GENERALIDADES
SOBRE O ATO ADMINISTRATIVO
CARLOS
ROBRETO MARTINS RODRIGUES
Prof.
da Faculdade de Direito da UFC
EMENTA:
1. A Atividade Jurídica da Administração Pública;
2. Distinção entre Fato, Ato e Operação Administrativos;
3. Elementos do Ato Administrativo;
4. Classificação do Ato Administrativo;
5. Processo e Procedimento Administrativo.
1- O
comportamento dinâmico da Administração Pública e projeta através de dois
aspectos: o da atividade-meio e o da atividade-fim. A primeira é eminentemente
jurídica e são suas manifestações e operação, o fato, o ato e o contrato
administrativo. A última, de natureza material, se resume nos cometimentos
públicos, de que são espécie a obra e o serviço público, tomada esta expressão
em sentido estrito. A atividade jurídica gera, informa e condiciona a segunda
atividade, a atividade-fim, que é uma decorrência - imediata ou não - da outra.
Através da atividade jurídica, a Administração realiza o Direito, estabelecendo
normas, constituindo, preservando ou extinguindo situações, ou ditando
decisões, ou, ainda, esclarecendo situações de interesse administrativo.
Dinamiza o estabelecido pelo aspecto programático da ordem jurídica. Exerce
função concreta para aplicar a Lei.
Na atividade-fim, a Administração Pública busca o bem comum por via do
atendimento das necessidades e das reivindicações coletivas, na proporção e na
medida com que são formuladas pela comunidade. Assim, se determinada autoridade
expede portaria, designando alguém para executar certa tarefa, no exemplo a
Administração realiza atividade jurídica, atividade-meio. Se, entretanto, a
Administração fornece energia elétrica ou presta serviço de
transporte,coletivo, temos atividades - fim, um serviço público. Se constrói
edifício para instalar repartição sua, também realiza atividade-meio, no caso,
a obra pública, independente de a construção ser feita pela própria
Administração, ou per terceiro, celebrandose, então, aí, o contrato
administrativo. Na atividade-meio, a Pública Administração se comporta para,
depois, atingir seus fins. Realiza objetos. Só com a atividade-fim é que o
Estado administrador alcança seus objetivos. Essa colocação não anula a
possibilidade de se dizer, com a ciência da administração, que cada órgão tem
sua atividade-meio e sua atividade-fim, que não se confundem, entretanto, com
as atividades que, de igual modo, assim se classificam, mas em relação ao
sistema administrativo, como um todo. Alguns autores preferem outra
classificação: à atividade-meio chamam só de atividade jurídica; à
atividade-fim chamam de atividade-social (ver, especialmente, Zanobini e
Marcelo Caetano).
2 - Na teoria geral do direito, os acontecimentos que podem ou produzem
modificações no espaço e , no tempo jurídicos são catalogados segundo a
interveniência ou não interveniência da vontade pessoal (vontade humana e
vontade das pessoas jurídicas). Se a vontade pessoal não intervém, o evento
interessante ao direito, pelos efeitos que produz no mundo deste, é denominado
fato jurídico em sentido estrito (ou fato jurídico involuntário) (por exemplo,
o nascimento com vida, a morte, além dos extraordinários, como os fenômenos da
natureza - enchentes, seca, maremoto,. tempestade, raio etc.). Se a vontade,
entretanto, é geratriz do evento, temos o fato jurídico voluntário, ou ato
jurídico, em sentido lato. Quando o agente não quer o efeito jurídico, mas este
se produz em virtude de lei (trata-se de mera manifestação de vontade, mas não
um querer dirigido), temos, então, o ato jurídico, em sentido estrito. Quando,
entretanto, a vontade é declarada, com o sentido de obter fins jurídicos
determinados, surge o ato jurídico negocial ou negócio jurídico. Os efeitos
jurídicos são reconhecidos pela lei, mas o agente volitivo escolheu, entre
tantas opções juridicamente apreciáveis, a que mais lhe convinha. O querer, ai,
é determinado, dirigido a um fim jurídico, pretendido pelo agente que declarou
a vontade. No negócio jurídico, se só uma vontade é declarada, o ato negocial é
unilateral; se mais de uma vontade intervém para a formação negocial, temos o
negócio jurídico bilateral. No primeiro caso, a promessa de recompensa, o
testamento; na segunda hipótese, os contratos de uma maneira geral.
As operações, os fatos, os atos e os contratos administrativos devem ser
catalogados como espécies de atos jurídicos negociais. Porque, na sua edição ou
explosão, a Administração Pública quer um certo resultado, busca,
deliberadamente, um certo fim (o que está fixado na regra de competência do
órgão administrativo que atua). O querer administrativo é um querer jurídico,
pois a Administração, na realização da operação, na produção do fato, na
emissão do ato, ou na celebração do contrato, pretende determinados efeitos
interessantes ao Direito. Este limita-se a ordenar os efeitos da declaração ou
o modus faciendi da operação volitiva.
O fato administrativo não se confunde, assim, com o fato jurídico, em sentido
estrito: por exemplo, a morte natural de um funcionário público (ou por causa
estranha à Administração) não configura fato administrativo, em que pese às
conseqüências dela no âmbito da Administração, como a vacância do cargo e as
relações de natureza patrimonial entre o Estado empregador e os sucessores do
servidor desaparecido.
A conceituação de ato administrativo não é ponto pacífico na doutrina. A
primeira dificuldade está na determinação de sua fonte orgânica: que tipo de
esfera de competência estatal pode gerar o ato administrativo- A grande maioria
dos autores se inclina pela afirmação de que o ato administrativo é próprio dos
órgãos do Poder Executivo, não se concebendo a sua caracterização quando a
vontade declarada, ainda que assemelhada, pelos efeitos, aos atos da
Administração Pública, se situa nas áreas dos Poderes Legislativo e Judiciário.
Há evidente demasia na colocação. Os órgãos do Poder Legislativo e do Poder
Judiciário, quando expedem atos visando a definir situações de modo concreto,
expedem, sem dúvida, atos administrativos, como, por exemplo, quando um
Tribunal homologa um concurso para provimento de cargos no seu âmbito, ou
expede editais para fins de procedimentos licitatórios, na sua esfera de
atuação. Isso sem falar no caso dos regimentos internos dos colegiados
judiciais, que são verdadeiros regulamentos. A mesma coisa acontece com
determinados atos de órgãos situados no campo orgânico do Poder Legislativo.
Acrescente-se a isso o fato da proliferação de órgãos personalizados na área do
Poder Executivo (a denominada Administração Pública Indireta): embora, à
exceção das autarquias e de certas fundações (fundações autárquicas), a empresa
pública, a fundação e a sociedade de economia mista tenham regime jurídico
híbrido (normas de direito público e de direito privado sobre elas incidem),
muitos de seus atos, produzidos em virtude do exercício de parcela do domínio
eminente do Estado ou de seus poderes instrumentais, como o de polícia, são
atos administrativos, sem dúvida alguma. Por isso, não é pelo caminho da
geografia orgânica do Estado que se vai conseguir a conceituação mais precisa
do ato administrativo.
A expressão "ato administrativo" entra em moda após a Revolução
Francesa, com o texto legislativo do 16 Fructidor, no ano III, pelo qual se
vedada a apreciação de atos da administração, de qualquer espécie. A partir
daí, entretanto, a expressão passa a ter uso corrente, sobretudo na literatura
francesa especializada, sendo interessante referir a Lei de 2 Germinal, do ano
V, que dava amplo conceito do ato administrativo, entendendo-o como "todas
as operações que se realizam por ordem do Governo, de seus agentes imediatos
sob a sua vigilância e com fundos proporcionados pelo Tesouro Público.
Interpretação mais restrita tinha o ato administrativo como compreendendo
apenas os regulamentos, as instruções, os contratos administrativos, vale.
dizer, os atos que se destacavam no conteúdo do chamado contencioso
administrativo francês. Essa simples enunciação, aceita por alguns autores
modernos, demonstra a vacilação doutrinária, que persiste. A integração do
contrato administrativo no leque dos atos administrativos, por exemplo: feita,
sobretudo, por autores franceses e muitos da América Latina, especialmente os
chilenos, retira do ato administrativo o seu caráter de declaração unilateral
da vontade administrativa, pois, no contrato; um dos dois pólos volitivos é de
vontade estranha à Administração o que desfiguraria o conceito mais aceito de
ato administrativo. Por.outro lado, a afirmação de que o ato administrativo só
existe como manifestação de vontade de órgão do Poder Executivo, se válida, do
ponto de vista formal, materialmente, desconhece as várias declarações de
vontade do Estado, em outros Poderes (o Legislativo é o Judiciário), que têm a
mesma natureza do ato emitido pelo Poder Executivo (o ato de remoção de um
juiz, por exemplo; o ato que tem por objeto a concessão de licença a deputado
para tratar de sua saúde).
Vejamos os conceitos de alguns autores, para chegarmos a uma síntese do
pensamento doutrinário vigente acerca do ato administrativo: "decisão
geral ou especial, de uma autoridade administrativa, no exercício de suas
próprias funções, sobre direitos, deveres e interesses das entidades
administrativas ou dos particulares em relação àquelas" (Rafael Bielsa);
"ato jurídico não contencioso, praticado pelo Estado para a realização de
seus fins" (Masagão); "toda manifestação da vontade do Estado, por
seus representantes, no exercício regular de suas funções, que tenham por fim
imediato criar, reconhecer, resguardar ou extinguir situações jurídicas
subjetivas, em matéria administrativa" (Cretella Jr.); qualquer declaração
de vontade, de desejo, de conhecimento, ou de juízo, realizada por um sujeito
da Administração Pública no exercício de um poder administrativo (Falla e
Zanobini); "conduta voluntária de um órgão da Administração Pública no
exercício de um poder público, de que resulte a aplicação de nornas jurídicas a
um caso concreto" (Marcello Caetano); "declaração especial da vontade
de um órgão público, preferencialmente de um órgão administrativo, encaminhada
a produzir, por via de autoridade, um efeito de direito para satisfação de um
interesse administrativo" (Garcia Oviedo); "manifestação da vontade
de uma autoridade administrativa frente ao súdito, determinadora de uma
situação jurídica individualizada" (Gascón y Marin); "é o ditado pelo
agente administrativo no cumprimento de suas funções" (Diez);
"manifestação unilateral da vontade de um órgão do Estado, detentor de
poder público, produzindo efeitos jurídicos num caso concreto no domínio da
Administração" (André Grisel).
Os conceitos enunciados dão bem uma idéia da confusão doutrinária reinante na
matéria. Muitos utilizam expressões, no conceito de ato administrativo, que
estão a exigir explicação prévia, como, por exemplo, quando se diz "agente
administrativo", "administração", no "exercício de suas
funções", mas não se define, previamente, os elementos vocabulares de cada
uma delas. Por outro lado, de um modo geral, parece certo que os autores sempre
colocam, como idéia central do ato administrativo, um seu possível caráter de
"decisão", no sentido de comando emanado de autoridade, quando se
sabe que atos administrativos existem tendo por objeto apenas o esclarecimento
de situações (por exemplo, as certidões) ou a manifestação de opinião técnica
sobre certa matéria (pareceres, laudos), sem que deles resulte quaisquer
alterações em situações concretas, do interesse direto ou indireto da
Administração Pública. Preferimos, assim, dizer, em relação ao ato
administrativo, que ele encerra toda declaração unilateral da. vontade do
Estado, quando tal declaração tiver por objeto a constituição, a preservação, a
alteração, ou a extinção de situações jurídicas concretas, do interesse direto
ou indireto do Poder que emite a vontade.
Tanto faz que a declaração seja emanada do Poder Legislativo, do Poder
Executivo e suas entidades ou do Poder Judiciário. Se se trata da declaração
unilateral da vontade do Estado, visando a situações jurídicas concretas (de
caráter não contencioso), temos o ato administrativo.
O fato administrativo, por sua vez, é o evento decorrente de ato administrativo
ou de operação administrativa, configurando situação do interesse do Estado
administrador (como a posse de alguém em cargo público; a apreensão de bem por
suspeita de contrabando; a prisão de um delinqüente etc.), enquanto a operação
administrativa é a atividade material que o Estado desenvolve para deflagrar o
fato; decorre, mediata ou imediatamente, de ato administrativo: uma parada
militar; uma missão policial que se desloca e desfaz uma arruaça; o movimento
de inspetores aduaneiros para apreender mercadorias; a atividade de apreensão,
etc. Já o contrato administrativo é o acordo obrigacional de vontades,
celebrado entre o Estado administrador e terceiro (pode ser particular ou não:
pode se dar entre órgãos estatais ou entre órgão estatal e pessoa privada;
entre entidades estatais), sob um regime jurídico especial de direito público,
tendo por objeto bem, interesse ou serviço público. No contrato administrativo,
o interesse público é predominante donde seu caráter ao mesmo tempo
convencional e regulamentar, sujeitando-se às seguintes regras, que extrapolam
o sistema do contrato privado em geral: a) supremacia do interesse público na
interpretação de suas normas, salvo no contrato de afetação ou atribuição (como
nas concessões de uso de bem público dominical, em que a interpretação se faz
mais benéfica em favor do concessionário); b) possibilidade de alteração
unilateral, pelo Estado que contrata, das cláusulas da avença (exceto quanto
aos pontos que ornamentam a chamada equação econômica do contrato, dados dois
princípios básicos: o da comutatividade e o que proíbe o enriquecimento ilícito
ou sem causa); c) poder de polícia do Estado contratante, mas, em caso de
apenação, o asseguramento do direito de defesa do contratado; d) reversão de
bens em favor do Estado; e) afetação de bens do contratado com a inclusão dos
bens afetos no regime do domínio público; f) desfazimento do contrato pelo
Estado contratante, independentemente do prazo de vigência, mas, neste caso,
interrompida a avença, antes, sem culpa do contratado, a este se assegura a
indenização correspondente. Em todo caso, para que se mantenha a continuidade
da realização do objeto do contrato, que é sempre de natureza pública, não se
admite, em favor do contratado pelo Estado a argüição da exceção do contrato
não cumprido, salvo os apelos ao Poder Judiciário. Mas se aplica, no contrato
administrativo, para que se mantenha a equação econômica, a teoria da força
maior e a da imprevisão.
Os contratos administrativos podem ser de atribuição (quando o beneficiário
direto é o contratado, por exemplo, a concessão de uso de bem público) e de
colaboração (quando se trata de realizar o interesse público de modo direto,
como, por exemplo, na concessão de serviço público).
3 - O ato administrativo, como espécie de ato negocial, tem pressupostos
de existência e condições de validade, além de características que o distinguem
de outros atos de vontade.
Os pressupostos existenciais são aquelas condições que, previamente, devem
coexistir para que o ato se produza como ato administrativo: vontade
administrativa, sua declaração, ou seja, a forma, uma causa pública,
publicação. Assim, para que exista, o ato administrativo deve emanar de uma
vontade qualificada como estatal, deve ter uma forma; deve ser levado ao conhecimento
de seus destinatários; deve estar motivado por causas que digam com a coisa
pública. A não ser assim, teremos um ato negocial qualquer, mas nunca o ato
administrativo. Os efeitos do ato inexistente são mais rígidos do que os do ato
nulo, pois,- em alguns casos, as conseqüências deste permanecem, por força do
princípio da segurança jurídica, mas, no caso do ato inexistente, ele não se
forma com ato administrativo, não sendo possível, por isso, os efeitos que
seriam normais no ato tido como tal.
Os pressupostos ou condições de existência do ato administrativo são, na
verdade, condições de eficácia, que não se confunde com validade, como se sabe,
pois o ato pode ser inválido, mas eficaz, que é o ato existente, capaz de gerar
efeitos práticos, ainda que colidentes com a ordem jurídica.
São condições de validade do ato administrativo: a) a competência genérica e
específica do agente volitivo; b) forma da lei; c) causa e motivo legais; d)
objeto público lícito; e) finalidade descrita na regra de competência do agente
que emitiu o ato; f) publicação em órgão oficial (quando a lei determinar).
A competência é o conjunto de aptidões do órgão emitente da vontade, e sempre
decorre de lei. Não pode ser inventada, mas deve estar na ordem jurídica, fonte
do agir administrativo. Por isso, diz-se que, ao contrário do particular, que
pode fazer tudo quanto a lei não proíbe, o administrador só pode fazer o que a
lei manda. O princípio da competência é conseqüência do princípio da
legalidade. Por isso, diz muito bem Caio Tácito: não é competente quem quer,
mas quem pode. Ensina, a propósito, Hely Lopes Meirelles que "para a
prática do ato administrativo a COMPETÊNCIA é condição primeira de sua
validade. Nenhum ato - discricionário ou vinculado - pode ser realizado, validamente,
sem que o agente disponha de poder legal para praticá-lo. Entende-se por
competência administrativa o poder atribuído ao agente da Administração para o
desempenho específico de suas funções. A competência resulta da lei e por ela é
delimitada. Todo ato emanado de agente incompetente, ou realizado além do
limite de que dispõe a autoridade incumbida de sua prática é inválido, por lhe
faltar um elemento básico de sua perfeição, qual seja o poder jurídico para
manifestar a vontade da Administração". (in Direito Administrativo
Brasileiro, 12.a edição atualizada, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo,
1986, p. 111).
Por "forma da lei" entende-se o requisito sem o qual o ato
administrativo é imprestável, do ponto de vista da ordem jurídica, pertinente
ao seu regime, por não possuir o revestimento formal da regra correspondente.
E quando a lei não estabelecer forma determinada para certo ato-
Então, o emitente do ato deve adequar a sua declaração de vontade à forma mais
condizente com a natureza do ato que vai ser expedido. De qualquer modo, devem
ser evitados os atos verbais, salvo os absolutamente necessários, como certas
ordens na rotina diária das atividades administrativas. Mas a forma escrita
contribui para um maior e mais eficiente controle do comportamento
administrativo por parte da comunidade e dos órgãos que, por lei, devem fazer
tal controle.
Toda declaração de vontade administrativa tem sua razão de ser. O porquê de sua
emissão. São a causa (ou motivo, ou pressuposto de fato) e o motivo jurídico
(ou pressuposto legal). É indispensável que a causa seja pública e pertinente à
regra de competência do agente que vai emitir a vontade administrativa. Assim,
o motivo legal do agir administrativo. Por exemplo, há um cargo vago que deve
ser provido: eis a causa ou motivo de fato. Há o concurso realizado,
homologado, eis outro motivo. Mas de ordem jurídica.
Sem a coexistência de ambos não pode haver ato válido de provimento.
Freqüentes vezes, o órgão administrativo pode selecionar,
livremente, os motivos de sua atuação. Isso acontece na atividade chamada
discricionária.
Mas, ainda assim, os motivos (de fato e de direito) hão de estar contidos na
ordem jurídica: o primeiro, motivo de fato, dizendo com uma causa de interesse
público; o segundo, a razão legal de agir administrativo.
Além da razão para agir, o Estado administrador se vincula, na sua atuação, a
fins públicos determinados; embutidos nas regras de competência de seus
agentes: não basta que ó fim buscado seja público; é indispensável, para que
não ocorra o desvio de finalidade (que a doutrina francesa, menos precisa,
chamou de desvio de poder), que o objetivo seja aquele objetivo público
determinado na forma que estabeleceu a aptidão para a ação do agente estatal.
O objeto do ato administrativo deve ser lícito, envolvendo a licitude não só a
legalidade como a possibilidade jurídica de sua realização, além de ter a
qualidade de público.
Com relação, ainda, aos motivos do ato, esclareça-se que o ideal seria
cogitar-se de um dever, para o órgão administrativo, de explicitar, em cada
ato, a razão de seu agir, ou, noutras palavras, explicitar os motivos de fato e
de direito em que se baseasse para expedir o ato de vontade.
Finalmente, o ato, embora publicado (isto é, levado ao conhecimento geral, deve
ser publicado, via de regra, nos jornais oficiais, mas pode a publicação,
quando a lei não estabelecer coisa diferente, se dar em qualquer órgão ou
veículo de divulgação, flanelógrafos, quadros de aviso de repartições etc. A
publicação deve ser encarada como um meio para garantir o controle da
legalidade administrativa.
São características do ato administrativo a exceqüibilidade, a
autoexecutoriedade, a presunção de legitimidade e de legalidade.
A exeqüibilidade diz com as condições intrínsecas de operacionalidade do ato
administrativo. Diz respeito, portanto, à eficácia (condições de ser cumprido);
a auto-executoriedade diz com os efeitos que o ato administrativo pode
produzir, sem a interferência de qualquer outro ato estatal - por exemplo, é
declarada a caducidade - extinção por inadimplência do contratado - de contrato
administrativo; este se desfaz. sem necessidade de nenhum outro ato
constitutivo a respeito -; a presunção de legitimidade e de legalidade, que é
iuris tantum (cede diante de prova em contrário) significa que o ato
administrativo é praticado ao sabor dó interesse público e de acordo com a lei
que rege a sua edição.
4 - Cada grupo
doutrinário ou cada autor, em particular, procura classificar os atos
administrativos, segundo suas próprias convicções.
Em síntese, poderíamos dizer, num resumo do que pensa a maioria ,dos doutos,
que os atos administrativos classificam-se segundo a vontade do agente volitivo
(tendo em vista a maior ou menor liberdade de ação, em vinculados, regrados ou
predeterminados e discricionários) (tendo em vista o número de declarações de
vontade, num só órgão ou sistema de órgãos (simples e compostos); (ou em órgãos
diferenciados do Estado (simples e complexos); segundo o objeto (enunciativos
ou declaratórios, constitutivos ou negociais, normativos, ordinatórios, de
polícia, etc.); segundo os efeitos (precários, definitivos).
Os atos vinculados são aqueles que têm seus motivos já indicados na lei
própria, ao passo que os discricionários caracterizam-se por terem seus motivos
(ainda que contidos em lei, pois não são arbitrários) selecionados pelo agente
que vai declarar a vontade administrativa. Na verdade, não existe ato total e
absolutamente vinculado ou discricionário; em qualquer deles, existe uma dose
de vincularidade e uma dose de discricionariedade: num ato de provimento de
cargo público, efetivo, o agente não é obrigado a nomear, mesmo em face de
concurso homologado e acabado. Mas, se resolver nomear, os requisitos da
nomeação têm que ser obedecidos. O agente não nomeia quem quer, mas quem poder
ser nomeado, o que ocorre, mesmo nos casos de provimento em comissão (cargos de
confiança).
O ato administrativo simples decorre de uma única declaração de vontade
administrativa (portaria designando servidores para determinadas tarefas); o
ato composto é aquele cuja eficácia depende de uma outra declaração de vontade
que passa a integrá-lo: certos atos que dependem de visto ou aprovo (certidões
em geral; certificados). O ato complexo é integrado por duas ou mais declarações
de vontade de órgãos estatais diferenciados (nomeação de Reitor de Universidade
oficial; nomeação de Procudores-Gerais ou de Embaixadores). A peculiaridade do
ato complexo é a de que ele só pode ser desfeito, via de regra, pelos agentes
que expediram as vontades. E, ao ser atacado, para fins de desfazimento ou
nulificação, por eles respondem, igualmente, os agentes que declararam as
vontades que os constituem.
Do ponto de vista qualitativo, os atos administrativos mais importantes são os
constitutivos. Porque, embora não criem eles direitos (os direitos decorrem da
lei), é por seu intermédio que se forma uma situação jurídica favorecedora da
Administração, o que ocorre de modo direto, ou indireto.
Compõem eles situação jurídica subjetiva ou objetiva. Modificam a já existente.
Ou extinguem. Entre eles: a permissão (outorga discricionária a terceiro de
fruição ou uso de bem público ou serviço público, mas os seus efeitos são
precários; pode ser revogada a qualquer tempo sem que do ato de revogação
resulte qualquer direito para o permissionário atingido); autorização (outorga
a terceiro de faculdade para desenvolver atividade ou assumir postura
normalmente proibidas: autorização para sortear brindes entre os clientes de
uma empresa; autorização de porte de arma, vulgarmente denominada licença; a
autorização, como a permissão, tem efeitos precários); admissão (outorga a
terceiro de faculdade para se beneficiar com certos serviços públicos:
matrícula em estabelecimento de ensino; pode ser temporária ou definitiva; gera
situações jurídicas subjetivas consolidadas); concessão (de uso e de bem
público e de serviço público; não contratual; ato vinculado, como a admissão,
implica em outorgar ou reconhecer a alguém o direito de explorar bem público ou
serviço público); licença (ato vinculado através do qual o Poder Público
reconhece o direito de alguém realizar atividade sob o seu poder de polícia;
temporário ou definitivo; gera situação jurídica subjetiva consolidada:
exemplo, licença para advogar, dada pela Ordem dos Advogados do Brasil; licença
para construir); caducidade (ato de natureza penal, que implica em desfazimento
de contrato administrativo ou ato de concessão por inadimplência do contrato ou
culpa do concessionário, assegurado, em qualquer caso, o exercício do direito
de defesa; pena de nulidade do desfazimento do contrato ou do ato); nulificação
(desfazimento do ato administrativo inválido; os efeitos da nulificação são
extunc: retroagem à gênese do ato, desaparecendo as consequências já produzidas.
Isso em tese. Porque atos nulos há que produzem efeitos a serem mantidos: os
praticados pelos chamados funcionários de fato, os que não tiveram seu
provimento de acordo com a lei. Neste caso, duas situações: os efeitos do ato
nulo são eficazes e assim continuam para os destinatários de boa fé; os efeitos
persistem em virtude da ação do tempo, por força dó princípio da segurança do
direito); a nulificação (é ato de autocontrole da sede administrativa, mas pode
ser declarada pelo Poder Judiciário); revogação (só o órgão administrativo pode
revogar o ato administrativo; trata-se da retirada do espaço jurídico de ato
administrativo válido, mas cuja permanência no mundo jurídico se tornou
inconveniente ou inoportuna por força de interesse público superveniente);
cassação (desfazimento de ato administrativo válido, mas que não pode
permanecer por culpa do seu beneficiário ou destinatário direto). .
5 - Ao conjunto de atos, fatos e operações administrativos harmônicos,
mas autônomos, provocados por declarações de vontade situadas num mesmo sistema
administrativo, visando a um ato ou a uma situação (fato) final, dá-se o nome
de procedimento administrativo (é o caso, por exemplo, dás licitações, dos
concursos para provimento de cargos ou contratação de projetos de arquitetura
ou desenhos de marcas ou logotipos). A forma dos procedimentos é o processo,
que alguma legislação, no Brasil (como o Estatuto dos Funcionários do Poder
Executivo Federal) confunde com inquérito, espécie de procedimento disciplinar.
Aplica-se ao procedimento administrativo o conjunto de regras do regime dos
atos administrativos. Advirta-se, entretanto, que, no procedimento, cada ato,
cada operação, cada fato deve ser examinado e controlado de per si; de modo que
o desfazimento de um, seja pela Administração, seja pelo Poder Judiciário, não
acarreta, necessariamente, o dos demais.