Reflexões sobre políticas públicas e tributárias direcionadas à economia dos cuidados
Palavras-chave:
Desigualdade de gênero, Tributação e orçamento, Mulher, Economia do cuidado, VulneráveisResumo
O presente estudo, por meio de uma metodologia qualitativa e exploratória, de índole documental e de revisão de literatura, busca trazer ao debate a possibilidade de adoção de políticas públicas, à luz do modelo de Estado Social consagrado na Constituição de 1988, direcionadas ao compartilhamento entre Estado, mercado e família da tarefa de cuidado com crianças, adolescentes, idosos, enfermos e pessoas com deficiência. Destacou-se a importância de considerar a desigualdade de gênero, pois a tarefa de cuidados recai culturalmente às mulheres, em interseção com classe e raça, vez que imbricadas no contexto do trabalho de cuidado. Assim, a temática do cuidado pode ser enfrentada por meio de políticas públicas, incluindo transferências diretas e tributárias. Conclui-se que o Estado pode atuar mais ativamente, se investir em creches, pré-escolas, escolas de tempo integral, bem como espaços comunitários para atividades lúdicas ou esportes, casas de repouso, restaurantes e cozinhas comunitárias, além da regulamentação legal mais equânime dos prazos de licença-maternidade e licença- paternidade, ou mesmo sob a nomenclatura de licença parental. Em razão da intensa desigualdade socioeconômica brasileira, foi apontada a importância de transferências diretas para o custeio do cuidado às pessoas de baixa renda familiar, como complemento à remuneração oriunda de emprego formalizado, a exemplo do que outros sistemas fazem, como o sistema francês. A França prevê as transferências diretas chamadas de “allocations familiales”, cujos pagamentos diretos são destinados a famílias com filhos, bem como transferências diretas destinadas às aulas escolares, denominada “allocation de rentrée scolaire”, considerando a renda familiar, mesmo que os responsáveis tenham emprego formal. Além de transferências diretas, também foi abordada a utilização dos tributos como instrumento de apoio e reconhecimento da função de cuidados de pessoas. Pretende-se, ainda, estimular o debate sobre devolução de tributos sobre o consumo para redução de desigualdade econômica (apelidada de “cashback tributário”), a ampliação de deduções de despesas com educação e dedução de despesas com cuidadores do imposto de renda da pessoa física brasileiro para família com rendas mais baixas, mas que já são tributadas, semelhante aos sistemas francês e português.
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