DIREITO
DE CONSTRUIR, LEVANDO-SE EM CONTA A PROPRIEDADE DO SOLO
MARCELO
SAMPAIO SIQUEIRA
Procurador
do Município de Fortaleza | Professor de Direito Civil da Universidade de
Fortaleza
SUMÁRIO
1.
LINHAS INTRODUTÓRIAS.
2. NATUREZA DO DIRETTO DE CONSTRUIR.
3. RESTRIÇÕES URBANÍSTICAS AO DIRETTO DE CONSTRUIR.
4. PROPRIEDADE DO SOLO E O DIREITO DE CONSTRUIR.
1. LINHAS INTRODUTÓRIAS
O tema a ser dissertado no presente trabalho envolve o Direito de
Construir, levando-se em conta a separação entre a propriedade do solo e o
direito de construir.
Na verdade, a matéria a ser estudada é bastante ampla, sendo
necessário organizar a análise dos pontos mais relevantes e palpitantes desta
matéria que envolve disciplinas do Direito Civil (Direito de Propriedade),
Direito Urbanístico, Direito Administrativo e Direito Municipal.
Devemos nos deter no artigo 572 do Código Civil que determina o
poder do proprietário de levantar em seu terreno as construções que lhe
aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos.
O estudo que ora se apresenta limitar-se-á ao significado do
referido artigo, buscando o estudo do direito de construir no sentido mais
estrito, isto é, o direito de construir em solo urbano e as limitações a este
impostos pelos regulamentos administrativos.
Não é objetivo desta pesquisa tecer análises sobre as limitações
ao direito de construir causadas pelas relações existentes com vizinhos, pois o
que se propõe a discutir é a edificação urbana e as normas pertinentes a este
direito, levando-se em conta as diversas legislações reguladoras.
Também não far-se-á, nesta dissertação, distinção entre restrições
e limitações, isto é, ambas serão mencionadas como se tivessem o mesmo
significado. Ao contrário, Hely Lopes Meirelles 1 diferencia as mesmas,
designando limitações urbanísticas quando estas forem de direito público e
restrição urbanística quando forem de direito privado.
Após uma conceituação sobre a matéria em foco, será feita uma análise sobre
quem detém a competência regulamentar do direito de construir e quem detém o
poder de polícia sobre o mencionado direito
Em um outro tópico, será analisada a função social da propriedade
e o direito de construir. Também será feita uma pesquisa sobre a propriedade do
solo e a separação desta do direito de construir, a qual se falará das
limitações trazidas pelas diversas regulamentações urbanísticas inerentes ao
uso, gozo e disponibilidade da propriedade.
As limitações ou restrições referidas acima não deverão ser
absolutas, sob pena de não se adequarem aos princípios constitucionais e
tornarem-se abusivas e portanto inconstitucionais. Lembra-se que toda medida
deve estar amparada na adequação, na necessidade e na proporcionalidade em
sentido estrito. 2
Ao final, buscar-se-á uma conclusão em torno do questionamento: se
o direito de construir está associado ao direito de propriedade ou é uma
concessão advinda do poder público-
2. NATUREZA DO DIREITO DE
CONSTRUIR
Grande parte da doutrina afirma que o direito de construir é um
direito real, exercido sobre bem imóvel, a qual decorre o direito de um proprietário
ou possuidor usar e gozar da coisa como lhe aprouver.
Se o direito de construir está ligado ao uso e gozo do bem imóvel,
o que significa a faculdade de edificar solo e quais as suas limitações-
Mas a principal pergunta a ser respondida por este trabalho é se o
direito de construir é um direito real? E se as limitações existentes àquele
configuram-se num desvirtuamento desta natureza?
O Mestre MEIRELLES (1994) leciona que o fundamento do direito de
construir está no direito de propriedade, tendo em vista que esta faculdade
compreende o poder de transformar o imóvel, edificá-lo e beneficiá-lo.
O Direito de Construir é o conjunto de normas que regulam os
poderes acima transcritos, limitando-os, já que não existem poderes
absolutos, isto é, o direito de construir deve respeitar as relações de
vizinhança e o interesse coletivo, representado pelas normas administrativas
urbanísticas entre outras.
Já o Direito urbanístico não é apenas um ordenamento que
estabelece um regime de uso e ocupação do solo, ele também regula a atividade
administrativa de policiamento do cumprimento do plano Urbano. Alem do mais, este direito concretiza-se, em boa parte, na
edificação de imóveis 3 .
Os interesses que estes planos visam conciliar são os fins sociais
da propriedade e os interesses individuais dos detentores, no tocante ao
direito de edificação do bem.4
O problema ganha uma dimensão maior à medida que cresce a
urbanização, isto é, com o aumento de pessoas vivendo nas cidades, cresce a
necessidade da existência de planos (regulamentos) capazes de organizar as
estruturas urbanas diante das crescentes concentrações demográficas das cidades
ocorrida após a Revolução Industrial.
Estes planos são de responsabilidade das entidades estatais,
cabendo, no caso brasileiro, à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislarem concorrentemente sobre direito urbanístico (inciso I do art.24 da
CF). Já, os Municípios possuem competência para promover, no que couber, o
adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do
parcelamento e da ocupação do solo urbano (inciso VIII do Art.30 da CF).
São competências distintas, pois, a União e os Estados,
concorrentemente, legislarão sobre uma efetiva direção pública da atividade
urbanística, enquanto que aos Municípios cabe estabelecer planos urbanísticos
de acordo com as regras baixadas pela União e Estados.
Esta delimitação não é precisa, principalmente devido a dúvida em
torno do limite das normas suplementares especificadas no art.24, § 2° da CF e
a competência municipal estipulada no art. 30, incisos I, II e VIII da CE
Coloca-se apenas que as normas gerais baixadas pela União ou pelos
Estados (art.24, § 2° da CF) fixam as diretrizes e os princípios para o
desenvolvimento urbano, estabelecendo conceitos básicos e indicando
instrumentos para sua execução 5 6; já aos municípios cabem exatamente o
delineamento do solo urbano e a fixação do aproveitamento do mesmo,inclusive no tocante às
limitações de construir, tendo em vista os planos, que deverão ser estabelecidos
pela edilidade.
Segundo FERNÁNDEZ(1993:34) "El plano urbanístico es un
instrumento, aprobado por un acto del Poder público, que ordena el território,
estableciendo previsiones sobre el emplazamiento de los centros de producción y
de residencia del modo conveniente para la major distribución de la población;
regula la utilización del suelo para su destino
público y privado e, en especial, su urbanización y edificacíon, y, al hacerlo,
define el contenido del derecho de propriedad y programa el desarrollo de la
gestión urbanística". Continua na mesma página: " El plan está
llamado a resolver dos problemas: el de la localizacíon, con referencia a los
terrenos destinados a sistemas generales y edificios públicos, y el de la
zonificación, respecto a la edificación privada, fijando la densidad de la
problación de cada zona, porcentaje de terreno ocupable con construcciones,
volumen, forma, número de plantas y classe y destino de los edificios".
Fica claro que o direito de propriedade e conseqüentemente
o de construir encontra-se limitado pelos planos urbanísticos e pelas normas de
uso e ocupação do solo confeccionadas pelos Municípios, seguindo a orientação
das regras baixadas pela União e Estados, regras estas que, infelizmente, na
nossa legislação, não existem ou são de reduzida aplicação e de cunho bastante
abstratas. Isto é, basicamente todo o regulamento relacionado com a política
urbana vem sendo determinado pelas entidades municipais, que muitas vezes
invadem a competência constitucional atribuída pelo art. 24 da Constituição
Federal à União e aos Estados.
As limitações ao direito de construir estão intimamente contidas nestes planos,
principalmente agora que quase todas as legislações modernas consagraram o
princípio da função social da propriedade e do ordenamento técnico das cidades
visando a uma ocupação mais humana, onde as necessidades básicas sejam
atendidas e o crescimento seja ordenado.
Os mencionados ordenamentos técnicos (regulamentos)determinam
prescrições relativas à construção dos edifícios, sua altura, recuos laterais,
fundos e frente; condicionamentos referentes às zonas industriais ou
residenciais; obrigações no tocante a existência de áreas verdes ou de
estacionamento, etc.
Após o conceito proferido por FERNÁNDEZ, sustenta-se que a
natureza jurídica do Plano urbanistício é de natureza
normativa, isto é, é uma norma jurídica, onde a forma de utilização do solo
relaciona-se enormemente com o direito de propriedade e com o direito de
construir. A natureza do Direito Urbanístico é de ordem pública, ligada
intimamente ao Direito Administrativo e Constitucional. 7
Grande parte da doutrina classifica a natureza jurídica do direito
de construir como de direito privado, embora que suas limitações não sejam
apenas encontradas no Código Civil (direito dos vizinhos), mas principalmente
nos diversos regulamentos administrativos de ordem pública. Na verdade, como
ainda não se chegou a uma conclusão se o direito de construir é um direito
real, não se pode afirmar se o mesmo possui uma natureza jurídica de direito
privado ou público, diante dessas limitações.
3. RESTRIÇÕES URBANÍSTICAS AO
DIREITO DE CONSTRUIR.
Antes de se falar sobre as limitações do direito de construir e
sua natureza jurídica, deve-se dissertar sobre a função social da propriedade
urbana (art.5°, XXIII e 182 da CF), que não deixa de ser um obstáculo aos
direitos do detentor (art. 5°, XXII da CF) e à liberdade de construir, já que '
existe a concepção da propriedade como função social.
Deve-se reiterar que o objeto deste estudo é a propriedade urbana
e segundo SILVA (1994:71), "O solo passa a ter qualificação urbana, quando
ordenado para cumprir destino urbanístico, especialmente a edificabílidade
e a 'vialidade'(de viário), que não são, por
natureza, qualidades do solo. Essa qualificação é função das normas
urbanísticas que lhe fixam o destino urbanístico, a que fica vinculado o
proprietário."
A função social do imóvel urbano é um princípio constitucional
visando que os direitos do proprietário, também garantidos pela Constituição
Federal, não se sobreponham ao interesse da coletividade. O seu não cumprimento
acarretará ao detentor, em última hipótese, a desapropriação do imóvel,
mediante pagamento em títulos da dívida pública. ( Art.
182, § 4°, inciso III da Constituição Federal) Embora o exercício da
propriedade esteja preso ao atendimento de interesses sociais, a propriedade
privada não foi extinta, tendo o detentor inúmeros direitos, como por exemplo,
o direito à indenização, em dinheiro, em caso de desapropriação. O que se trata
neste momento é que o exercício do direito de propriedade deve obedecer certos
preceitos estabelecidos em prol da coletividade.
Mas que preceitos são estes? A Constituição Federal, no Parágrafo
2° do art. 182 determina que: A propriedade urbana cumpre sua função social
quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor.
Isto é, a obediência a este plano diretor é que determinará se a
propriedade está ou não cumprindo sua função social. Os planos diretores são baixados
pelos municípios, de acordo com as normas gerais e suplementares urbanísticas,
que são de competência da União e dos Estados, e visam ao planejamento do
desenvolvimento urbanístico do município, considerando diversos aspectos como
as atividades econômicas existente na cidade; a habitação; trabalho; lazer,
isto é, tudo o que preciso for para o bem estar social da coletividade 8.
Exemplificando: se nas normas indicarem que uma determinada área é
residencial, o proprietário de imóvel, nesta região, estará impedido de
construir uma casa de espetáculo, sob pena de sua propriedade não está
exercendo a função social.
Com isso conclui-se que a função social é também uma restrição ao
direito de construir.
Mas se a cidade não possuir plano diretor, como fica a funçãosocial da propriedade?
Pergunta de difícil resposta, que, sem dúvida alguma, necessitaria
' de uma monografia para tratar apenas da mesma. Nos limitaremos a colocar que
o princípio da função social consagrado no art. 5°, inciso XXIII da Constituição
Federal encontrar-se-á em pleno vigor nas cidades desprovidas de Plano Diretor,
embora que as mesmas não poderão punir com a pena de multa ou desapropriação os
proprietários de imóveis que não estejam cumprindo sua função social.
Existem outras restrições ao exercício da propriedade que também
trazem como conseqüência a limitação ao Direito de
Construir. Tais restrições na maioria das vezes são urbanísticas e podem ser
classificadas de acordo com o seu objetivo: a. funcionalidade urbana; b. guarda
de traços culturais, estéticos e paisagísticos; c. segurança.
O primeiro item é o mais abrangente e envolve todas aquelas normas
que objetivam o ordenamento do crescimento das cidades, buscando-se evitar
problemas urbanísticos como alta concentração demográfica em certas áreas;
falta de saneamento básico; insuficiência de equipamentos urbanos; existência
de vias públicas que não suportam mais o tráfego existente, entre outros.
O difícil destas restrições são as mesmas surtirem efeito quando
as dificuldades já existem, embora seja imprescindível a aplicação das
limitações.
Medidas podem ser tomadas, entre elas: diminuição do índice de
aproveitamento em caso de construções que acresçam área em relação à área do
imóvel; alargamento de vias; proibição de edificação quando o imóvel estiver em
vias de desapropriação (áreas "non aedificandi");
decretação da destinação dos imóveis como residenciais, proibindo-se assim a
transformação em comerciais, etc.
As medidas acima mencionadas são apenas enumeradoras e quase sempre buscam
controlar o crescimento populacional de áreas já saturadas, incentivando a
transferência da população para outras áreas e dificultando o crescimento das
regiões possuidoras de grandes ativos demográficos.
As outras restrições são de cunho cultural e operacional, pelas
quais se proíbe, por exemplo, a construção ou modificação em prédios tombados
pelo patrimônio histórico e cultural.
Mas qual é a importância deste estudo sobre as limitações ou
restrições para o direito de construir?
A resposta é simples: seria incompleto o trabalho se o mesmo não
abordasse algumas questões relacionadas com o Direito Urbanístico e alguns dos
seus institutos, como noções sobre o plano diretor, competência administrativa;
espaços não edificáveis e outros assuntos que atingem a faculdade de usar,
gozar e dispor da propriedade.
O direito em estudo configura-se numa matéria bastante ampla, onde procuramos
apenas mencionar alguns exemplos limitadores do poder de construir, embora o
cerne deste trabalho seja caracterizar a natureza jurídica do Direito de
Construir, levando-se em conta a separação entre a propriedade do solo e o
referido direito.
4. PROPRIEDADE DO SOLO E O DIREITO
DE CONSTRUIR -CONCLUSÃO.
Apesar de estarmos vivendo uma onda neoliberal, o nosso direito
ainda ressente-se da contínua publicização do direito privado. Esta atividade é
decorrente principalmente dos acontecimentos econômicos na primeira metade
deste século, onde autores, como Keynes 9, pregoavam o intervencionismo do
Estado na Sociedade em geral (economia, direito, etc.) visando corrigir as
distorções do liberalismo capitalista.
Esta publicização tornou muito mais forte a abrangência da parte
final do art. 572 do Código Civil que condiciona o Direito de Construir aos
regulamentos administrativos, proibindo-se assim o uso abusivo desta
propriedade em detrimento dos interesses da coletividade 10. Exemplificando,
aumentando-se o número de regulamentos administrativos, limita-se, por conseqüência, a liberdade de edificar o solo.
Isto já foi exposto, mas o importante agora, já que conhecemos o
que é o Direito de Construir, é concluirmos se este está dissociado da
propriedade do Imóvel.
O Direito da Construção segundo CORREIA(1989:90) compreende o
conjunto de normas jurídico-administrativas e jurídico-privadas concernentes à
edificação de um imóvel.
A doutrina alemã diferencia o "direito público da
construção" (öffentliches Baurecht)
do "direito privado da construção" (privates
Baurecht).
O direito público da construção pode ser entendido como o direito
da regulamentação, onde o estado dita normas que delimitam a construção nos
bens imóveis. Já o "privates Baurecht",
conforme os estudos do professor Português CORREIA (1989:90) "constitui o
direito da construção propriamente dito e abrange o conjunto das normas
jurídicas privadas que, no quadro da `liberdade de construção' (Baufreiheit), disciplinam as relações jurídicas entre os
participantes no planejamento e na execução de uma edificação".
Essa diferenciação entre direito público da construção e direito
privado da construção torna basicamente a natureza jurídica do Direito de
Construir como sendo híbrida, o que não satisfaz em termos de conclusão.
Mais uma vez se questiona, será que o Direito de Construir é um
Direito Real? Ou melhor, um Direito Privado, ou as limitações impostas pelas
entidades públicas o transforma numa matéria de Direito Público?
O Direito de Construir emana da propriedade privada e as
restrições determinadas pela administração a estes não tem o poder de
desvirtuar o caráter privatístico da propriedade e conseqüentemente do seu uso, gozo e disponibilidade.
O mais correto é que o proprietário, ao exercer o seu direito de
construir, esteja utilizando-se dos seus direitos públicos subjetivos (direito
à propriedade), onde possui o direito de modificar, transformar ou acrescer
construções no seu imóvel, respeitando as determinações impostas pelo ente
público. Isto é, o detentor ou possuidor possui, através das legislações, o
direito de construir, sem qualquer embargo estatal, desde que esteja de acordo
com os limites traçados.11
A interferência do poder público não chega ao ponto de suprimir o
direito de construir na propriedade imóvel, até porque não poderia, pois
estamos diante de um direito fundamental previsto na Constituição vigente
(direito público subjetivo), logo, se as relações predominantes são de
interesse particular, pode-se concluir que esta matéria possui a natureza
jurídica de Direito privado.
Mas se porventura as restrições advindas do ente público forem de
uma maneira capaz de desvirtuar o poder que o detentor possui sobre uma
determinado coisa, estar-se-ia diante de um esbulho à propriedade privada, o
que ensejaria um pedido de indenização diante da desapropriação indireta.
Mesmo que as limitações impostas sejam em benefício da
coletividade, jamais tais restrições devem atingir o ponto de inviabilizar o
direito de construir dos proprietários, pois as entidades estatais, estariam publicizando um bem privado e isto só poderia ocorrer, de
acordo com a Constituição, com a prévia e justa indenização em dinheiro.
Em síntese, o Direito de Construir é um Direito Real, isto é, é o
direito de construir sobre uma coisa, desde que se obedeça as restrições
impostas, o que levaria caracterizar tais normas como de ordem pública, mas não
de Direito Público.
O que há, segundo SILVA (1994:64), é que "as normas do
direito privado sobre a propriedade privada hão que ser compreendidas de
conformidade com a disciplina que a Constituição lhes impõe".
A separação entre a propriedade do solo e o Direito de Construir é
defendida por aqueles que acham que este direito não é mais advindo do direito
de propriedade, mas do poder público através de concessão.12 O "ius aedificandi" não
pertence mas ao proprietário, mas está preso ao determinado
nos planos urbanísticos.
O que se discute neste momento é que se o proprietário ou
possuidor de um determinado imóvel quiser utilizar do seu "ius aedificandi", obedecendo
todas as limitações dos planos urbanísticos, poderá ser impedido de fazê-lo pelo
fato de o Poder Público negar a "concessão"?
A resposta parece ser negativa, pois a administração estaria
abusiva e ilegalmente restringindo o direito de propriedade. O particular ao
apresentar seu projeto de construção às autoridades competentes não estaria
contratando com estas, mas apenas levando ao conhecimento destas o desejo de
construir no seu imóvel. Ora, se o projeto atender às normas, a edilidade não
terá outra alternativa, isto é, terá que emitir o alvará de construção.
O exposto acima pode ser fundamentado com a lição proferida pelo
Professor MEIRELLES (1990:117-118) que afirma ser o alvará:
"instrumento da licença ou da autorização para a prática de ato,
realização de atividade ou exercício de direito dependente de policiamento
administrativo. É o consentimento formal da Administração à pretensão do
administrado, quando manifestada em forma legal. O alvará pode ser definitivo
ou precário: será definitivo e vinculante para a administração quando expedido
diante de um direito subjetivo do requerente como é a edificação, desde que o
proprietário satisfaça todas as exigência da normas edilícias." Continua
na outra página: "alvará de licença não pode ser invalidado
discricionariamente, só admitindo revogação por interesse público superveniente
e justificado, mediante indenização ou cassação por descumprimento das normas
legais na sua execução".
Deve-se sempre frisar que a concessão de alvará de construção
constitui um ato administrativo vinculado, de maneira que, estando presentes as
condições necessárias para seu deferimento, a administração não pode deixar de
fazê-lo.13
Concluindo, de acordo com o parágrafo anterior, o Direito de
Construir não é uma concessão pública, pois o mesmo presume um direito que
recai sobre um objeto que se encontra tutelado no Código Civil, mais
especificamente no artigo 572 do referido diploma. Logo o Direito em estudo não
pode estar separado da propriedade do solo, pois é desta que surge o poder de
edificar, mesmo que restringido por normas de direito civil e limitado pelos
planos urbanísticos. .
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÂFICAS
1 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo, 1°ed.,
São Paulo, Saraiva, 1994.
2 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 4*ed., São
Paulo, Malheiros, 1993.
3 CORREIA, Fernando Alves. O Plano Urbanístico e o Princípio da
Igualdade, Coimbra, Almedina, 1989.
4 ECO, Humberto. Como se faz uma tese, São Paulo, Perspectiva
1987.
5 FERNÁNDEZ, Antonio Carceller.
Introducción AI Derecho
Urbanístico. 2.ed., Madrid, Tecnos,1993.
6 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo. São P
a u l o , Malheiros,1994.
7 GUERA, Maria Magnólia Lima. Aspectos jurídicos do uso do solo
urbano. Fortaleza,1981.
8 GUERA, Willis Santiago. Noções Práticas de Direito de Construir.
Fortaleza, Imprensa Universitária da UFC, 1976.
9 MEIRELES, Hely Lopes. Direito Municipal brasileiro. 7.ed., São P
a u l o , Malheiros,1994.
10 MEIRELES, Hely Lopes. Direito de Construir. 6.ed, São Paulo,
Malheiros, 1994.
11 MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro.15.ed,
São Paulo, RT,1990.
12 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 15.ed, São
Paulo, Saraiva, 1987.
13 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo.
6.ed., São Paulo, RT,1989.
14 SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico brasileiro. 2.ed., São
Paulo, Malheiros, 1995.
1 "Hely Lopes Meireles tem posição diferente da sustentada
aqui, no que tange à distinção entre restrições e limitações. Ele distingue os
dois conceitos com base no fundamento jurídico: se de direito civil, é
restrição; se de direito público, é limitação." (José Afonso da Silva,
Direito Urbanístico Brasileiro, p.360)
2 "O princípio geral da proporcionalidade em sentido amplo ou
da proibição do excesso significa que as medidas do plano que estabelecem
restrições ou que proíbem a realização de transformações urbanísticas nos
imóveis dos particulares devem ser adequadas, necessárias e proporcionais ao
fim público de ordenamento urbanístico do plano. As referidas medidas do plano
não podem ser desadequadas, antes devem ser idóneas para a prossecução dos objectivos do plano. Em segundo lugar, aquelas disposições
do plano devem ser necessárias ou indispensáveis, isto é, não devem ser
estabelecidas quando o mesmo fim puder ser atingido com outros meios menos
onerosos para o cidadão. Em terceiro lugar , as
medidas citadas devem ser proporcionais, no sentido de que os custos ou
inconvenientes que delas resultam não podem ser notoriamente excessivos em
relação ao fim público por elas realizados. ( Fernando
Alves Correira. O Plano Urbanístico e o Princípio de
Igualdade, p.296-297).
3 Fernando Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da
Igualdade, p.91.
4 "Los princípios generales en los que el ordenamiento
urbanístico tiene su fundamento y en los que ha de integrarse o interpretarse
son, aparte de los de lagalidad e igualdad, los de respeto del derecho a la
propriedad privada e de delimitación de contenido de este derecho a través de
su fución social; a los que puede anadirse, según algunos, el de subsidiariedad"(Àntônio
Carceller Fernández, Introducción Al Derecho Urbanístico, p.18).
5 José Afonso da Silva. Direito Urbanístico Brasileiro, 2°ed, São
Paulo. p.58.
6 O desenvolvimento urbano consiste na ordenada criação, expansão,
renovação e melhoria dos núcleos urbanos. Não é objeto das normas gerais
promover em concreto esse desenvolvimento, mas apenas apontar o rumo geral a
ser seguido, visando a orientar a adequada distribuição espacial da população e
das atividades econômicas com vistas à estruturação do sistema nacional de
cidades e a melhoria da qualidade de vida da população. Quer dizer, o campo das
normas gerais será o desenvolvimento interurbano e o mero delineamento para o
desenvolvimento intra-urbano. Aqui seu limite
específico. Avançar neste será invadir terreno
municipal. ( José Afonso da Silva, Direito Urbanístico
Brasileiro,2°ed, São Paulo. p.58).
7 "Aunque se han formulado várias teorias (Derecho Especial, rama
jurídica interdisciplinaria y social, conjunto de normas de naturaleza distinta,
moderno capítulo del Derecho administrativo), la naturaleza del Derecho
Urbanístico es, basicamente, la del Derecho administrativo, como una
pertenencia de su parte especial; lo que no obsta para que haya de expornese y
deba comprenderse en relación con las instituciones del Derecho civil y, en
particular, del derecho de propriedad privada". (Antônio Carceller Fernández, Introducción
Al Derecho Urbanístico, p. 18).
8 "Com as normas dos arts.182 e 183, a Constituição
fundamenta a doutrina segundo a qual a propriedade urbana é formada e
condicionada pelo direito urbanístico a fim de cumprir sua função social
específica; realizar as chamadas funções urbanísticas de propiciar habitação
(moradia), condições adequadas de trabalho, recreação e de circulação humana,
realizar, em suma, as funções sociais da cidade (CF, art.182)".(8
José Afonso da Silva. Direito Urbanístico Brasileiro, 2°ed, São Paulo. p.67)
9 John Maynard Keynes (1883-1946) "considerou os problemas
dos grandes agregados a curto prazo e esforçou-se no sentido de contestar a
condenação marxista do capitalismo: este poderia ser preservado, em sua parte
essencial, se reformas oportunas fossem efetuadas, já que um capitalismo não
regulado mostrara-se incompatível com a manutenção do pleno-emprego e da
estabilidade econômica". (PEREIRA, Wlademir
-Coordenador. Manual de Introdução à Economia - Equipe de professores da USP,
São Paulo, Saraiva,1987, p.19-20).
10 "Tratando-se de propriedade imóvel, mais premente é a
necessidade das construções para que possa o dono auferir todas as vantagens e
colher todos os frutos que o terreno lhe proporciona. Embora amplo, o direito
de construir não é absoluto, porque as relações de vizinhança e o bem estar
coletivo impõe ao proprietário certas limitações a esse direito, como, de
resto, a todo direito individual, visando assegurar a coexistência pacífica dos
indivíduos em sociedade."(MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir,
6°ed. São Paulo, Malheiros,1994, p.26)
11 "Para nós, os diretos públicos subjetivos são momentos
desse processo de organização da vida social, de tal sorte que, não apenas
existem direitos e deveres para os indivíduos, como também, concomitante e
paralelamente, direitos e deveres para o Estado: é algo que resulta da natureza
mesma da evolução histórica. É tão essencial ao Estado, no mundo contemporâneo,
o reconhecimento de esferas primordiais de ação aos indivíduos e grupos, que,
embora os direitos públicos subjetivos possam sofrer redução, grande número
deles sempre subsiste, até mesmo nos Estados totalitários. A estrutura mesma da
sociedade atual impõe esse reconhecimento, que tendo progressivamente a
alargar-se, como uma exigência da razão histórica, isto é, como fruto da
própria experiência histórica. (Miguel Reale, Lições
Preliminares de Direito, p.270-271)
12 " Em primeiro lugar, vem a idéia
de que a faculdade de construir não é propriamente inerente ao direito de
propriedade do terreno; só será, mesmo no nosso sistema, em relação aos
terrenos com destino urbanístico preordenado à edificação, valendo dizer que o
direito de construir nasce com a ordenação urbanística qualificadora de
determinado terreno como edificável."(José Afonso da Silva, Direito
Urbanístico Brasileiro, p. 75)