DESENVOLVIMENTO NACIONAL ALÉM DA PERSPECTIVA ECONÔMICA E SUA RELAÇÃO COM A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

National Development Beyond the Economic Perspective and its Relationship with the Provision of Public Services

Ana Paula F. de A. Vieira Ramalho

Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Procuradora da Fazenda Nacional.

Beatriz Nunes Diógenes

Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Advogada.

Álisson José Maia Melo

Doutor em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário 7 de Setembro.

Resumo: O presente artigo discute os elementos envolvidos na transferência da prestação de serviços públicos à iniciativa privada, afastando-a da titularidade estatal. Parte-se do pressuposto de que os serviços públicos são instrumentos de promoção do desenvolvimento nacional, portanto discute-se o papel do Estado como seu principal promotor. Utiliza-se a metodologia qualitativa, com técnica de pesquisa documental e revisão de literatura. Inicialmente, distingue-se o conceito de desenvolvimento nacional do mero crescimento econômico. Em seguida, evidencia-se a relevância dos serviços públicos para a efetivação dos direitos fundamentais sociais e para o desenvolvimento nacional. Conclui-se que o desenvolvimento compatível com a Constituição transcende o aspecto econômico, abrangendo o social, e que a prestação eficiente e adequada de serviços públicos constitui meio essencial de promoção do desenvolvimento nacional, sob protagonismo do Estado, sendo necessário cautela na inclusão do setor privado nesta equação, para garantir a concretização dos princípios e objetivos constitucionais.

Palavras-chave: Serviços públicos. Direitos fundamentais sociais. Desenvolvimento econômico.

Abstract: This article examines the elements involved in the transfer of the provision of public services to the private sector, thereby removing them from the State’s direct responsibility. It proceeds from the premise that public services are instruments for promoting national development and therefore discusses the role of the State as their main promoter. A qualitative methodology is employed, using documentary research techniques and a literature review. Initially, the concept of national development is distinguished from mere economic growth. Next, the relevance of public services for the realization of social fundamental rights and for national development is highlighted. The article concludes that development compatible with the Constitution transcends the economic dimension, encompassing the social sphere, and that the efficient and adequate provision of public services is an essential means of promoting national development under the leadership of the State. It further argues that caution is required in incorporating the private sector into this equation, in order to ensure the fulfillment of constitutional principles and objectives.

Keywords: Public services. Fundamental social rights. Economic development.

1. Introdução

A problemática deste estudo decorre da análise dos elementos políticos e jurídicos envolvidos na tendência neoliberal das últimas décadas de transferir à iniciativa privada a prestação de serviços públicos. Discute-se a ocorrência de uma possível alteração do regime jurídico na prestação dos serviços públicos, possivelmente contrariando o compromisso constitucional de garantir os direitos fundamentais sociais. Soma-se a isso uma interpretação reducionista de desenvolvimento, tratada primordialmente como crescimento econômico, em detrimento de políticas públicas eficazes, o que relega a orientação fundamental para a garantia dos direitos sociais a segundo plano.

Parte-se do pressuposto de que o projeto de país delineado pela Constituição de 1988 fundamenta-se na atuação prestacional do Estado, responsável por assegurar direitos fundamentais como saúde, educação, saneamento, energia elétrica e água, visando à melhoria da qualidade de vida da população. Por isso, o protagonismo estatal no planejamento e na execução dos serviços públicos orientados constitucionalmente é considerado um elemento necessário à materialização desses direitos.

Logo, este estudo discute de quais formas o Estado deve priorizar o planejamento e a execução de políticas públicas voltadas à efetivação dos serviços públicos, e como a adoção de políticas de austeridade fiscal e de priorização do elemento “crescimento econômico” podem atrapalhar o desenvolvimento nacional, entendido como a melhoria das condições de vida da população. Ou seja, entende-se que a qualidade de vida e a materialização de direitos sociais previstos constitucionalmente são meios de promoção do desenvolvimento nacional e de redução das desigualdades sociais e regionais, em conformidade com os objetivos de construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Portanto, cabe ao Estado, conforme o artigo 3º da Constituição, exercer a função de promotor desse desenvolvimento. Com o advento do Estado Social, governar deixou de significar a mera gestão conjuntural para se tornar planejamento estratégico de médio e longo prazo. Assim, a competência estatal de concretizar as funções sociais definidas pela Constituição Federal precisa ser exercida pelo próprio Estado, e não por agentes do setor privado, que possuem objetivos voltados ao lucro e diferentes da priorização do bem-estar coletivo.

2. Interpretação de desenvolvimento nacional além da perspectiva econômica e sua relação com a prestação de serviços públicos

Segundo Célia Lessa Kerstenetky (2012), a importância do Estado de bem-estar social (welfare state) para o desenvolvimento ocorre devido às interações positivas entre políticas sociais e políticas econômicas, reduzindo as desigualdades pela redistribuição de renda, numa relação de mão dupla, tendo em vista que num modelo de subordinação das políticas sociais ao desenvolvimento econômico, a função principal da políticas sociais é compensar agentes e grupos pelas externalidades negativas geradas na economia de mercado no processo de crescimento econômico. A autora aborda o Estado de bem-estar como um objeto de variedade histórica que se apresentou nos países de forma mínima ou máxima, a depender da trajetória daqueles, e analisou o estado de bem-estar em países desenvolvidos e subdesenvolvidos, entre eles, Estados Unidos, Escandinávia e Brasil. Sua análise revelou, estaticamente, nos períodos analisados, que muitos países usaram o Estado de bem-estar em suas políticas e programas e instituições para promover o desenvolvimento econômico.

Importante notar que o conceito e os elementos do Estado de bem-estar social não derivam de uma construção arbitrária de políticos populistas, como sugere a teoria econômica clássica e neoliberal, mas sim de uma consequência história do desenvolvimento político e social da humanidade no quadro de sociedades contemporâneas. Assim, contra os argumentos de que o Estado de bem-estar social é prejudicial ao desenvolvimento econômico, por desestimular o trabalho ou reduzir a competitividade das empresas, apresenta-se como contra-argumento que a promoção do desenvolvimento no Estado de bem-estar ocorre a partir do momento em que trabalhadores mais bem alimentados, educados e protegidos contra os problemas de saúde e desemprego, são mais produtivos (Bresser-Pereira, 2012).

No modelo perfilhado pela Constituição de 1988, que objetiva a implementação de um Estado Social, é indispensável uma atuação interventiva do Estado para distribuição de renda e desenvolvimento socioeconômico, em razão da acentuada desigualdade entre os mais ricos e mais pobres, tendo em vista que, mesmo com a diminuição da desigualdade no país no período de 2001 a 2015, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2018) revelou que, além da renda nacional ser concentrada nos estratos mais abastados, os 10% mais ricos respondem por 51,5% da desigualdade total, percentual maior do que aqueles encontrados em outros países, como Estados Unidos (45%), Alemanha (44%) e Grã-Bretanha (41%).

Pode ocorrer o aumento da riqueza do país expressado pelo crescimento econômico, sem que isso reflita a melhoria da qualidade de vida da sua população, pois desenvolvimento não é mais compreendido restritamente a crescimento econômico, como dado quantitativo, vinculado ao aumento de indicadores de riqueza. O desenvolvimento é de cunho qualitativo, concernente à melhoria das condições de vida da população e ligado a aspectos sociais, econômicos e culturais. Assim, uma definição de desenvolvimento limitada ao crescimento econômico, a utilizar como único parâmetro de aferição o acréscimo do Produto Interno Bruto (PIB) e que torne o seu aumento como principal objetivo das políticas públicas nacionais, seria permissiva de violação de direitos humanos e fundamentais ou relegação destes a um segundo plano (Hachem, 2013, p. 151).

O desenvolvimento envolve e pressupõe a necessidade de recursos para atender às necessidades, mas não se limita a isso, já que envolve melhorias relativas à saúde, educação, meio ambiente, igualdade e à liberdade política, razão pela qual índices que refletem a acumulação de riqueza e o crescimento do PIB e de outras variáveis relacionadas à renda não significam desenvolvimento ou melhoria da qualidade de vida de grande parte da população, visto que o acúmulo de renda pode se concentrar em parcela reduzida da população, acentuando desigualdades, como ocorre no Brasil.

Na análise de Celso Furtado (2025), em sua famosa obra "O mito do desenvolvimento econômico", ele já realizava uma crítica primitiva ao conceito de desenvolvimento dos países mais ricos sendo aplicado a países mais pobres, denunciando os limites da universalização do estilo de vida/consumo dos países desenvolvidos. O autor, demonstrando uma compreensão humanística, já condenava o fetiche do PIB como indicador de progresso, mostrando que ele ignora custos coletivos sociais e ambientais.

Nessa senda, há uma vinculação estreita entre o desenvolvimento e a prestação de serviços públicos, a qual visa concretizar direitos econômicos e sociais prestacionais, como educação, saúde, moradia, saneamento básico, energia elétrica, fornecimento de água, previstos no art. 6º e no Título VIII da Constituição de 1988, que se refere à Ordem Social, na medida em que tais serviços adequadamente prestados promovem a melhoria de vida da população. Observe-se que o próprio IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) incorpora dados relativos à educação, como matrículas e alfabetização, a compor um subíndice (IDH educação), que compõe o IDH final, o qual se compõe da renda (PIB per capita), saúde e educação como dimensões (Rister, 2007, p. 389-437).

Há relação estreita do desenvolvimento com a Constituição Econômica, na medida em que o art. 170 da CF norteia a geração de riquezas com a dignidade da pessoa, conforme os ditames da justiça social e observados, entre outros, os princípios da função social da propriedade, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais e busca do pleno emprego. A Ordem Social anda aliada com a Ordem Econômica, objeto do Título VII, a qual coloca a prestação de serviços públicos como uma das ferramentas à disposição do Estado para a promoção do bem de todos.

O objetivo do IDH foi criado com colaboração do economista Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998, para ser um contraponto à medida antes utilizada, o PIB per capita, o qual considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. O IDH, apesar de ampliar a noção sobre o desenvolvimento humano com a perspectiva social, não esgota todos as acepções de desenvolvimento (PNUD, 2012).

Amartya Sen (2000, p. 18-25) entende o desenvolvimento através de uma concepção ampla de liberdade, como fim e como meio para o desenvolvimento, a englobar a remoção das principais fontes de privação de liberdade, como “pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência dos excessiva de Estados repressivos” e as liberdades instrumentais para o alcance do desenvolvimento, quais sejam, “liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora”.

Inobstante a importância da tese de Sen, esclarecem Daniel Hachem (2013, p. 158) e Emerson Gabardo (2009,  p. 329-330) que o economista compreende o desenvolvimento como liberdade, sem a adoção de concepção mais restrita de liberdade, geralmente comum, ampliando radicalmente a noção, para nela inserir garantias que tradicionalmente não são consideradas liberdades. Defendem os autores a impossibilidade de se conceber o desenvolvimento na Constituição de 1988 apenas como liberdade e a imprescindibilidade do papel interventor do Estado como promotor da igualdade material, com a redução das desigualdades sociais, o que reclama a atuação estatal intervencionista como propulsor do desenvolvimento. Assim, mesmo nos serviços de cunho social em que a Constituição de 1988 permite a atuação conjunta do Estado e sociedade, como a educação (art. 205, 208, 209, 213 e 227) e saúde (art. 196, caput, 198, II e 199, §1º), a ação da iniciativa privada é atribuída de forma complementar, sendo do Estado a função de coordenar (Hachem, 2013, p. 161).

Na relação entre o desenvolvimento e a prestação de serviços públicos, a atuação de uma Administração Pública há de ser inclusiva, por meio da implementação das políticas públicas para concretização dos direitos fundamentais sociais prestacionais, tais como moradia, educação, alimentação, saúde, saneamento básico, água, entre outros, e que não se restrinjam ao mínimo existencial urge, pois o país ocupa uma das piores posições em IDH e alto índice de desigualdade social (Hachem, 2013, p. 162). Segundo dados do Relatório do Desenvolvimento Humano (HDR) de 2016, publicado em março de 2017, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2016), em relação a 2014, o Brasil estagnou no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no valor de 0,754 e no ranking mantém a posição 79 entre 188 países.

Nessa senda, relembre-se a aprovação do novo regime fiscal, como medida de austeridade fiscal que veio na contramão do desenvolvimento e merece revogação. Aprovado com a Emenda Constitucional (EC) n. 95 /2016, que vigorará por 20 (vinte) anos, o regime estipulou a limitação de gastos e investimentos públicos, principalmente nos serviços de natureza social de saúde e educação, como meio equivocado de efetivar o crescimento economia, no plano federal. Com a medida, houve o impedimento dos investimentos público necessários à manutenção e expansão de serviços públicos a concretização de direitos sociais, agravando o tratamento aos direitos sociais. Trata-se de medida inconstitucional, por atentar contra o princípio da vedação ao retrocesso social, acatado no rol das cláusulas pétreas nos termos do art. 60, § 4º da Constituição (Mariano, 2017, p. 263).

 Cynara Mariano (2017, p. 274-275), em estudo obre a Emenda Constitucional n.  95, cita conclusões da publicação realizada em dezembro de 2015 pelo Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG), vinculado ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) (Gobetti; Orair, 2015) como medidas para aumentar a arrecadação, o que poderia ser instrumento para a recomposição do investimento público nos direitos sociais, demonstrando que outras medidas poderiam ter sido tomadas para promover não somente o crescimento econômico, mas o desenvolvimento, conforme a concepção econômico-social e cultural trabalhada:

A receita para a crise brasileira não é, portanto, o teto de gastos públicos, que não vai aplacar a crise, mas sim sabotar completamente a Constituição, e a curto e médio prazo, agravar a própria crise. Uma redução gradual dos juros em conjunto com o fim da isenção dos dividendos (o Brasil, ao lado da Estônia, é um dos únicos países do mundo que, a partir do governo FHC, passou a não tributar a distribuição dos lucros), a reforma da tabela progressiva do Imposto de renda, a criação do Imposto sobre Grandes Fortunas e de um Imposto sobre o valor Agregado (IVA) para substituir PIS, Cofins, IPI, ICMS, ISS e contribuição previdenciária sobre a receita das empresas, seriam medidas capazes de gerar superávit ao mesmo tempo que se corrigiriam falhas graves na economia brasileira. Essa é uma das conclusões de estudo publicado em dezembro de 2015 pelo Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG), vinculado ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O texto faz uma análise crítica da tributação da renda e do lucro no Brasil, mostrando como medidas tomadas nas décadas de 1980 e 1990, restringiram o papel distributivo do Imposto de Renda, resultando em alta concentração de renda no topo da distribuição, baixa progressividade e violação do princípio da equidade, sendo a principal razão dessas distorções a isenção dos dividendos.

Uma crítica também pode ser feita, sem pretender aprofundar, ao Relatório do Banco Mundial (2017), intitulado “Um ajuste justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, o qual inadequadamente defende medidas de austeridade fiscal para políticas sociais, que defende serem imprescindíveis a propulsionar o crescimento econômico, em detrimento do desenvolvimento nacional sob a noção constitucional demonstrada.

Defende o estudo, entre outras proposições, em prejuízo ao Estado Social e sem antes tratar de reformas realmente equitativas:

a)  a reforma tributária e de política financeira;

b)  a redução de gastos com saúde e educação, como aprovada na citada emenda constitucional n. 95 de 2016;

c)  a redução do funcionalismo do Estado;

d) a reforma da previdência social; bem como

e)  o fim da gratuidade do ensino superior das universidades públicas, cujo acesso se tornou mais democrático e igualitário com políticas de inclusão, como a Lei de Cotas (Lei n. 12.711 de 2012) e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), em prejuízo ao acesso à educação superior, ao decorrente desenvolvimento humano e à preparação para o mercado profissional.

 O corte de despesas com os diretos sociais, a prejudicar a prestação de serviços públicos não torna o Estado Social e Democrático de Direito eficiente, pois deixa de albergar condições básicas ao exercício da cidadania, sendo impossível compreender uma ação estatal eficiente, embora injusta, por acentuar desigualdades sociais. Na verdade, tais cortes servem de instrumento para a formal legitimação “democrática” do neoliberalismo. Assim, ao Estado cabe cumprir seus objetivos fundamentais, entre eles, o desenvolvimento nacional, de redução das desigualdades sociais e regionais e de construir uma sociedade não somente livre, o que poderia demandar a atuação subsidiária do Estado; mas também justa e solidária, a dar ao Estado o papel principal na consecução dos objetivos, na promoção do desenvolvimento e na busca da verdadeira liberdade através da igualdade (Gabardo, 2003, p. 157-164).

Nessa linha, estudo do IPEA (2011b) revelou a importância dos gastos sociais no Brasil para o crescimento do PIB e a redução das desigualdades, ao constatar que cada R$ 1 gasto com educação pública gera R$ 1,85 para o PIB, e o mesmo valor investido na saúde gera R$ 1,70, tendo sido utilizada base de dados de 2006 e considerados os gastos públicos assumidos pela União, pelos estados e municípios. O estudo também revelou o Programa Bolsa Família (PBF) como o tipo de gasto social de maior efeito multiplicador na renda das famílias, em que para cada R$ 1 incluído no programa, a renda das famílias se eleva 2,25%, tendo sido acrescentado pelo estudo do IPEA que “A título de comparação, o gasto de R$ 1 com juros sobre a dívida pública gerará apenas R$ 0,71 de PIB e 1,34% de acréscimo na renda das famílias”. Concluiu-se também que 56% dos gastos sociais retornam ao Estado na forma de tributos, de forma que o gasto social não é neutro, pois proporciona crescimento com distribuição de renda, tendo sido importante para o Brasil superar a crise de 2008. Dessa forma, o gasto social tem uma grande importância “como alavanca do desenvolvimento econômico e, logicamente, do bem-estar social”, como afirmou um dos técnicos do IPEA responsável pelo estudo, Jorge Abrahão que, em conjunto com a técnica de planejamento e pesquisa Joana Mostafa, apresentaram o estudo sobre os efeitos do gasto social na economia.

Portanto, o gasto social é um modo de enfrentar as assimetrias brasileiras, pois ao avançar nas políticas sociais, o Estado promove melhoria na distribuição de renda, na ampliação de oportunidades e no acesso aos serviços públicos essenciais, beneficiando os mais pobres. Assim, apesar da regressividade na arrecadação tributária, o gasto social tem os mais pobres como receptores dos recursos públicos (Passos, Luna e Guedes, 2018, p. 107). Estudo do IPEA (2011a) também confirma que o aumento dos gastos sociais entre 2003 e 2009 contribuiu para reduzir a desigualdade de renda no Brasil, visto que em 2003, o índice de Gini[1], que mede o nível de desigualdade entre ricos e pobres, era 0,548 quando somado às rendas das famílias os valores per capita aplicados na saúde e educação públicas. Com o aumento de benefícios previdenciários e assistenciais e o dos recursos aplicados na saúde e na educação, esse índice caiu para 0,496.

Nessa direção, órgãos como o Fundo Monetário Internacional (FMI), segundo documento denominado “Combatendo a Desigualdade”, propõem o emprego de instrumentos tributários distributivos, pois estes não são prejudiciais ao crescimento econômico e ao investimento. No cenário mostrado, o comportamento da sociedade em face do aprofundamento do ajuste fiscal via gasto e de apoio a políticas tributárias mais progressivas será fundamental para a manutenção e adensamento da proteção afiançada pelo Estado de Bem-Estar Social brasileiro (Silveira; Passos, 2018, p. 735). No mesmo sentido, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) também pede que gasto social com políticas públicas seja mantido na América Latina, pois “políticas universais com saúde, educação e proteção social não apenas contribuem para a inclusão, mas também aumentam a produtividade e o crescimento econômico.” (Nações Unidas Brasil, 2019)

3. Serviços públicos como meio de concretização dos direitos sociais

As atividades prestadas pelo poder público em favor da comunidade, com o fim de proporcionar o acesso aos bens essenciais à vida configura o catálogo de serviços públicos, definidos de acordo com o modelo de Estado adotado. No caso do Brasil, adotou-se o modelo de Estado Social e Democrático de Direito, o qual se caracteriza pela ampliação dos deveres do poder público em relação à sociedade por meio de serviços públicos, como os serviços de saúde, educação, saneamento básico, energia elétrica, entre outros, que funcionam como mecanismo de coesão social e de distribuição de riquezas (Schier, 2011, p. 285-296).

Serviço público pode ser conceituado como a atividade material que o Estado assume como dever perante a coletividade, destinada a satisfazer necessidades ou utilidades públicas dos administrados, sob um regime jurídico que confere prerrogativas para assegurar a primazia do interesse público sobre interesses privados, bem como impor restrições necessárias à sua proteção contra condutas comissivas ou omissivas de terceiros e do próprio Estado que possam prejudicar os administrados e os usuários do serviço (Mello, 2017, p. 79-80).

A prestação de serviço público como garantia que é dos direitos sociais recebe a aplicação do princípio da vedação ao retrocesso social e dever de progressão, que consiste na proibição de voltar atrás nas conquistas já alcançadas, sem que isso viole a Constituição, princípio alçado à categoria de cláusula pétrea (Bühring, 2015, p. 56).

Partindo da premissa da exclusão social existente no Brasil, deve-se defender o Estado Social e Democrático de Direito, nos termos da Constituição de 1988, e o serviço público como mecanismo de desenvolvimento social, tanto como instrumento de concretização de direitos fundamentais sociais, como reconhecendo a própria prestação do serviço público adequado, de acordo com o art. 175, IV, da Constituição de 1988[2] c/c art. 6º, § 1º, da Lei nº 8.987/95[3], como garantia fundamental, conforme a cláusula inclusiva do art. 5º, § 2º, da Constituição de 1988[4].

A Constituição de 1988 assegurou uma série de direitos fundamentais sociais aos brasileiros que, uma vez garantidos, poderiam no aproximar do regime de bem-estar social-democrata, o que se verifica pela previsão normativa de prestações pelo Poder Público para efetivar direitos fundamentais econômicos e sociais, tais como educação, moradia e saúde, principalmente aos que estão na base da pirâmide social, conforme o art. 6º da Constituição, que dispôs expressamente “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (Kerstenetzky, 2012, p. 212).

A concretização desses direitos exige o protagonismo estatal, mas deve incluir necessariamente o planejamento participativo e o ordenamento territorial dos serviços públicos como elementos imprescindíveis (Casimiro, 2017). O não-retrocesso, a participação social e a orientação para o interesse público são, portanto, requisitos para a legitimidade e eficácia dos serviços públicos.

Verifica-se na Constituição de 1988 a positivação de normas próprias do Estado de bem-estar social, do Estado Providência ou Estado Social de Direito,  que pressupõe o papel de protagonista do Estado, com atuação ativa do Poder Público em promover o bem-estar dos administrados, tendo sido proclamado enfaticamente no art. 3º, como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, “construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” Assim, não se presumiu que a sociedade, no livre jogo do mercado, implementasse espontaneamente citados objetivos e resultados, tendo sido cometido referido encargo ao Estado (Mello, 2009, p. 7).

No Brasil, o Estado exerce a função de protagonista na efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais, por meio de serviços públicos prestados diretamente ou por delegação, mantida a titularidade estatal, com o intuito de assegurar a garantia dos direitos fundamentais. Nessa toada, faz-se importante passar pela compreensão do princípio da subsidiariedade, para evitar tomá-lo como justificativa equivocada para retirada de serviços prestados pelo Estado, como os serviços públicos de saúde e educação e, dessa forma, enfraquecer o estado de bem-estar e papel do Estado adotados na Constituição de 1988.

No art. 175, tem-se o Estado como titular da prestação de serviços públicos, cuja redação dispõe que “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. O art. 173, por sua vez, dispôs a atuação do Estado na atividade econômica, ao tratar que “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei” (Brasil, 1988).

 Nos moldes do art. 175 da CF, enquanto o Estado deve atuar em caráter ordinário na prestação de serviços públicos, os particulares podem atuar de forma excepcional, como delegados do Estado, sob um regime jurídico de direito público. Na atividade econômica, por outro lado, a lógica se inverte, pois os particulares atuam por direito próprio, sem delegação do poder público, tendo em vista ser assegurado a todos “o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”, conforme art. 170, parágrafo único da CF, havendo restrições à atuação do Estado, a qual é permitida “quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei” (art. 173, CF) ou no caso de imposição constitucional de monopólio, atuando de forma excepcional e sob o regime de direito privado (art. 173, §1, II, CF e art. 177). (Moisés, 2017, p. 400)

Portanto, pela leitura da Constituição de 1988, o constituinte estabeleceu duas ambiências de atuação distintas, uma prioritária para a ação privada dos particulares e outra preferencial para a ação pública própria do Estado: a atividade econômica e o serviço público. Na atividade econômica, a exploração direta como regra geral é própria dos particulares, só cabendo ao Estado explorar diretamente quando necessário aos imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo ou nos casos de monopólio, razão pela qual o Estado é aqui terceiro, ou seja, regulador. Se na Constituição constasse apenas o art. 173, seria possível cogitar que não houvesse serviços públicos e que as atividades fossem de titularidade dos particulares, mas como há o art. 175, verifica-se que a prestação de serviços públicos incumbe ao Poder Público, diretamente ou indiretamente, com titularidade estatal e presunção absoluta de publicização e como um dever (Martins, 2011, p. 194).

Em suma, o princípio da subsidiariedade deriva do princípio constitucional da livre iniciativa, assim, residual é a atuação do Estado no domínio econômico, razão pela qual se mostra inadequado o movimento de “terceirização” dos setores públicos, a ensejar indevida aplicação do regime de direito privado em setores destinados constitucionalmente à incidência do regime de direito público (Bacellar Filho, 2007, p. 96). Assim, o que se pretende firmar é que a subsidiariedade se aplica ao Estado no exercício da atividade econômica, e não na prestação de serviços públicos. Nesta, o Estado é titular, exercendo diretamente ou indiretamente, mas sob regime jurídico de direito público, tendo sido a vontade do legislador constituinte instituidor de um Estado Social, e não um Estado Neoliberal.

No Estado Social, o gasto social não pode ser sacrificado, pois a ação positiva do Estado em cumprimento das normas constitucionais continua sendo para enorme parcela da população o único meio de acesso a um mínimo de bens essenciais, como saúde, educação, assistência social, água, entre outros bens. Não se adota a tese do Estado Máximo, mas do Estado essencial, que busca cumprir sua função de concretizador dos direitos sociais fundamentais por meio do oferecimento de serviços públicos, que funcionam como mecanismo de coesão social e de distribuição de riquezas, bem como são pautados na universalidade, modicidade de taxas e tarifas e na continuidade de sua prestação (Schier, 2016, p. 176-177).

No modelo de país adotado na Constituição de 1988, os recursos orçamentários devem ser alocados para concretizar os direitos fundamentais sociais, cabendo ao Estado cumprir os objetivos constitucionais, constantes no art. 3º. Outras medidas podem ser efetivadas para arrecadar recursos, sem sacrificar o Estado Social, como por meio de revisão da alocação de recursos pelo Estado ou por uma reforma tributária na perspectiva do desenvolvimento, através de política de revisão das desonerações fiscais, tributação progressiva pela ampliação da tributação direta (tributação da renda das pessoas físicas e das pessoas jurídicas; tributação internacional para combater a evasão e os paraísos fiscais; tributação das transações financeiras; e tributação da propriedade e da riqueza) e redução da tributação indireta, que tem como referência o consumo e não diferencia, assim, os níveis de poder aquisitivo, segundo demonstrado em estudo coordenado por Thomas Pikkety (Fagnani, 2018).

Contudo, apesar da adoção do Estado Social, nas últimas décadas, verificou-se um avanço do que se chamou de “neoliberalismo”, para promover o enxugamento das atribuições do Estado nos serviços públicos de cunho social e, assim, na função do Estado na promoção de direitos sociais.

Mencionada relativização do papel do Estado se iniciou no Brasil no contexto da reforma administrativa no governo Fernando Collor de Melo, conforme a edição da Medida Provisória n.º 155 de 15 de março de 1990, convertida na Lei 8.031 de abril de 1990, que criou o Programa Nacional de Desestatização, cujo propósito foi reordenar a posição do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exercidas pelo poder público, reduzir a dívida pública e acentuar a capacidade empresarial do país, entre outros objetivos fundamentais constantes no art. 1º da citada lei, posteriormente revogada pela Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997, que alterou procedimentos do Programa Nacional de Desestatização. Em continuidade ao programa de Collor de Melo, foi criado o Plano Real e editado em 1995 o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Brasil, 1995) por Fernando Henrique Cardoso, buscando alicerçar uma Administração Gerencial, conforme o princípio da eficiência fundado na otimização de recursos públicos e atuação do Estado para o cidadão-cliente ou usuário (Schier, 2016, p. 112-113).

  As emendas constitucionais e a legislação infraconstitucional aprovadas a partir de 1995 demonstraram a concretização dos anseios neoliberais, como as leis aprovadas após a Emenda Constitucional nº 19 de 1998, a exemplos das leis das Organizações Sociais, das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e das Parcerias Público-Privadas[5]; além de outras leis em matéria de contratação, organização administrativa e serviços públicos, as quais se relacionam com uma concepção subsidiária do Estado, caminhando para uma fuga do regime jurídico de direito público para fortalecer o que parte da doutrina denominou de Direito Administrativo Neoliberal (Hachem, 2013, p. 134-135).

Em sentido contrário à perspectiva neoliberal e à globalização, Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 2), entre outros publicistas, aponta os avanços neoliberais e a revisão da função do Estado como advindos de importação de países desenvolvidos e contrários ao legislador constituinte brasileiro que, não adequados à realidade cultural brasileira e ao Estado Social, retratam, na verdade, a relação de dependência neocolonial que marca a trajetória brasileira. Segundo explica o autor,

Todos os países que surgiram como produto de empreendimentos coloniais- como é o caso do Brasil- receberam, já em seu berço, de uma assentada, o acervo de idéias que vigorava nas Metrópoles e assim prosseguiram sob a tutela mental que esta lhes prodigalizava. Nem mesmo a independência os liberta desta influência genética. Prosseguem durante largos períodos históricos dominados pela “síndrome da dependência”, do servilismo intelectual, de um terrível e muitas vezes inconsciente complexo de inferioridade. Para dizê-lo de modo simples e esquemático, porém verdadeiro: o subdesenvolvimento só se reconhece por meio do olhar do desenvolvido, o qual lhe serve de paradigma de avaliação de si próprio e lhe dá os critérios de aprovação ou reprovação. (...) Estes [os países cêntricos], pelo contrário, justamente por não viverem numa situação de dependência, mas a de dominação ou supremacia, exercem tal avaliação em função de si próprios; logo, em função de sua própria realidade, características, necessidades e interesses. E é o fruto desta avaliação que se apresentará como diretriz para o subdesenvolvido, inclusive, portanto, em matéria jurídica.

A minimização do Estado e ascensão da dominação pelo capital internacional, especialmente pelos Estados Unidos, colocam em risco a democracia de países subdesenvolvidos e torna cada vez mais distante a aproximação da igualdade real, e não apenas formal; segurança nacional, respeito à dignidade humana, valorização do trabalho e justiça social consagrados na Constituição de 1988 (Mello, 1998, p. 68).

Com alicerce na globalização e do neoliberalismo, a constituição dirigente das políticas públicas e dos direitos sociais consagrada na Constituição de 1988 é entendida como prejudicial ao país, pois geradora de crises econômicas, déficit público e ingovernabilidade. A constituição dirigente das políticas neoliberais de ajuste fiscal é entendida, equivocadamente, como necessária e vista como positiva para a credibilidade do país, acabando por vincular a política do Estado que não resguarda o cidadão e a busca do pleno emprego, mas a acumulação de riqueza privada e a renda financeira do capital (Bercovici; Massonetto, 2006). Relembre-se, para corroborar, as palavras do economista Jonh Kenneth Galbraith (1997), acerca do conceito de globalização: “Nós americanos inventamos este conceito para dissimular nossa política de entrada econômica em outros países e para tornar respeitáveis os movimentos especulativos de capital, que sempre são causas de grandes problemas”.

No caso do Brasil, como país subdesenvolvido ou país de capitalismo periférico, a presença do Estado forte se faz necessária, por meio de políticas públicas e inclusive de intervenção econômica, pois os problemas decorrentes da industrialização tardia e das desigualdades sociais não encontram solução no livre mercado, mas requerem uma ação no plano político, visto que o subdesenvolvimento é abordado como fenômeno de dominação e não como visão gradualista de um passo rumo ao desenvolvimento (Furtado, 2003).

Assim, necessária a incorporação do desenvolvimento econômico e do desenvolvimento social aos objetivos do Estado, em razão de sua interdependência, sendo condição ao Estado de bem-estar social.  O Estado, através do planejamento, tem o papel de promotor do desenvolvimento, o que demanda para o desempenho desta função, reformas estruturais socioeconômicas, ampliação de suas funções e a readequação de órgãos e estrutura para concretizar os objetivos nacionais e prioridades sociais enfatizados pelo próprio Estado, bem como distribuir e descentralizar a renda, integrando social e politicamente a população. Portanto, demanda repensar as decisões políticas a partir da Teoria do Estado, ou seja, em observância dos alicerces previstos na Constituição de 1988 (Bercovici, 2005, p. 51-64).

Nessa perspectiva, a concepção da Constituição de 1988 atribuiu expressamente ao Estado o dever de atuação na concretização de direitos fundamentais econômicos e sociais de cunho prestacional,  tais como educação, moradia e saúde, que se materializam na prestação de serviços públicos, de forma a não competir ao Poder Público a garantia de um auxílio social mínimo, a proporcionar o exercício de liberdades individuais, mas sim a promoção da igualdade material pelo Estado com uma Administração Pública inclusiva e pautada na inserção social dos cidadãos e redução das desigualdades sociais, o que já se denominou de Direito Administrativo Social (Hachem, 2013, p. 136).

Ressalte-se que o papel de ator principal do Estado nas questões sociais, e não subsidiário, pode ser verificado em diversas passagens da Constituição de 1988, podendo-se citar como ilustrativos do protagonismo estatal o preâmbulo; o art. 3º, ao tratar dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (do Estado brasileiro, portanto), entre os quais consta a garantia do desenvolvimento nacional. Na parte da Ordem Social, principalmente no tocante à educação, saúde e assistência social (art. 193 e seguintes), o art. 193 dispõe preliminarmente que a ordem social objetiva o bem-estar e a justiça sociais, deixando claro o caráter social, e não neoliberal, da Constituição (Mariano; Furtado; Carvalho, 2017, p. 18).

Cite-se, ainda, o art. 175, segundo o qual a prestação de serviços públicos, que servem à concretização dos direitos sociais, compete ao Estado, seja diretamente ou indiretamente, bem como o art. 196, em que dispõe a Constituição de 1988 ser a saúde dever do Estado, constando no art. 199, caput e § 1º, a clara opção do sistema público de saúde no Brasil a cargo do Estado, sendo possível a atuação da iniciativa privada de forma apenas complementar; o que merece ênfase para que se entenda que a atuação da iniciativa privada na saúde de forma predominante não encontra respaldo na Constituição de 1988 (Mariano; Pereira, 2018, p. 119).

A partir da identificação dos modelos de Estado social e neoliberal, pretende-se demonstrar que o modelo social, que demanda atuação forte do Estado na concretização de direitos sociais, econômicos e culturais, que se dá por meio da prestação de serviços públicos de titularidade estatal, é propulsor do desenvolvimento e mais se coaduna com a noção jurídica de desenvolvimento constante na Constituição, a qual não se restringe à visão de crescimento econômico.

5. Considerações finais

Conclui-se que o serviço público, enquanto instrumento de efetivação dos direitos sociais fundamentais de natureza prestacional, constitui um direito do cidadão e um dever do Estado. Tal dever deve ser cumprido por meio de prestação direta ou indireta, com adequado planejamento e coordenação entre agentes públicos e privados que atuem de forma complementar, mediante políticas públicas dotadas de mecanismos de proteção efetiva e positiva de atividades voltadas à promoção de uma vida digna.

Na medida em que a prestação de serviços públicos adequados, universais e contínuos eleva a qualidade de vida da população, ela também promove o desenvolvimento nacional. Este, conforme consagrado na Constituição de 1988, transcende a dimensão econômica, abrangendo o desenvolvimento social, sustentável, justo e humano. Por essa razão, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) constitui indicador mais adequado para aferir o grau de desenvolvimento do país, por considerar o PIB per capita, a saúde e a educação, ao contrário do PIB, que avalia apenas a dimensão econômica.

Ressalte-se que, antes mesmo da promulgação da Constituição de 1988, já se reconhecia um conceito socioeconômico de desenvolvimento. O Decreto nº 200, de 1967, em seu artigo 7º, estabelece que “a ação governamental obedecerá ao planejamento que vise promover o desenvolvimento econômico-social do país e a segurança nacional”, devendo orientar-se por planos e programas elaborados segundo o Título III e compreender instrumentos básicos como o plano geral de governo, programas gerais, setoriais e regionais de duração plurianual, o orçamento-programa anual e a programação financeira de desembolso.

Em países como o Brasil, fortemente dependentes dos mercados externos e classificados como de capitalismo periférico, os processos de privatização não tiveram como resultado principal aprimorar a qualidade da prestação dos serviços públicos, mas funcionaram como mecanismos de subordinação a países desenvolvidos, mantendo uma dependência de recursos externos e deixando de priorizar a efetividade dos serviços públicos para atender aos objetivos constitucionais, sumarizados na melhoria das condições de vida da população.

Nesse contexto, Jessé Souza (2015, p. 53) adverte que, nas sociedades que conseguiram reduzir as desigualdades inerentes ao capitalismo, foi o Estado quem retirou da lógica de mercado áreas como saúde, educação e previdência, a fim de assegurar condições mínimas de competição social para todos, inclusive para os que não nasceram em contextos privilegiados. Assim, atacar a posição de protagonista do Estado na concretização dos serviços públicos para o interesse coletivo constitui um pretexto de agentes que se beneficiam da mercantilização integral da sociedade, isto é, da pequena parcela que já concentra a maior parte da riqueza.

Os serviços públicos configuram um dos mais importantes instrumentos de intervenção do Estado na Ordem Econômica, cujo fim é a promoção do bem de todos. Ao lado da atuação direta do Estado em atividades econômicas em sentido estrito e da exploração de jazidas minerais, muito além dos instrumentos de intervenção indireta como a regulação do mercado e a tributação, o serviço público é apropriado para o oferecimento de utilidades aos cidadãos sem uma contrapartida direta ou visando uma contrapartida em margens lucrativas menos especulativas, mais condizentes com o modelo de Estado de bem-estar social estabelecido na Constituição de 1988.

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[1] O índice de Gini, criado pelo matemático italiano Conrado Gini, é utilizado para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo e, como varia de zero a um, sendo que o valor zero significa situação de igualdade e o valor um, o extremo oposto, de forma que como quanto mais próximo de um estiver o Gini, mais desigual é um país, qualquer pequena alteração no seu valor significa mudanças substanciais nos graus de desigualdade (Nusdeo, 2016, p. 303). Apesar das inconsistências do índice de Gini, como a que ele mede a desigualdade de renda, mas não a desigualdade de oportunidades, o coeficiente de Gini é um dos principais índices de desigualdade utilizados.

[2]  Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: (...) IV - a obrigação de manter serviço adequado. (Brasil, 1988)

[3]  Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.  § 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. (Brasil, 1995)

[4]  Art. 5º (...)§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (Brasil, 1988)

[5]  Ressalte-se a decisão do Supremo Tribunal Federal proferida na ADI nº 1.923/DF sobre a Lei 9.637 de 1998, que disciplina as Organizações Sociais, proferida na contramão do modelo de Estado Social e Democrático de Direito consagrado pela Carta Constitucional, distanciando-se dos objetivos de desenvolvimento consagrados em seu art. 3º. Na ADI nº 1.923/DF, num olhar equivocado, o STF considerou parcialmente constitucional a transferência das incumbências do Poder Público na educação, saúde, meio ambiente e cultura ao setor privado por meio das Organizações Sociais, seara na qual o particular deveria atuar apenas de modo complementar, e admitiu a ausência de licitação. Citada decisão acaba por abrir um perigoso precedente à possibilidade de privatização ou terceirização das atividades-fim do Estado, principalmente em áreas sensíveis à concretização dos direitos sociais.  (Schier; Morettini, 2016, p. 375).