MEDIDAS
PROVISÓRIAS ESTADOS E MUNICÍPIOS
REGINA
NERY
SUMÁRIO:
1. Oportunidade da Medida:
2. Pressupostos:
3. Medida Provisória e sua Reedição:
4. Medidas Provisórias e os Estados e Municípios:
1. OPORTUNIDADE DA MEDIDA
Antes de mais nada devemos salientar que "só a fobia pela
expressão decreto-lei e a vontade de ocultar a verdadeira face do novo
instituto trazido à Constituição, justificaram a substituição da primeira e
tradicional expressão de nosso constitucionalismo ( decreto-lei) por esta outra
( Medidas Provisórias) cujos aspectos negativos, em razão dos poderes
aparentemente ilimitados, conferidos ao Presidente da República, são, muitas
vezes piores do que aqueles permitidos pelo Decreto-lei. (. Ivo Dantas,
Aspectos Jurídicos das Medidas Provisórias, 2a. Ed. Editora Consulex,
Brasília,1991, p. SS).
O prof. Clémerson Cléve observa que é pelo fato de até a Constituição de 1988 o
Executivo ter legislado, nos períodos de transcrição política ou nos períodos
de ditadura, através de decretos-lei, em que pese tal competência ter sido
constitucionalizada em 1937,1967,1969, "Não é por outra razão que os
juristas desconfiam dos decretos-lei e das medidas provisórias. Imaginam sem se
perceberem que o regime democrático não é incompatível com, tais figuras".
Há, segundo o Autor, um equívoco em tal raciocínio, já que, como se pode
constatar "em todas as democracias ocidentais, de um modo ou de outro, o
Executivo compartilha com o Legislativo a responsabilidade pela construção da
ordem jurídica" ( Atividade Legislativa do Poder Executivo no Estado
Contemporâneo e na Constituição de 1988, RT., SP.,1993, P. 153).
A Constituição Federal de 1988, em seus arts.62 e 84,XXVI, prevê a competência
do Presidente da República de manifestar seu poder normativo primário através
das Medidas Provisórias.
Marco Aurélio Grego pondera que é necessário reconhecer que "O ordenamento
jurídico, por definição, corresponde a um conjunto de disposições que visam
regular a conduta humana, seja prevendo, de piano, as consequências de
determinada ação, seja autorizando a realização de condutas que impliquem a
produção de novas normas jurídicas. No entanto, toda norma, quanto editada,
apóia-se nos elementos que o produto da norma ( legislador lato sensu) tem á
disposição ou que, razoavelmente, pode prever. Com o ordenamento definem-se
padrões de comportamento, fundamentalmente para atender a situações
previsíveis.
Porém, a realidade é sempre muito mais complexa do que pode ser predeterminado
pelo ordenamento positivo, o que (a experiência assim demonstra) tem levado ao
surgimento de casos em que determinadas situações de fato, ao ocorrerem, se
apresentam inadequadamente disciplinadas, quando não se dê o caso de se
encontrarem totalmente ignoradas pelas normas vigentes. Esta tensão facto-normativa
é inerente ao processo de criação do Direito e, dependendo da natureza ou do
grau de relevância da situação, isto pode levar a diversas consequências ou à
deflagração de distintos procedimentos jurídicos. Numa visão clássica, a tensão
facto-normativa tenderia a se resolver mediante um procedimento legislativo
típico de produção da lei pelo órgão investido do respectivo poder.
No entanto, a impossibilidade de se aguardar a conclusão desse processo ( que,
por sua própria natureza, se desdobra em etapas e implica um mínimo de tempo
para ser concluído) ou, eventualmente, a inércia do legislador em editar as
regras necessárias à solução daquela tensão, levou o Constituinte a admitir a
existência de figuras de canalização da mesma e institucionalização dos seus
mecanismos de composição que, em última análise, levarão à edição de uma lei em
sentido estrito" (Medidas Provisórias. RT SP, 1991, P 10/ 11).
Considerando a complexidade da vida moderna e a necessidade de, em um sistema
democrático, existir um instrumento normativo ágil e rápido para disciplinar
matérias cuja importância, necessidade e urgência não possa admitir nenhum
retardamento, nossa Lei Fundamental. seguindo o exemplo do ordenamento jurídico
italiano e espanhol e outros, prevê, no seu art. 62 que em "caso de
relevância a urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas
provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso
Nacional, que estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se
reunir no prazo de cinco dias". Completando em seu parágrafo único que
"as medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem
convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo
o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes".
Porém necessário reconhecer que as Medidas Provisórias, sendo um instrumento
normativo excepcional nas mãos do Governo, como previsto no sistema
constitucional brasileiro, se ajustam mais, perfeitamente, ao sistema parlamentar
e assim é que existem, com diversas denominações, na Itália, Portugal, Espanha,
Alemanha, países que optaram pelo sistema parlamentarista de governo.
2. PRESSUPOSTOS.
Como se pode constatar, nossa constituição Federal admite que as
Medidas Provisórias são instrumentos normativos excepcionais, de vida
curtíssima, que o Presidente da República só poderá expedir em casos de
relevância e urgência. observando, ainda, que é insuficiente para emissão de
tais atos normativos a existência de relevância ou urgência, "mas é
imprescindível que à relevância se some a urgência", pois sem a presença
destes dois requisitos, segundo nossa Lei Maior não há que se cogitar do
instrumento normativo em estudo. ( Roque Carrazza, Curso de Direito
Constitucional Tributário. RT 3.a Ed., SP., 1991,)
Ora se assim é, só podem ser expedidas quando a situação é muito grave e
necessite de providências urgentes que precisem ser tomadas incontinenti, sob
pena de comprometimento do interesse público.
Celso Antonio Bandeira de Mello muito bem assinala que `Já que são
excepcionais, ou seja, fórmulas atípicas, anômalas, de introduzir normas
primárias, só admissíveis para atender interesses relevantes resulta
imediatamente claro que não.é qualquer espécie de interesse que lhes pode
servir de justificativa, pois todo e qualquer interesse publico é, ipso facto,
relevante. Donde - e como nem a lei nem a Constituição têm palavras inúteis -
há de se entender que a menção do art. 62 a "relevância" implicou
atribuir uma especial qualificação à natureza do interesse cuja ocorrência
enseja a utilização de medida provisória. É certo, pois, que só ante casos
graves, ante interesses invulgarmente importantes, justifica-se a adoção
demedidas provisórias. Isto, entretanto, não é suficiente para o cabimento delas.
Cumpre, ademais, que a cura de tal interesse deva ser feita sem retardamento
algum, à falta do que a sociedade expor-se-ia a sérios riscos ou danos. Em
suma: é preciso que exista urgência a que alude o art.62" ( RDP. 95/29).
Marco Aurélio Greco também comunga do mesmo pensar, quando diz que "a meu
ver isto implica em as condições que autorizam a edição da medida provisória só
estarem completas quando se configurar uma situação de fato, concreta,
aferível, real que implique risco de grave dano ou grave prejuízo a
determinados valores básicos que somente a edição imediata de novas normas
legais pode solucionar".( Medidas provisórias, RT., SP., 1991, P. 22).
É necessário ressaltar, antes de mais nada, que a relevância é da matéria
motivo da Medida Provisória, matéria esta que representa "valores
básicos" para a sociedade, consagrados, expressa ou implicitamente, na
Constituição e não prioridades momentâneas, assim consideradas pelo Governo
segundo seu objetivo ou programa de ação.
Clemerson Cléve, analisando.o problema da relevância e da urgência como
pressupostos para a emissão de Medida Provisória, cita Javier Salas Hernandes,
em "Los Decretos en la Teoria y en la Prática Constitucional" in
Estudios sobre la Constitucion Espanola - Homenaje al Prof Eduardo Garcia de
Enterria, Madrid. Ed. Civitas, 1991, p. 274), quando o professor espanhol
afirma que "Al no haver definido la Contituición en que consisten esos
casos de extraordinária y urgente necessidad, estamos ante un supuesto típico
de concepto jurídico interminado o, mejor, constitucionalmente indeterminado, y
no ante una pretendida faculdad discrecional del Gobierno para determinar si
concurre o no tal hipótesis" (Atividade Legislativa do Poder Executivo no
Estado Contemporâneo e na Constituição de 1988, RT., SP,1993, P.162).
Não resta dúvida que quando consideramos termos como "relevância" e
"urgência", estamos frente a expressões que não possuem, na linguagem
jurídica, contornos determinados. É interessante a opinião de Eros Roberto
Grau, quando analisando o problema da discricionaridade da Administração
Pública, afirma que tais conceitos ditos indeterminados, envolvem sempre um
conceito de experiência ou de valor, mas que nem por isso conduzem a uma
situação de indeterminação na sua aplicação, pois em cada caso "só
permitem uma unidade de solução". (RDP. 93/42).
Nossa Constituição Federal de 1988 se espelhando no art. 77 da Constituição
Italiana de 1947, em vez de admitir a emissão das Medidas Provisórias como na
Lei Maior que lhe serviu de modelo, isto é, "nos casos extraordinários de
necessidade e de urgência", faz referência no art. 62, aos casos de
relevância e urgência. Pois bem, assim como nossa Lei Fundamental, a Italiana
também utiliza conceitos ou termos indeterminados, em que pese alguns de nossos
estudiosos, como Clemerson Cléve e Raul Machado Horta, considerarem que o termo
casos extraordinários de necessidade e de urgência enseja uma verificação mais
rigorosa no juízo de admissibilidade.
Isto é verdade, na medida em que é forçoso admitir que o termo relevância
depende sempre de uma avaliação subjetiva, não tendo portanto a evidência
objetiva dos casos extraordinários de necessidade e urgência. ( op. cit ps. 162
e 12 respectivamente).
Desta forma, não basta que a matéria seja relevante e urgente. é necessário que
tais pressupostos apresentem uma qualificação especial, isto é, que a
relevância que autoriza a emissão de Medida Provisória represente uma
necessidade a mais, de forma a impedir que a matéria possa ser tratada por via
legislativa normal, pois embora relevante toda matéria tratada por lei, a
relevância que autoriza a emissão de uma Medida Provisória é aquela
extraordinária, especial.
Portanto, a Constituição estabelece os pressupostos para a adoção de Medida
Provisória, e se refere à relevância e à urgência, de tal forma que exige que
além da importância ou relevância da matéria em casos excepcionais, ser
necessário, que tal interesse, seja atendido sem retardamento, pois que a
demora em discipliná-lo pode acarretar sérios riscos ou danos para a sociedade.
Assim, ao lado da relevância da matéria é necessário que seja urgentemente
tratada.
O vocábulo urgente também é considerado como um termo indeterminado, pois como
diz Celso Antonio Bandeira de Mello. "mesmo que a palavra contenha em si
algum teor de fluidez, qualquer pessoa entenderá que só é urgente o que tem de
ser enfrentado imediatamente, o que não pode aguardar o decurso do tempo, caso
contrário o benefício pretendido será inalcançável ou o dano que se quer evitar
consumar-se-á ou no mínimo existirão sérios risco de que sobrevenha efeitos
desastrosos em caso de demora"> ( RDP 95/29).
É importante observar que tais conceitos devem ser analisados no contexto
jurídico brasileiro, pois que sendo a Constituição nossa norma suprema,
fundamento de validade de todo nosso ordenamento, deve ser interpretada
sistematicamente, isto é, não são expressões isoladamente consideradas e
interpretadas, que nos darão o seu verdadeiro alcance normativo, de tal sorte
que tem razão Roque Carrazza, quando em seu Curso de Direito
Constitucional Tributário, analisando o conceito de urgência, afirma que
"só há urgência, a autorizar a edição de medidas provisórias quando,
comprovadamente, inexistir tempo hábil para que uma dada matéria, sem grandes e
inilidíveis prejuízos à Nação, venha a ser disciplinada, por meio de lei
ordinária. Ora, é perfeitamente possível, nos termos dos parágrafos 1º e
2º.,art.64 da CF,aprovar-se uma lei ordinária no prazo de 45 dias contados da
apresentação do projeto. Logo, em nosso direito positivo,só há urgência se,
realmente, não se poder aguardar 45 dias para que uma lei ordinária venha a ser
aprovada, regulando o assunto. O Judiciário, em última análise,
decidirá a respeito " ( 3ª. Ed., RT., 1991, P. 173).
É neste sentido a opinião de Nagib Slaibe Filho, quando diz que "a
urgência é o conjunto de circunstâncias, levando à edição do ato, que não podem
aguardar o processo legislativo ordinário, ou o processo legislativo no prazo
previsto no art. 64. parágrafos 1°. a 4-°,. Assim, se a medida pode aguardar um
lapso de tempo como período provável do tempo, necessário à elaboração de lei
pelo Congresso, não haverá requisito constitucional para a edição de medidas
provisórias" (Anotações à Constituição de 1988:
Fundamentais, Rio de Janeiro, Forense, 1989. P 348) .
O raciocínio estaria perfeitamente correto para estabelecer o conceito de
urgência, se a âmbito das Medidas Provisórias fosse adstrito ás matérias de
iniciativa privativa do Presidente da República, quando então versaria sobre as
mesmas matérias que autorizam a apreciação dos projetos de lei em regime de
urgência - art. 64. parágrafos 1 ° a 4°.. Porém embora considerando que apesar
de não haver referência por parte da Constituição., no art. 62. das matérias
que podem motivar a edição de Medida Provisória da análise de nossa Lei Maior
se pode concluir que mesmo não havendo discriminação de matérias, o que a
primeira vista nos poderia levar a aceitar que todas, desde que se verifiquem
os pressupostos de relevância e urgência, podem ser tratadas por via deste
instrumento normativo de competência do Chefe do Executivo, não podemos admitir
tal consideração, pois que estaríamos transferindo a função legislativa para o
Executivo, desnaturando a independência do Legislativo e proporcionando um
desequilíbrio entre os Poderes na Federação Brasileira.
Assim nos parece, que nossa Constituição estabeleceu alguma matéria ao domínio
absoluto do Legislativo, como por exemplo quando em seu art. 68.
parágrafo 1 °., determina as matérias vedadas à delegação legislativa, quis
evitar que sobre elas pudesse haver incursão do Executivo e portanto sua
disciplina é vedada ao campo das Medidas Provisórias. O mesmo se pode dizer em
relação às matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional, às de
competência privativa de cada uma de suas casas, às reservadas ao domínio da
lei complementar, a que regula matéria penal e tributária.
Sobre a vedação em relação ao campo tributário. Sacha Navarro Coelho, admite
duas exceções os empréstimos compulsórios emergenciais ( CF., art. 148,I e II )
e os impostos extraordinários de guerra ( art. 154, II ). ( Comentários à
Constituição de 1988: Sistema Tributário, Rio de Janeiro, Forense, 1990, P.
289).
É clara, e nos parece incontestável, a impossibilidade da Medida Provisória
poder emendar e modificar a Constituição, pois, que estas não se casam o
pressuposto de urgência, necessário para que seja emitida.
Considerando que a Medida Provisória tem vigência imediata, mas provisória,
Eros Roberto Grau entende que"não podem ser implementadas através dela
soluções que produzam efeitos que não possam ser arredados. Os seus efeitos
devem necessariamente poder ser desfeitos, observado o disposto no parágrafo
único do art. 62". Adverte, também que não podem consubstanciar matéria de
medidas provisórias aquelas cuja eficácia é diferida. Se esse o caso, e ainda
assim urgente a matéria o Presidente da República poderá solicitar urgência no
projeto de lei que, dele tratando, encaminhar ao Congresso Nacional"(Medidas
Provisórias na Constituição de 1988, RT 658/240) .
Desta forma, decorre dos conceitos indeterminados de relevância e urgência o
principal ponto de análise das Medidas Provisórias e isto considerando: o
momento de sua edição, de sua apreciação a conversão em lei pelo
Congresso Nacional e até mesmo a possibilidade de sua reapresentação nos casos
de perda de eficácia por rejeição ou por não apreciação por parte do órgão do
Legislativo.
1. MEDIDA PROVISÓRIA a sua
REEDIÇAO.
Segundo o art. 2°. da CF., "São Poderes da União.
independente e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário", como se vê nossa Federação abraça como princípio, a
tripartição das funções do Estado de forma que cabe, precipuamente, ao
Legislativo legislar, criar o direito, ao Executivo executar a lei e ao
Judiciário aplicar a lei ao caso controvertido, isto no exercício de sua função
típica, pois ao lado destas se encontra o exercício de funções atípicas, que
próprias dos outros órgãos que exercem o poder do Estado, são realizadas de
forma excepcional pelos órgãos que não lhes emprestam o nome.
"O poder de legislar é missão precipua do Parlamento que, até mesmo
etmologicamente, fala em nome do povo.Todavia, a complexidade da organização
social levou a que o Executivo -co-legislador pela iniciativa de certas leis e
pela prática da sanção ou veto -alcançasse participação maior na criação do
Direito Positivo" ( Caio Tácito, RDP 90/50).
Assim, quando nossa Constituição prevê, em seu art. 62, a capacidade
legislativa primária do Executivo para emitir Medidas Provisórias, o faz em
caráter excepcional, atípico, para atender situação de especial relevância e
urgência, o que deverá ser, posteriormente, analisado pelo Congresso, que
poderá aceitar ou não a ocorrência destes fatos e manifestar seu ponto de vista
através: da aprovação total, quando resultará a conversão da Medida Provisória
em Lei; da aprovação com modificações- projeto de Lei de Conversão; ou da
rejeição da Medida Provisória.
É nesse ponto que a inovação prevista no art 62, da Constituição Federal, tem
proporcionado as mais diversas inquietações, dentre as quais se deve salientar
a que se refere a possibilidade de sua reedição e conseqüente reapresentação ao
Congresso Nacional, para que possa ter sua eficácia transformada de temporária
em permanente.
É oportuno lembrar que a Medida Provisória editada pelo Presidente da
República, deixa a esfera, do Executivo e passa para a esfera do Legislativo
que deverá dentro de trinta dias, analisá-la, considerando os aspectos relativos
à relevância de sua matéria e da urgência de seu procedimento, bem como, sua
compatibilidade com a Constituição. Isto, segundo Roque Carrazza, torna
"indisputável que o Executivo não pode retirar do Legislativo uma medida
provisória que lá está sendo apreciada, nem muito menos, declará-la nula (ainda
que por meio da edição de nova medida provisória)" ( op. cit. 174).
Péricles Pradi ressalta que enquanto "o juízo de valor para o Presidente
da república adotar a medida provisória, no caso de relevância e urgência, é
político-jurídico e subjetivo. No Congresso Nacional, contudo a reavaliação é
jurídicopolítica, e objetiva" (Medidas Provisórias, RT. 660/18).
Sobre o problema da reedição da Medida Provisória se deve considerar duas
situações eminentemente distintas: 1 .- quando a não conversão em lei decorre
da sua rejeição por parte do Congresso Nacional; 2.- quando sua não conversão
em lei, no prazo de trinta dias, decorre de sua não apreciação por parte do
Congresso Nacional. É isso o que se pode absorver do contido em nossa CF., em
seu art. 62, parágrafo único, quando disciplina que "As medidas
provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei
no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional
disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes. "Assim, a perda da
eficácia pode advir de sua rejeição ou de sua não apreciação por parte do
Congresso Nacional, dentro do prazo determinado de 30 dias.
Desta forma, doutrinadores como Saulo Ramos tem admitido que presentes os
pressupostas constitucionais de emanação dessa espécie normativa, pode o
Presidente da República reeditá-la, a isto no caso de perda de eficácia nas
duas hipóteses relacionadas, afirmando que "A rejeição parlamentar, nessa
hipótese, não possui eficácia extintiva das razões de necessidade, urgência e
relevância que justificaram a edição da medida provisória, sendo, por isso
mesmo, insuficiente para inibir, em face da própria Constituição o exercício
dessa extraordinária competência presidencial. A deliberação congressual
negativa não opera, por si só, a descaracterização de um possível estado de
urgência perdurante, a juízo inicial do Presidente da República".
Considerando a reedição quando da falta de pronunciamento do legislativo, Saulo
Ramos salienta que "com maior razão, quando se tratar de medida provisória
cujo projeto de conversão em lei, não tendo sido objeto de expressa recusa
parlamentar, houver deixado de merecer apreciação no prazo constitucional. A
inertia deliberandi, por envolver uma concreta ausência de decisão, não pode
configurar situação análoga à da rejeição do projeto de conversão em lei de
medida provisória", Concluindo que "Essa circunstância, destarte, não
legítima qualquer objeção, em tese, que pudesse manifestar-se, até validamente,
com fundamento num ato de explícita rejeição do projeto de conversão. Mesmo a
desaprovação pelo voto da maioria simples não restringe, como vimos, a
prerrogativa constitucional do Presidente da República de entender que
permanecem as condições de urgência" (Parecer no. SR-92, de 21. 06. 68,
publicado no DOU de 23.6.89).
Outros doutrinadores, apresentam posicionamento diverso, como Tércio Sampaio
Ferraz, no artigo "Sobre a Reedição das Medidas Provisórias", que
comentando o parecer de Saulo Ramos afirma que: "A conseqüência perversa
deste entendimento é óbvia, Em tese, reeditando medidas provisórias, até mesmo
quando explicitamente rejeitadas, o Chefe de Estado se outorga o poder
discricionário de disciplinar não importa que matéria, fazendo do Congresso um
mero aprovador de sua vontade ou um poder emasculado cuja competência a
posteriori viraria mera frachada por ocultar a possibilidade ilimitada de o
Executivo impor, intermitentemente, as suas decisões. Afinal, de provisória em
provisória se iria enchendo o papo presidencial. Pode ser até mesmo que o
Legislativo, mais brioso e menos relaxado em suas prerrogativas deveres, jamais
deixasse escapar de suas mãos, como representante do povo, o indeclinável
direito de o povo obrigar-se a si mesmo apenas a tão somente por força de sua
vontade e por meio da lei. Contudo, o perfil de democracia constitucional que o
entendimento formal exarado no parecer da Consultoria nos traça é, no mínimo,
de um presidencialismo imperial entre absoluto e arbitrário". " A
reedição de uma medida provisória rejeitada faz tábula rasa do principio geral
de que o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso, cuja decisão neste ponto,
tem o caráter de uma instância. Na verdade, ao contrario do que dizia a Constituição
de 1967/69, na qual o decreto-lei caracterizava uma competência legislativa do
Presidente que, no silêncio do Congresso, expressamente presumia a sua
aprovação, a Constituição de 1988 inverte aquela presunção, fortalecendo a
discricionariedade política do Congresso sobre a do Presidente".
Roque Carrazza também afirma que a rejeição da Medida Provisória "impede o
Presidente da República de editar, sobre o mesmo tema, nova medida provisória (
ainda que presentes os pressupostos constitucionais para a emanação desta
espécie normativa). Também excluímos esta possibilidade, na hipótese de inércia
deliberandi (ausência de expressa recusa), por parte do Congresso Nacional.
Do contrário, estaríamos aceitando, em detrimento do principio da tripartição
das funções do Estado, que o Presidente da República, por meio da reiteração de
medidas provisórias, pode, a seu critério, legislar, passando ao largo do
Congresso Nacional.
Depois, os próprios requisitos da urgência e da relevância desapareceriam, na
prática. Com efeito, ainda que o Congresso Nacional rejeitasse a medida
provisória, por entender de modo expresso, ausente estes requisitos, o
Presidente da Republica, renovando o ato cautelar, anularia a restrição contida
no caput, do art. 62, da CF."
Observa, ainda, Roque Carrazza, que "podemos ir além: mesmo que o
Judiciário declarasse inconstitucional uma medida provisória, por não
preenchidos os antessupostos da urgência e da relevância , o Presidente da
Republica contornaria a decisão judicial. editando novo ato normativo, de
idêntico teor" (Curso de Direito Constitucional Tributário, RT., 3a.Ed.,
SP., 1991, p. 173).
Clemerson Merlin Cléve, analisando o assunto considera que não se pode tolerar
a reedição de medida provisória quando tenha o Parlamento se manifestado pela
sua rejeição e afirma que "a melhor posição parece ser aquela defendida,
entre outros, por Raul Machado Horta. (Atividade Legislativa do Poder Executivo
no Estado Contemporâneo e na Constituição de 1988, RT., SP., 1993, p 177).
O Professor Raul Machado Horta se posiciona no sentido de que não
havendo vedação expressa na Constituição para reedição de medida provisória
rejeitada pelo Congresso Nacional,'dois fundamentos desaconselham a
reapresentação da medida provisória. O primeiro de natureza política,
presumindo que a reapresentação de medida provisória não convertida poderá
adquirir a projeção de conflito entre o Presidente da Republica e o Congresso
Nacional dado o caráter desafiador da reapresentação. O segundo fundamento é de
natureza jurídica. A Constituição ofereceu a solução que se deve adotar, em
caso de não conversão em lei das medidas provisórias, impondo ao Congresso
Nacional o dever de disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes".
Esclarece porém, que admite a possibilidade de reapresentação, se decorrido o
prazo de trinta dias sem deliberação) final do Congresso. (..Medidas
Provisórias, RIL. 107/15).
O STF, em 6.6.90, no julgamento de ação direta de inconstitucionalidade
proposta pelo Procurador Geral da República contra a reedição da Medida
Provisória 185, rejeitada pelo Congresso Nacional e reeditada sob o número 190,
concedeu por unanimidade, liminar sustando seus efeitos, quando seu Relator, o
Min. Mello Filho, chegou a sugerir que a insistência na reapresentação por
parte do Presidente da Republica pode configurar um crime de responsabilidade,
(ADIN 293-7/600DF )
A todas estas nuances que envolvem o problema da reedição de Medida Provisória,
acresce, ainda, o fato de que sob a alegação de relevância e urgência o
Executivo, tem utilizado esta espécie normativa para tratar matérias que
poderiam ser normalmente objeto de projetos de lei, pois que o atendimento aos
pressupostos constitucionais é bastante questionável.
Face a esta situação, têm surgido no Congresso Nacional, diversos projetos
de lei complementar e emendas à Constituição na tentativa de, impedindo sua
proliferação, evitar a redução da atividade legislativa ordinária, que vem
sendo prejudicada pelo grande número de medidas apresentadas.
Isto posto, se deve tecer alguns comentários sobre alguns destes projetos.
1.- A proposta de Emendas à Constituição no. 18 de 1995, do Deputado José Rocha
e outros, acrescenta o parágrafo 1 °. ao art. 62. renumerando o atual parágrafo
único, com o seguinte teor:" O Presidente da Republica poderá editar, no
máximo, cinco medidas provisórias de cada vez; atingindo este máximo, a edição
de novas medidas só poderá ocorrer na proporção em que as anteriores forem
sendo apreciadas pelo Congresso Nacional'.
Como se vê a proposta do Deputado José Rocha choca com os fundamentos até então
consignados para a emissão de Medidas Provisórias e mesmo com o previsto no
caput do art. 62 de sua proposta, isto é, a característica de relevância e
urgência da matéria tratada. Como nos referimos no decorrer do presente estudo,
quando a Constituição estabelece tais pressupostos o faz no sentido de que não
basta a relevância excepcional da matéria tratada mas, também, a necessidade de
ser atendida sem retardamento, pois que a demora em discipliná-la pode acarretar
sérios riscos ou danos para a sociedade.
Além disso, se deve lembrar que a função legislativa só é exercida pelo
Executivo em casos especiais, previsto na Constituição e que, portanto, anular
o pressuposto da urgência é permitir que a Medida Provisória, instrumento nas
mãos do Chefe do Poder Executivo para atender casos excepcionais, passe a ser.
usado, conforme a proposta analisada, à mercê de seu interesse, desde que não
existam cinco medidas provisórias no Congresso Nacional para serem apreciadas. Desta
forma, o limite apresentado de cinco medidas provisórias vêm desvirtuar seus
pressupostos essenciais.
2.- A Proposta de Emenda à Constituição No. 26, de 1995, da Deputada Rita
Camata e outros, originária do parecer 15/94-RCF de autoria do Deputado Nelson
Jobim, apresenta nova redação do art. 62, conservando, porém o caput do artigo
já existente, incluindo no parágrafo 1°., as matérias que não poderão ser
objeto de medida provisória, isto é, as : "I - reservadas ao domínio de
lei complementar ou á competência exclusiva ou privativa do Congresso Nacional
ou de qualquer de suas Casas; II- relacionadas a: a ) nacionalidade, cidadania,
direitos políticos e eleitorais: b) direito penal; planos plurianuias,
diretrizes orçamentárias e orçamento".. No parágrafo segundo altera o seu
prazo de validade, que passa a ser de sessenta dias, a contar da publicação. No
parágrafo 3°., disciplina que "Não editado o respectivo decreto
legislativo no prazo de sessenta dias, as relações jurídicas decorrentes de
medida provisória conserva-se - ão por ela regidas.
No parágrafo 4°., determinada que "É vedada a reedição, na mesma sessão
legislativa, de medida provisória não apreciada ou rejeitada, no todo ou em
parte, pelo Congresso Nacional.
A proposta de Emenda 26/95, peca quando não prevê dentre as matérias que não
poderão ser objeto de medida provisória a relativa e instituição e majoração de
produtos e majoração de tributos, pois que conforme demonstrou Misabel de Abreu
Machado Derzi a relevância e urgência em matéria tributária têm conotação
própria diferente da prevista para edição de medida provisória, "instituir
tributo ou majorar os já existentes não é considerado relevante e urgente pela
Constituição Federal' a ponto de justificar uma medida provisória ( RDT 45/130-142).
Considerando, ainda, o teor da citada proposta 26/95, merece ser analisada a
restrição prevista para a reedição de medida provisória contida no parágrafo
4°, quando tratando da vedação em duas hipóteses distintas: l.- quando não
apreciada; 2.- quando rejeitada pelo Congresso Nacional, aceita que nos dois
casos, não será permitida reedições na mesma sessão legislativa. Ora, é claro
que duas são as situações e portanto duas devem ser as formas de solução, e
isto mesmo admitindo que a não apreciação por parte do Legislativo tem o mesmo
sentido de uma rejeição tácita. Assim é necessário concluir que quando não
houver a análise de matéria tratada ou admitimos que o silêncio tem sentido, o
que nos parece não ser este o objetivo do legislador constituinte, ou se
permite a reedição da medida provisória e conseqüentemente, se aceita todos os
problemas que temos vivenciado em nossa história recente.
Uma interpretação sistemática de nossa Lei Fundamental nos fornece a solução da
questão, de forma a evitar que o Presidente da Republica sob o argumento de
relevância e urgência passe a legislar em detrimento do Legislativo. Na verdade
quando nossa Constituição, tratando da elaboração de lei, no artigo 64,
parágrafo 1°., admite a apreciação em caráter de urgência dos projetos de
iniciativa do Presidente da República, no parágrafo 2°., do citado art. 64,
determina o prazo que considera como definidor de urgência na elaboração
legislativa.
O art. 59, da CF, tratando do processo legislativo, inclui dentre suas espécies
as Medidas Provisórias o que faz que o prazo de urgência definido no parágrafo
2°. do art.64, alcance, também, às Medidas Provisórias. Desta forma, quando a
proposta de emenda prevê o prazo de vigência de sessenta dias, dilata o prazo
de urgência até então definido, para os casos de medida provisória, porém,
mesmo assim, não soluciona o problema de sua não apreciação.
A solução, portanto, para resolver a questão relativa à reedição de Medidas
Provisórias que não tiveram a apreciação do Congresso Nacional é a que deixando
de caracterizar a urgência, permite a apresentação da matéria nela tratada, na
mesma sessão legislativa, em forma de projeto de lei, podendo inclusive ser
solicitado regime de urgência pelo Presidente da Republica,nos projetos de sua
iniciativa.
Havendo apreciação a rejeição da Medida Provisória por parte do Congresso
Nacional, correta é a previsão da impossibilidade de sua reedição, porém,
totalmente desnecessária a disciplina contida no parágrafo 4°., do art.62,
quando veda sua reedição na mesma sessão legislativa e permite possa vir a
ocorrer na próxima, a isto por dois motivos: primeiro por que tendo como
pressuposto a relevância e urgência na outra sessão legislativa não se pode
presumir que urgente continuaria a normatização de sua matéria e segundo porque
considera á rejeição de medida provisória como a de um projeto de lei, sem
considerar que o motivo da rejeição pode advir da não consideração da urgência
alegada, em que pese o reconhecimento da relevância da matéria tratada, o que,
não impede possa vir a ser tratada, em um projeto de lei ordinária, cuja
iniciativa venha corresponder à determinada na Constituição, caindo, neste
caso, na mesma situação da Medida Provisória não apreciada pelo Congresso, onde
admitimos, também, a caracterização da falta de urgência. Assim, só quando a
rejeição estiver estribada na matéria, em si mesma considerada, é que não
deverá ser reapresentada nem por via de Medida Provisória, nem por via de outra
espécie normativa, na mesma sessão legislativa.
4.- MEDIDAS PROVISÓRIAS E OS ESTADOS MEMBROS E MUNICÍPIOS.
1.-Conforme o artigo, 1°.. de nossa atual Constituição Federal , o Brasil é uma
República Federativa, e sendo a Federação uma forma complexa de organização
política é, segundo o Ministro Carlos Mario Velloso,"na verdade, forma de
descentralização do poder, da descentralização geográfica do poder do
Estado", o que, segundo o Ministro, não basta para caracterizá-la, pois
dois são os princípios básicos do federalismo, isto é, o princípio da automia
dos entes parciais que o formam; e o da participação dessas coletividades na
formação da vontade da União. ( Rev. da Proc. Geral da República No. 1,
Out/nov/Desz. 1992, p.22/23).
É oportono ressaltar, que por autonomia se deve entender "a capacidade ou
poder de gerir os próprios negócios dentro de um círculo prefixado por entidade
superior", que na Federação é a sua Constituição.(José Afonso da silva,
Direito Constitucional Positivo. Malheiros, 9a. Ed., SP., 1994, p. 545).
A autonomia das coletividades parciais,é essencial para a existência de uma
Federação, a tal ponto que sem ela, afirma Juan Ferrando Badía," as
coletividades-membro perderiam seu caráter estatal e a organização federal não
se distinguiria de um Estado Unitário complexo. O federalismo supõe coletividades
individualizadas e distintas que conservam seu sistema legislativo,
administrativo e jurisdicional". ( citado por Min. Carlos Mario Velloso,
op. cit. p. 23).
Assim é que nossa Constituição Federal, declara, em seu art. 1°., que nossa
Federação é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal e, em seu art. 18 que "A organização
politico-administrativa da Republica Federativa do Brasil compreende a União,
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. todos autônomos, nos termos
desta Constituição'.
A autonomia das entidades que formam uma Federação, pressupõe uma repartição de
competência e é esta distribuição de poderes " o ponto nuclear da noção de
Estado federal". A gama de competências regionais, locais e federais,
depende sempre do tipo de federação adotada. Em algumas são mais amplas as dos
Estados-membros, em outras, as da União é que são mais dilatadas, cabendo aos
Estados-membros um campo mais limitado. No Brasil são, mais amplas as
competências da União, e a área estadual fica mais reduzida, face a existência
de competência municipal. ( José Afonso da Silva, Direito Constitucional
Positivo, Malheiros, SP , 1994, p. 417).
Integra a autonomia dos Estados- membro e Municípios na Federação Brasileira,
sua capacidade de auto-organização, autolegislação, autogoverno e
auto-administração.
No âmbito do Estado-membro a competência de auto-organização e de
autolegislação vem prevista no caput do art. 25, quando declara que os Estados
organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observando os
princípios desta Constituição".
Os artigos 27, 28 e 125 da Constituição Federal, disciplinam sua capacidade de
auto-governo, prevendo quais os princípios que devem reger a organização dos
poderes estaduais, isto é, que o Poder Legislativo deve expressar-se por meios
das Assembléias Legislativas, o Poder Executivo pelo Governador do Estado e o
Judiciário através de seu Tribunal de Justiça e outros juízes ou tribunais.
A sua auto-administração está contida nas normas que determinam a repartição de
competência entre União, Estados e Municípios, isto é, no art. 25, parágrafos
1°., quando prevê que "são reservadas aos Estados as competências que não
lhes sejam vedadas por esta Constituição", isto é, aquelas que não sejam
próprias da União, dos Municípios e do Distrito Federal.
No campo municipal, nossa Lei Fundamental, também, assegura autonomia própria,
nos arts. 18, 29, 30 e no 34 VII, "c", reconhecendo ao Município a
capacidade de auto-organização, autogoverno, auto administração e capacidade
normativa, dentro das áreas reservadas à sua competência exclusiva e
suplementar.
Ao lado das áreas já citadas, reservadas aos Estados-membros e Municípios,
merece ser salientada a autonomia financeira de tais entidades, representada
pela instituição, majoração, fiscalização de tributos e a aplicação de suas
rendas, o que deve estar inserida dentro sua capacidade de auto-administração.
Se a capacidade de auto-organização, reside na faculdade conferida aos
Estados-membro de elaborar suas Constituições, observados, entretanto os
princípios previstos na Constituição Federal ( art. 25 CF), na esfera
municipal,é representada por sua competência para criar sua Lei Orgânica, que
nada mais é do que uma espécie de Constituição Municipal, votada em dois
turnos, com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos
membros da Câmara Municipal, que a promulgara, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição do respectivo Estado,
conforme o art. 29 da CF.
O Ministro Carlos Mário Velloso, depois de analisar a autonomia dos
Estados-membro, afirma que "em síntese, a autonomia municipal, na
Constituição de 1988, caracteriza-se pela auto-organização; os Municípios
elaboram a sua lei orgânica e as suas próprias leis ( CF, art. 29 e 30,I e II);
pelo autogoverno; os Municípios elegem o seu Prefeito, Vice- Prefeito e
Vereadores ( CF, art. 29 e incisos); e pela auto-administração; os Municípios
têm administração própria, embasada nas suas leis e organizam os seus serviços,
instituem, arrecadam e fiscalizam as suas receitas (CF. art. 30,III a IX; art.
31)". (Rev. da Proc. Geral da Rep. N.° 1, 1992, p.33).
2.- Nossa Constituição Federal de 1969, no art. 200, parágrafo único proibia a
adoção dos decretos-leis por parte das Constituições dos Estados porém a atual
Constituição Federal de 1988 não proíbe que os Estados e Municípios adotem as
medidas provisórias, o que possibilita sua previsão em Constituições estaduais
e Leis Orgânicas Municipais. Entretanto, é necessário reconhecer que como
instrumento legislativo excepcional, se presta mais a dispor sobre matérias de
competência da União, porém, nada impede que seus poderes constituintes
decorrentes, disciplinem a possibilidade de sua edição, dentro das competências
que lhes são próprias, desde que sejam respeitados os princípios e limites que
cercam as Medidas Provisórias Federais.
O Professor Clemerson Merlin Cléve observa que a competência dos Estados-menbro
e Municípios, na Constituição de 1988 é ínfima. "Daí porque adotando as
medidas provisórias os legislativos estaduais e municipais restariam ainda mais
esvaziados". Assim, "Cumpre lembrar, entretanto, que os Constituintes
Estaduais e os Legisladores Orgânicos Municipais, ao que consta, não se deixaram
seduzir pela inexistência de vedação à adoção da MP. Tanto que, salvo exceções,
preferiram não contemplar nas respectivas Cartas políticas Estaduais e
Municipais essa extraordinária espécie legislativa" ( As Medidas
Provisórias e a Constituição Federal /88Juruá. Curitiba, 1991, p. 94/95).
José Nilo de Castro e Hely Lopes Meirelles, embora reconhecendo a não vedação
constitucional, não aconselham, a adoção de Medidas Provisórias em âmbito
municipal. (Direito Municipal Positivo, Del Rey, BH., 1991, p. 104 e Direito
Municipal Brasileiro Malheiros, SP, 1993, p. 484, respectivamente).
José Afonso da Silva por sua vez, tratando do assunto, pergunta: " podem
as Constituições estaduais instituí-las- Na edição anterior, respondemos que
nada justificava sua existência no âmbito estadual, mas não víamos proibição em
que o fizesse. Até onde sabemos, os Estados ( e também Municípios) evitaram
adotá-las. E hoje, re melius propensa, achamos ponderável o argumento de que
sendo exceção ao princípio da divisão de poderes, só vale nos limites estritos
em que foram elas previstas na Constituição Federal, ou seja, apenas no âmbito
federal, não se legitimado seu acolhimento nem nos Estados nem nos
Municípios", Concurso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros. SP.,
1994. p. 533).
Por sua vez, sentido contrário, Roque Carraza defende que "Nada impede,
porém, que, exercitando seus poderes constituintes decorrentes, os Estados e
Municípios e o Distrito Federal prevejam a edição de medidas provisórias,
respectivamente, estaduais, municipais e distritais. A elas, mutatis mutantis,
devem ser aplicados os princípios e limitações que cercam as medidas
provisórias federais "(Curso de Direito Constitucional Tributário, 3a Ed.,
RT., SP, 1991, p.172/173)".
Em que pese o respeito pelas opiniões acima relacionadas, considero que tem
razão o Professor Roque Carrazza, e o importante na previsão deste instrumento
normativo na esfera estadual e municipal, repousa, primeiramente, no respeito à
previsão constitucional, que admitindo campo próprio para sua atuação
determinam o respeito à autonomia estadual, municipal e distrital; em segundo
lugar, é forçoso reconhecer que podem existir situações imprevisíveis, que
podem reclamar uma disciplina normativa excepcional, que por sua natureza
urgente e emergencial deve estar incluída entre as competências do Chefe do
Executivo, devendo, para perder seu caráter temporário, ter a aprovação do
Legislativo,
É necessário observar que seu uso deve ser disciplinado de forma a impedir que
venha a descaracterizar os pressupostos previstos constitucionalmente para sua
admissão, isto é a relevância e, a urgência da matéria tratada.
Poucas, na verdade, foram as Constituições Estaduais que previram a Medida
Provisória como integrante de seu processo legislativo. É o caso das
Constituições dos Estados de Santa Catarina. Tocantins. Piauí e Acre, sobre as
quais passamos a fazer algumas considerações.
a. - A Constituição do Estado do Piauí prevê as Medidas Provisórias em seu art.
73, V e disciplina em seu art. 75. parágrafo 3°., que "Em caso de
calamidade publica, o Governador poderá adotar medidas provisórias, com força
de lei, devendo submetê-las, imediatamente à Assembléia Legislativa, que se
estiver em recesso, será convocada, extraordinariamente, para se reunir no
prazo de cinco dias". Desta forma, o fato de estarem ligadas só aos casos
de calamidade pública para serem editadas, não retira a obrigatoriedade de
seguir os moldes e universos das medidas provisórias previstos na Constituição
Federal. No parágrafo 4°., do art. 75, determina, como o art. 62 da CF. que
"As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, caso não se
transforme em lei, no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação",
deixando de disciplinar, no entanto, como serão resolvidas as relações que se
perfizerem durante os trinta dias de sua vigência temporária.
b. - A Constituição do Estado de Tocantins prevê no art. 25, que o "O
processo legislativo compreende a elaboração de: V- medidas provisórias"
e, em seu art. 27, parágrafo 3°, que "Em caso de relevância e urgência, o
Governador do Estado poderá adotar medidas provisórias, com força de lei
devendo submetê-las de imediato à Assembléia Legislativa, que, estando em
recesso, será convocada extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias"
. Parágrafo 4.° "As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição,
se não forem convertidas em lei no prazo de trintas dias, a partir de sua
publicação, devendo a Assembléia Legislativa disciplinar as relações jurídicas
delas decorrentes. Como se vê, o Estado de Tocantins repete com todas as
palavras a previsão da Constituição Federal acerca das medidas provisórias, e
com isto assume, todas as deficiências já apresentadas para edição desta
espécie normativa excepcional à cargo do Chefe do Executivo.
c. - É interessante ressaltar que a Constituição do Estado do Acre, prevê, no
art. 52, que "O Processo Legislativo compreende a elaboração de:... V
-Medidas Provisórias e em seu art. 79, que "Em caso de urgência, o
Governador do Estado poderá adotar medidas provisórias, com força de Lei,
devendo submetê-las de imediato à Assembléia Legislativa, que, se estiver em
recesso, será convocada extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco
dias". Parágrafo l.° "As medidas provisórias perderão a eficácia
desde sua edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trintas dias, a
partir de sua publicação, devendo a Assembléia Legislativa disciplinar,
obrigatoriamente, as relações jurídicas delas decorrentes". Parágrafo 2.°
"As medidas provisórias não apreciadas pela Assembléia Legislativa nem
convertidas em lei não podem ser objeto de nova proposta na mesma sessão
legislativa".
d. - A Constituição do Estado de Santa Catarina apresenta disciplina parecida
com o do Estado do Acre quando prevê no. art. 48 que "O processo
legislativo compreende a elaboração de: VI- medidas provisórias e, em seu art.
51 que "Em caso de relevância e urgência, o Governador do Estado poderá
adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato à
Assembléia Legislativa, que, estando em recesso, será convocada
extraordinariamente no prazo de cinco dias". Parágrafo 1.° "As
medidas provisórias perderão eficácia, desde a sua edição, se não forem
convertidas em lei no prazo de trinta dias a partir de sua publicação, devendo
a Assembléia Legislativa disciplinar as relações jurídicas delas
decorrentes". Parágrafo 2.° "É vedada a reedição na mesma sessão
legislativa, de medida provisória sobre matéria que não possa ser objeto de lei
delegada" parágrafo 3.° É vedada a reedição na mesma sessão legislativa,
de medida provisória não deliberada ou rejeitada pela Assembléia
Legislativa".
Considerando o teor do disciplinamento da medida provisória por parte das
Constituições do Estado do Acre e de Santa Catarina, se deve fazer as seguintes
ponderações:
1. - Quando a Constituição do Acre, no art. 79, parágrafo primeiro determina
que a Assembléia Legislativa deve "obrigatoriamente", disciplinar as
relações jurídicas delas decorrentes, o faz para que esteja bem configurado o
dever da disciplina das referidas relações por parte da Assembléia, porém resta
perguntar: quando nossa Constituição Federal utiliza a expressão
"devendo" para determinar a obrigatoriedade de disciplinamento
relações jurídicas delas decorrentes por parte do Congresso Nacional, não
haveria ordem do mesmo nível de importância- Ora, a obrigação ali disciplinada,
através da expressão "devendo", representa uma ordem
constitucionalmente prevista, que se não cumprida pode caracterizar uma omissão
constitucional. que poderá ser alegada em um processo de inconstitucionalidade
por omissão e, ainda, ser motivo de um mandado de injunção. Assim, as duas
formas de prever o poder-dever do Poder Legislativo têm a mesma força e
impacto, podendo acarretar a mesma conseqüência.
2. - Quando a Constituição do Estado do Acre, no art. 79, parágrafo 2.°, e a
Constituição do Estado de Santa Catarina, no art. 51, parágrafo 3.°, vedam a
reedição de medidas provisórias, não apreciadas ou rejeitadas pelo órgão do
Legislativo, na mesma sessão legislativa, serve o mesmo argumento apresentado
quando da análise da proposta de emenda constitucional n.° 26, isto é, quando
rejeitada a medida provisória, por considerar, o órgão do legislativo, faltar
urgência para o tratamento da matéria ou quando não apreciada a medida
provisória no prazo constitucionalmente previsto, hipótese na qual, também,
deixaria de haver a urgência estabelecida pelo diploma constitucional, não se
pode constatar impedimento para nova,apresentação da matéria, na mesma sessão
legislativa, por via de projeto de lei. Assim, só quando a rejeição da medida
provisória estiver estribada na análise do mérito da matéria tratada, e que
esta não poderá ser reapresentada na mesma sessão legislativa, nem mesmo como
motivo de projeto legislativo.
3. - A Constituição do Estado de Santa Catarina, dispõe em seu art. 51,
parágrafo 2.°, que "Ë vedada a edição de medida provisória sobre matéria
que não possa ser objeto de lei delegada", e assim, apresenta, no atual
sistema jurídico, disposição textual que integra a proposta de emenda à
Constituição Federal de n.° 26, porém, só tal vedação é insuficiente, porque
pelo simples exame e interpretação de nossa Lei Fundamental, outras matérias
também devem estar vedadas à disciplina por via de medida provisória, e isso
mesmo no campo do Estado-membro, como por exemplo: a relativa à instituição e
majoração de tributos, as matérias de eficácia diferida, às reservadas à lei
complementar, as de competência exclusiva da Assembléia Legislativa etc...
Desta forma, se deve reconhecer como oportuna a possibilidade de emissão de
Medidas provisórias no seio do Estado-membro e municípios, pois que aí também
pode ocorrer, excepcionalmente, alguma situação revestida de relevância e
urgência que necessite ser disciplinada pelo Chefe do Executivo por não poder
aguardar a realização de um processo legislativo ordinário, nem mesmo do que
permite o pedido de urgência para sua apreciação. Esta é providência que
integra a autonomia dos entes federados, a qual deve ser incentivada e
respeitada, sob pena de proporcionar um desequilíbrio cada vez mais acentuado
em nossa Federação.
No Estado do Paraná diversos Municípios previram, em suas Leis Orgânicas a
possibilidade do Chefe do Executivo emitir Medidas Provisórias, observando
sempre os pressupostos de urgência e relevância e seus contornos estabelecidos
na Constituição Federal. O que se verifica, é que, tanto no campo estadual como
municipal, o instrumento tem sido usado comedidamente, o que, mesmo
considerando o espaço diminuto para sua utilização, nos pode trazer um alento,
pelo menos no sentido de que o exemplo federal não tem sido seguido.
Nosso entendimento, abraça posição favorável à inclusão, em nosso sistema
jurídico, de criação ou aprimoramento da utilização de mecanismos já
conhecidos, que, disciplinando a possibilidade do Executivo usar de Medidas
Provisórias, criem para o Legislativo federal, estadual e municipal, a
obrigação de se manifestar dentro do exíguo prazo estabelecido pela
Constituição, para que se possa melhor atender as necessidades dos seus
governados, pois que nossa Lei Maior estabeleceu como pressupostos da medida a
relevância e a urgência. O que não se pode admitir, é que o Executivo sob o
argumento da morosidade do legislativo no exercício de suas funções ordinárias,
possibilite, com a emissão indiscriminada de Medidas Provisórias, a
vulgarização do instrumento, a banalização de seus pressupostos e a
descaracterização do conceito de urgência.
Inconteste é o caráter de excepcional necessidade de tal instrumento normativo,
o que nos permite afirmar, por exemplo, que não cabe ser utilizado, por não
caracterizar situação de urgência, quando da alteração do nome de uma rua, mas
pode haver tal característica, quando da obtenção de empréstimo para corrigir o
problema das enchentes.
Portando, se deve concluir que a problemática em torno da Medida Provisória, na
Federação Brasileira como um todo, só será solucionada através de uma avaliação
conjunta da atitude do Chefe do Executivo, quando da emissão indiscriminada do
instrumento normativo fundado na relevância e urgência, bem como da postura dos
legisladores, que através de artifícios como da obstrução ou mesmo da ausência
às sessões do legislativo, impedem a decisão sobre matéria de suma importância,
proporcionando o descrédito da população no governo e o desprestígio dos
parlamentares.