ANTECIPAÇÃO DE TUTELA NO PROCESSO EXECUTIVO

MARCELO LIMA GUERRA

Professor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da UFC

SUMÁRIO:
1. Delimitação do problema.
2. Finalidade da antecipação prevista 273, I e 461, § 3°.
3. Estrutura do processo executivo e sua perante incompatibilidade com a antecipação de la.
4. Efeito suspensivo dos embargos do devedor e possibilidade de surgimento de "periculum in mora" também no processo executivo.
5. Caracterização da "prova inequívoca" e do "fumus bone iuris" no processo executivo.
6. No processo executivo a antecipação consiste em se permitir a satisfação (fática e provisória) do direito do credor, na pendência dos embargos do devedor.
7. Presentes os requisitos da antecipação o juiz tem o poder-dever de concedê-la.
8. Sendo a antecipação de tutela forma de concretização do direito fundamental à tutela efetiva, sua utilização se impõe sempre que necessária, independente e mesmo contra texto legal expresso.
9. A compatibilidade entre antecipação e processo executivo permite a sua concessão, "inexecutives", com base no art. 598, do CPC.
10. Negar a possibilidade de antecipação de tutela no processo executivo resulta de interpretação que conduz a absurdo, em face do disposto no art. 461, § 3°.
11. A antecipação de tutela no processo de execução acha-se expressamente reconhecida no ordenamento pátrio, na Lei Antitruste (L. 8.884/94, art. 66).

1. DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA

Desde a recente reforma de 1994, a antecipação de tutela vem sendo intensamente debatida em sede doutrinária, tendo-se produzido, sobre o tema, um volume considerável de trabalhos, na tentativa de elucidar seus aspectos mais controvertidos. Há, todavia, pelo menos um ponto sobre o qual ainda não houve uma reflexão mais aprofundada, a saber, a possibilidade de se determinar a antecipação de tutela no processo executivo. O presente trabalho propõe-se, precisamente, a enfrentar essa questão.

Cumpre, no entanto, delimitar o âmbito da questão a ser aqui enfrentada, no sentido de descartar-se, desde logo, a possibilidade de antecipação de tutela no processo executivo com fundamento no inc. II do art. 273 do CPC.

É que nessa modalidade de processo, como é amplamente sabido, não há "defesa" do devedor, sendo impensável, por isso mesmo, caracterizar-se o seu "abuso de direito de defesa". De outra parte, qualquer conduta do executado, que pudesse ser caracterizada como "manifesto propósito protelatório" não implicaria, ao menos juridicamente, na paralização dos atos executivos, todos eles voltados à satisfação do direito do credor.
Dessa forma, a presente investigação limita-se a examinar a possibilidade de antecipação de tutela, no processo executivo, com fundamento no art. 273, inc. I e art. 461, § 3°, ambos do CPC.

2. FINALIDADE DA ANTECIPAÇÃO PREVISTA NO ARTS. 273,IE461,§3°.

A orientação predominante na doutrina atual nega o caráter cautelar da antecipação de tutela. Os mesmos autores que sustentam tal opinião reconhecem, todavia, que a antecipação de tutela prevista no inc. I, do art. 273 a no § 3°, do art. 461, é destinada a eliminar ou neutralizar o periculum in mora, ou seja, o risco de que a demora do processo cause danos irreparáveis ou de difícil reparação àquele que requer a tutela jurisdicional.

Assim, por exemplo, Ovídio Baptista da Silva, embora negando a identidade entre as medidas antecipatórias e cautelares, reconhece "a estreita analogia entre este inciso I do art. 273 e o pressuposto para as medidas cautelares, constante do art. 798 do Código de Processo Civil". Também Arruda Alvim nega o caráter "cautelar" da antecipação, mas afirma: "No que atine com a hipótese do art. 273, I, resta inequivocamente presente, em nosso sistema, a possibilidade de antecipar-se a tutela, por razão ou motivo de ordem cautelar, levada a cautelaridade às últimas conseqüências (...)".

Desde a magistral obra de Calamandrei, considerada um marco no estudo da tutela cautelar, a doutrina reconhece que de duas maneiras distintas a duração do processo pode representar uma ameaça de dano àquele que requer a tutela jurisdicional, identificando-se, assim, duas modalidades de periculum in mora. Recentemente, vale ressalvar, essas idéias de Calamandrei foram retomadas com muita propriedade por Italo Andolina, havendo esse ilustre processualista preferido substituir a tradicional denominação "periculum in mora" por aquela já sugerida por Finzi de "dano marginal".

Realmente
, essa duração, por um lado, pode apenas criar a oportunidade de que certos eventos ocorram a desses eventos adviria, diretamente, o dano à parte vitoriosa. E o que ocorre, por exemplo, ao deteriorar-se o bem controvertido por fatos acontecidos na pendência do processo. Essa situação de risco foi denominada por Calamandrei de "perigo de infrutuosidade" (pericolo di infrutuositaà), correspondendo ao que Andolina reconhece como "dano marginal em sentido amplo".

De
outra parte, a duração do processo pode ser, ela própria, causa imediata de danos ao autor, simplesmente por submeter o direito controvertido a um prolongado estado de insatisfação. Nessa hipótese a mera permanência no estado de insatisfação do direito, imposta pela duração do processo é a causa imediata de danos irreparáveis ou de difícil reparação, que tornam inviáveis a prestação efetiva da tutela jurisdicional pretendida. Esse risco de dano é aquele denominada por Calamandrei de perigo de tardança e por Andolina de dano marginal em sentido estrito ou por indução processual.

Ora, como se pode facilmente perceber, a técnica da antecipação e tutela visa a eliminar, precisamente, essa Segunda modalidade de periculum in mora ou dano marginal. Com efeito, para combater o "perigo de tardança" ou "dano marginal por indução processual" só se revelam eficazes medidas que permitam uma imediata, ainda que a título precário, utilização do bem da vida pretendido pelo autor.
Nesses casos, na lição insuperável de Andolina, "l'unico strumento in grado di arrestare il prodursi del dano marginale è quello di attribuire prontamente all'attore íl bene controverso, nonostante la perdurante inecertezza relativa all'esistenza del suo diritto".

3. ESTRUTURADO PROCESSO EXECUTIVO E SUA APARENTE E INCOMPATIBILIDADE COM A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

Definida a função da tutela antecipada prevista no art. 273, I, e 461, §3° como sendo a de eliminar ou minimizar o periculum in mora, mais precisamente, aquela modalidade já referida como o dano marginal por indução processual, pode parecer, â primeira vista, inviável a utilização desse instituto no processo executivo, por absoluta falta de necessidade. É que sendo esse processo voltado, exclusivamente, à satisfação concreta do direito do credor consagrado em título executivo é característica de sua estrutura interna que ele seja composto, predominantemente, de atividades ou operações práticas, voltadas a proporcionar esse resultado. Sendo assim, o processo executivo, não submeteria o credor a um prolongado estado de insatisfação, não podendo vislumbrar-se, nesse processo, o surgimento daquele periculum in mora contornável através da antecipação de tutela.

Assim entende, por exemplo, Rodolfo de Camargo Mancuso: "O processo de execução, por outro lado, já é satisfatório por natureza (CPC, art. 612), implicando atos de constrição do patrimônio do devedor ou meios
coativos (astreintes) conducentes à execução específica (CPC, art. 461 e parágrafos, redação da Lei n. 8.952/94), a par de já ser dotado de cautelares específicas (arresto, seqüestro); de outro lado, na execução, propriamente, não há "sentença", de sorte que tal processo também não parece afinado com os pressupostos e as finalidades da tutela antecipada".

4. EEEITO SUSPENSIVO DOS EMBARGOS DO DEVEDOR E POSSIBILIDADE DE SURGIMENTO DE PERICULUM IN MORA TAMBÉM NO PROCESSO EXECUTIVO

Convém lembrar, no entanto, que o processo de execução pode ter seu curso normal interrompido pela eventual oposição de embargos do devedor. Acrescente-se, inclusive, que o CPC assegura, de forma expressa e inequívoca, que os embargos do devedor terão sempre efeito suspensivo.

Se antes da reforma de 1994, o caput do art. 741 e o inc. I, do art. 791, ambos do CPC, deixavam alguma dúvida sobre isso, agora não é mais lícito questionar que, em qualquer hipótese, os embargos do devedor suspendem a execução, em face do disposto no § 1º do art. 739, verbis "Os embargos serão sempre recebidos com efeito suspensivo".

Ora, o simples fato de que o processo executivo seja, em qualquer hipótese, paralisado pela oposição de embargos do devedor, impede que se negue e/ou ignore a possibilidade de que, também nesse processo, fique caracterizado um periculurn in mora. Em outras palavras, a suspensão do processo executivo em razão dos embargos do devedor traz ínsita a possibilidade de danos marginais ao credor, decorrentes da sua espera pelo desfecho dessa ação de conhecimento, em que consistem os embargos.

Observe-se, por oportuno, que essa mesma suspensão pode causar tanto o dano marginal em sentido amplo, como também o dano marginal em sentido estrito, derivado, como se viu, do prolongado estado de insatisfação do direito que se quer ver tutelado.

Uma confirmação de que os embargos do devedor, por suspenderem a execução, podem comprometer o seu resultado útil está, precisamente, na exigência legal da segurança do juízo, como requisito de admissibilidade dos embargos. Sendo os embargos do devedor uma autêntica ação de conhecimento, a sua propositura não poderia estar condicionada ao atendimento de ônus patrimoniais, como é a segurança do juízo, pois isso representaria uma limitação inaceitável a um direito fundamental. Como se sabe, limitações a direitos fundamentais só são toleradas quando exigidas como medida de proteção a outro direito fundamental.

Ora, isso é, exatamente, o que ocorre, como já se procurou demonstrar em outra oportunidade. Na realidade, justifica-se essa limitação ao exercício do direito de ação do devedor, consistente no condicionamento da oposição dos seus embargos ao atendimento da segurança do juízo, na necessidade de assegurar o efetivo exercício do direito de ação (executiva) do credor. Torna-se evidente, portanto, que a função específica do requisito da segurança do juízo consiste em evitar o surgimento de danos marginais decorrentes da suspensão do processo executivo pela oposição dos embargos, servindo, assim, à garantia da frutuosidade da tutela executiva.

Impõe-se reconhecer, todavia, que a segurança do juízo não é medida apta a evitar, em todos os casos, o surgimento de danos marginais durante a suspensão do processo executivo em virtude da oposição de embargos.

Observe-se, desde logo, que o requisito da segurança do juízo é atendido através de medidas executivas em tudo análogas às medidas cautelares conservativas, ou seja, aquelas que são capazes de prevenir apenas o dano marginal em sentido amplo, por limitarem-se a manter inalterada a situação material das partes, sobre a qual incidirá a tutela jurisdicional a ser prestada. Assim, na execução por quantia certa e na de entrega de coisa, a penhora permite manter inalterada a situação patrimonial do devedor, durante a pendência dos embargos e o depósito da coisa assegura a sua integridade, no mesmo período.

Dessa forma, se durante a espera pelo julgamento dos embargos, verificar-se uma situação de dano marginal em sentido estrito ou por indução processual, que consiste, seja recordado, no risco de dano decorrente da simples sujeição do direito do credor a um prolongado estado de insatisfação, a segurança do juízo já não é capaz de assegurar a prestação efetiva de tutela executiva.

Não é outra a situação verificada na execução de prestação alimentícia onde, dada a relevância da obrigação a ser satisfeita para a manutenção do credor, o prolongado estado insatisfação de seu direito é fonte de danos irreparáveis, a impedirem uma satisfação integral de seu crédito, se julgados improcedentes os embargos. Por essa razão é que o legislador autoriza, no par. único do art. 732, do CPC, o levantamento mensal de importância correspondente à prestação alimentícia, quando a penhora recair sobre dinheiro. Dessa forma, não é lícito negar que esse levantamento mensal consiste num inequívoco exemplo de antecipação de tutela executiva na pendência dos embargos do devedor.

Por outro lado, a possibilidade de verificarem-se danos marginais no processo de execução, durante sua suspensão em virtude de terem sido opostos os embargos do devedor, está presente, com toda clareza, na execução de obrigação de fazer e de não fazer. É que, como não se ignora, não há como segurar o juízo nessa modalidade de execução forçada. Sendo assim, os embargos respectivos podem ser opostos livremente e, com isso, suspenderem a execução sem nenhuma medida que assegure seu resultado útil, em caso de serem julgados improcedentes, os mesmos embargos.

Nessa situação, como se vê facilmente, o credor da execução é colocado em posição idêntica ou análoga ao autor, no processo de conhecimento, uma vez que a satisfação do seu direito passa a depender da cognição quanto à existência mesma desse direito.

Observe-se, ainda, que a desnecessidade da segurança do juízo para opor embargos à execução de obrigação de fazer e de não fazer, aliada à suspensividade sempre presente desses embargos, permite o surgimento quer de dano marginal em sentido amplo, quer daquele em sentido estrito, isto é, o chamado dano marginal por indução processual.

5. CARACTERIZAÇÃO DA "PROVA INEQUIVOCA" E DO FUMUS BONI IURIS NO PROCESSO EXECUTIVO

Não resta dúvida, portanto, que também no processo executivo podem se manifestar situações de periculum in mora ou danos marginais, principalmente aquela modalidade consistente no prolongado estado de insatisfação do direito, a saber o dano marginal por indução processual. Tal possibilidade, insista-se, é bastante acentuada na execução de obrigação de fazer, tendo em vista que aí não se exige a segurança do juízo.

Nessa ordem de idéias, convém recordar que além do periculum in mora a antecipação de tutela está condicionada à "prova inequívoca da verossimilhança" ou, na opinião de segmento importante da doutrina, ao mero furnus boni iuris, na antecipação fundada no art. 461 do CPC. São notórias as dificuldades suscitadas pelas tentativas de conceituar, com exatidão, ambas as noções. Verifica-se, mesmo assim, que seja qual for o significado atribuído à "prova inequívoca e a ao "fumus", tais requisitos podem ser considerados atendidos, no processo de execução, pelo(s) documento(s) apresentado(s) como título executivo.

É importante advertir que não é o título executivo como tal que preenche o requisito do fumus boni iuris ou da "prova inequívoca". É que o título executivo é "algo que só existe no processo de execução e esgota nesse toda sua eficácia (...)". Assim, enquanto representação documental típica do crédito a ser satisfeito in executivis, o título executivo é apenas a fattispecie à qual está subordinada a prestação de tutela executiva. Serve, desse modo, como parâmetro para estabelecer os limites subjetivos e objetivos da atividade executiva, sem que, no entanto, seja dotado de qualquer "eficácia certificativa" ou "valor probatório" quanto à existência do crédito por ele representado.

De outra parte, para atender qualquer uma das hipóteses legais de título executivo, é necessária uma documentação e essa documentação é que irá satisfazer o requisito da "prova inequívoca", ou do mero fumus boni iuris, na cognição sumária sobre o direito, a ser realizada pelo juiz para a concessão de tutela antecipada.

6. NO PROCESSO EXECUTIVO A ANTECIPAÇÃO CONSISTE EM SE PERMITIR A SATISFAÇÃO (FÁTICA E PROVISÓRIA) DO DIREITO DO CREDOR, NA PENDÊNCIA DOS EMBARGOS DO DEVEDOR

Convém esclarecer que a antecipação de tutela, no processo executivo suspenso em virtude da oposição de embargos, consistiria, apenas, em permitir a satisfação (total ou parcial) meramente fática e provisória do crédito objeto da execução, antes de serem julgados os embargos do devedor, assim como ocorre no processo de conhecimento. Dito de outra forma, a antecipação de tutela, nessa hipótese, não consiste na própria atividade executiva (satisfativa no plano jurídico), pois tal atividade encontra-se suspensa, total ou parcial, pelo efeito suspensivo dos embargos do devedor. Trata-se, portanto, assim como a antecipação concedida no processo de conhecimento, de permitir a satisfação, repita-se, fática e provisória de um direito, cuja existência está sendo discutida em juízo (nos embargos do devedor).

7. PRESENTES OS REQUISITOS DA ANTECIPAÇÃO O JUIZ TEM O PODER-DEVER DE CONCEDÊ-LA

Vários são os argumentos que se pode aduzir em defesa dessa interpretação, admitindo a antecipação de tutela no processo executivo.

Inicialmente, cumpre observar que a concessão de tutela antecipada não caracteriza-se como ato discricionário do juiz. Isso significa que, presentes os requisitos legais da antecipação, ela deve ser concedida.

É o que ensina Nelson Nery Jr.: "Embora a expressão "poderá", constante do CPC 273 caput possa indicar faculdade a discricionariedade do juiz, na verdade constitui obrigação, sendo dever do magistrado conceder a tutela antecipatória, desde que preenchidos os pressupostos legais para tanto não sendo licito concedê-la ou negá-la pura e simplesmente".

8. SENDO A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA FORMA DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA EFETIVA, SUA UTILIZAÇÃO SE IMPOE SEMPRE QUE NECESSÁRIA, INDEPENDENTE E MESMO CONTRA TEXTO LEGAL EXPRESSO

De outra parte, é certo que tanto no art. 273, como no art. 461, a lei só prevê, expressamente, a concessão da tutela antecipada no processo de conhecimento. Não é licito, todavia, concluir que o silêncio da lei quanto à utilização de tais medidas no processo executivo significa uma vedação legal nesse sentido.

É importante esclarecer que as medidas antecipatórias, quando destinadas a eliminar pericula in mora, caracterizam-se como autêntica concretização do direito fundamental ao processo devido, insculpido no inc. XXV, do art. 5o , da CE Ora, uma das principais características da especial força jurídica (positividade) que o moderno constitucionalismo reconhece aos direitos fundamentais consiste na sua aplicabilidade imediata. Por tal característica se deve entender que, no atendimento concreto do juiz a exigências que se lhe revelam indispensáveis para concretizar um dado direito fundamental pode (e deve) ocorrer independentemente a mesmo contra a lei infraconstitucional.

Como ensina Vieira de Andrade, na falta de lei que concretize determinado direito fundamental, "o princípio da aplicabilidade directa vale como indicador de exequibilidade imediata das normas constitucionais, presumindo-se a sua 'perfeição', isto é, a sua autosuficiência baseada no caráter líquido e certo do seu conteúdo de sentido. Vão, pois, aqui incluídos o dever dos juízes e dos demais operadores jurídicos de aplicarem os preceitos constitucionais e a autorização para com esse fim os concretizarem por via interpretativa".

Dessa
forma, revelando-se indispensável para a prestação efetiva de tutela executiva, numa dada situação concreta, a antecipação de tutela no processo de execução suspenso em virtude de embargos do devedor, está o juiz autorizado a fazê-lo, mesmo na falta de expressa autorização legal. Isso se justifica em razão do caráter de medida concretizadora de direito fundamental reconhecido a essa modalidade de antecipação de tutela, ou seja, a das medidas destinadas a eliminar danos marginais por indução processual (art. 273, inc. I e art. 461 § 3o , ambos do CPC).

9. A COMPATIBILIDADE ENTRE ANTECIPAÇÃO E PROCESSO EXECUTIVO PERMITE A SUA CONCESSÃO, NESSE PROCESSO, COM BASE NO ART. 598, DO CPC

De outra parte, a demonstrada possibilidade do credor vir a sofrer dano marginal por indução processual no processo executivo suspenso por embargos, é indicativo suficiente da compatibilidade da antecipação de tutela, quando destinada a eliminar tais danos, com a estrutura a função próprias da execução forçada. Sendo assim, em face do silêncio da lei é possível utilizar a antecipação de tutela no processo executivo, também com fundamento no art. 598 do CPC, segundo o qual "Aplicam-se subsidiariamente à execução as disposições que regem o processo de conhecimento".

A aplicação subsidiária ao processo executivo de norma relativa ao processo de conhecimento exige a presença cumulativa de dois pressupostos, a saber, a existência de lacuna no processo de execução que possa ser preenchida com norma do processo de conhecimento e a compatibilidade entre a aplicação de tal norma e a função e estrutura próprias do processo de execução. É que sem lacuna, não há que se falar em "aplicação subsidiária", ao passo que a falta de compatibilidade do instituto a ser "importado" do processo de conhecimento com o executivo conduz, inevitavelmente, a uma distorção desse Ultimo.

Na lição lapidar de Arruda Alvim "toda vez que se tratar de 'arrancar' do Livro do Processo de Conhecimento um instituto, pretendendo que haja uma lacuna no livro do Processo de Execução, há que se verificar: primeiro, se existe realmente lacuna; segundo, se o instituto que se pretende usar é compatível com aqueles princípios que informam, estruturam e traçam o perfil do Processo de Execução, pois se não houver compatibilidade, apesar da lacunosidade não poderá haver aplicação subsidiária, devendo, então, a referida lacuna ser suprida por princípios inerentes e próprios ao processo de execução".

10. NEGAR A POSSIBILIDADE DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA NO PROCESSO EXECUTIVO RESULTA DE INTERPRETAÇÃO QUE CONDUZ A ABSURDO, EM FACE DO DISPOSTO NO ART. 461, § 3°

Cumpre advertir, ainda, que negar a aplicabilidade da antecipação de tutela no processo executivo conduziria a um resultado bizarro e paradoxal, a saber, o titular de um direito meramente afirmado poderia obter uma tutela jurisdicional mais "forte", mais imediata do que o titular de um direito consagrado em título executivo. Realmente, não parece razoável que alguém apenas afirmando-se titular de um direito (e desde que demonstre o fumus boni iuris e o periculum in mora) possa obter uma satisfação imediata desse direito, ainda que apenas de fato e provisória, enquanto a mesma possibilidade não estaria disponível a alguém titular de um direito já considerado merecedor de satisfação definitiva, ou seja, de um direito consagrado em título executivo. Uma tal interpretação conduz a um flagrante absurdo, o que viola dos mais tradicionais princípios hermenêuticos.

11. A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA NO PROCESSO DE EXECUÇÃO JÁ FOI EXPRESSAMENTE RECONHECIDA NO ORDENAMENTO PÁTRIO, NA LEI ANTITRUSTE (L. 8.884 / 94, ART. 66)

Finalmente, cumpre lembrar que a antecipação de tutela em processo executivo foi, recentemente, admitida de modo expresso pela Lei Antitruste. Com efeito, dispõe o art. 66, da L. 8. 884/94: "Em razão da gravidade da infração da ordem econômica, e havendo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ainda que tenha havido o depósito as multas a prestação de caução, poderá o juiz determinar a adoção imediata, no todo ou em parte, das providências contidas no título executivo".

Dessa forma, ainda que não fossem considerados qualquer dos argumentos acima, e uma vez identificada como lacuna a falta de referência expressa à antecipação no processo executivo, poder-se-ia facilmente integrá-la, por analogia, recorrendo à referida norma da Lei Antitruste.