AUTONOMIA MUNICIPAL

DANIELA CARVALHO CAMBRAIA

Estudante da Universidade Federal do Ceará | Estagiária da Procuradoria Geral do Município

SUMÁRIO:
1 - INTRODUÇÃO;
2 - CONCEITO;
3 - AUTONOMIA MUNICIPAL X CONSTITUIÇÃO DE 1988;
4- ASCENSÃO DA AUTONOMIA COM A LEI ORGÂNICA
5 - ESPÉCIES DA AUTONOMIA;
6 -1NTERVENÇÃ0 ESTADUAL;
7 - O MUNICÍPIO É UMA ENTIDADE DA FEDERAÇÃO-;
8 - CONCLUSÃO;
9 -REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1- INTRODUÇÃO

Ao abordarmos o tema de nosso trabalho, objetivaremos tecer conceitos e algumas considerações a respeito do princípio da autonomia municipal inserida na nova ordem constitucional.

O Município era uma entidade social e histórica antes de se transformar numa instituição político-jurídica. Resulta do agrupamento de várias famílias que se reúnem num certo território para a realização de interesses comuns.

É pois, o Município, a primeira forma de agrupamento entre os Homens. Foi das formações das cidades que se originou o Homem político e socializado. É essa razão pela qual podemos reputá-lo, juntamente com Gablentz, como um conceito essencial da teoria do Estado e da sociologia, dando margem a uma administração própria do Município (ou como diria Gablentz: da comuna), numa circunscrição administrativa baseada nas próprias relações de vizinhança.

Sua importância é, e sempre foi tão visível, que os próprios marxistas reputaram a comuna primitiva como a base da evolução social, através da qual se processou o desenvolvimento da humanidade, mediante as fases dos impérios escravistas da antiguidade, do feudalismo, do capitalismo e do socialismo.

Apesar da importância histórica e atual do Município, expor a temática autonomia municipal, significa apalpar um assunto pouco explorado quando equiparamos a outros temas. Apesar da Constituição de 1988 ter alargado suficientemente a autonomia municipal, o tema "Município" ainda é limitado no tocante a sua autonomia didática.

Somente em algumas universidades a disciplina é oferecida e, ainda assim, optativamente.

Não obstante essa ausência didática, estamos diante de uma disciplina importante, que nos envolve e nos permite refletir com entusiasmo a respeito de suas conseqüências. conforme tentaremos comprovar a seguir.

2- CONCEITO

" É importantíssimo definir os termos. Sócrates costumava dizer: antes de começarmos a falar, vejamos de que é que estamos falando"

Para esclarecermos o conceito de autonomia é necessário que façamos uma comparação entre esta e soberania. Entre ambas existem pontos de contato, porém, de maneira alguma se confundem.

Soberania e o direito que tem o Estado de estruturar seu direito positivo no mais alto grau (Carta Magna), sem interferência externa, sem participação de qualquer potência estrangeira. É o poder que tem o Estado de elaborar a sua Constituição.

A soberania pertence aos Estados, aos países; a autonomia refere-se ao Distrito Federal, aos Municípios e aos Estados-Membros de uma Federação.

O significado tradicional da palavra autonomia, conforme vê-se quando da leitura dos estudiosos que têm debatido o problema, é conceder o direito de legiferar. Porém, essa idéia é ultrapassada.

Conforme dispõe pinto Ferreira, "Henry Capitant em seu Vocabulário Jurídico assegura que à autonomia, palavra do grego autonomia é o direito de se reger por suas próprias leis (nomos). É o fato de uma coletividade (Estado, Estado-Membro, circunscrição administrativa) determinar ela mesma no todo ou em parte das regras de direito que a regem'." A autonomia é assim o aspecto positivo da independência. A autonomia absoluta é sinônimo de soberania.

Labande, um grande autor alemão do século transato, em sua obra "O direito público do Império Alemäo ", salientou que, "no sentido jurídico, autonomia designa sempre um poder legislativo, pressupondo um poder de direito público, não soberano, capaz de estabelecer por direito próprio, e não por mera delegação, regras de direito obrigatórias".

Autonomia, estabelece .J. Cretella Jr, segundo Zanobini, "é a faculdade que
tem alguns entes de se organizarem juridicamente, de criarem um direito próprio, direito que, como tal, é não só reconhecido pelo Estado, mas também por ele adotado para fazer parte do seu próprio sistema jurídico e declarado obrigatório como as próprias leis e os próprio regulamentos".

Resumindo, autonomia é uma parcela da soberania concedida e limitada pelo poder soberano do Estado ao Distrito Federal aos Municípios e aos Estados Membros, através de uma Constituição rígida.

Essa autonomia vem sendo conhecida no Brasil desde longa data, precisamente acentuada pelo regime republicano, que a enriquece na sistemática do direito público constitucional vigente, tornando-a sensível às novas sugestões da experiência, e agregando mesmo nas derradeiras
Constituições brasileiras uma competência privativa própria.

Atualmente, ninguém pode contestar a importância que tem o Município como escola prática da liberdade; realizando um programa ou uma tarefa administrativa indispensável à boa salvaguarda dos problemas regionais, como assinala Pinto Ferreira.

3. AUTONOMIA MUNICIPAL X CONSTITUIÇÃO DE 1988

A ordem constitucional vigente ampliou a autonomia municipal. Esta é a assegurada pelos artigos 18 e 19, e garantida contra os Estados-Membros pelo art. 34, VII, "c" da CF/88.

É a Constituição Federal que distribui as competências exclusivas entre as três esferas de governo. Nas Constituições anteriores, aos Municípios só era outorgado governo próprio e competência exclusiva, que correspondem ao mínimo para que uma entidade territorial tenha autonomia constitucional.

Atualmente, foi-lhes reconhecido o poder de auto-organização, ao lado de governo próprio e competência exclusiva, e ainda com ampliação destas, de sorte que a Constituição criou verdadeiramente uma nova instituição municipal no Brasil. Por outro ângulo, não há mais qualquer hipótese de prefeitos nomeados. Tornou-se plena, pois, a capacidade de autogoverno municipal entre nós.

A Constituição Federal de 1988 outorgou ao Município uma autonomia própria e ampla. Antes, o reconhecimento da autonomia municipal tinha um sentido remissivo. Quer dizer, a Constituição remetia aos Estados o poder de criar e organizar seus Municípios. O sentido remissivo no qual foi dito, consistia em determinar aos Estados que, ao organizarem seus municípios, lhes assegurassem a autonomia, mas apenas quanto às capacidades de auto-administração, autolegislação e autogoverno. Ao fazê-lo, os Estados haviam de respeitar a autonomia assegurada na Constituição Federal em termos genéricos relativos ao peculiar interesse local.

Hoje, no entanto, é assegurado aos Municípios uma autonomia sem restrições, às normas constitucionais instituidoras da autonomia são dirigidas diretamente aos Municípios.

Um aspecto de suma importância a ressaltar é que a autonomia municipal é princípio de estirpe constitucional. Principio e não apenas norma; constitucional e não legal.

Conforme a maioria da doutrina e pelo disposto nos arts. 29 e 30 da CF/88, podemos assentar a autonomia municipal em quatro capacidades:

- Capacidade de auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria, votada, aprovada e promulgada pela Câmara Municipal.

- Capacidade de autogoverno, ou seja, de ter governo próprio, representados por autoridades próprias, decorrente da eletividade dos seus mandatários políticos (Prefeitos, Vice-Prefeitos e Vereadores).

- Capacidade de autolegislação, legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual, no âmbito da legislação concorrente.

- Capacidade de auto-administração, consistente em organizar e prestar os serviços públicos de interesse local, seja em distribuir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como em aplicar suas rendas.

No tocante a autolegislação, vale ressaltar o disposto no art. 30,I da CF/ 88, inverbis:

"Art. 30 - Compete aos Municípios:

I- legislar sobre assuntos de interesse local''

A nosso ver o interesse local não somente deve ser interpretado à luz dos dispositivos constitucionais que consolidam a organização da autonomia Municipal, senão também de acordo com as necessidades históricas e o sentido de sua evolução.
Nas Constituições anteriores era usada a expressão peculiar interesse em vez de interesse local.

São termos semelhantes os quais dizem praticamente a mesma coisa. Devido a isso, muitos comentários a respeito do primeiro aproveitam-se ao segundo.

Na conceituação de Hely Lopes Meirelles referente a peculiar interesse, podemos aplicá-la ao interesse local; "Não é interesse privativo da localidade; não é interesse único dos Municípios. Se se exigisse essa exclusividade, essa privatividade, essa unidade, bem reduzido ficaria o âmbito da administração local, aniquilando-se a autonomia de que faz praça a Constituição, mesmo porque não há interesse municipal que o não seja reflexamente da União e do Estado-Membro, como também não há interesse regional ou nacional que não ressoe nos Municípios, como partes integrantes da Federação Brasileira, através dos Estados a que pertencem" .
Interesse local dos Municípios são os que entendem imediatamente com as suas necessidades locais, indiretamente, em maior ou menor repercussão, com as suas necessidades gerais.

Pinto Ferreira cita o que dizia Pimenta Bueno em sua obra "Direito Público Brasileiro".

"A natureza do poder municipal revela quais devem ser suas atribuições essenciais. Tudo quanto respeite especialmente à sociedade local, tudo quando não for de interesse principal ou geral, deve ser atribuído ao conselho da família municipal. É justo e conveniente que essa associação se governe como melhor julgar em tudo quanto essa liberdade não ofender os outros Municípios ou os interesses dos Estados.

É mister que tenha suas rendas, faça suas despesas especiais, seus melhoramentos, que mantenham suas disposições policiais apropriadas".

O que difere e caracteriza o interesse local é a predominância do interesse do Município sobre o interesse da União e do Estado.

Enfim, num estado federal como o nosso, de quádrupla discriminação de competências, o entrechoque de interesses será, naturalmente, uma constante. O que interessa à União ou ao Estado, repercute no Município. O que afeta o interesse local ressoa também, posto indireta e mediatamente, no interesse da região ou da nação. Não há interesse que se isole, privativo, exclusivo. E a noção de interesse local, embora submetida à elasticidade de uma construção maleável face ao tempo e ao lugar, talvez tenha maior mérito do que a rigidez de uma discriminação inflexível, incapaz de atender às variações de predominâncias futuras.

4 ASCENSÃO DA AUTONOMIA COM A LEI ORGÁNICA

Até o advento da Constituição de 1988, o Município não possuía poderes para organizar-se politicamente. Sua organização política era feita pelos Estados-Membros. Tinha apenas competência para organizar os seus serviços, enquanto mera organização administrativa.

Dessa forma, a organização do Município era feita pelo legislador estadual, enquanto a organização dos serviços de interesse local era matéria afeta ao legislador municipal. Se a organização era política, competia ao Estado-Membro. Se a organização era administrativa, competia ao Município.

Porém, a Constituição atual conferiu aos Municípios competência para auto-organizar-se, seja politicamente, seja administrativamente. Essa renovação se deu principalmente devido o surgimento da Lei Orgânica.

A Lei Orgânica é unia espécie de constituição municipal. Cuida de discriminar a matéria de competência exclusiva do Município, observados os interesses locais, bem como a competência comum que a Constituição lhe reserva juntamente com a União, os Estados e o Distrito Federal (art. 23). Indica, dentre a matéria de sua competência, aquela que lhe cabe legislar com exclusividade e a que lhe seja reservado supletivamente.

O art. 29 da CF/88 confere aos Municípios o seu regimento interno por Lei Orgânica própria votada em dois turnos, e aprovada por 2/3 dos membros da Câmara Municipal.

Ao elaborar a Lei Orgânica, a Câmara Municipal terá de atender a princípios constitucionais federais que, evidentemente, sejam aplicáveis aos Municípios, como o de independência dos poderes, o da prestação de contas da administração pública, direta e indireta, o da legalidade, o da impessoalidade, o da moralidade e o da publicidade, o do processo legislativo, o da discriminação de competências, o do livre exercício dos poderes municipais e muitos outros.

Além dos princípios acima citados deve, ainda, o Município seguir os preceitos estabelecidos nos incisos do artigo constitucional em comento.
Vale ressaltar que a Lei Orgânica não se confunde com a lei ordinária nem com a lei complementar, tampouco com lei delegada, resolução ou decreto legislativo.

A Lei Orgânica, poderíamos dizer, é uma lei mais nobre do que as demais, até porque exige processo mais árduo e mais solene de votação e aprovação, além de tratar de assuntos considerados mais importantes, melhor dizendo, mais básicos. Segundo Joaquim Castro Aguiar, "seus preceitos impõem-se às outras leis. Uma lei ordinária que contrarie determinação da lei orgânica, ilegal será. Por isso tudo é que se diz que a lei orgânica exerce o papel da Constituição do Município. Contém preceitos que obrigam o legislador ordinário. Só dispõe sobre matérias substancialmente de organização do Município, como é o caso dos preceitos asseguradores da repartição das funções dos dois poderes municipais (Legislativo e Executivo, Câmara e Prefeitura)".

5 - ESPÉCIES DA AUTONOMIA

- autonomia política
- autonomia financeira
- autonomia administrativa

Antes de conceituarmos cada espécie da autonomia, permitam-nos, para um melhor entendimento, expor o que se pensava no tocante a legislação municipal (autonomia política).

Sustentava-se antigamente que o Município não editava leis mas meras deliberações, simples posturas, sem que em tais atos houvesse forma e conteúdo de lei.

A lei de organização dos Municípios do antigo Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, que permaneceu em vigência até a fusão do Estado do Rio com o da Guanabara, revogada em 1975, não fazia qualquer menção à lei municipal, não usava a dição lei municipal ainda rotulava de deliberação os atos das Câmaras de Vereadores, editados mediante sanção do Prefeito e que dispunham sobre as matérias de competência dos Municípios.

Representava isto a tradução do pensamento de alguns estudiosos de que o Município não tinha competência para fazer leis.

Victor Nunes Leal já lecionava sobre o assunto em 1960 na obra Problema de Direito Público, "in verhis ":

"Sendo a lei municipal superior a qualquer outra, na esfera da competência privativa dos Municípios (já que, em tal caso, a lei estadual ou a federal devem ser tidas por inconstitucionais e, portanto, inaplicáveis). não se lhe pode recusar o caráter de autêntica lei, segundo o critério formal de classificação dos atos do estado".

Assim, quando o Município legisla, ou seja, institui leis próprias, ele está exacerbando sua autonomia, em vista disso, nos obrigamos a considerá-la amplamente tanto no seu conteúdo formal quanto no material.

Aliás, a Constituição Federal de 1988 superou esses impasses, seja usando o vocábulo legislar (art. 30, I), seja fazendo referência expressa à lei, em relação a atos legislativos da Câmara (art. 182, art. 29; § 4.°; art. 150: ,§ 6.º etc.), seja reconhecendo a Câmara e a Prefeitura como Poderes do Município e não apenas como órgãos (art. 31).

Adentraremos, agora, diretamente no assunto do item 4 (espécies da autonomia).

Os autores divergem quando da classificação da autonomia. J. Cretella Jr., José Afonso da Silva e Hely Lopes Meirelles dividem-na em três espécies: administrativa, política e financeira. Isoladamente, Joaquim Castro Aguiar prefere classificá-la em quatro: política, legislativa, financeira e administrativa.

Preferimos adotar a primeira classificação, em virtude de entendermos estar a autonomia legislativa embutida na autonomia política.

Podemos defini-las da seguinte forma.

A autonomia política se dá quando há autolegislação e quando o Município tem a faculdade de eleger o Chefe do Executivo e os representantes do povo. Concretiza-se. pois, pela eleição direta de Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores, eleição essa que se realiza simultaneamente, em todo o país.

A autolegislação está aqui inserida, pois o Município possui um corpo legislativo eleito diretamente pelo povo que legisla sobre assuntos de interesse local e suplementar e legislação federal e a estadual no âmbito da legislação concorrente. Portanto, a autonomia legislativa está intrinsecamente filiada a política, visto que, são os prefeitos, Vice-Prefeitos e Vereadores eleitos que legislam.

A autonomia financeira consiste na faculdade que o Município tem de instituir e arrecadar seus próprios tributos, bem como de aplicar suas rendas. Sem interferência das demais entidades federais e estaduais, naquilo que disser respeito a matérias sobre as quais a União e o Estado tenham competência para legislar.

A autonomia administrativa consiste na possibilidade dos Municípios gerir os serviços públicos locais sem ingerência do poder federal ou do poder estadual. Faculta o ente em comento de organizar os seus serviços públicos locais, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, como também dispor sobre as ordenações territoriais do Município.

6 - INTERVENÇÃO ESTADUAL

Aludindo à autonomia dos Municípios, não só pela eleição dos prefeitos e dos vereadores, porém particularmente pela administração própria, no que concerne ao seu interesse local, sobretudo no tocante à decretação de seus tributos, aplicação de suas rendas, bem como organização dos seus serviços públicos locais, a Constituição Federal estabeleceu com precisão o conceito de competência municipal. Os Estados-Membros não podem violar este mínimo constitucional de autonomia do Município, mas apenas editar novos dados à autonomia municipal, caso assim queiram proceder.

A intervenção estadual é a forma mais violenta de agressão à autonomia municipal. Portanto. é aquela, medida excepcional de caráter corretivo político administrativo, só admitida nos quatro casos expressos na Constituição da República (art. 35, I a IV). É uma restrição à Administração e dos Administrados quando falha a ação dos governantes e administradores locais.

Dessa forma, a garantia estará sempre garantida, desde que o governo municipal não aja de modo que dê lugar à intervenção do Estado no Município.

A intervenção dos Municípios é estadual, salvo quanto a Municípios localizados em Território Federal, caso em que a intervenção será feita pela União.

Estadual ou Federal, os casos de intervenção são exatamente os mesmos.

No art. 35 da CF/88, no qual transcrevemos a seguir, estão estabelecidos os casos de intervenção, verbis:

"Art. 35 - O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União dos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:

I- deixar se ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada;

II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;

III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino;

IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial".

Tais casos são taxativos e não exemplificativos. Vale dizer que o legislador ordinário não poderá ampliá-los, estando limitado pelas hipóteses constitucionalmente descritas. O ato interventivo esta, pois, rigorosamente preso aos casos estabelecidos na CF/88, sob pena de inconstitucionalidade.

Através de decreto, o Governador concretizara a intervenção. O decreto indicará se for o caso o nome do interventor, além de outras exigências decorrentes da Constituição Estadual.

Cessados os motivos de intervenção, o Prefeito afastado retornará a seu cargo, salvo se ocorrer hipótese de impedimento legal.

Entretanto, conforme dita Joaquim Castro Aguiar, "há de se ter em mente que o Estado não pode, de nenhum modo, invadir a competência municipal, ditando aos Municípios princípios que não sejam pertinentes à competência estadual. Não pode o Estado estabelecer, na hipótese, qualquer princípio, livremente, mas apenas princípios que digam respeito à organização política do Município, por ser inconstitucional a norma da Constituição Estadual que cerceie, de alguma forma, a competência do Município para dispor sobre os assuntos de interesse local''.

Se
ocorrer uma intervenção por parte do Estado sem embasamento legal, o Município poderá se utilizar do Poder Judiciário para assegurar sua autonomia.

7 - O MUNICÍPIO É UMA ENTUDADE DA FEDERAÇÃO-

A Federação se subdivide e preserva a unidade nacional. Ela tem a necessidade de se subdividir em entes autônomos para que estes participem nas formações dos princípios vetores de um Estado.

A característica básica de qualquer Federação está em que o poder governamental se distribui por unidades regionais. Na maioria delas essa distribuição é dual, formando-se duas órbitas de governo: a central e as regionais (União e Estados federados) sobre o mesmo território e o mesmo povo. Mas, no Brasil, o sistema constitucional eleva os Municípios à categoria de entidades autonomia, isto é, entidades dotadas de organização e governos próprios e competências exclusivas. Com isso, a Federação brasileira adquire peculiaridade, configurando-se, nela, realmente três esferas de governo: a da União, a dos Estados Federados e a dos Municípios, além do Distrito Federal, a que a Constituição agora conferiu autonomia.

Durante algum tempo nos deparamos com reivindicações de municipalistas clássicos, como Hely Lopes Meirelles a Lordelo de Melo, que pleitearam com insistência e veemência a inclusão dos Municípios no conceito de Federação.

Esses autores, aliás, já sustentavam que o Município é peça essencial da nossa Federação, desde a Constituição de 1946 que o erigiu em entidade estatal de terceiro grau, integrante e necessário ao nosso sistema federativo.

A Constituição de 1988 acolheu finalmente a reivindicação dos famosos municipalistas modificando profundamente a posição do Município na Federação, porque os considera componentes da estrutura federativa.

Realmente, assim estabelece em dois momentos. No art. 1.º declare que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios, e do Distrito Federal. No art. 18 estatui que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados. o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos.

Alguns doutrinadores, no entanto, negam a participação do Município como entidade federada, dentre eles, Jose Nilo do Castro e o mestre José Afonso da Silva. Apesar de não concordarmos com tais posições, citaremos alguns dos fundamentos dessa oposição:

a) na obra "Direito Municipal Positivo". José Nilo de Castro alega que "os Municípios não têm participação no Senado Federal, como possuem os Estados, não podem propor Emendas à Constituição Federal, como o podem os Estados, nem possuem poder Judiciário". Diz ainda que, "sem Estados-Membros, não há que se falar em Federação. Sem Municípios, não se pode afirmar o mesmo evidentemente".

b
) as leis do Município não se subordinam diretamente ao controle de constitucionalidade ingressado no Supremo Tribunal Federal.

c) a cessação do Município se dá por intervenção estadual. A criação, fusão e incorporação do Município cabem a leis estaduais.

d) José Afonso da Silva alega que há na CF/K8 onze ocorrências das expressões unidade federada e unidade da Federação referindo-se apenas aos Estados e Distrito Federal, nunca envolvendo os Municípios.

Respeitamos verdadeiramente as opiniões dos mestres porém, não justificam essas assertivas sobre a não inclusão do Município na Federação.

Além dos motivos até agora expostos nesse trabalho, acrescentamos que o Brasil tem a peculiaridade de possuir um território extenso, necessitando de uma tríplice divisão.

Não podemos incluir como condição da não participação do Município como ente federado o fato de existir Federação apenas com Estados-Membros. Há Federações que não consignam em seu texto constitucional uma só palavra à autonomia municipal, como ocorre nos Estados unidos da América do Norte.

Porém como afirma sabiamente hely Lopes: "As nossas constituições Republicanas preferiram, entretanto, inscrever em seus textos, de par com os princípios federativos, os lineamentos da autonomia municipal, método que, no dizer de Castro Nunes, leva vantagem sobre o norte-americano, por evitar a diversidade caótica do critérios adotados pelos Estados-Membros para conceder essa prerrogativa aos seus Municípios.

As Nações são consideravelmente distintas, cada uma atua conforme suas necessidades. O Município como ente federativo possibilita uma maior abertura na descentralização, conseqüentemente na democracia, princípio essencial para o nosso tão surrado Brasil. Sobre esse assunto ainda comentaremos quando da "conclusão".

8 - CONCLUSÃO

Diante de nossa humilde explanação, concluímos que o avanço do "ente Município" é necessário.

Sua participação como entidade da Federação estava evidente na intenção do legislador quando elaborou o texto constitucional (art. 1.°, art. 18 e indiretamente os arts. 29, 34, VII, "c" e 35).

A
subdivisão da Federação incluindo o Município é necessária também em face das condições e extensões territoriais do país.

O federalismo é algo próximo da democracia e prevê principalmente a descentralização do poder.

O Município é o primeiro degrau de nossa organização políticoadministrativa, assim, a ele cabe ser também o primeiro agente comunitário da democracia do desenvolvimento econômico e da estabilidade das instituições.

Com efeito, o Município é peça essencial na consolidação do regime democrático. Nele se consolida o hábito da democracia, na sua prática realizada nas pequenas comunidades, que depois se generaliza na extensão de toda á amplitude nacional. Para esta consolidação realiza-se uma descentralização política, da qual as principais formas são a descentralização federal, estadual e municipal.

A importância do regime municipal é realmente profunda. Como autêntica escola prática da democracia, ela assegura as franquias liberais, é uma escola de liberdade, ensinando o cidadão a exercer a democracia, a usufruir praticamente da liberdade, preparando-o para a escolha dos candidatos em plano mais elevado.

Há, no entanto, um longo caminho a percorrer para a concretização desse ideal. Os Municípios não dispõem de recursos financeiros suficientes para exercer o papel que lhes cabe.

A maioria tem suas receitas preponderantemente constituída por recursos transferidos, o que reduz sua participação na equação a solução dos problemas que interessam de perto às comunidades locais, sensivelmente agravados pela falta de uma clara definição legal das tarefas que devem caber a cada um dos três níveis da Federação. E, aqui, referimo-nos aos problemas básicos de alimentação, saúde, educação, habitação e outros que assumem, freqüentemente, aspectos dramáticos.

Mesmo a Administração Pública Municipal se esforçando na realização de obras, é o Prefeito quem sofre diretamente a pressão e o ônus da insatisfação popular.

Ao legislador federal cabe reconhecer as diversidades e peculiaridades locais e, conseqüentemente, limitar-se à edição de normas gerais, abrindo espaço para que as autoridades estaduais e municipais regulem e administrem os pormenores da execução; no caso dos Municípios, "os assuntos de interesse local" de que trata a Constituição.

É verdade que o Município já possui uma considerável arrecadação de rendas e uma certa condição de aplicação de recursos para os setores mais carentes quando os governos municipais têm intenções nesse sentido, como se confirma em alguns Municípios do país.

Ainda assim, é preciso que haja uma certa centralização nos serviços públicos básicos, tais como, construção de escolas, hospitais e conjuntos habitacionais, bem como uma maior distribuição de recursos para o ente municipal, a fim de que este estando ligado mais diretamente aos problemas da comunidade, possa agir imediatamente em beneficio do povo.

Essa autonomia e descentralização já estão garantidas pela nossa Lei Maior, restando, portanto, o surgimento de melhores leis nesse sentido e uma real aplicação prática.

9- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

SILVA, José Afonso - Curso de Direito constitucional positivo,. 9.a ed. São Paulo: Malheiros,1992.

MEIRELLES
, Hely Lopes - Direito municipal brasileiro. 6.a ed. São Paulo: Malheiros,1993.

FERREIRA
, Pinto - Comentários à constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1990, V 2.

AGUIAR Joaquim Castro - Competência e autonomia dos Municípios na nova constituição. 1.a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, 2.a tiragem.

CASTRO, José Nilo de - Direito municipal positivo. Belo Horizonte/MG: Livraria Del Rey,1991