvolvida no âmbito escolar se for integrada e articulada com a Justiça e todos os segmentos da sociedade civil estabelece uma maior pacificação social.

Além disso, é preciso suscitar reflexões e debates críticos sobre a temática da violência doméstica e os direitos das mulheres em todos os âmbitos da sociedade.

Referências

ABRAMOVAY, M. Violência nas escolas. Brasília: Unesco, Coordenação DST/Aids do Ministério da Saúde, Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, CNPq, Instituto Ayrton Senna, Unaids, Banco Mundial, Usaid, Fundação Ford, Consed, Undime, 2002.

BANDEIRA L. Três décadas de resistência feminista contra o sexismo e a violência feminina no Brasil: 1976 a 2006. Rev Sociedade e Estado. 2009; 24(2):401-438.

BARSTED, L. L. A resposta legislativa à violência contra mulheres no Brasil. In: Almeida, S. S. (Org.). Violência de gênero e políticas públicas. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007. p. 119-137.

BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 17 jul. 2023.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BLUMER, H. Social problems as collective behavior. Social Problems, v. 18, p. 298-306, 1971.

BUTLER, Judith. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. New York: Routledge, 1990.

CAVALCANTI, Eliane Cristina Tenório, OLIVEIRA, Rosane Cristina de. Políticas Públicas de Combate à Violência de Gênero. A Rede de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres. Revista de Pesquisa Interdisciplinar, Cajazeiras, v. 2, n. 2, 192-206, jun/dez. de 2017.

CEARÁ. Lei nº 16.044, de 28 de junho de 2016. Institui a Semana Maria da Penha na Rede Estadual de Ensino. Disponível em: https://belt.al.ce.gov.br/index.php/legislacao-do-ceara/organizacao-tematica/educacao/item/6223-lei-n-16-044-de-28-06-16-d-o-30-06-16. Acesso em: 20 jul. 2023.

CEARÁ. Lei n.º 17.041, de 10 de outubro de 2019, cria “A Semana Diana Pitaguary Nas Escolas Indígenas do Estado do Ceará. Disponível em: https://belt.al.ce.gov.br/index.php/legislacao-do-ceara/datas-comemorativas/item/6823-lei-n-. Acesso em: 20 jul. 2023.

CORTÊS I.R., MATOS M.C. Lei Maria da Penha: Do papel para a vida. Brasília: CFEMEA; 2007.

FORNARI, Lucimara Fabiana, FONSECA, Rosa Maria Godoy Serpa da. Prevenção e enfrentamento da violência de gênero por meio de jogos educativos: uma revisão de escopo. Revista lbérica de Sistemas e Tecnologias de Informação. RISTI, N.º 33, 09/2019. pp.78-93.

MOLLO BOUVIER, S. Transformação dos modos de socialização das crianças: uma abordagem sociológica. Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 91, p. 391-403, maio/ago. 2005. Disponível em: https://www.cedes.unicamp.br/. Acesso em: 23 jul. 2023.

PIERSON, Lia Cristina Campos. A violência contra a criança e o adolescente no brasil – contribuições para o debate. Estudos sobre a violência contra a criança e o adolescente [livro eletrônico] / (org.) Antonio Cecílio Moreira Pire... [et al.]. -- 1. ed. -- São Paulo: Libro, 2016.

ROGRIGUES, A. Construindo a perspectiva de gênero na legislação e nas políticas públicas. 2003. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-mulheres/arquivo/assuntos/poder-e-participacao-politica/referencias/politica-e-genero/construindo_a_perspectiva_d.pdf. Acesso em: 21 jul. 2023.

SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.

SANTOS, T. M. B. dos et al. Análise da produção científica sobre a notificação da violência contra adolescentes. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, Fortaleza, v. 27, n. 4, p. 560-567, out./dez. 2014.

SILVEIRA R. S., NARDI H.C., BARBEDO C.G. Violências contra as mulheres e a Lei Maria da Penha: problematizações sobre as articulações entre gênero e raça. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2010. (Fazendo gênero, n. 9).

SCHRAIBER, L. B., D'OLIVEIRA, A.; COUTO, M. T.; HANADA, H.; KISS, L. B.; DURAND, J. G. Violência contra mulheres entre usuárias de serviços públicos de saúde da Grande São Paulo. Revista de Saúde Pública, v. 41, n. 3, p. 359-367, 2007.

SOUZA, V. de, GAZZINELLI, M. F., SOARES, A. N., FERNANDES, M. M., OLIVEIRA, R. N. G. de, & FONSECA, R. M. G. S. da. (2017). The game as strategy for approach to sexuality with adolescents: theoretical-methodological reflections. Rev Bras Enferm, 70(2), 394–401.

TEIXEIRA, S. R.; SERRAGLIO, D. A. Os custos da violência e a educação como caminho alternativo ao crescente panorama de criminalidade no Brasil. In: FREITAS, V. P. de e T. (Coord.). Segurança pública: das intenções à realidade. Curitiba: Juruá, 2014.



[1] A Lei nº14.164, de 10 de junho de 2021 alterou a Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para incluir conteúdo sobre a prevenção da violência contra a mulher nos currículos da educação básica, e institui a Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher, e assim, estabeleceu que o trabalho educacional reconhece que a educação vai, além do ensino formal e tem o papel de formar cidadãos conscientes de seus direitos e deveres para a vida em sociedade.

 

[2] O que talvez pode ser identificada como a própria vulnerabilidade.

[3] “A primeira experiência de implantação de uma política pública de combate à violência contra as mulheres no Brasil ocorreu em 1985 com a criação da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher-DEAM. No mesmo ano foi constituído o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Em 1986, foi criada a primeira Casa-Abrigo para mulheres em situação de risco de morte do país. Essas três importantes conquistas da luta do movimento feminista no Brasil foram, durante muito tempo, as principais ações do Estado voltadas para a promoção dos direitos das mulheres no enfrentamento à violência.” (sic!) (CAVALCANTI, OLIVEIRA, 2017, p. 200)

[4] Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-mulheres/arquivo/arquivos-diversos/sobre/spm#:~:text=A%20Secretaria%20de%20Pol%C3%ADticas%20para,uma%20sociedade%20patriarcal%20e%20excludente. Acesso em: 22 jul. 2023.

[5] Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pnpm_compacta.pdf. Acesso em: 22 jul. 2023.

[6] Art.9º - omissis

§ 7º A mulher em situação de violência doméstica e familiar tem prioridade para matricular seus dependentes em instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio, ou transferi-los para essa instituição, mediante a apresentação dos documentos comprobatórios do registro da ocorrência policial ou do processo de violência doméstica e familiar em curso.

§ 8º Serão sigilosos os dados da ofendida e de seus dependentes matriculados ou transferidos conforme o disposto no § 7º deste artigo, e o acesso às informações será reservado ao juiz, ao Ministério Público e aos órgãos competentes do poder público. (NR)

Art.23

[...]

V - determinar a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência deles para essa instituição, independentemente da existência de vaga.

[7] Como também, no Ceará, foi editada a Lei estadual n.º 17.041, de 10 de outubro de 2019, criando “A SEMANA DIANA PITAGUARY NAS ESCOLAS INDÍGENAS DO ESTADO DO CEARÁ”, com o propósito de debater nas escolas indígenas localizadas no Ceará com os alunos sobre a temática da violência contra a mulher, o feminicídio e à importunação sexual. (CEARÁ, 2019)

[8] Participam também a Secretaria de Educação do Estado do Ceará como protagonista na implementação da política pública de implementar medidas de expressão cultural nas escolas para que se possa expressar por meio do grafismo manifestações sobre violência contra mulheres.

[9] A Lei Maria da Penha não exclui a articulação com os demais entes da federação na implementação da referida política pública, tanto que o Art. 8º estabelece que “A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes”.