A COMPETENCIA DOS MUNICIPIOS EM MATERIA AMBIENTAL

DENISE BARBOSA SOBREIRA

Procuradora do Município

SUMÁRIO
I
- MEIO AMBIENTE. CONCEITO E FUNDAMENTOS.
II - AUTONOMIA MUNICIPAL E COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS EM MATÉRIA AMBIENTAL.

I. MEIO AMBIENTE.

CONCEITO E FUNDAMENTOS

O conceito jurídico de meio ambiente, referido na Lei Federal n° 6.938 / 81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, contido no seu art. 3° é "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e bilógica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas". Referindo-se esta lei ao meio ambiente como conjunto de leis, são elas que, em princípio, exprimem o interesse público e que disciplinam o comportamento do homem no seu habitat. A lei ao ordenar o comportamento do homem está garantindo os seus direitos.

As leis que disciplinam a proteção, defesa, conservação e recuperação do meio ambiente pretendem garantir o meio ambiente sadio, como um dos direitos assegurados ao homem.

O meio ambiente que se pretende assegurar é o meio ambiente sadio e o fundamento deste direito está esculpido primordialmente na Constituição Federal que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ( art. 225 C.F ) ,em leis infraconstitucionais, como a Lei Federal n° 6.983 / 81 que pretende garantir o direito ao meio ambiente de maneira sadia e na prevalência sempre do interesse público sobre o particular.

O meio ambiente é tratado pela Constituição, de maneira inédita, como um direito de todos, bem de uso comum do povo, e essencial à sadia qualidade de vida.

Até o advento da nova Constituição Federal, o meio ambiente era garantido por disposições comuns e se caracterizavam pela tutela da segurança ou higiene do trabalho, por proteção de alguns aspectos sanitários ou por cuidarem de algumas atividades industriais insalubres ou perigosas. A feição publicista dada ao meio ambiente veio com a adoção pela Carta Magna da moderna concepção social do Estado e dos direitos do cidadão frente a sua função essencialmente social, podendo, com base nessa nova visão constitucional do Estado, haver limitações a determinados direitos fundamentais, especialmente os que cuidam da propriedade e da livre iniciativa econômica, em função de proteger uma melhor qualidade de vida.

Vê-se tal tendência mesmo no Preâmbulo da Constituição Federal quando instituiu um Estado Democrático destinado a assegurar à sociedade brasileira, entre outros direitos, o de bem-estar, o que implica em um Estado que desenvolva atividades no sentido do homem se sentir em perfeita condição física ou moral, com conforto de saúde e em harmonia com a natureza, exigindo-se, para o bem-estar do ser humano, a existência de um meio ambiente livre de poluição e de outras situações que lhe causem danos.

A promoção do bem-estar de todos como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil obriga a que os administradores públicos tenham um comportamento vinculado a esse preceito constitucional o que por conseqüência, implica na obrigatoriedade de se proteger o meio ambiente.

II. AUTONOMIA MUNICIPAL E COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS EM MATÉRIA AMBIENTAL

"O município, dentro de sua autonomia constitucional para legislar em matéria administrativa, e para atuar, em conseqüência, no exercício de seu poder de polícia, pode restringir liberdades e até mesmo a propriedade, em benefício da coletividade local visando proteger a saúde, o meio ambiente e até mesmo a vida dos munícipes. Pode e deve, posto que se trata aí do desenvolvimento do princípio do poder-dever do administrado público" ( Toshio Mukai, RDP 79/ 125).

Uma das características do Estado Federado é a descentralização política ou repartição constitucional de competências. Nesse sentido a Constituição Federal descentralizou as competências entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios em razão da autonomia de cada ente federado.
O legislador constituinte repartiu entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios as várias competências do Estado Brasileiro e entre esses também repartiu as atribuições relacionadas ao meio ambiente.

O Município como ente federado, conforme expressa o art. 1° da carta Magna, é portador de autonomia, decorrente da capacidade de eleger o seu chefe do Executivo e os representantes do Poder Legislativo local, além de ofertar-lhes uma administração própria no que diz respeito aos seus peculiares interesses. Também como ente federado é obrigado a efetivar os princípios fundamentais do Estado Brasileiro enunciadosa no art. 3° da Carta Maior.

A integração dos Municípios no Estado Federado à partir da atual Constituição, reconhece a capacidade dos Municípios de se autoorganizarem, elaborando, eles próprios, a sua Lei Orgânica, ampliando suas competências que até então lhes eram outorgadas. Essa autonomia municipal assenta-se em várias capacidades próprias do Município, entre elas a capacidade normativa própria, ou capacidade de auto-legislação, mediante a competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar.

A autonomia municipal se circunscreve, na concepção constitucional hoje vigorante, no âmbito do território a que está sediado, como uma síntese de fatores sociais e econômicos, revelando-se, assim, como forte expressão política e jurídica. O Município "desempenha atividades de caráter local, a que se inserem no contexto geral do desenvolvimento e bem-estar nacionais" ( Diomar Filho, in Autonomia Municipal na nova Constituição, Rev Tribunais,1977, set. 1988, vol. 635,pg.37).

São competentes para legislar, de forma concorrente, sobre meio ambiente a União, os Estados e o Distrito Federal, nos termos do art. 24, VI, VII e VIII da Constituição Federal. É competente, em comum com aqueles que podem legislar o Município ( art. 23, II, III, VI, VII da Constituição Federal). São conferidos ao poderes públicos federal, estadual, distrital e municipal, os deveres de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações ( art. 225 da Constituição Federal), legislando, aplicando a lei e fiscalizando o seu cumprimento.

Observa-se, dessa divisão expressa de competências, que ao Município compete prover, defender e preservar o meio ambiente nos termos do art. 23 e 225 da Constituição Federal.

Nos termos do art. 30 da Carta Magna, o Município é ente federado com autonomia política para dispor sobre todas as questões relacionadas ao interesse local. A par dessa competência a Constituição Federal expressa e enumera outras, nos incisos III a IX do art. 30 e no art.156. Possui, frise-se, ainda, competências comuns, elencadas no art. 23 e competências expressas, utilizáveis concorrentemente com os demais Poderes Públicos, nos termos do art.225, para dispor sobre proteção ambiental.

" Art. 30. Compete aos Municípios:

I- legislar sobre assuntos de interesse local;

II- suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.

Comprovando-se o predominante interesse local, da exegese destes dispositivos constitucionais, pode-se estabelecer normas municipais sobre o meio ambiente, vez que compete ao Município zelar por assuntos de preponderante interesse local, nestes incluindo-se a preservação do meio ambiente e seu aproveitamento de maneira racional.
É o "interesse local" que definirá a competência municipal nas questões ambientais em consonância com a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal em legislar sobre proteção ao meio ambiente.

Interesse local, conforme nos ensina o Prof. Hely Lopes Meirelles " se caracteriza pela predominância ( e não pela exclusividade) do interesse para o Município, em relação ao do Estado a da União. Isso porque não há assunto municipal que não seja reflexamente de interesse estadual e nacional. A diferença é apenas de grau e não de substância". ( in Direito de Construir, 6a ed.,1993, pág.120, ed. Malheiros.)

O que define e caracteriza o "interesse local" é a predominância do interesse à atividade local sobre o do Estado e da União. Quando essa predominância tocar ao Município, a ele cabe regulamentar a matéria, como assunto de seu interesse local. Assim, os assuntos de interesse local surgem em todos os campos em que o Município atue com competência explicita ou implícita.

Assim, sempre que, a despeito da competência da União ou do Estado para disciplinar determinada matéria em âmbito federal ou regional estiver presente o interesse local, cabe a atuação legislativa do Município.

O Município, de fato, foi excluído do dispositivo constitucional que expressamente permite legislar sobre proteção ambiental ( art. 24, da C.F ). Contudo, diante da interpretação sistemática da Constituição Federal ( arts. 23, 30, I e II e 225) é competente, em comum, com os demais poderes para prover, respeitando os limites de sua autonomia, sobre o meio ambiente.

O Município além de cumprir as legislações federais e estaduais pode e deve legislar para atender ao interesse eminentemente local.

"Concorrentemente com a União e os estados, os Municípios podem exercer a fiscalização do equilíbrio ecológico e, em decorrência, aplicar sanção"( RE n ° 75.009 - SP, 14a Turma, v,u., STF, in RTJ 63/ 858 ).
Sobre a competência do Município em legislar sobre matéria ambiental quando presente o interesse local, veja:

" Muitas, entretanto, são as atividades que, embora tuteladas ou combatidas pela União e pelos Estadosmembros deixam remanescer aspectos da competência local, e sobre os quais o Município não só pode como deve intervir, atento a que a ação do Poder Público é sempre um poder-dever. Se o Município tem o poder de agir em determinado setor, para amparar, regulamentar ou impedir uma atividade útil ou nocisa à coletividade, tem, correlatamente, o dever de agir, como pessoa administrativa que é, armada de autoridade pública e de poderes próprios para a realização de seus fins." ( Hely Lopes Meirelles, ob. cit. pg.121) .

Assim os assuntos de interesse nacional ficam sujeitos à regulamentação e policiamento da União; as matérias de interesse regional sujeitam-se às normas e à policia estadual; e os assuntos de interesse local ao policiamento administrativo municipal. Assim também é que, embora a competência legislativa sobre meio ambiente seja expressamente da União e dos Estados, o Município, ao identificar seu interesse local, pode exercer sua competência através do exercício do poder de polícia ambiental e editar normas locais objetivando garantir a saúde e o bem- estar de sua população.

Paulo Affonso Leme Machado nos ensina que "a competência natural dos Municípios é a de legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I C.E) e, nesses assuntos, o meio ambiente pode estar incluído toda vez que a questão ambiental não for geral e/ ou nacional ou regional (...) Inconteste, também, que os Municípios poderão legislar supletivamente sobre o meio ambiente, desde que se sujeitem às regras do art. 24. §§ 1°, 2°, 3°, e que a suplementação das leis federais e estaduais tenham, relação com o interesse local" ( in Direito Ambiental Brasileiro, 2a ed., São Paulo, Revista dos tribunais,1989, pg.103).

A competência do Município na proteção ambiental é decorrente e limitada pelo interesse local, entendido como predominante interesse comparado ao do Estado ou da União.

BIBLIOGRAFIA

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BONAVIDES, PAULO, Curso de Direito Constitucional, 6a edição, ed. Malheiros, 1994.

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