AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE SOBRE IPTU TAXA DE LIXO - DIGRESSÕES
STÊNIO
CARVALHO LIMA
Procurador
Geral do Município de Fortaleza
Como Procurador Geral do Município de Fortaleza, em fevereiro de
1997, enfrentei interessante problema relacionado com o IPTU e a cobrança da
Taxa de Lixo - TCLD.
Por sua importância, resolvi trazer, neste volume da Revista da PGM, a matéria,
para servir de debate a discussão sobre tão importante assunto.
É que o Partido Comunista do Brasil - PC do B, o Partido dos Trabalhadores -
PT, o Partido Socialista Brasileiro - PSB e o Partido Democrata Trabalhista -
PDT, manejaram ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de
justiça do Estado do Ceará, com o objetivo de retirar do ordenamento jurídico
do Município de Fortaleza, os arts. 3° a 5° da Lei Municipal n° 8.125 / 97,
art. 7°, da Lei n° 6.545 / 89 e art. 4°, da Lei n° 6.806 / 91, que versam sobre
à cobrança do Imposto Territorial Urbano - IPTU e da Taxa de Coleta de Lixo
Domiciliar - TCLD, referente ao exercício 1997.
Aduziram que o IPTU conteria progressividade, vedada pelos §§ 2° e 4°, do art.
182, § 1°, do art. 156, todos da Constituição Federal e que a TCLD, "por
possuir base de cálculo própria", do IPTU afrontaria o art.156 da Carta
Magna.
O Tribunal de justiça do Estado do Ceará, em sua composição Plenária, concedeu
a Liminar suspendendo a cobrança da TCLD, e quanto ao IPTU, exercendo as
funções de legislador positivo, estabeleceu a alíquota uniforme de 0,7% (sete
décimos por cento) - que era prevista na Lei para os imóveis residenciais -
também para os não residenciais (comerciais) e para os não edificados.
Averbe-se que a concessão dessa liminar, resultou em vultoso prejuízo para os
cofres municipais, porquanto o IPTU teve reduzidas suas alíquotas, enquanto a
cobrança da TCLD, foi pura e simplesmente suspensa, sob o pretexto de que é
inconstitucional.
Restará demonstrado, em tópico próprio, a inexistência de afronta do texto
constitucional. Após a concessão da liminar, o Município de Fortaleza aforou
perante o Supremo Tribunal Federal uma Reclamação por entender da
impossibilidade de declaração de inconstitucionalidade de norma local em face
da Constituição Federal perante os Tribunais de Justiça, tema, alias, debatido perante a citada Corte e cuja pacífica
jurisprudência aponta para essa impossibilidade, rogando a cassação do citado
“decisum”.
Ao meu ver, in casu, salvo melhor juízo, a
ilegitimidade do TJ-CE patente, pelo que o STF, na qualidade de guardiã da
Constituição Federal não poderá quedar-se inerte diante dessa decisão
flagrantemente ilegítima.
É certo que, a justificar a competência do TJ-CE, os promoventes transcreveram
ementas inaplicáveis ao caso concreto e engendraram raciocínio sofístico que
induziu os julgadores originários ao erro, manipulando expressões como "
reprodução compulsória de normas da Constituição Federal" e invocando a
Reclamação n° 383, dentre outras decisões lapidares.
Da Incompetência do TJCE.
Da suposta Afronta de Norma da Constituição Federal por Lei Municipal.
Impossibilidade.
Com efeito, os dispositivos constitucionais supostamente afrontados (arts. 156
e 182, CF/88) são repetidos no texto da Constituição do Estado do Ceará.
Inobstante, pretenderam os requerentes que esta reprodução seja obrigatória,
ela não o é.
O fundamento jurídico para justificar a competência do TJCE baseia-se
inteiramente nesta premissa falsa.
Observe-se que o Sistema Tributário Nacional está positivado na Constituição
Federal e não é de reprodução obrigatória no texto constitucional estadual.
Cuida-se o argumento, tão-somente, de uma forma escamoteada do Tribunal
estadual operar um controle de constitucionalidade de norma local em face da
Carta Magna - pronunciamento absolutamente ilegítimo.
O STF, em Reclamação relatada pelo Ministro Paulo Brossard, manifestou-se nos
seguintes termos:
|
Ausência dos Pressupostos da
Medida Liminar
Ao meu ver, além da flagrante incompetência do TJ-CE, afigurase-me
claro que, no presente caso, não compareceram, ainda, os requisitos essenciais
para o deferimento do provimento liminar.
De fato, não existia a aparência do bom direito, nem muito menos o perigo da
demora, como facilmente se demonstra.
Com efeito, não existe a aparência do bom direito porque as teses de mérito
sustentadas pelos autores são da mais absoluta improcedência. A tese mais eloqüente diz respeito a aumento supostamente abusivo.
Ocorre que a questão do aumento dos tributos é um problema político, que é
resolvido pelo Poder Legislativo. A garantia do contribuinte, quanto a isto,
reside em que o tributo só pode ser cobrado nos termos da lei. E temos lei,
regularmente aprovada e publicada pela Câmara, conforme, alias,
os autores reconhecem expressamente reportando-se inclusive ao Diário Oficial
em que a mesma foi publicada, e instruindo a inicial com um exemplar do mesmo.
Os autores argüíram, é certo, a inconstitucionalidade
da lei relativamente ao IPTU.
Apontam uma suposta progressividade,, transcrevendo o art. 7°, do Decreto
9.575, de 23.11.95, dispositivo já revogado, e portanto sem qualquer valia para
a defesa da tese do autor.
A progressividade, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
que invoca e transcreve, colocaria esse imposto em conflito com a Constituição.
Transcrevem, porém, os autores, desmentindo suas próprias teses, o art. 7°, da
Lei n° 6.545, com redação que lhe deu a Lei n° 8.125, de 26.12.97, onde estão
fixadas as alíquotas do IPTU, que de nenhum modo são progressivas.
Com certeza, não distinguem progressividade, que nos termos da jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal é inadmissível, de seletividade, que é permitida, e
mais que isto, é recomendada pela Constituição, pois realiza melhor a função
social da propriedade, e torna o imposto mais justo.
Ora, como se sabe, o imposto pode ser fixo, proporcional, ou graduado, segundo
lição do saudoso mestre Aliomar Baleeiro e a
progressividade é uma forma de graduação da alíquota.
É que no imposto graduado, que pode ser progressivo, ou regressivo, tem-se no
primeiro caso alíquota que aumenta na medida em que aumenta a base de cálculo,
e no segundo, alíquota que diminui na medida em que aumenta a base de cálculo.
"Há uma relação matemática crescente, ou decrescente, conforme o vulto da
coisa ou fato sujeito ao gravame fiscal." (Aliomar
Baleeiro, Uma Introdução à Ciência das Finanças, Forense, Rio de janeiro,1955,
vol. I, p.265).
Trata-se de conceito antigo e universal. Primário até, para quem conhece
alguma coisa de Ciência das Finanças e Direito Tributário. "PROGRESSIVE TAX - a tax in which rate increases as the amount
subject to tax increases." (Steven H. Gifis, Law Dictionary, Barron's
Educational Series, New York, EUA, 1991, p. 481). "Se denominam progresivos a los impuestos establecidos com una
alícuota creciente del monto imponible y regresivos aquellos cuya alícuota es
decresciente a medida que crece el monto imponible." (Dino Jarach, Finanzas Públicas,
Editorial Cangallo, Capital Federal - República
Argentina,1978, p.303).
No mesmo sentido inúmeras obras podem ser citadas, nacionais e estrangeiras,
porque se trata realmente de um conceito antigo e universal, tranqüilo entre os tributaristas e financistas:
A bem dizer e proclamar, o IPTU, na lei vigente do Município de Fortaleza - n°
8.125/97 - não é progressivo, porque as suas alíquotas não variam em função do
valor do imóvel, nem em função de qualquer elemento do mesmo imóvel.
É ele SELETIVO, porque tem alíquotas diferentes para imóveis em situações
diferentes.
Sublinhe-se que a alíquota mais elevada, de 5% (cinco por cento), incide sobre
os imóveis não edificados (terrenos) situados nos distritos 1, 2, e 3 vale dizer,
em zonas nas quais, em face do desenvolvimento urbano que a Cidade alcançou, já
não se justifica permaneçam terrenos sem edificação, que somente assim
permanecem no interesse de imobiliaristas que dos
mesmos não se utilizam, desprezando a função social que a propriedade deve ter.
E confundir seletividade com progressividade, data máxima vênia, é erro
primário.
Por oútro lado, argüem os
autores também a inconstitucionalidade da lei com relação à Taxa de Coleta de
Lixo.
Sustentam, em argumentação empolada e prenha de conceitos equivocados, que a
referida taxa tem base de cálculo própria de imposto.
Falam de Taxa de limpeza pública, em flagrante demonstração de desconhecimento
da matéria, citando dispositivos de lei já não mais vigente, e asseveram que a
Taxa está contaminada pela progressividade, que invalida a cobrança do imposto,
e em conseqüência também a da Taxa. Dizem lesionado o
princípio da isonomia, o princípio da capacidade contributiva, e inobservado o
princípio da proporcionalidade razoável, e concluem afirmando a ocorrência de
bitributação, invocando jurisprudência inteiramente superada, porque
relacionada a leis de outros Municípios, e cujas disposições similares, do
Município de Fortaleza, já não estão em vigor.
Quanto à inocorrência de progressividade, repete-se, aqui, toda a argumentação
desenvolvida já em relação ao IPTU, a demonstrar que induvidosamente inexiste
tal progressividade, seja em relação ao IPTU, ou em relação à TCL.
Com efeito, a Taxa de Coleta de Lixo Domiciliar - TCLS - do Município de
Fortaleza, tem por fato gerador a prestação do serviço de coleta do lixo
produzido no domicílio do contribuinte, e assim, um serviço específico e
divisível.
Não leva em conta o valor do imóvel, que é a base de cálculo do IPTU. Mais rigososamente, a Taxa de Coleta de Lixo Domiciliar, na
maioria dos casos não tem sequer base de cálculo. É cobrada com referência a
uma tabela de valores fixos, determinados em função da área construída, do
padrão e da localização do imóvel do contribuinte.]
Não tem valor exorbitante, como se pode ver. Mesmo em relação aos
imóveis de padrão LUXO e de área edificada superior a 500 m2, está fixada em
apenas R$ 270,00 por ano, o equivalente a apenas R$ 23,12 por mês, o que
equivale dizer que o contribuinte paga menos de R$ 1,00 por cada coleta
realizada.
Por outro lado, não lesiona o Princípio da Isonomia nem o da Capacidade
Contributiva, mas pelo contrário, realiza esses dois princípios tanto quanto é
possível.
Poderia, é certo, o Município, ter legislado no, sentido de que a Taxa de
Coleta de Lixo Domiciliar fosse cobrada tendo-se em vista o custo então, de um
hotel de grande porte, de um supermercado, de um restaurante, de um grande
hospital, o mesmo valor cobrado do proprietário de um prédio humilde, de pequenas
proporções.
Será que isso seria isonômico? Será que assim estaria respeitando o Princípio
da Capacidade Contributiva?
Poderia, outrossim, cobrar a taxa na exata proporção do lixo coletado.
Teria, então, de equipar cada caminhão de coleta de lixo com uma balança.
E o tempo, e o pessoal empregado no serviço, terminaria por encarecer o custo
do serviço.
Será que isso seria razoável?
Da matéria de fato controvertida .
Procurei mostrar que da leitura da inicial e das razões oferecidas na
Reclamação de que se trata, existe, na ADIN, matéria de fato controvertida, a
demandar acurado exame de provas, o que seria bastante para recomendar o
indeferimento da medida liminar requerida.
Por outro lado, um número absolutamente insignificante, no universo dos contribuintes,
contados em milhares, muitos dos quais pagando pacificamente seus tributos,
está a sugerir que os que reclamaram junto ao órgão autor encontram-se em
situações excepcionais, nas quais pode ter havido erro de lançamento. Erro para
cuja correção a lei aponta o caminho adequado da reclamação administrativa
junto à Secretaria de Finanças, direito que não foi exercitado pelos
contribuintes belicosos, certamente porque estão eles a serviço de interesses
políticos dos senhores Vereadores da oposição, de nenhum modo interessados em
que a Prefeitura realize boa administração da cidade.
Aspectos de mérito
Quanto ao mérito, sustentei a tese de que é flagrantemente improcedente a ADIN
em tela.
Enfatizei, que quanto a TCLD, não se trata de limpeza pública, mas de coleta de
lixo domiciliar: serviço específico e divisível, portanto, sendo impertinente a
jurisprudência invocada.
A tabela em que se determina os valores respectivos, da TCLD e o cálculo que em
situações excepcionais é feito, levam em conta a área, e não o valor dos
imóveis, valor que é diferente em cada um dos vários distritos em que está
dividida a cidade. Área, e valor, no caso, são coisas bem diferentes, e a área
funciona como critério de dimensionamento da quantidade de lixo produzido.
Portanto, por aí há de se ver que não há, na Taxa em questão, que não há, na
Taxa em questão, nenhuma inconstitucionalidade, como bem demonstra o Professor
Hugo de Brito Machado, em brilhante parecer que foi acostado à Reclamação, no
qual analisa exaustivamente todos os argumentos colocados no apelo em causa.
Sobre Taxa de Lixo, devo aduzir, ainda, por oportuno, que o Colendo Superior
Tribunal de justiça, em diversos casos, já afirmou a constitucionalidade da
Taxa em questão, em causas envolvendo outros Municípios, em situações idênticas
ao de Fortaleza, como se vê no REsp 000 33996 - 4 /
GO a REsp 00011940 - 0 / SP
O interesse público a ser preservado
Por fim, sublinhei que há de se considerar, finalmente, que o caso envolve
inegável interesse público, sendo certo que o deferimento da liminar
suspendendo os efeitos das Leis Municipais em tese, causou seríssimo abalo às
finanças do Município de Fortaleza, já combalidas em face de uma série de
medidas adotadas pelo Governo Federal, que tudo vem fazendo, como é de todos
sabido, para anular as vantagens que a Constituição de 1988 deu aos municípios
em matéria de partilha tributária.
Diante do exposto, o Município de Fortaleza requereu a cassação da decisão
cautelar do Tribunal de justiça do Estado do Ceará, exorbitante de sua
competência e ofensiva à jurisdição da Suprema Corte, como guardiã primacial da
Constituição Federal.
A matéria até agora - julho de 1998 - não mereceu decisão do Excelso Pretório.
E impacientemente, como Procurador Geral do Município aguardo a decisão do
Pleno do Tribunal Máximo sobre tão palpitante tema.